Prédica: Romanos 9.1-5, 31 – 10.4
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: 11º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 07/08/1988
Proclamar Libertação – Volume XIII
l – Observações preliminares
O 11o Domingo após Pentecostes é o domingo de Israel, o domingo que, conforme a série de perícopes usada também por nós na IECLB, aborda o relacionamento entre cristãos e israelitas. É bem provável que o ouvinte da mensagem neste domingo nem esteja preocupado com o assunto, por não lhe ser existencial. Mas na medida em que ouvir e souber que Deus escolhera outrora um povo para si, que fez diversos pactos com esse povo, assegurando-lhe salvação enquanto obediente, e perceber que agora a oferta de Deus se dirige também a outros povos, inclusive ao seu, ao nosso, ele vai se perguntar: Por que Deus não continuou apenas com aquele povo? O que fez este povo escolhido e amado por Deus, o povo de Israel, para não mais ser o único herdeiro das promessas – inclusive agora já na condição de não ser mais participante dessas promessas, se não houver mudança?
A nossa perícope aborda esta questão. Ela foi montada justamente para isto, tendo versículos de um capítulo que levantam uma problemática e versículos de outro capitulo com enfoques novos. 9.1-5 nos mostram positivamente as razoes pelas quais os israelitas são o povo de Deus. 9.31-10.4 apontam para a culpa de Israel. É preciso ter cuidado para que os últimos versículos não sejam os que dão o tom à prédica, pois podem provocar sentimentos anti-judaicos, anti-israelitas.
Os capítulos 9-11 formam uma unidade na qual o apóstolo Paulo quer mostrar à comunidade de Roma como Deus caminhou com o povo de Israel. Deve ficar claro para a nova comunidade cristã, e em si para todos os demais cristãos, qual é o seu relacionamento com o povo de Israel, o povo da aliança. Todo e qualquer citado do AT, como o encontramos também na nossa perícope, aponta para esta relação entre Israel e comunidade cristã. Esta teve seu início junto àquele povo – Jesus, inclusive, entendia sua missão dirigida primordialmente às ovelhas perdidas da casa de Israel. O povo de Israel não está excluído das promessas o da herança de Deus: eis a grande questão que o apóstolo aborda nos caps. 9-11, e que recebe todo o destaque nos vv. da nossa perícope.
Relevante ainda para a interpretação da nossa perícope é considerarmos o todo da mensagem da carta aos Romanos e o que motivou o apóstolo Paulo a escrevê-la. Este tratado teológico, como Rm pode ser definido, desenvolve a mensagem cristã dogmaticamente e deixa transparecer de forma bem nítida fatores históricos, como, p. ex., origem do apóstolo, suas experiências e emoções como israelita que se sabe enviado aos gentios! Sem dúvida, é possível ver em Rm um apóstolo polemizando contra judeus, que o negaram, e defendendo a missão aos gentios, mas acima disso deve ser visto o apóstolo que vê em Israel o povo de Deus, não excluído das promessas de Deus. A exegese deverá mostrar que o apego à lei, a obediência à Tora, não é o oposto da fé, visto que se contrapõem à justificação pela fé X justificação pelas obras, e não obediência à Tora X fé!
II – Considerações exegéticas
Vv. 1-3: Com o intuito de mostrar a sua sinceridade, o apóstolo quase chega a fazer um juramento para mostrar aos leitores de sua carta esta nova comunidade formada por gentios, o quanto ele está ligado ao seu povo e o quanto ele sofre com o fato de que este povo está separado de Cristo. O verbo no v. 3 é usado no imperfeito para mostrar que o desejo é irreal, não realizável, por mais que o apóstolo o desejasse. O anátema (= condenação, exclusão) significa justamente o oposto do que o sacramento do altar oferece ao incluir o crente na comunhão do corpo de Cristo. Os irmãos, aqui expressamente qualificados segundo a carne, recebem o mesmo tratamento e a mesma valorização como os que participam da mesma fé. A fim de que esses irmãos, os israelitas não-cristãos, pudessem ser participantes do corpo de Cristo, o apóstolo oferecia em troca a sua exclusão, se isto assim fosse possível.
V. 4: A herança do povo de Israel é enumerada através da citação de diversos elementos – e para isso o verbo é usado no presente, destacando assim que Israel continua sendo herdeiro. Os direitos e os deveres de Israel permanecem por causa
a) da adoção: Deus adotou este povo como seus filhos (Ex 4.22). Observa-se que em todas as outras passagens bíblicas o NT usa o termo adoção referindo-se aos cristãos (Rm 8.15; Gl 4.5);
b) da glória: a presença permanente de Deus junto ao seu povo (Ex 40.34);
c) das alianças: é usado o plural para mencionar as mais diversas alianças que Deus fez, como p. ex., com Noé, com Abraão, no Sinai, com Davi;
d) da legislação, isto é, a entrega das tábuas da lei;
e) do culto: Deus ordenou e recebeu culto do povo de Israel;
f) das promessas: não se trata apenas das promessas messiânicas, mas de todas as demais com as quais o povo foi agraciado;
g) dos patriarcas: através destes personagens conhecidos, todos da casa de Israel, Deus fundamentou a história salvífica com o povo;
h) do próprio Cristo: não bastassem todos os argumentos anteriores, Paulo aponta agora para o próprio Cristo que descende deste povo.
V. 5b: Há controvérsia quanto a quem se dirige e se refere a doxologia no final do v. 5: se a Deus, o que seria o mais usual e conhecido, ou a Cristo. O texto original não dá pistas claras. O mais provável é que deveríamos contar com uma pontuação que realmente divide o v. 5 em duas partes distintas, ressaltando desta maneira a doxologia a Deus.
Vv. 31-33: O v. 30, que deveria fazer parte da perícope, mostra que os gentios são incluídos no plano de Deus e que alcançam justificação mediante a fé! Por que Israel não alcança esta justificação? Porque Israel, embora procurando obedecer e cumprir a lei com muito zelo, não o conseguiu. Faltou-lhe a fé, visto que o cumprimento da lei provém da fé e leva à fé! Aqui, pois, quase é desnecessário observar que o cumprimento da lei não redunda somente em obras, mas que ele pode partir da fé e inclusive despertar fé! A pedra de tropeço, porém, está em Cristo mesmo: ele é o cumprimento da lei! Cristo não é o fim (telos) da lei, de maneira que não fosse mais necessária, mas nele a lei alcança seu alvo. Isto Israel não quer aceitar. A nova comunidade em Roma deve saber, porém, que este Cristo é a pedra angular e o que nele crê não será confundido.
10.1-4: Estes vv. são importantes para a perícope, pois mostram a preocupação e o empenho de Paulo para que Israel seja salvo. Se ele foi crítico, inclusive com palavras ásperas, ele deixa claro agora que reconhece o zelo de Israel na obediência a Deus. Ele mesmo é um exemplo disso (Gl 1.14 e Fp 3.6). O que faltou foi o conhecimento; faltou entender que quem desconhece ou não considera a misericórdia de Deus não alcança a justificação. E quem faz isso é Cristo.e não a lei, a Tora!
Cristo é o cumprimento (telos) da lei. Isto significa que a comunidade cristã de origem gentílica pode se entender participante da história do AT. O que o AT registra não vale apenas para um povo só, mas para todos aqueles que aceitam Cristo como pedra angular, o cumprimento da lei. Para o povo de Israel isto significa um convite para aceitar o Evangelho que este Cristo trouxe e viveu Evangelho que é o cumprimento da lei.
III – Estímulos para a reflexão
Um certo Rabi, em nome Simla, que viveu na Palestina por volta do ano 300 d. C., mostra num pequeno escrito que a Tora não é apenas a soma de muitos mandamentos isolados, mas o fundamento no qual se baseia a obediência e a fé do povo de Israel para com Deus. Ele escreve:
Moisés, que deu a lei, baseando-se na vontade de Deus, apresentou aos israelitas 613 mandamentos. Davi resumiu todos em onze (Salmo 15): 'Quem, senhor, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo templo? O que vive com integridade e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade; o que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho; o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao Senhor, o que jura com dano próprio, e não se retraia; o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o Inocente.'
O profeta Isaías os resumiu em sois (cap. 33):
'O que anda em justiça, e fala o que é reto; o que despreza o ganho de opressão; o que com um gesto de mãos recusa aceitar suborno; o que tapa os ouvidos para não ouvir falar de homicídios e fecha os olhos para não ver o mal.'
O profeta Miquéias resume-os para três (cap. 6):
'Ele (Deus) te declarou ó homem, o que é bom; e o que é que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?'
O profeta Isaías corrige isto novamente e chega a somente dois ainda (cap. 56):
'Mantende juízo e fazei justiça.*
O profeta Amos resume-os em um só (cap. 5):
'Assim diz o Senhor à casa de Israel: Buscai-me e vivei.'
Um homem culto observou diante disso: pode-se deduzir daí, que Deus deve ser procurado através do cumprimento de todos os mandamentos. Atentem, pois, por isso, para o profeta
Habacuque, que reduz todos em um só (cap. 2):
'O justo viverá pela sua fé!
IV – Indicações para a prédica
Está claro que Rm 1.17b o justo viverá por fé – citado de He 2.4 – o cerne teológico de toda a carta aos Romanos, de todo o NT, da Reforma do séc. XVI, lança luzes sobre o estudo da nossa perícope, em especial sobre os últimos versículos.
Dividindo a prédica em 2 momentos, faria no primeiro momento esclarecimentos a respeito da relação da igreja cristã com o povo de Israel do AT; deixaria claro que as promessas feitas a Israel continuam sendo válidas e hoje são extensivas a todos os cristãos diante do novo pacto que Deus firmou em Jesus Cristo. Neste primeiro momento ainda deveria ficar claro, por que Israel se exclui tropeçando em Jesus Cristo.
No segundo momento, o mais extenso e importante, deveria ser acentuado e trabalhado:
a) Justificação é presente de Deus.
– A justiça de Deus é totalmente diferente da nossa (veja Mt 22.1-14 e também 20.1-16);
b) A misericórdia de Deus quer alcançar também os gentios de hoje, os de fora da comunidade.
c) Salvação acontece somente através de Jesus Cristo.
A partir dele somos livres, ou seja: somos senhores de tudo e de todos e ao mesmo tempo servos de tudo e de todos por fé e amor.
V – Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Misericordioso Deus e Pai. Chegamos humildemente a ti para te falar sobre os nossos erros, nossas falhas e nosso fracasso. Ao olharmos para a nossa vida à luz da tua vontade, constatamos que ainda nesta última semana não correspondemos ao teu chamado. Fomos desobedientes e egoístas. Procuramos seguir nossos caminhos e colocamos nossos planos acima dos teus. Achamos que diante da comunidade e também diante de ti temos direitos adquiridos e alcançados, que outros não têm. Olha com bondade para nós, trata-nos com tua justiça, perdoando-nos toda a culpa, também aquela da qual agora não nos lembramos. Ouve-nos quando clamamos: Tem piedade de nós Senhor!
2. Oração de coleta: Queremos te agradecer, nosso Pai e nosso Deus, por este culto quando queres falar a todos nós novamente. Tu nos conheces e sabes muito bem o quanto nós precisamos de paz, de sossego e de tempo para ouvir a tua palavra e deixar que ela ilumine nossa vida. Afasta, por isso, agora tudo aquilo que possa nos atrapalhar. Dá-nos também entendimento para que entendamos a tua santa palavra. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.
3. Oração final: Querido Pai, criador de tudo e de todos. Ao encerrarmos este nosso culto dominical queremos, antes de sair da igreja, agradecer que tu nos reuniste aqui como teus filhos e que falaste a nós. Nós precisamos de tua palavra que nos orienta consola, admoesta e encoraja. Por isso queremos te pedir: acompanha-nos para os nossos lares e guarda-nos neste dia de descanso, bem como em todos os dias da nova semana. Esteja também com todos os membros da nossa comunidade, em especial, com os doentes, os fracos, os idosos e com os quo não se sentem chamados aos cultos. Ajuda-nos para que possamos dizer-lhos que tu os aceitas e queres tratá-los com tua misericórdia sem fim. Ajuda-nos para que na nossa comunidade e nas nossas famílias não sejamos diferentes no trato o no convívio do que tu és conosco; que busquemos orientação no teu amor o nu hm justiça – e que isto também se refuta para fora, no todo da vida. Abençoa a atividade de todos aqueles que anunciam a tua justiça e que se empenham para que haja justiça entre nós, neste teu mundo. Ajuda-nos para que possamos testemunhar Jesus Cristo com coragem e alegria. E tudo mais, Senhor, queremos incluir nesta oração que teu Filho e nosso Senhor nos ensinou, orando em conjunto:…
VI – Bibliografia
– ALTHAUS, P. Der Brief an die Römer. In: Das Neue Testament Deutsch. Neues Göttinger Bibelwerk. v. 3. Göttingen, 1982.
– BÖSEMANN, W. Meditação sobre Rm 9.1-5; 10.1-4. In: Proclamar Libertação, v. 5. São Leopoldo. 1979. v. 5.
– KLEIN, G. Meditação sobre Rm 9.1-5.31-10.4. In: Göttinger Predigt-Meditationen. Münster. 28(3), 1974.
– METZGER, H. Meditação sobre Rm 9.1-5.31-10.4. In: Neue Calwer Predigthilfen, 4e ano, B. Stuttgart, 1982.
– VOIGT, G. Meditação sobre Rm 9.1-5.31-10.4. In: ————— Die himmlische Berufung. Göttingen, 1980.