Prédica: 1 Coríntios 9.16-23
Autor: Hans A. Trein
Data Litúrgica: 2º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 04/06/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
l — Considerações preliminares
1. A cidade de Corinto
Corinto foi reconstruída em 44 a. C. sob Júlio César. Estava ligada à Grécia pelo istmo de Corinto, com portos marítimos em suas duas margens, recebendo e redespachando transportes em todas as direções economicamente ativas das costas mediterrâneas. A cidade florescia rapidamente, e atraía pessoas de todos os lugares. Sua importância residia no comércio e na navegação.
A ausência de um cerne populacional local e o afluxo migratório fez explodir uma vida solta, movimentada e instável. Sob uma camada média e alta se arqueavam grandes multidões de escravos e marginais. A vida sexual distinguia entre mulheres para o puro prazer, donzelas para o cultivo do corpo, e esposas para gerar filhos e cuidar dos afazeres domésticos. Também a prostituição cúltica com o templo de Afrodite oferecia consumo de sexualidade sem grande escândalo público. Corinto era receptáculo de diversos cultos e filosofias, que cada grupo vinha trazendo na bagagem. Também havia um grupo de judeus em torno de uma sinagoga.
2. A comunidade cristã em Corinto
O apóstolo Paulo chegou a Corinto no outono de 50. Vinha de Atenas, depois de um discurso flamante no Areópago, do qual não resultou uma comunidade, mas algumas conversões individuais (At 17). Atos dos Apóstolos 18.1-11 narra os inícios da comunidade em Corinto. Paulo tinha vindo sozinho, e achou trabalho (tecelão de barracas) e alojamento junto a um casal, recém vindo de Roma: Áquila e Priscila. Também em Corinto começou sua pregação na sinagoga. Os colaboradores Silvano e Timóteo se juntaram a ele, depois de terem realizado sua tarefa na Macedônia. Impedido pelos judeus de continuar a utilizar a sinagoga, Paulo achou outra sala na vizinhança. Mesmo assim, Crispo, líder principal da sinagoga, se converteu e foi batizado por Paulo (l Co 1.14); não terá sido o único.
Surgia uma comunidade mista de cristãos judeus e gentios, porém com maior número de gentios. Evangelização de Apoio e imigração de cristãos do leste com influência de Pedro criavam uma realidade de subgrupos na incipiente comunidade e caracterizavam sua vida com tensão. Outra forte tensão se estabelecia com as diferenças sociais dentro da comunidade, l Co l .26ss indica para uma presença majoritária de pobres; a eles Paulo se dirige em l Co 7.20-22. No mesmo cap. 7, no entanto, o assunto é matrimónio, e isso só diz respeito aos não-escravos. A presença de ricos está indicada em l Co 11.21, na questão da ceia desigual. A eles também estão dedicados os caps. 8 e 10. Como de costume, os ricos são poucos, mas criam muitos problemas, ocupam muito tempo e espaço; pensam ser o umbigo da comunidade. Processos em torno de meu e teu na justiça comum (cap. 6) não estão sendo levados por escravos ou pobres!
3. A Carta aos Coríntios
l Coríntios é a segunda de ao todo 4 cartas de que se tem notícia. A 1: carta não é conhecida; l Co 5.9 refere-se a ela. l Coríntios foi escrita em Éfeso, antes da Páscoa (4.6) do ano 55, na expectativa de Pentecostes (16.8). Não foi escrita em calma quietude, mas em meio ao calor de intenso trabalho. É necessário ter consciência de que l Co é uma carta. Tem em vista pessoas e situações bem concretas; o apóstolo Paulo não está escrevendo verdades dogmáticas para todos os tempos e situações; ele aborda aspectos importantes que aquela situação da comunidade evoca, e está respondendo a perguntas e notícias que lhes chegaram. Uma carta é breve; não é um arrazoado sistemático sobre premissas e pressupostos; tem em vista ajudar na prática. Impressiona a atualidade de muitas abordagens.
II — Texto, contexto, pretexto
O cap. 9 com seus 27 versículos parece um longo excurso; ele parece prensado entre os caps. 8 e 10. Parece que o assunto é completamente outro; não é mais a comunidade de Corinto e sua problemática o assunto do apóstolo; ele mesmo vira assunto; sua postura diante da pregação do Evangelho, pela qual não quer receber o salário a que teria direito (9.1-19), sua liberdade e metodologia de se tornar um semelhante às pessoas, a quem se sente enviado (9.20-23), e uma comparação final da comunidade cristã como envolvida numa competição atlética (9.24-27). Os vv. 16-19 de nossa perícope estão no final do assunto: pregação do evangelho-salário; a partir do v. 20 o conteúdo se abre e se generaliza de tal forma, que se tem inicialmente a impressão de uma quebra de sequência.
Por que Paulo sente a necessidade de afirmar tão enfaticamente o seu direito a salário? E não o faz só aqui! Em outros momentos essa questão também está presente de modo notável. Em l Trn 5.18 Paulo também repete o direito à subsistência com a citação de Dt 25.4. Em Rm 15.27 chega a sugerir que se pode conceber o direito ao salário até como troca de bens espirituais por bens materiais. Em 2 Co 12.13 Paulo chega a insinuar como tratamento injusto aos coríntios em relação às outras comunidades, o fato de não ter recebido deles subsistência; pede perdão por essa discriminação.
Por outro lado abundam também as passagens em que Paulo afirma enfaticamente a sua desistência desse direito; no discurso de Paulo aos anciãos de Éfeso, ele os lembra de que não pediu nem prata, nem ouro, nem vestuário de ninguém; que sempre viveu do trabalho de suas mãos, e que essa era uma forma de considerar (socorrer no Almeida) os necessitados (At 20.33-35). Aos tessalonicenses Paulo também destaca que ele e seus companheiros não comeram pão às custas de ninguém; mas antes trabalharam dia e noite, para não serem pesados a ninguém; apesar de terem esse direito, não fizeram uso dele, para ser exemplo a ser imitado (2 Ts 3.8-10). Será que Paulo queria sugerir aos ricos que não vivessem às custas dos escravos e dos pobres? Aos coríntios Paulo pregou o Evangelho de graça; chega a considerar roubado o dinheiro de outras comunidades para poder servir aos corín¬tios, e, estando em necessidade, recebeu auxílio dos irmãos da Macedônia, para não lhes ser pesado (2 Co 11.8-9).
O nosso texto está precedido pelo direito dos pregadores do Evangelho de viver dessa atividade, como ordenado pelo Senhor (v. 14); também a ideia da troca de bens espirituais por bens materiais está colocada (v. 11). O apóstolo leva o direito de viver de sua pregação do Evangelho ao ápice, para em seguida afirmar sua desistência desse direito. Quanto mais claro e reconhecido estiver o direito, tanto mais gloriosa é a desistência; Paulo extrapola sua glória em não receber nada pelo seu trabalho de pregação, que melhor lhe seria morrer do que anulá-la (v. 15).
O que estará motivando Paulo, para colocar a questão do salário pela pregação do Evangelho em termos tão definitivos?
1. Será um forte traço de orgulho pessoal? Será que nessa questão Paulo está desistindo da justificação pela graça, precisando gloriar-se com a obra meritória de não ter recebido salário pela pregação? Será que Paulo insiste nessa atitude como decorrência da graça experimentada por ocasião de sua conversão? Passar de perseguidor à pregador do Evangelho é uma graça sem igual!
2. Ou estará Paulo de consciência tão suja, por causa da perseguição anterior, que se sente obrigado (v. 16) a anunciar o Evangelho, e o faz gratuitamente (trabalha em dobro), como uma espécie de compensação? Para no final também poder ter parte no Evangelho (v. 23 na tradução de Lutero)?
3. Paulo parece estar resolvendo um problema pessoal; ele sente a obrigação; ai dele, se não pregar o Evangelho. Parece que se sente como devedor. Paulo está na condição de sujeito, e as pessoas a quem prega estão na de objeto; eles são alcançados pela pregação de Paulo, porque Paulo tem que resolver um problema seu; não fica bem claro que obrigação é essa; mas o apóstolo a coloca como ministério (v. 17).
4. Uma outra razão que aparece sempre de novo, em especial, quando se trata dos coríntios, é que Paulo não quer ser pesado para ninguém. Paulo escolhe livremente não fazer uso de um direito que tem, pois, vivendo da pregação, poderia tornar-se pesado; quer dizer: algumas pessoas não poderiam ajudar a sustentar o apóstolo e, com isso, estariam discriminadas. O que Paulo quer é justamente o contrário da discriminação: quer ganhar o maior número possível (v. 19). Paulo não quer afugentar os fracos da comunidade. Chega a pedir perdão, por estar eventualmente fazendo os coríntios sentirem-se objetos de caridade; poderiam alguns coríntios também querer pagar o apóstolo pelo seu trabalho de pregação, como o faziam outros grupos com seus pregadores. Aqui a obrigação de pregar o Evangelho, e de fazê-lo gratuitamente, traduz urna componente social: Paulo sente o perigo; ai dele, se permitir que a pregação do Evangelho, o seu ministério seja tutelado e monitorado por aqueles que podem lhe pagar um salário. Melhor lhe seria morrer, do que permitir que isso acontecesse. Somente o grupo dos melhor situados é capaz de levantar essa questão; os escravos e os outros pobres não teriam com que sustentar o apóstolo, e por isso nem levantariam tal questão.
5. Mais uma razão para a voluntária desistência de Paulo: ele precisa estar livre de todos, para poder fazer-se servo de todos (v. 19). Se ele estiver dependente do dinheiro que receberia daqueles que têm para dar, não será livre para tornar-se servo também dos fracos, dos que estão presos à lei e dos libertinos em geral. Nessa perspectiva o cap. 9 não é um excurso, mas está dentro da mensagem que o apóstolo Paulo dirige às pessoas de posses nos capítulos anteriores e no cap. 10.
Paulo precisa de liberdade para realizar sua missão evangelizadora. Ele precisa estar livre de uma determinação fundamental que é receber dinheiro pelo seu trabalho, para poder realizar plenamente sua estratégia missionária naquela área.
Aí ele vê dois grupos em conflito: por um lado os que estão sob a lei, presos à lei, subjugados pela lei, amarrados à lei, os que querem salvar-se pela lei, os judeus, que antepõem a lei ao Evangelho e o condicionam a ela; insistem nos odres velhos para acomodar o vinho novo. Paulo quer ganhar os judeus, e por isso quer colocar-se sob essa lei, apesar de estar livre dela. Para demonstrar sua seriedade nessa submissão à lei, Paulo chega a submeter-se a rituais de purificação com ida ao templo e com sacrifícios (At 21.20-26). Por outro lado, Paulo precisava estar livre, para poder garantir aos não-judeus a sua liberdade diante da lei judaica (Gl 2.3): quem quisesse se tornar cristão não teria que passar primeiro pelo judaísmo. A verdade do Evangelho precisava ser resguardada e não poderia ser submetida ou rebocada pela lei judaica; para ganhar aos gentios, Paulo não podia deixar-se encilhar simplesmente pelos judeus e sua lei. O Evangelho estabelece uma nova relação de tensão entre a liberdade total e a lei de Cristo; tudo é permitido, mas nem tudo convém (l Co 6.12)! Teria Paulo aqui já cunhado o conceito que hoje se redescobre como inculturação? Ele não impõe a todos nova cultura cristã (enculturação), nem adapta o Evangelho às culturas que encontra (aculturação) mas propõe uma recriação evangélica e pastoral dentro das culturas existentes (inculturação).
Por fim, Paulo externa um carinho especial pelos fracos; menciona-os em separado, pois a universalidade dos fracos perpassa o conflito entre judeus e gentios cristãos. Os fracos que poderiam se escandalizar com alguns que racionalmente, gnosticamente não vêem nada de mais em comer carne sacrificada a ídolos (l Co 8), são os pobres da comunidade (Theissen, p. 133-147). Sua fraqueza nessas questões mais de conhecimento da fé está diretamente ligada a sua condição social e econômica: não têm acesso ao conhecimento, guardam uma postura mais mística, simbólica, mítica.
Aos fracos só se consegue acesso como um fraco e não com um sofisticado e estruturado aparelho institucional. O reconhecimento pela escolha distinta e destacada de Deus pelos fracos sugere também o jeito de trabalhar com eles: é mister chegar como fraco! É necessário sair do lugar de pai equipado e assumir a identidade de quem se apresenta como fraco, tímido e todo trémulo diante de vós (l Co 2.3). A evangelização não pode vir aliada a nenhum tipo de poder, nem de Estado, nem religioso, nem de comunicação. . . É na fraqueza que reside a força do Evangelho!
Só assim é que Paulo enxerga possibilidade de se tornar coopera-dor do Evangelho, de ter parte nele. Importa que o Evangelho da salvação cresça, mesmo que Paulo se torne um trabalhador sem salário e sem identidade. Importa ser tudo para todos para, enfim, salvar alguns!
Ill — Meditação e prédica
A distância entre ricos e pobres em nossa sociedade aumenta sempre mais. Assim como os bem-situados coríntios viviam do trabalho escravo e com ele alimentavam o florescente comércio internacional, também na América Latina os ricos de fora, aliados aos ricos de dentro, engordam com o trabalho mal-pago, com o sangue sugado, cuja dinâmica ficou mais sofisticada e encoberta. Os livres são hoje os capitalistas, e os trabalhadores de hoje são os escravos do passado. O exemplo dos escravos negros no Brasil não deixa nenhuma dúvida nessa sequência de escravos se tornando trabalhadores explorados. Tornou-se anti-econômico comprar e manter escravos, por isso, hoje, se compra só sua força de trabalho.
Assim como a comunidade cristã de Corinto não ficou isenta desse confronto social de classes — e na mesma proporção de uma maioria de pobres e uma minoria de ricos — também as igrejas cristãs de hoje não escapam de incorporar em si esse confronto de contornos cada vez mais gritantes.
l Co 9 nos propõe uma revisão de nossa estrutura econômica eclesiástica, em vista dessa realidade gritante, orientada pela pergunta da missão e evangelização. Gostaria de compartilhar alguns pensamentos:
— Será que uma igreja organizada com pastores em tempo integral, sustentados pelas contribuições das comunidades ainda é um modelo promotor de missão e evangelização? Os resultados do biénio missionário na IECLB 87/88 — ao lado de muitas outras tentativas no passado — não são exatamente uma demonstração a mais do imobilismo missionário de uma igreja com ministros de tempo integral com toda uma máquina, de segurança institucional?
— Essa estrutura de ministros profissionais limita o exercício da diversidade dos dons e ministérios na igreja. As tentativas de efetivar os ministérios catequético e diacônico na igreja esbarram no pastorado como ministério único, profissionalizado. É necessário aglutinar comu-nidades maiores do que um pastor poderia assumir para um bom trabalho pastoral (além de ser pau pra tudo), para poder sustentá-lo; então cate¬quistas e diáconos não têm chance, a não ser como voluntários.
— Quando uma igreja admite dominantemente que quem paga e não participa é membro da igreja, ao passo que quem não paga e, por isso não se sente mais à vontade para participar, deve ser excluído, então está claro que essa igreja está submetendo o Evangelho ao poder econômico. Enquanto os pastores estiverem dependentes de um salário das comunidades, estarão sempre na tendência de legitimar essa perversão do Evangelho.
— Os limites da pregação do Evangelho por um pastor que recebe salário dos membros da comunidade (daqueles que têm com que pagar) são claros: Um presidente de paróquia certa vez me disse: Pastor, se o senhor quer ficar defendendo esses índios vagabundos, então vá lá e deixe se sustentar por eles! Isso significa: Enquanto nós estamos te pagando, tu tens a obrigação de defender nossos interesses e nossa ideologia; não admitimos traição! Outro me disse: Pastor, eu sei que o senhor tem que defender os mais pobres; essa é a profissão de vocês pastores. Mas eu conheço de experiência como são os peões aqui da minha fazenda; são uns vagabundos safados que só aguardam a chance de passar a perna na gente. Se o senhor estivesse no meu lugar, também pensaria como eu. Quer dizer: Os pastores não conhecem a realidade, mas têm por profissão fazer um discurso sobre ela. São pagos para aliviar a consciência dos membros e nisso podem até incluir uma defesa pública dos fracos, pois um pouco de consciência suja ajuda os ricos a curtirem mais seu bem-estar, lembra-os de que são donos, esquenta-lhes a alma; mas na verdade estão desautorizados, pois desconhecem a realidade de patrão. Será que Paulo iria novamente na casa de um tal membro da IECLB?
— Um pastor só é mandado embora quando enlameia a boa imagem que a comunidade cultiva diante da sociedade. Quando rouba, bebe ou dorme pra fora do matrimónio, a comunidade precisa expurgar essa mancha. Se o presidente da comunidade fez qualquer coisa dessas, isso não repercute na comunidade, mas se o pastor faz, é como se a comunidade inteira fosse atingida. Ultimamente também uma defesa mais intensa dos oprimidos diante dos opressores tem sido causa de expulsão de pastor. Não conheço nenhum caso em que um pastor tivesse sido mandado embora, porque estivesse atuando em desacordo com o Evangelho (que não se reduz a observância de algumas normas de conduta moral e social). Pastores podem transformar sua reta pregação do Evangelho em pura ideologia de sustentação dos ricos; não são mandados embora, mas ao contrário, firmam-se ainda mais; talvez os colegas que estão muito firmes fizessem bem em avaliar o que estão fazendo!
— Pastores podem concentrar o poder em suas mãos, e ninguém mais mexe neles; podem se dar ao luxo de serem autoritários, meter o nariz em tudo na comunidade (possivelmente até se ache um parágrafo do regulamento do ministério pastoral para sancionar essa atitude), podem pautar o seu discurso com a ideologia dominante; afinal são pagos e só terão problemas, posicionando-se ao reverso, questionando essa usurpação estruturada.
— O profissional do Evangelho desincumbe os restantes membros de pregação do Evangelho; ele sabe, ele estudou, ele é pago pra isso; os membros têm que se virar para ganhar o seu pão.
— Numa igreja estruturada assim, também os bispos ou pastores regionais estarão na tendência de, em situações de conflito, ou tentar conciliar na superfície, ou dar razão para quem está pagando, pois a sua própria situação também depende do fluxo regular das contribuições para os diversos níveis eclesiásticos; não seria, pois, de se admirar, se um bispo ou pastor regional tivesse por norma inexpressa, dar sempre razão para quem dirige a comunidade em casos de conflitos mais quentes.
— Numa igreja com pastorado profissionalizado e pago pela contribuição dos membros, as diretorias sempre estarão ocupadas por pessoas economicamente melhor situadas; geralmente essas diretorias se esgotam no cumprimento de sua função de manter o clube funcionando com todos os serviços religiosos. Algumas se antecipam espertamente, estabelecendo uma cilada a mais para a pregação do Evangelho: o abono local que fora da comunidade se transforma em abono-função.
— Quem não pode pagar, também não se sente no direito de criticar o rumo que uma comunidade esteja tomando, para longe do Evangelho, em desrespeito aos fracos. Dificilmente alguém vem explicar para as diretorias mais humanas por que não está podendo pagar sua anuidade; é quase como esperar que as vítimas venham explicar a sua situação de massacre; ou que doentes venham explicar por que não estão mais rendendo conforme os padrões dos sãos. Normalmente é assim que os pobres vão sentando nos últimos bancos das igrejas, depois vão diminuindo suas presenças, até que, enfim, ficam fora de todo, somem das comunidades.
— Durante uma assembleia geral de previsão orçamentaria, houve suspiros e gemidos, por causa do cálculo de custos e a correspondente contribuição média, apesar de que já exercitávamos uma contribuição proporcional (que no mínimo precisa ser questionada, se não representa um ajustamento à situação de desnível social) à colheita, e acima de tudo espontânea. Propus então, ganhar parte do meu sustento, ajudando em dois meses intensos de plantação e dois meses de intensiva colheita; nesses meses os saqueiros precisam tirar o sustento do ano; eu, evidentemente, não habituado a esse trabalho braçal, ficaria muito aquém, mas baixaria consideravelmente as despesas orçamentarias. Não passou de um efémero exercício de reflexão!
— Para os ricos na comunidade está bom assim; são atendidos nas suas necessidades religiosas e conseguem evitar com seu poder econômico que prolifere a força transformadora do evangelho do amor, da solidariedade. Paulo sabia que era imprescindível escapar a essa restrição ao Evangelho.
É necessário pensar mais seriamente um pastorado de tempo pardal. Quem exerce o ministério pastoral precisa ter um trabalho com o qual obtenha o sustento da família; só deveria haver um pastorado de tempo integral excepcionalmente e temporariamente, como ponta de lança missionária em condições particularmente adversas, incluindo aí também os outros ministérios. Penso que-uma igreja estagnada poderá assim entrar novamente em movimento.
Sugestão para prédica:
Sugiro urna prédica narrativa. Tentaria descrever a realidade de Corinto com conteúdos atuais da comunidade, tematizando a prisão/li¬berdade do apóstolo diante do ganho de salário. Não seria então uma descrição histórica da comunidade de Corinto, mas uma descrição simbó¬lica, para dentro da qual estariam trazidas questões candentes atuais nessa questão evangelho-salário: uma reflexão crítica sobre as próprias amarras do pastor na pregação do Evangelho, projetadas para dentro da carta de Paulo aos coríntios. Talvez a pergunta: como teria Paulo respondido aos coríntios, se estivesse acontecendo lá, o que vivemos aqui? pode ajudar a imaginar e ser criativo.
IV — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de Pecados: Sugiro uma confissão de pecados em duas partes, entremeadas do canto responsivo de todos: Tem piedade de nós, Senhor, Jesus, Senhor. Primeiro o pastor confessa os seus próprios pecados, sobretudo o de ter limitado e alienado a pregação do Evangelho pela situação de receber salário da comunidade, pedindo a Deus iluminação e coragem, para tentar novas formas. Num segundo momento um presbítero da comunidade dirige uma oração em nome da comunidade, confessando as conscientes e subconscientes tentativas de amarrar o pastor e sua pregação pela via do salário. Evidentemente os textos dessas duas confissões devem ser preparadas antes.
2. Oração de Coleta: Deus da misericórdia, que nos agracias com esse serviço de culto! Agradecemos-te por teu amor e por tuas bênçãos em nossa vida. Queremos renovar nossa fé de que queres uma vida abundante para todas as pessoas, e queremos nos colocar no serviço dessa causa, que é tua. Anima-nos com a tua palavra, ajudando-nos a pensar sobre o nosso jeito de ser igreja, para avaliarmos, se esse jeito está como tu pensas e precisas e como podemos mudar para melhor. Precisamos da tua interferência santa, para que o pouco que mal e tortamente fazemos, seja plenificando por ti, para servir na causa do teu Reino.
3. Assuntos para Oração Final: Agradecimento pelo culto e pela palavra de Deus. Intercessão pelos fracos da comunidade que vão se distanciando da comunidade quase imperceptivelmente; para que Deus não pare de suscitar ministérios e dons na comunidade; para que a comunidade aprenda a não jogar fora a multiplicidade dos dons, dando-se por satisfeita com o ministério pastoral de atendimento. Essa multiplicidade de ministérios é imprescindível; sem ela a comunidade cristã não estará testemunhando adequadamente o Evangelho da nova vida em Cristo. Coragem, onde é necessário reestruturar, para que o Evangelho possa fluir mais livre e desimpedido.
V — Bibliografia
– BOOR, W. de. Der erste Brief des Paulus an die Korinther. in: Wuppertaler Studienbibel. Wuppertal, 1973.
– THEISSEN, G. Sociologia da Cristandade Primitiva. Estudos Bíblico-Teológicos. NT 10. São Leopoldo, 1987.