Série: Quer seja oportuno, quer não
Tema: Curandeirismo: Um jeitinho popular de cura?
Explicação do tema:
As igrejas tradicionalmente condenam o curandeirismo como prática obscura. A medicina oficial o descarta como prática não-científica. Apesar disso, cresce, dia após dia, o número de pessoas que procura no curandeirismo a cura para os seus males.
O que leva as pessoas ao curandeiro são: desespero, falta de recursos, fé na cura. Outrossim ,não podemos negar que, de fato, acontecem curas através dos ritos do curandeirismo. A pergunta é: Donde vem este poder? As igrejas sempre souberam responder: do diabo!
No entanto, Jesus também curava através de ritos e, além disso, deu poder de cura também a seus discípulos. Podemos condenar taxativamente as curas feitas fora dos muros das igrejas e dos hospitais e farmácias?
Texto: Marcos 5.25-34
Autor: Friedrich Gierus
l – O contexto
A história da cura da mulher enferma se encontra inserida no relato da ressurreição da filha de Jairo. A cura acontece no caminho à casa de Jairo, um homem de destaque na sinagoga, que pedira a Jesus para salvar sua filha de uma doença grave. O episódio contribuiu para o atraso de Jesus, de maneira que a criança veio a falecer antes que Jesus pudesse ajudar. Para os familiares e amigos de Jairo não valia mais a pena insistir junto ao mestre: Tua filha já morreu; por que ainda incomodas o Mestre? Mas Jesus o consola: Não temas, crê somente! Em seguida ressuscita a menina.
No conceito do evangelista Marcos, a cura da mulher e a ressurreição da menina são sinais da presença do Reino de Deus. Ele mostra ainda que a fé é a ponte, ou digamos, o único caminho pelo qual a salvação de Deus chega ao homem. Pois mais tarde no cap. 6.5 ele constata: Jesus não pôde realizar muita coisa em sua terra, faltou a fé! Admirou-se da incredulidade deles (Mc 6.6). Esta observação nos ajuda a ver a importância da fé na cura da mulher. Em seguida, o evangelista revela com que poderes Jesus equipa os seus discípulos: ele dá autoridade sobre os espíritos imundos (Mc 6.7) e relata que os discípulos pregavam ao povo, expulsavam demónios e curavam enfermos (Mc 6.12-13). Mas também estes poderes transferidos não funcionam sem fé. Isto mostra a história da cura do jovem possesso (Mc 9.14ss.), onde os discípulos foram procurados para ajudar, mas eles não conseguiram fazer nada. Jesus dá a explicação com a exclamação: Ó geração incrédula! Onde não há fé, não se manifesta o Reino de Deus! Onde, porém há fé, acontece o impossível, pois, tudo é possível, ao que crê (Mc 9.23).
II – Estrutura e mensagem da perícope
1. A introdução (524b – 26)
O pedido de uma autoridade da sinagoga para salvar a sua filha provoca a curiosidade do povo. Já que Jesus se pôs a caminho, decerto haverá algo para ver. Por isto: grande multidão comprime Jesus.
Com o versículo 25, o evangelista abre o parênteses: ele leva o interesse do leitor para uma mulher que se encontra numa situação deplorável. Ela está muito doente. Há doze anos vinha sofrendo uma hemorragia. Todas as tentativas de obter a saúde, através dos médicos, resultaram na frustração. Agora ela está num estado de miserabilidade absoluta:
a) A doença em si foi considerada uma revelação da ira de Deus, por motivo de pecados cometidos pela doente (S1 31, 32, 38).
b) A hemorragia fez a mulher imunda (Lv 15.25), quer dizer, ela estava excluída da comunhão dos familiares. Porque tudo que ela tocava, ficava imundo. E todos que entravam em contato com ela, ou qualquer objeto que ela usava, ficavam imundos. Assim, esta mulher estava completamente isolada.
c) A doente também não tinha mais acesso ao templo, sob pena de morte (Lv 15.31).
d) A mulher, sobretudo, também era pobre materialmente, porque gastara tudo que tinha para obter cura pelos médicos (Mc 5.26).
Assim a mulher era uma pessoa totalmente abandonada, por Deus e pe¬tos homens, sem recursos materiais e sem esperança.
2. A cura (5.27-30a)
As curas e milagres efetuados por Jesus como também sua pregação, estavam na boca do povo. Assim também a mulher enferma ouviu sobre Jesus e reconheceu sua chance com a presença dele na cidade. O isolamento, imposto pela lei mosaica, fez com que a mulher resolvesse buscar a salvação às escondidas. Em seu estado de imundície lhe era proibido tocar alguém. Por isto procurou tocar as vestes de Jesus vindo por trás dele. O plano funcionou. Uma forma de energia de Jesus passa pela roupa e efetua a cura imediatamente. Tanto a mulher sente a mudança no seu corpo, quanto Jesus reconhece que saíra poder dele.
3. A libertação (5.30b – 34)
Para os discípulos e para a multidão nada aconteceu. Porém, Jesus e a mulher sabem que ocorrera uma mudança. Enquanto a mulher tentava esconder o que lhe sucedera, Jesus faz questão de descobrir a delinquente que ousava aproveitar-se do seu poder, sem a permissão dele. A mulher, ciente de sua culpa em ter-se metido no meio da multidão e tocado no enviado de Deus, não obstante a sua imundície, estarreceu de medo. Assim ela, em sua defesa, lhe diz tudo sobre si, sua situação deplorável e sua esperança – declarou-lhe toda a verdade (v. 33).
Neste momento o episódio chega ao clímax: O que ia Jesus fazer? Reprimir a mulher? Condená-la? Denunciá-la às autoridades eclesiásticas? Nada disso! Filha, a tua fé te salvou. Vai-te em paz. Fica livre do teu mal!. As três frases declaram:
a) As leis mosaicas são superadas pela autoridade de Jesus que representa a nova ordem do Reino de Deus!
b) A fé que confia em Deus sobre todas as coisas é a nova relação entre o criador e sua criatura. Não há mais necessidade de oferecer sacrifícios para obter aceitação por Deus (cf. Lv 15.28-30) porque Jesus acabou de estabelecer nova ordem: aquele que crê é salvo.
c) Assim a cura apenas está completa com a libertação total, isto é, pelo perdão: vai-te em paz!
Ill – Reflexão com vistas à prédica
1. A doença envolve o homem todo
O texto fala de uma doença e sua cura. A questão da saúde é, e sempre será, um tema atual, porque diz respeito a nossa vivência do dia-a-dia. A maioria dos ouvintes já passou por doenças ou acompanhou casos específicos. Normalmente o homem somente está consciente do valor da saúde, no momento em que fica doente. Toda a doença é um desequilíbrio do universo da pessoa humana, ou provocado por um processo que parte da psique e se estende aos órgãos do corpo, ou parte de uma enfermidade do corpo, se estendendo até as raízes da alma. Sempre o homem todo está em jogo!
2. Causas da doença
As doenças são causadas:
a) por culpa própria (exagero no trabalho, bebida, comida, comodismo, descuidos, ignorância e outros);
b) por culpa de terceiros (acidentes, poluição, contaminação, erros humanos e outros);
c) por motivos circunstanciais (epidemias, catástrofes naturais, deficiências físicas desde nascença e outros).
A maioria das doenças que o homem enfrenta hoje é provocada por ele mesmo, direta ou indiretamente; em desobediência às ordens estabelecidas pelo criador, causa o próprio prejuízo. Não obstante este fato, ainda hoje Deus está sendo culpado como causador ou responsável pelas doenças ou o diabo (espíritos maus, demônios).
Diante da complexidade entre causa, culpa e consequência das doenças e, diante das muitas interpretações teológicas e existenciais, os meios para encontrar cura também são múltiplos.
3. Meios de cura
Ao lado da auto-medicação, da procura do farmacêutico e do médico, há uma percentagem muito grande de casos onde se procura ajuda junto à benzedeira, ao curandeiro e/ou do médium espírita. Nas comunidades da lECLB, o costume de mandar benzer determinados males está bem alastrado. Ao lado disto existe um chão muito fértil para todo tipo de superstição e práticas obscuras. O motivo para lançar mão destes meios reside, em parte, na pobreza; mas também deve ser considerado como motivo muito forte o medo da operação.
Pelo que se sabe, há muitos pastores que identificam todo tipo de benzedura e até a auto-medicação com práticas ocultas de procedência diabólica. Isto é fácil demais. Somente uma teologia bitolada pode assumir este posicionamento.
Para começar, devemos levar em consideração as afirmações do apóstolo Paulo em 1 Co 12, onde ele enumera dons existentes na comunidade de sua época. Entre outros há o dom de curar, e o dom de operar milagres. Em seguida vem o da profecia e o dom do discernimento de espíritos (1 Co 12.8-9). Isto quer dizer, que o teólogo tem a tarefa de ajudar a descobrir os dons de cura autêntica, ele há de descobrir os dons de discernimento, frente ao curandeirismo disseminado entre os membros de sua comunidade.
A condenação generalizada de todas as práticas de benzedura e de fenômenos parapsicológicos, identificando-os como obras diabólicas é, no mínimo, uma irresponsabilidade teológica. Há p. ex. fatos parapsicológicos que podem ser comprovados cientificamente como efeitos de forças e capacidades imanentes de determinados seres humanos. Identificá-los em termos gerais como poderes do diabo seria uma forma de superstição pior do que a crendice numa pata de coelho. Teologicamente deve-se aceitar que há dons de cura. Apenas há de se discernir onde se abusa dos referidos em nome de uma religião espírita, do ocultismo em geral ou em nome da projeção da própria pessoa, em função de vantagens materiais. Existe muito charlatanismo que deve ser desmascarado!
4. A cura autêntica
A nossa perícope nos dá dicas que nos querem ajudar num processo de aprendizagem do discernimento da cura autêntica.
a) Jesus não permite que a cura aconteça no escondido. Onde Deus salva e cura, não há nada para esconder. Por isto Jesus fez questão de descobrir a mulher para ouvir a história dela e libertá-la verdadeiramente.
Concluímos: Toda a prática de cura que acontece ocultamente é questionável, porque não contribui para a glória de Deus, o verdadeiro médico: Eu sou o Senhor que te sara (Ex 15.26).
b) A doente pensou que, tocando as vestes de Jesus, iria se curar. Jesus porém explica: a tua fé te salvou – não as vestes. Quer dizer, a confiança que se abre exclusivamente ao poder de Deus.
Concluímos: A convicção de que as coisas ou objetos ajudam a curar (pata de coelho, figo, carta do céu, água de páscoa – Osterwasser) não podem ser consideradas fé. Aqui falamos de crendice que não se abre ao poder de Deus, mas sim a poderes obscuros (mágicos).
c) A cura obtida (cf. v. 29) não está completa. Somente as palavras de Cristo: vai-te em paz e fica livre do teu mal, libertam a mulher em toda a dimensão de sua existência, ou seja
– em relação a Deus: acontece a aceitação e com isto o perdão. Isto expressa a palavra filha;
– em relação à sua história de sofrimento: fica completamente curada;
– em relação à sociedade: ela não está mais isolada. O equilíbrio do seu universo está plenamente restabelecido.
Concluímos: A cura que não leva a um relacionamento com Deus e reconduz à comunhão dos fiéis, não está completa. Ela é uma dádiva de Deus. Por Isto, toda a cura que não testemunha a fé em Deus, tanto por parte do curado como do curandeiro, no mínimo, afasta do criador e pode ser considerada incompleta e consequentemente não restabeleceu o universo da pessoa em sua totalidade.
IV – A prédica
Introdução: A doença é uma experiência vivida pela maioria dos ouvintes. Mostra-se em rápidas pinceladas as consequências de todas as doenças.
A) A situação deplorável da mulher enferma:
1) A gravidade da doença (12 anos de hemorragia);
2) O isolamento social em consequência da doença;
3) A interpretação teológica daquela época que vê em doença qualquer a revelação da ira de Deus;
4) O empobrecimento material (gastou tudo que tinha);
B) A cura – obra da misericórdia de Deus;
1) A última esperança da mulher (tocar apenas as vestes de Jesus);
2) Jesus não permite que a cura fique na obscuridade;
3) Jesus rompe com a lei mosaica, indicando a fé como verdadeiro relacionamento com Deus (Filha, a tua fé te salvou!);
4) Jesus oferece libertação plena (Vai-te em paz – fica livre);
C) As práticas de cura hoje:
1) Jesus incumbiu os discípulos com a pregação do Evangelho e investiu-os com o poder da cura de enfermidades.
2) Houve curas na época da comunidade primitiva e há curas nos tempos de hoje.
3) Como devemos interpretá-las?
a) Deus concedeu à sua comunidade o dom do discernimento;
b) O procedimento de Jesus na cura da mulher nos dá dicas para avaliarmos autenticamente as curas realizadas hoje;
c) Toda cura obtida, seja por remédios, pela intervenção médica ou pela oração (Tiago 5.14-15) há de testemunhar que Deus é o verdadeiro médico. Pois ele é o criador de toda vida em sua plenitude.
V – Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus. Tu és o doador de toda a vida, da saúde e de todos os bens que estão ao nosso alcance. Perdoa onde abusamos destas dádivas, provocando doenças e prejudicando-nos mutuamente. Perdoa-nos onde procuramos ajuda e recuperação da nossa saúde por meios que desonram o teu santo nome. Tem piedade de nós Senhor. Amém.
2. Oração de coleta: Ó Deus, Senhor do universo e Pai por nosso irmão e salvador Jesus Cristo: Chegamos hoje à tua presença para, de novo, recebermos orientação para a nossa vida, auxílio em nossas aflições e perdão por nosso pecado. Fortifica-nos a fé para que nossa vida se torne um testemunho vivo de tua graça e de teu poder. Por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, Amém.
3. Assuntos para oração final: Agradecimento pela saúde e pelos meios que estão à nossa disposição para combater doenças. Agradecimento pelos serviços que acontecem nos hospitais e nos consultórios médicos e pelo poder da oração que nos permite levar todas as nossas preocupações a Deus. Pois Deus é o verdadeiro médico. Pedido para que Deus conceda verdadeiros dons de cura e a sabedoria de discernimento para que possamos diferenciar entre os espíritos que nos afastam de Deus e o Espírito Santo que integra na vida plena que só Deus nos pode dar. Intercessão especial – inclusive citação de nomes de doentes na comunidade – por todos os doentes e por pessoas que se perderam em práticas obscuras e que dão mais crédito a objetos do que à palavra de Deus. Pedido por coragem no testemunho do Deus vivo que demonstrou seu amor e sua misericórdia em Jesus Cristo e pela consolidação do seu Reino em nosso mundo.
VI – Bibliografia
– BENDER, H. Telepathie, Hellsehen und Psychokinese. München, 1972.
– BENDER, H. Unser sechster Sinn. Hamburg, 1971.
– LOHMEYER, E. Das Evangelium des Markus. In: MEYER, H.A., ed.Kritisch-exegetischer Kommentar ueber das Neue Testament, 16. ed., Göttingen, 1963.