Tema: Estudar para ganhar mais?
Explicação do tema:
Por que o trabalho intelectual vale mais do que o trabalho braçal?
Observando-se a realidade de uma indústria, nota-se que os funcionários do escritório recebem mais do que os operários .da fábrica. Os profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros…), de um modo geral, perce¬bem mais do que outros trabalhadores (agricultores, operários, autônomos…). Será que o diploma dá direito para a pessoa ganhar mais?
Muitos dizem que têm maior responsabilidade, por isso precisam de mais dinheiro. Será isto verdade? E o suor do trabalhador vale tão pouco. Por quê? Pode haver uma sociedade justa, se nela há distinção na maneira de recompensar o trabalho de cada um?
A vida cristã admite estas diferenças? Apenas convive com elas? Ou as questiona?
Texto para a prédica: Jeremias 22.13-19
Autor: Ulrico Sperb
l – Introdução
1. Palavras de jovens
Frase de um aluno do Terceirão do Colégio Bom Jesus de Joinville (39 Ano do 29 Grau acoplado a um curso pré-vestibular):
– A pergunta quanto à minha carreira é: em que profissão posso ganhar mais ou em que profissão posso servir melhor?!
Observação de um jovem durante uma reunião de grupo de juventude:
– O lixeiro é tão importante como o médico numa cidade, porque ele evita doenças e epidemias, recolhendo o lixo. Que seria de nós, se tivéssemos que viver no meto de todo este lixo? No entanto o médico ganha cem vezes mais do que o lixeirol
2. Observações históricas
A maioria das civilizações do passado fez uma distinção clara entre o trabalho braçal e o intelectual. Os trabalhos braçais eram executados pelos escravos e os artesões, enquanto que os nobres se dedicavam às atividades de mando e governo. Assim os egípcios escravizaram os hebreus para construir palácios e outros monumentos.
Entre os romanos o trabalho braçal era considerado como algo vergonhoso que cabia às classes mais baixas, mormente para os escravos (arregimentados de povos conquistados). Para um nobre era algo indigno sujar as mãos em serviços domésticos ou públicos.
Esta mentalidade atravessou os séculos e teve consequências inclusive no Brasil. Os portugueses que vieram para cá como donatários, não quiseram assumir trabalhos braçais. Por isso tentaram escravizar os índios num primeiro passo. Mas como os silvícolas não se prestavam para o trabalho braçal, foi necessário buscar os negros da África que se acostumaram muito melhor às atividades das fazendas (foi assim que aprendi no primário). Desta forma os portugueses – para quem o trabalho braçal era vergonhoso – trouxeram os negros e os escravizaram.
Com a libertação dos escravos, os trabalhadores tiveram que ser assalariados. Foi assim que surgiu o salário da fome! Serviços pesados são mal remunerados e atividades intelectuais são muito bem pagas. Por isso o sonho do pai brasileiro é ver seu filho doutor.
3. A Bíblia e sua teologia do trabalho
a – Deus foi e é um trabalhador braçal (Gn 1 e 2; Is 64.8!). É a própria ação de Deus que constitui o protótipo do trabalho. Deus trabalha: é o Criador, o Mantenedor, o Salvador do mundo. Conseqüentemente o trabalho corresponde à ordem divina das coisas. Assim como Deus trabalha, assim também as pessoas trabalham. A primeira pessoa foi colocada no jardim do Éden para o cultivar e o guardar (Gn 2.15). O ser humano foi criado para trabalhar. É por meio do trabalho que Deus associa as pessoas a sua obra criadora. É o sinal, pelo qual Deus atesta que somos seus colaboradores (1 Co 3.9). Assim todo trabalho é bom, enquanto for a resposta a esta ordem divina e se inserir na obra de Deus.
b – A ordem desejada por Deus, porém, foi derrubada pela queda do ser humano. O trabalho deveria ser graça e alegria. O pecado o torna árduo e maldito. Isto não quer dizer que após a queda, o trabalho seja mau em si; porém o pecador desqualifica o trabalho. Em lugar de servir ao Criador, o trabalho serva pira engrandecer a criatura. Toma-se meio de exploração e de opressão do próximo (Tg 5.4). Mesmo assim Deus sempre de novo aponta para a dignidade do trabalho. Assim, p. ex., quando é prescrito aos israelenses que sacrifiquem a Deus as primícias do rebanho e da colheita, o trabalho humano é colocado em sua verdadeira perspectiva: a terra é de Deus e o ser humano – que faz a terra frutificar através de seu trabalho – é apenas o administrador dos bens de Deus.
c – Jesus Cristo também foi um trabalhador braçal (Mc 6.3). Ele foi carpinteiro. Além disso sua obra redentora não se baseia em teorias, filosofias ou tratados espirituais, mas sim numa ação total e puramente física: sua morte na cruz. E a partir de Cristo o trabalho recebe uma nova dimensão: nosso trabalho é feito no e para o Senhor (Cl 3.17 e 23). Nesta perspectiva o trabalho adquire uma dupla função: administrar os bens de Deus (Mt 25.14-30) e servir ao próximo (1 Pé 4.10). Desta forma, como trabalhadores, somos administradores da Criação de Deus e servidores das criaturas de Deus. Ou seja, nenhum trabalho que se orienta neste fundamento cristão é indigno e vergonhoso. Por outro lado, todo trabalho que foge deste princípio, descaracteriza a pessoa como imagem de Deus.
II – O texto
1. Observações de jovens
Num retiro pedi que um grupo de jovens lesse o texto e, sem maiores explicações, fizesse algumas observações sobre ele. Eis algumas frases deles:
– Quando alcançamos o poder não devemos usá-lo para prejudicar as outras pessoas, mas sim para beneficiá-las.
– Jeremias diz que conhecer a Deus é também praticar o juízo e a justiça, como também não esquecer os aflitos e necessitados.
– Consequências do egoísmo: ganância, derramamento de sangue, exploração, violência.
– O versículo 17 fala claramente dos dias de hoje.
– Jeoaquim busca a sua glória e acaba desprezado e humilhado.
– Deus é duro ao falar do sepultamento de Jeoaquim, comparando-o ao de um jumento.
– O texto é uma advertência contra os que governam injustamente, como Jeoaquim, rei de Judá.
2. O contexto
Bons estudos sobre o Profeta Jeremias – sua vocação, suas denúncias e seus anúncios do juízo e da graça de Deus – podem ser encontrados nos seguintes volumes de Proclamar Libertação: v. II, p. 311; v. Ill, p. 49; v. VI, p. 63; v. VII, p. 184.
Os capítulos 21-25 de Jeremias contêm profecias que em sua maioria foram proferidas quando Zedequias era rei de Judá (597-587 A. C.). Nosso texto, no entanto, provavelmente data da segunda fase da atuação de Jeremias, na época do rei Jeoaquim (609-598 a. C.). Ele se insere no contexto do anúncio da deportação. Está permeado do anúncio do juízo, por causa da injustiça que reina e que é denunciada. A ausência de direito e justiça provoca o fim da dinastia davídica (22.5). E de fato, Zedequias foi o último rei descendente de Davi.
3. Explicação do texto
A severa crítica que Jeremias faz a Jeoaquim em 22.13-19 mostra que o relacionamento entre ambos foi muito tenso. O rei inclusive mandara prender o profeta para o calar (36.26).
As construções luxuriosas do rei contrastavam com a penúria do povo, obrigado a pagar altos tributos ao faraó (fato narrado em 2 Rs 23.33-35). Tais construções só foram possíveis por causa da injustiça, da corrupção e da exploração de Jeoaquim.
Essa situação é criticada veementemente por Jeremias nos vv. 13-17. A acusação do profeta contra o rei culmina na ameaça mais vergonhosa que Jeremias proferiu contra um rei (vv. 18 e 19). Nos vv. 13 e 14, Jeremias fala de uma maneira impessoal (o povo, porém, sabe a quem se refere). Nos vv. 15-17, ele se dirige diretamente ao rei. E em 18-19 fala sobre o rei.
Supõe-se que o texto tem sua origem nos primeiros anos do reinado de Jeoaquim, quando a política externa relativamente calma ainda permitia a construção de palácios.
V, 13 – O texto inicia com uma pequena, porém, terrível interjeição: Ai daquele… É uma ameaça que se concretizará no final do texto. Jeremias fustiga uma vez o luxo inoportuno das construções reais (13a) e por outro lado, a maneira injusta com que elas são efetivadas (13b). De propósito o profeta chama os construtores de próximos do rei. Enquanto seus compatriotas sofrem, ele ainda os explora e nem lhes paga o que deve.
V. 14 – As palavras que Jeremias coloca na boca do rei, mostram a bazófia de um déspota que só pensa no próprio conforto e luxo. Mas que também se acha tão importante que manda fazer janelas, nas quais poderá se mostrar ao povo em ocasiões especiais – ao estilo dos egípcios. O material naturalmente é de primeira!
V. 15 – A primeira pergunta expressa todo cinismo de Jeremias contra o rei megalômano. Na segunda pergunta, no entanto, o profeta volta ao sério e compara Jeoaquim com seu pai, o rei Josias. O exercício do direito e da justiça para Josias era como o beber e comer. Esta é a imagem que Jeremias faz de um rol. De fato, no tempo de Josias houve em Judá prosperidade e bem-estar.
V. 16 – Josias se dedicou ao aflito e necessitado e nisto residia a sua dignidade real. Mais ainda: praticar o direito e a justiça e se dedicar ao marginalizado são os reais deveres de um rei. Agindo assim, Josias mostrou que conhecia Deus. Desta forma seu reinado esteve sob a chancela divina.
V. 17 – Jeoaquim, no entanto, não se interessa pelo seu relacionamento com Deus. Seu único interesse é ele mesmo. É o típico tirano cruel e egoísta que não conhece outra lei a não ser sua própria vontade. Não freia nem mesmo diante do derramamento de sangue inocente. Na comparação entre pai e filho, Jeremias mostra o quanto Jeoaquim é indigno de seu reinado.
V. 18 – A morte de um déspota tão egoísta e brutal não será chorada por ninguém. Aqui começa a concretização do Ai daquele… no v. 13. Este ê o julgamento de Deus sobre o grande Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá (Jeremias faz questão de citar seu nome oficial). Ninguém lamentará sua morte, nem mesmo seus familiares, muito menos seus súditos. Com ele não acontecerão as tradicionais lamentações de morte (1 Rs 13.30).
V. 19 – Não somente isso, o juízo ainda vai mais longe: Jeoaquim-nem será sepultado, de tão odiado que é. A ele caberá um enterro de jumento: será enterrado onde se jogam os animais mortos ou simplesmente o jogarão longe no campo, para ser devorado pelos animais comedores de carniça. No antigo Oriente este era uma ameaça terrível. Este juízo é anunciado de forma semelhante em Jr 36.30. Não sabemos se tal juízo profético realmente aconteceu. 2 Rs 24.6 diz simplesmente que Jeoaquim descansou com seus pais. Concluímos, entretanto, que a importância não está nos fatos reais, mas sim no juízo que o profeta anuncia diretamente contra o rei.
4. ESCOPO
a – O abuso do poder para satisfazer aos próprios desejos e caprichos, tem por consequência a repugnância do povo e o total afastamento de Deus.
b- Governar significa praticar o direito e a justiça e se dedicar aos marginalizados. Isto tem por consequência o reconhecimento do povo e mostra conhecimento da vontade de Deus.
Ill – Meditação
Certa vez um estudante de Odontologia me contou que teve durante um semestre uma aula semanal sobre técnicas de prolongar e encarecer tratamentos dentários.
Dezembro é um mós de muitas formaturas. Muitos formandos recebem seus diplomas e fazem seus juramentos… Ai, estes juramentos… Quantas boas intenções!
E também há muitos cultos ecuménicos de formatura. Apesar de serem encarados como um enfeite dignificante de todo cerimonial de formatura, estes cultos são uma oportunidade para anunciar a vontade de Deus com relação à vida profissional dos formandos.
Quer seja oportuno, quer não, é muito válido numa ocasião tal denunciar o abuso, anunciar o juízo e a graça de Deus. Jeremias certamente também não perguntou a Jeoaquim qual seria a hora oportuna para lhe anunciar o juízo de Deus.
IV – Sugestões para a prédica
1. Jr 22.13-19 contém denúncia, juízo e graça:
a – Denúncia (vv. 13,14 e 17) – denuncia todo o esquema de abuso do poder, da exploração do uso do poder em proveito próprio, do enriquecimento ilíci¬to, da extorsão e violência no seu sentido mais cruel e infame. Denuncia a que ponto pode chegar alguém que tem a si mesmo como único objetivo de vida (estu¬dar para ganhar mais!).
b – Juízo (vv. 18 e 19 e 13 nas primeiras palavras) – anuncia a conse¬quência a que leva a ganância e o egoísmo. Pessoas assim, quando muito, são lembradas como passagens tristes na história, como exemplos de seres negati¬vos. Na verdade, porém, a maioria destas pessoas são condenadas ao esqueci¬mento. Sua morte será um alívio. Porque só pensam em si, fatalmente morrerão consigo mesmas (o diploma dá direito de ganhar mais!)
c – Graça (v. 15, menos a primeira pergunta, v. 16) – anuncia a bem-aventurança daquele que trilhou os caminhos de Deus. Que praticou o direito e a justiça. Que se dedicou ao aflito e necessitado. Incluir Deus nas ações é a verda¬deira sabedoria (estudar para servir melhor!).
2. O texto fala de poderosos. No Brasil quem se forma é um privilegiado. O maior conhecimento confere maior poder sobre outas pessoas. Quem estudou mais, tem mais chances de assumir postos de mando. Por isso lhe é feita a per¬gunta ética sobre como usará seus estudos e seu diploma: para si mesmo ou em benefício dos outros.
3. Jeremias denuncia as consequências trágicas do egoísmo: para o en¬riquecimento de uma pessoa, muitas têm que sofrer e morrer. A ganância fatal¬mente gerará sofrimento. Os formandos em Medicina de 1982 da Universidade Fe¬deral de Santa Catarina colocaram no convite de formatura, na parte dos homena¬geados o seguinte:
AO INDIGENTE
Caminhos andou
Fome passou
Doente ficou
A nós recorreu
Pouco encontrou…
Lutamos por um mundo onde a 'Justiça Social’
torne desnecessária a caridade.
4. A prática do direito e da justiça não é somente um dever do profissional diplomado. É também sua grande oportunidade. Pois agindo assim estará servindo ao próximo e colaborando com Deus. E é isto que realiza o ser humano e lhe confere valor. Fugir do direito e da justiça é viver sem ter vivido. Praticar ambos é viver, e viver em abundância.
5. A questão do direito e da justiça nos leva à reflexão sobre a recompensa do trabalho. Por que o trabalho intelectual (de exercício do poder) vale mais do que o trabalho braçal (de edificação da vida)? Certamente todos merecem justa recompensa peto seu trabalho, a fim de que possam levar uma vida digna. No Brasil quem é diplomado não tem mais direitos do que os não-diplomados. Cada formando deve se perguntar: Meu diploma será um instrumento (símbolo) de serviço ou de exploração?
6. A fé cristã não se conforma com a mentalidade reinante. Vivemos numa sociedade de competição. Cada um deve dar um jeito de tirar para si o que puder. O evangelho de Jesus Cristo preconiza uma sociedade, onde todos têm direitos e oportunidades iguais. Onde o trabalho braçal tem a mesma dignidade do intelectual, conseqüentemente a mesma recompensa. Este deve ser o alvo dos formandos: lutar pela vida plena de todos, não só da sua. Proclamar a libertação do egoísmo escravizante para um convívio sob a vontade de Deus.
V – Subsídios litúrgicos
1. Oração dos formandos
Bondoso Deus e Pai! Nós te agradecemos por teres cuidado de nós até aqui. Nós te agradecemos por tudo que pudemos estudar. Pedimos pelo teu perdão por aquilo que fizemos de mal no tempo de estudo. Também te pedimos pela tua ajuda no futuro, na vida profissional. Que o diploma que hoje estamos recebendo, não nos torne orgulhosos, mas dispostos a servir. Ajuda-nos, por favor, a praticarmos o direito e a justiça, bem como a nos dedicarmos aos aflitos e necessitados. Dá-nos a grande alegria de colaborarmos contigo nos desafios que este teu mundo oferece. Impede dentro de nós a tentação de usarmos nossos conhecimentos para o nosso próprio enriquecimento. Sabemos que é a ti que compete toda a honra, o louvor e a glória. Amém.
2. Leitura de Salmo (pode ser feita pelos pais e convidados): S1128.
3. Leitura de evangelho (por um dos formandos): Mt 20.1-16a.
4. Oração final (por todos, lida ou cantada): Oração de São Francisco de Assis.
VI – Bibliografia
– DE AZEVEDO, F. No tempo de Petrônio. 3 ed. São Paulo, 1962.
– MORITA, A. Made in Japan. São Paulo, 1986.
– MEHL-KOEHNLEIN, H. Artigo TRABALHO. In: VON ALLMEN, J. J. ed. Vocabulário Bíblico. São Paulo, 1963.
– WEISER, A. Das Buch Jeremia. In: Das Atte Testament Deutsch. 5. ed. Göttingen, 1966.