Prédica: João 14.1-6
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: Ano Novo
Data da Pregação: 01/01/1987
Proclamar Libertação – Volume: XII
l – Considerações exegéticas
O texto previsto para o Ano Novo pertenceu, na antiga Ordem de Perícopes ao dia da Ascensão. Uma meditação sob este enfoque encontra-se em Proclamar Libertação II. Na nova Ordem de Perícopes o texto é previsto para o Ano Novo.
João 14.1-6 é bastante conhecido pela comunidade. O v. 6 foi lema do ano na IECLB em 1985. Além disso João 14 é uma das leituras da liturgia de sepultamento na Agenda de Ofícios e como tal bastante conhecida.
Karl Barth, em sua preleção de despedida, deu um último conselho aos seus alunos: Exegese, exegese – e mais uma vez exegese. Também nós faremos bem em não negligenciar a exegese de nosso texto.
V. 1 – Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim.
A situação dos discípulos é determinada pela partida de Jesus. Judas está para traí-lo (13.2); a sua hora de passar deste mundo para o Pai é chegada (13.1). Duas vezes Jesus afirma: Para onde eu vou, vós não podeis ir (13.33, 36).
A partida de Jesus significa solidão e abandono para os discípulos. O seu coração está turbado. Aquele que curou o cego (cap. 9), que ressuscitou Lázaro (cap. 11) e sempre estivera com eles, faltará.
Para dentro desta situação Jesus exclama: Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim.
As palavras de Jesus soam como ordens. Um grupo desconcertado é para ser orientado (Iwand, p. 640). Que Jesus caminha para a morte não deve abalar a fé dos discípulos nele – pois com a fé nele perderiam também a fé em Deus (Frick, p. 88).
Jesus convida para crer nele. Crer significa olhar para Jesus e esperar dele todo o bem
… quem realmente se deixa orientar por este chamado, está colocado num caminho que conduz para fora de incerteza e perturbação (Brandt, p. 67).
V. 2 – Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar.
Jesus interpreta sua morte como volta para o Pai. Sua morte não representa a ida para o nada; ela é o caminho para a casa paterna.
Ao mesmo tempo Jesus dá à sua ida ao Pai um caráter dinâmico: Pois vou preparar-vos lugar.
A casa do Pai não significa outra coisa do que o reino de Deus (cf. 2 Co 5.1; Jo 18.36). Muitas moradas acentua que o reino de Deus é também o reino dos crentes. Neste reino há lugar para muitos.
O reino de Deus já existe e ao mesmo tempo ainda tem que ser preparado. Ele é presente (18.36) e futuro simultaneamente.
V. 3 – E quando eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que onde eu estou estejais vós também.
Jesus fala de sua parusia. Quando de sua volta, ele receberá os discípulos para que onde ele está estejam também eles.
O reino do Pai e do Filho é também o reino dos discípulos. Os crentes já pertencem a ele e, paradoxalmente, ainda serão recebidos neste reino.
Nos vv. 1-3 Jesus aponta para o reino e, portanto, para a esperança dos discípulos e de todos os crentes. Jesus representa o centro da salvação, o reino, a amplitude da salvação.
V. 4 – E vós sabeis o caminho para onde eu vou.
v. 5 – Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho?
Jesus pressupõe que os discípulos conheçam o caminho para o Pai e seu reino.
A resposta de Tomé revela a cegueira dos discípulos e dos crentes. Eles não sabem que Jesus vai para o Pai. Eles também ignoram como chegar ao Pai. Eles desconhecem que o Pai e o Filho são um e que, estando com o Filho, eles estão com o Pai (14.9,10).
Portanto Jesus enfatiza:
v. 6 – Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.
Trata-se de uma frase em estilo de revelação. Sempre que Jesus inicia uma sentença com EGÕ EIMI (eu sou) ele revela algo importante (cf. 6.35; 10.14; 11.25).
O acesso para o Pai – afirma Jesus – sou eu.
Com esta revelação Jesus quer superar a cegueira de Tomé e dos crentes. Não há outro caminho para o Pai, a não ser o Filho. Fora deste caminho ninguém chega ao Pai. O Filho é o método para chegar ao Pai. É preciso, portanto, permanecer neste caminho que é o Filho. Por outro lado, quem está neste caminho já está simultaneamente no alvo, pois o Pai e o Filho são um e quem está no Filho já está no Pai.
Se no v. 3 se trata da volta de Cristo em sua parusia, no v. 6 Jesus fala de sua presença junto aos seus depois da crucificação, entre a páscoa e a paru¬sia.
Ele permanece aquele que atua entre os seus discípulos, que os move e que os leva ao alvo (cf. Schlatter, apud Frick, p. 89).
V. 6b – e a verdade …
Porque Jesus é o caminho para o Pai, ele é simultaneamente o caminho para a verdade.
No evangelho de João, verdade e mentira são palavras que aparecem lado a lado. E para o evangelho é no posicionamento do homem diante do Filho que se decide se ele está na verdade, e se ele é livre (8.31, 32), ou se ele está na mentira, e é escravo.
A verdade não é um conjunto de sentenças, mas uma pessoa. Quem chega a esta pessoa está na verdade.
Quem, por outro lado, se fecha diante do Filho e de sua palavra, permanece na mentira, porque não está no Pai.
É isto que os judeus não entendem, pois raciocinam que é suficiente ser descendente de Abraão. Também Pilatos não o compreende. Colocado diante de Jesus que lhe diz que veio para dar testemunho da verdade (18.37), ele reage evasivamente com a pergunta: Que é a verdade? (18.38), e prefere cuidar de seu futuro (19.12-16).
Eu sou a verdade – diz Jesus – e indaga se o homem quer continuar com suas verdades, e portanto na mentira, ou nele, e portanto na verdade.
Ter um compromisso com o Filho é ter sempre um compromisso com a verdade.
V. 6c -… e a vida;
A vida que todos procuram – sou eu – diz Jesus.
Morte e vida são palavras que no encontro com Jesus recebem um conteúdo novo. Morte não é apenas a morte física. Os mortos mencionados no evangelho (5.24, 25) são pessoas no mundo que não vivem a vida verdadeira, pois não conhecem a vida oferecida por Deus. Uma vida sem Deus não é vida, mas morte (Frick, p. 40).
A vida, por outro lado, não é apenas a vida física, mas a vida com Deus. O que é a vida o homem experimenta apenas no encontro com aquele que diz: a vida – sou eu. Pois no encontro com ele o homem se encontra com Deus.
A ressurreição de Lázaro no evangelho aponta para aquilo que acontece através da atuação de Jesus: mortos ressuscitam.
A palavra de Jesus acorda mortos para a vida.
Não se tem a vida verdadeira de outra maneira, portanto, a não ser no discipulado, na fé, permanecendo na sua palavra. Na fé a vida eterna já começa agora (5.24). E esta vida se manifesta no amor aos irmãos. Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte (1 Jo 3.14; cf. Jo 13.34, 35).
Resumo:
Os discípulos estão desorientados. Jesus faltará. Para dentro desta situação Jesus pede que creiam nele. Sua morte não representa o fim, mas é apenas a volta para o Pai. E a casa do Pai é também a casa dos crentes.
Crer em Jesus é crer na casa do Pai, no reino.
Mas também para o tempo entre a páscoa e a parusia Jesus permanece o caminho para os seus.
Quem está nele e em sua palavra está no Pai; quem está nele e em sua palavra está na verdade; quem está nele e em sua palavra tem a vida, pois está naquele que é a fonte da vida.
O método para estar no Pai, na verdade e na vida é o Filho e o discipulado.
II – Considerações homiléticas
A concentração cristológica é a característica deste texto previsto para a prédica no Ano Novo. O desafio para nós é como trazer a riqueza da mensagem deste texto em uma prédica.
Eu proponho que a prédica do Ano Novo não tente esgotar o texto em todos os seus detalhes, mas traga a boa notícia de que a comunhão com o Filho é o essencial, pois em comunhão com ele estamos com o Pai e, conseqüentemente, na verdade e na vida.
Como Tomé revelou a cegueira dos discípulos e dos crentes, ignorando que Cristo é o caminho para o Pai, assim também nós somos cegos para esta verdade. Nós necessitamos que ela nos seja dita sempre de novo com clareza e alegria, para que nos alegremos e construamos a nossa vida sobre um fundamento firme, que não seja fugaz e passageiro como as verdades do mundo.
Não se trata de polemizar no início do ano, nem de ser legalista, mas de anunciar à comunidade a boa nova.
No fim do ano e no início do ano são muitas as previsões feitas através dos meios de comunicação. E são muitos os homens que se baseiam em seus passos em predições de videntes. Políticos não dão um passo sem a orientação de seu guru. No alinhamento dos astros se lêem uniões amorosas prestes a se formar ou a se desfazer e a oscilação das ações na Bolsa de Valores.
Muita gente tenta, através de consultas a sensitivos e videntes, abrir uma janela para o céu.
Nós não queremos engrossar as fileiras deles, nem polemizar contra eles, mas ser ouvintes e mensageiros do evangelho de Jesus Cristo.
Neste sentido cabe destacar na prédica que: a) aguardamos a volta do Filho e o reino de Deus; b) enquanto estivermos no caminho que é Cristo, estaremos no caminho e simultaneamente no alvo.
Lembro aqui a vida de um dos mais importantes pais da Igreja, Agostinho, que permaneceu os melhores anos de sua vida como seguidor do maniqueísmo. Depois de ter descoberto Cristo ele escreveu que esbanjou os dez melhores anos de sua vida em uma doutrina que não era a verdade. E nas Confissões ele pergunta como pôde ser tão cego de não te encontrar, ó Deus da misericórdia, e a ti, ó Cristo, em quem está a verdade e a vida.
A menção de Agostinho e das Confissões nos lembra que a prédica de que o Filho é o caminho, a verdade e a vida, deve transmitir algo da alegria proveniente da descoberta de que ele é a nossa vida.
Finalizo comentando um filme que assisti há poucas semanas: Ben Hur. (Vale a pena assistir o filme ou ler o livro, pois contém bons estímulos para o pregador).
Ben Hur pertenceu a tradicional família judia. O Império Romano significou para ele e para a sua família a desgraça. Judá Ben Hur foi feito escravo de uma galera romana e sua mãe e sua irmã foram esquecidas em um cárcere e ficaram leprosas. O único sentimento que mantinha Judá Ben Hur com vida era o ódio e o desejo de vingança.
Mas então ele descobre Cristo. Cristo cura a sua mãe e a sua irmã e também ele é curado: Cristo tira o ódio de seu coração. Judá Ben Hur torna-se nova criatura.
Cristo foi para ele o caminho para uma vida diferente.
O filme mostra com riqueza de detalhes que num mundo determinado pela força e pelo ódio, Cristo inaugura uma vida nova. Esta vida é oferecida a todos.
Lembrar isto no início do ano, mesmo que não haja muitos ouvintes no culto, será uma boa maneira de iniciar o ano.
Proponho o seguinte esboço de prédica:
III – Esboço de prédica
1. Jesus está para deixar os discípulos. Ele não estará mais com eles fisicamente. Os discípulos sentem que ele lhes fará falta. Eles estão desorientados.
Também nós estamos iniciando uma caminhada nova: começou mais um ano. Sentimo-nos esperançosos, mas também temos receios. O futuro sempre nos deixa apreensivos. O que trará 1987?
O que Jesus diz a seus discípulos que estão temerosos? Ele lhes lembra que partirá. Ele será crucificado. Mas a cruz será apenas o caminho para o Pai. E ele voltará. E quando ele voltar, ele os receberá para que também eles participem com ele do reino do Pai.
Assim Jesus lhes lembra que a fé inclui a esperança. Mas não uma espe¬rança qualquer. Antes a esperança do reino do Pai.
Crer é crer no reino do Pai.
Não sabemos o que acontecerá em 1987. Mas se houver dificuldades, elas não terão a última palavra. Crer em Jesus é crer no reino do Pai.
Esta é a nossa esperança cristã. Contrário a uma opinião generalizada, esta esperança não é ópio, mas força, energia e coragem para a vida.
Muitas vezes nos esquecemos que o alvo de nossa vida é o reino de Deus.
2. Impressionante como são cegos os discípulos. Jesus pressupõe que eles sabem tudo sobre o reino de Deus e sobre ele. Mas Tomé mostra a sua cegueira e a dos discípulos quando diz: Não sabemos para onde vais, e como saber o caminho?
Como os discípulos, também nós somos cegos. A Igreja é cega. Perten¬cemos à Igreja e não sabemos as coisas mais simples sobre a fé. Procuramos a vida e não sabemos onde encontrá-la.
Por isso Jesus diz: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida, e nos dá com esta palavra uma orientação clara.
A fé inclui duas coisas: a esperança – e Cristo. O Cristo vivo, presente, atuante.
O que nós procuramos: Deus, a vida, a verdade, – nós o encontramos no Filho.
Numa auto-escola se aprende a dirigir, a estacionar, o instrutor transmite os conhecimentos básicos para dirigir com segurança. Depois de tudo ensinado, o aluno faz a carteira de habilitação e não necessita mais da auto-escola. Ela se tornou supérflua para ele.
Muitas vezes agimos da mesma maneira na fé. Aprendemos que devemos amar, sabemos os mandamentos, mas Jesus se tomou supérfluo.
O Evangelho de João põe Jesus no centro. O reino, a esperança – e Jesus. Devemos ficar nele, nas suas palavras. Quem permanece nele descobre uma vida nova, uma vida que se manifesta no amor aos irmãos; uma vida que expulsa o ódio, a mentira. Uma vida sob a graça de Deus.
Esta é a novidade do texto.
Há algum tempo a televisão mostrou o filme Ben Hur (Resumir aqui a vida de Judá Ben Hur e mostrar que Cristo fez dele uma nova criatura).
Credes em Deus, crede também em mim, exclama Jesus.
Se permanecermos nele, vamos ver que nossa vida neste ano será outra. Será uma vida com Deus, comprometida com o amor, com a verdade. Uma vida com esperança.
Não preguei ainda seguindo este esboço, mas creio que o roteiro apresentado contém uma proposta viável. Cada leitor deverá achar, no entanto, o seu caminho e poderá então acentuar detalhes não considerados neste esboço.
IV – Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados. Senhor, nosso Deus e Pai. Nós te somos gratos que podemos iniciar este ano em teu nome e reunidos como teu povo. São muitas as previsões que ouvimos nos últimos dias sobre tudo aquilo que poderá acontecer neste ano. Nós sabemos, no entanto, que o futuro pertence a ti, e isto é bom. – Pedimos, Senhor, que nos perdoes as faltas que cometemos no ano que passou, onde não agimos com amor, onde fomos injustos. Que com teu perdão possamos iniciar um novo ano sob a tua graça. Tem piedade de nós, Senhor.
2. Oração de coleta. Senhor, os homens procuram a vida de tantas maneiras e também nós a procuramos muitas vezes em muitos lugares, e nos esquecemos que a vida está em ti. Pedimos, Senhor, que teu Espírito nos abra a compreensão para a tua palavra e que ele nos conduza para a verdadeira vida. Em nome de Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.
3. Oração de intercessão. Assuntos para a oração de intercessão:
– agradecer pela Igreja e pelo verdadeiro tesouro da Igreja, o evangelho de Jesus Cristo;
– agradecer pela existência da comunidade bem concreta na qual podemos estar;
– pedir pelos casais e pelas famílias da comunidade; para que sejam um lugar de diálogo e de perdão;
– que não percamos anos de nossa vida procurando a verdade e a vida onde não a podemos encontrar;
– 1987 é um ano que Deus nos dá em sua graça; pedir que todos procurem viver tendo um compromisso com o amor e com a verdade neste ano;
– interceder pelos políticos, pelos administradores, para que tenham um compromisso com Cristo;
– interceder pela Igreja em todo o mundo, para que seja alegre mensageira da vida que existe em Cristo, o Filho de Deus, vida que se manifesta no amor;
– adoração final.
V- Bibliografia
– BRANDT, H. Meditação sobre João 14.1-12. In: Proclamar Libertação, v. 2. São Leopoldo, 1977.
– FRICK, N. Das Johannesevangelium in Bibelstunden. Göttingen, 1977.
– IWAND, H.-J. Meditação sobre João 14.1-14. In: Predigt-Meditationen. Göttingen, 1966.
– SANTO AGOSTINHO. Confissões. In: Os pensadores. Abril Cultural, 1978 (aconselho este livro para leitura pessoal).