Prédica: Atos 16.23-34
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: Domingo Cantate
Data da Pregação: 23/04/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
I — Considerações exegéticas
A primeira leitura do texto não causa uma impressão muito profunda. Será necessária uma exegese do texto, para que ele comece a falar.
Para não perder de vista a dinâmica interior do texto, formulo uma paráfrase ou redução do texto (Sommerauer, p. 48), que me conduz à fixação da seguinte estrutura:
1. O terremoto ou: a prisão e libertação de Paulo e Silas (vv. 23-26).
2. O drama do carcereiro, sua pergunta, a pregação dos apóstolos e a salvação do carcereiro (vv.27-33).
3. A comunhão entre a família do carcereiro e Paulo e Silas
(v. 34).
Na exegese a seguir partirei desta divisão do texto. Acrescento que citarei, no corpo destas considerações exegéticas, várias vezes o comentário de Barclay, que me pareceu bastante instrutivo c que tenho em mãos em sua versão espanhola.
1. A prisão e libertação de Paulo e Silas (vv. 23-26).
Antes de serem encarcerados, Paulo e Silas são açoitados, fim 2 Co 11.25 Paulo menciona que foi açoitado três vezes. Esta foi a primeira das três. Cf. l Ts 2.2; Fp 1.29. Os açoites deixaram marcas no corpo dos apóstolos (v. 33).
O carcereiro recebe a ordem de manter Paulo e Silas em máxima segurança e os prende na cela interior do cárcere. Seus pés são prendidos no tronco. Sublinha-se este detalhe (cf. 12.6) para realçar a libertação posterior.
A prisão acontece sem base legal. A acusação aos apóstolos ê de perturbar a cidade (v. 20). O verdadeiro motivo da perseguição foi outro: com a cura da jovem adivinhadora (vv. 16-18), se desfez o lucro dos negociantes (v. 19) que se aproveitavam da jovem adivinhadora para ganhar dinheiro. Paulo e Silas mexeram nos interesses econômicos desses homens.
Barclay escreve: Eran hombres astutos. Jugaron con el antisemitismo natural de la muchedumbre; y apelaron al orgullo romano que era característico en las colónias y lograron que arrestaran a Pablo y Silas. (p. 134.) Barclay acrescenta: Lo trágico es que fueron arrestados por hacer el bien. Siempre que el cristianismo ataca intereses creados surgen problemas. Los hombres son capaces de fevantarse en armas si se tocan sus bolsillos y se amenazan sus ganâncias. (p. 134.)
V. 25: Trata-se de um detalhe muito bonito do texto. Paulo e Silas — apesar de açoitados, com vergões nas costas, encarcerados sem base legal e, com os pés presos no tronco — oram e louvam a Deus. Lo que nunca se lê puede quitar a un cristiano es Ia presencia de Dios y de Jesucristo. Con
El hay libertad aun en la prisión y aun a medianoche hay luz. (Barclay, p. 136.)
Em Fp 2.5-11; l Co 13 e Rm 11.33-36 encontramos exemplos de hinos conhecidos por Paulo.
Paulo e Silas se sentem livres também na prisão, e louvam a Deus.
E os demais companheiros de prisão escutavam. (v. 25.) Foi esta liberdade dos cristãos que impressionou o mundo de então.
V. 26: Os exegetas discutem se o terremoto aconteceu em resposta à oração de Paulo e Silas ou não.
O comentário de San Jeronimo afirma: Su liberación se atribuye a sus piadosas oraciones. (p. 505.) Gottfried Voigt observa: Uma relação causal entre oração e terremoto não é afirmada. (p. 229.)
Se bem que, na região, os movimentos sísmicos eram comuns, es evidente que el autor no intenta hablar de un fenómeno natural; es una manifestación de la presencia de Dios y del testimonio que da en favor de sus servidores. (J. Dupont, Actes, 148. In: San Jeronimo, p. 505.)
Com um só tremor de terra se abrem as portas da prisão. Tudo é verossímil. Só o detalhe que as cadeias dos pés se soltam parece inverossímil. El terremoto hizo caer las barras y los prisioneros se vieron libres, con las puertas abiertas. (Barclay p. 126.)
O texto testemunha a presença de Deus em favor de seus seguidores. Deus é um Deus libertador. Compare os relatos de libertação em 5.19-27 e 12.6-11. Veja também Lc 4.18! Erdman conclui: Los que se oponen a las fuerzas del vicio organizado deben esperar oposición violenta, pero estar con Cristo es estar con el que todo lo puede, y no hay que desesperar. (p. 147.)
Os vv. 23-26 falam da prisão dos apóstolos, da liberdade que sentem e expressam também no cárcere e do Deus libertador, que se serve de um terremoto para arrancar do cárcere os que nele crêem.
2. O drama do carcereiro e sua salvação (vv. 27-33).
Se nos vv. anteriores Paulo e Silas estavam no centro, agora o carcereiro e sua salvação formam o núcleo da narrativa.
V. 27: Com o terremoto, o carcereiro desperta. Vendo que as portas do cárcere estão abertas — e, deduzindo que os prisioneiros fugiram —, ele quer suicidar-se. Barclay explica: El carcelero quiso suicidarse porque de acuerdo con la ley romana si un prisionero se escapaba el carcelero debía sufrir la misma pena que él hubiera sufrido. (p. 136.)
Vv. 28-30: Paulo, que de alguma maneira fica sabendo da intenção do carcereiro, brada de dentro da prisão que não cometa tal gesto, pois todos continuam ali. O carcereiro pede uma luz e entra no cárcere. Vendo a Paulo e a Silas, se prosta diante deles. Em seguida os traz para fora do cárcere e lhes faz a pergunta que o levará à salvação.
Paulo e Silas permanecem no cárcere, pois sabem que a vida do carcereiro corre perigo se fugirem.
Esta preocupação por um homem que até poucos momentos atrás foi o seu algoz, marca a estrutura da liberdade cristã. Paulo e Silas mostram que a liberdade não é uma liberdade egoísta, ela se concretiza antes no gesto solidário. Sua liberdade é liberdade para servir.
V. 31: A resposta de Paulo e Silas à pergunta do carcereiro é imediata: Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa.
Esta é a formulação mais breve da mensagem cristã.
Jesus está aí, ressuscitado, vivo, atuante. Ele é o Senhor. E quem nele crê, será salvo. Não há salvação em nenhum outro. (4.12.) O caminho para a salvação passa por Jesus (2.21; 11.14; Rm 10.9).
Paulo e Silas conclamam o carcereiro a crer em Jesus.
Barclay comenta: (Pablo) estaba dispuesto a abrir la puerta de la salvación al carcelero que le había cerrado la puerta de la prisión. Pablo nunca rezongó. Le predico al mismo hombre que le había ajustado los cepos. (p. 136.)
V. 32: É claro que Paulo e Silas não disseram só esta frase. Eles pregaram a palavra de Deus. Eles falaram dos sinais de Jesus (2.22), do bem que sempre fez (10.38), que Deus desde o início estivera com ele, que Jesus foi morto (vós o matastes, 2.23), mas que Deus o ressuscitou (2.24). Eles narram, citam as Escrituras, exortam. Mas o v. 31 mostra algo central: Onde acontece pregação cristã, ela tem por centro Jesus. O imperativo crê, por outro lado, mostra que cada pregação deve conter anúncio e também convite, exortação.
Assim a pregação, que começou em Jerusalém a mais de três mil pessoas (2.41), não pára. Iwand diz: (A igreja) não prega ao lado de outras coisas, a pregação para ela não é uma entre muitas funções 'litúrgicas' que pertencem à sua 'vida própria' ; esta igreja (de Atos) existe em função da pregação e através da pregação. (. . .) ela se expõe ao pregar. (p. 396/7.)
O v. 33 mostra os efeitos da pregação. O carcereiro lava os vergões dos açoites de Paulo e Silas. Barclay interpreta: Lo interesante acerca de este hombre es que inmediatamente confirmo y probo su conversión por medio de los hechos. Ni bien se convirtió a Cristo lavo las heridas en las espaldas de los prisioneros y les dio de comer. En este mismo momento su cristianismo se expresó en el más práctico acto de bondad. Si nuestro cristianismo no nos hace bondadosos, no es cristianismo. A no ser que el cambio de corazón este garantizado por un cambio en las obras, se trata de algo ilegítimo y espúrio. (p. 136.)
O batismo segue imediatamente.
A dádiva do batismo, conforme Lucas, é a remissão dos pecados e o recebimento de Espírito Santo (2.38). Através do batismo, se passa a pertencer ao número dos salvos (2.47).
Em geral, em Atos se menciona ainda, como passo inicial no 'caminho da salvação', o arrependimento (2.38; Lc 24.47). O arrependimento é ato do homem. A salvação, porém, não é efeito do arrependimento, mas dádiva de Deus no batismo.
Os vv. 27-33 mostram, portanto, que para Lucas o caminho da salvação não é complicado. Ele começa com a fé em Jesus. Quem crê em Jesus e é batizado não se torna perfeito, mas recebe a salvação.
3. A nova irmandade e a alegria na família do carcereiro (v. 34).
Após o batismo, o carcereiro leva os apóstolos a sua própria casa e lhes põe a mesa (cf. 16.15).
O que ocorre em Filipos não é apenas a conversão do carcereiro, mas surge uma irmandade. A partir da fé em Jesus nasce uma nova comunhão — nasce igreja!
E como o eunuco, que seguiu o seu caminho cheio de júbilo (8.39; cf. 13.48), também o carcereiro, com todos os seus, manifestava grande alegria, por terem crido em Deus.
4. A historicidade do texto
Vários comentaristas se preocupam com a questão da historicidade do relato que comentamos até aqui. Beyer, principalmente, aponta para insuficiências no texto, que podem ser observadas por cada leitor atento. Por exemplo: Os pretores, que no dia seguinte mandaram pôr em liberdade a Paulo e a Silas (vv. 35-40), não ficaram sabendo do terremoto ocorrido?
Tudo indica que os vv. 16-24,35-40 formaram originalmente uma unidade que não continha nenhuma alusão ao terremoto (Beyer, p. 102; San Jeronimo, p. 505; Voigt, p. 229). O evangelista, contudo, conhecia, ao lado deste, outro relato, que narrava a libertação milagrosa dos apóstolos e a conversão do carcereiro (vv. 25-34).
Lucas, que investigou tudo desde sua origem (Lc 1.3), uniu ambos os relatos, transformando-os em uma narrativa. O evangelista, por outro lado, foi tão fiel aos textos originais, que não nivelou eventuais disparidades, antes as deixou em aberto.
Já um dos antigos copiadores do texto (D e syh ), sentindo a dificuldade de compreender os vv. 35-40 como sequência de 27-34, incluiu no v. 35 o seguinte acréscimo (que no texto vai destacado por mim): Quando amanheceu, os pretores se reuniram em praça pública; recordaram com temor o terremoto que havia ocorrido e enviaram oficiais de justiça, com a seguinte ordem: Põe em liberdade esses homens.
Concordo com o parecer de Gottfried Voigt, o qual afirma que — mesmo que não saibamos detectar hoje com rigor o que neste texto corresponde ao fato histórico, o que é tradição oral e o que são acréscimos de Lucas — podemos narrar de sã consciência e com alegria este texto na atualidade, mesmo porque também sabemos que a verdade teológica de uma perícope não depende de que todos os detalhes estejam comprovados como históricos.
Em termos gerais se pode formular sobre Lucas o que diz Ernst Kaesemann: Lucas narra constantemente cenas típicas que se gravam inolvidavelmente na memória, e ele combina com os fatos que apresenta sempre excelente intuição psicológica e contrastes de muitos matizes. (p. 164.) Kaesemann acrescenta: Pessoalmente opino que Lucas —medido nos seus efeitos — é o maior teólogo do Novo Testamento. Pois ele cunhou a fé da comunidade de todos os séculos como nenhum outro na cristandade primitiva. (p. 162.)
Também a respeito do texto que examinamos, vale o que Kaesemann afirma sobre Lucas em geral: Tudo é claro e convincente. (p. 164.)
Para que nossas comunidades não caiam em um fundamentalismo, que peca por uma visão mitológica da Bíblia e que desconhece a formação desta, será salutar conversar com elas sobre a formação dos textos bíblicos e da própria Bíblia. Não será ocultando a história da formação da Bíblia, em um período superior a mil anos, que estaremos prestando um serviço ao povo de Deus.
Creio que esta reflexão não será assunto da prédica, mas a ignorância neste assunto não favorece, antes prejudica a fé evangélica.
II — Considerações homiléticas
Que mensagem o texto quer transmitir a nós hoje? Eu penso que ele contém uma história, da qual a comunidade só pode aprender.
Neste relato de Paulo e de Silas, do carcereiro e de sua família, são abordados temas centrais da fé cristã.
1. É possível ser preso por causa da vivência da fé. Quando escrevo este auxílio homilético, recebo aqui na Venezuela a notícia da condenação do colega Werner Fuchs a meio ano de prisão. O texto bíblico mostra que Paulo e Silas foram presos sem base legal, acusados de subverter a ordem pública, quando os verdadeiros motivos de sua detenção foram outros.
Quando o Evangelho mexe com o bolso de algumas pessoas, a reação é violenta.
A prédica a partir deste texto tem uma tarefa muito importante no momento atual: a de ajudar a comunidade a rever sua atitude em relação aos que são condenados pela justiça em decorrência de atitudes assumidas a partir do Evangelho. Ser preso por causa do Evangelho não é motivo de envergonhar-se.
A prédica deverá motivar a comunidade a atitudes de solidariedade em relação aos seus presos. Cf. o posicionamento do Pastor Pre¬sidente!
Não mencionar isto seria não auxiliar a comunidade a dar um passo à frente em sua compreensão da fé.
2. O segundo tema que o texto expõe é o da liberdade cristã, tão caro à tradição luterana e tão esquecido ultimamente.
Através deste texto podemos motivar a comunidade a viver a liberdade cristã. Lutero escreveu em seu livro Da Liberdade Cristã que roupas, dinheiro, comida, liberdade, coisas exteriores, não tornam livre a ninguém. Mas a palavra de Deus nos torna realmente livres (Lutero, p. 163/4). Assim pode acontecer que pessoas sentadas na cela mais interior de um cárcere são pessoas livres e podem louvar a Deus.
Até que ponto, em nossas comunidades e em nossa própria vida, estamos vivendo esta liberdade cristã, que nos é dada pela palavra de Deus?
3. Certamente, um terremoto é um fenômeno natural. Mas este terremoto, neste momento, quer mostrar que Deus não abandona os seus seguidores, antes ouve as suas orações.
Também as mais severas medidas de segurança não podem barrar o agir de Deus. Foi esta a fé dos primeiros cristãos: que Deus é um Deus libertador, que arranca do cárcere os cativos e faz a terra tremer para pôr em liberdade os seus seguidores.
Por causa desta fé, Paulo e Silas podiam esperar no cárcere e cantar.
O texto mostra que devemos distinguir entre liberdade cristã e libertação, e que uma não exclui a outra, antes se complementam. A liberdade cristã é uma decorrência da fé em Deus, que é testemunhado em toda a Bíblia e também em nosso texto como o Deus libertador.
Mostrar à comunidade que Deus é este Deus libertador, só pode ajudá-la a crescer em sua visão correta de Deus.
4. O quarto tema da perícope é o do uso correio da liberdade do cristão.
Assustado pelo terremoto, presumindo que os prisioneiros fugiram, o carcereiro quer suicidar-se. Mas Paulo brada que não se faça nenhum mal, pois todos continuam ali.
Paulo e Silas estão livres — mas perseveram no cárcere. Eles sabem que foi Deus quem lhes deu a liberdade, mas por amor ao carcereiro renunciam à uberdade recebida.
É esta atitude que impressiona o carcereiro de Filipos.
O texto mostra que da estrutura da liberdade do cristão (Lochman), quando compreendida evangelicamente, faz parte o amor.
Ninguém é livre para gozar indefinidamente a sua liberdade. Paulo e Silas manifestam que a liberdade de um cristão não é uma liberdade egoísta, ela se concretiza antes no gesto solidário, na procura do bem-estar do próximo. A liberdade não é um trunfo, com o qual o cristão se pode gabar, mas ela inclui a disposição de servir. Por isso Lochman tem razão quando formula: eu não sou livre se sou apenas livre. Liberdade 'de' não é o todo da liberdade. A liberdade preconizada pela Reforma é simultânea e acentuadamente liberdade em favor dos outros, pró-existência. Pois este é o Espírito do Senhor: a solidariedade de Jesus de Nazaré com o próximo, sua vida em-favor-de-outros. (p. 726.)
Até que ponto já compreendemos isto? Qual o conceito de liberdade que existe em nossas comunidades?
Falar do uso da liberdade do cristão em uma sociedade na qual cada um defende os seus privilégios e não quer renunciar a nada, enquanto a grande maioria, como o carcereiro, não vê perspectivas de sobreviver, é mais do que uma possibilidade — é uma necessidade (l Co 9.16)!
5. Como pregadores deveríamos aprender deste texto — em quinto lugar — que a mensagem evangélica é simples. Impressiona a capacidade de Lucas de resumir a mensagem cristã em uma só frase: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa.
Nós complicamos o Evangelho. Em Lucas podemos aprender que o Evangelho é simples e cristocêntrico. Ele não existe também sem um chamado à decisão.
O Evangelho não é uma fórmula estereotipada (crê e serás salvo). Os apóstolos também expõem, narram, citam as Escrituras, desa¬fiam, mas onde a palavra de Deus é pregada, ela terá sempre este centro:
Cristo e o convite a crer. Lutero disse que a igreja vive desta palavra. Tota vita et substancia Ecclesiae est in Verbo Dei.
Ao pregador será bom lembrar isto.
6. Por último: com a fé em Deus (v. 34) — que não é outra coisa do que fé em Jesus — iniciam na família de um carcereiro acontecimentos marcantes. A palavra de Deus põe fim ao lucro imoral de pessoas inescrupulosas, deixa funcionários da justiça romana em maus lençóis (vv. 35-40), mas também traz salvação e alegria à família de um carcereiro e cria uma nova irmandade — cria igreja.
Paulo e Silas são servidores desta palavra. Também nós devemos ser servidores dela.
Trata-se neste texto de uma história que contém perguntas e orientação para a comunidade de hoje. Expressamos nós a alegria do carcereiro? Temos a Uberdade interior que se concretiza no servir e que mais tarde também se expressa em uma extraordinária atitude de liberdade frente às autoridades constituídas (vv. 35-40)? Temos a presença missionária que vemos em Paulo e Silas? Existe, em nossas comunidades, esta irmandade que vemos no texto?
O texto representa um estímulo para repensar nossa prática pastoral, a metodologia comunitária, nossa homilética, ele põe em xeque a separação artificial entre salvação e bem-estar, ele retoma um tema tão caro à Reforma que é o da liberdade cristã.
A narrativa inicia com o louvor a Deus e termina com uma manifestação de alegria. Poderemos nós pregar, no Domingo Cantate, tendo por base este texto, sem louvar a Deus e sem alegrar-nos?
Rudolf Bohren opina em sua homilética que pregadores que narram histórias bíblicas em suas prédicas não são pregadores tão maus assim (p. 185; cf. Predigt als Erzãhlung, p. 170-185). — Eu proponho que na prédica narremos com simplicidade a história de Paulo e de Silas, do carcereiro e de sua família, confiantes de que Deus — sendo recordado da salvação que fez acontecer em Filipos — também fará acontecer salvação hoje.
III — Esboço de Prédica
Na primeira parte da prédica desenvolveria que o texto bíblico que ouvimos é o relato de um encarceramento.
— Mencionar os motivos da prisão de Paulo e Silas.
— Mostrar as condições de ambos no cárcere.
— Lembrar a condenação sofrida pelo Pastor W. Fuchs em 1987.
— Explicar que a partir deste texto temos que reformular nossa maneira de pensar sobre presos.
Expor que esta história de um encarceramento é, ao mesmo tempo, a história de duas pessoas que possuíam uma extraordinária liberdade.
— Perguntar de onde tinham esta liberdade interior.
— Mostrar que sabiam da presença de Deus e de Cristo.
— Perguntar como se alcança esta liberdade do cristão.
— Lembrar Lutero: As coisas exteriores não tornam livre a ninguém; a palavra de Deus torna realmente livre.
Apontar que esta história de um encarceramento se transforma, de repente, em uma história de libertação.
— Mencionar o terremoto.
— Perguntar o que o texto quer testemunhar: que Deus é um Deus libertador.
— Expor que toda a Bíblia testemunha que Deus ê um Deus libertador.
Na segunda parte da prédica mostraria que dentro desta história de Paulo e Silas, que já é extraordinária, acontece outra história tão ou mais cativante: a do carcereiro.
— Falar de sua responsabilidade, das medidas de segurança.
— Mencionar o drama do carcereiro com a libertação de Paulo e Silas.
— Perguntar por que Paulo e Silas não fogem da prisão, uma vez em liberdade.
— Expor que eles sabiam que o cristão, quando livre, é livre para servir.
— Perguntar como nós podemos usar hoje a liberdade de maneira correta.
— Mostrar finalmente que este gesto de Paulo e Silas levou
— o carcereiro a perguntar pela salvação, que transformou sua vida.
— Motivar a pergunta como podemos falar de Jesus de uma maneira simples e clara, de modo que outros venham a crer e alegrar-se.
Concluir lembrando que o Domingo Cantate nos convida a louvar a Deus como Paulo e Silas — apesar da prisão, apesar de dificuldades na vida — e a alegrar-nos como o carcereiro e sua família —por causa da salvação.
O esboço apresentado é bastante rudimentar, mas creio que plenamente viável. Nenhum pregador poderá abordar todos os assuntos com a mesma profundidade. Creio que se tornou claro também que o esboço, com suas perguntas-chaves e respostas, se presta bem para uma prédica dialogada com a comunidade ou com mais um ou dois membros. Para quem quiser se informar sobre outras maneiras de pregar a partir deste texto, remeto ao auxílio homilético de N. Kirst em Proclamar Libertação VII.
As possibilidades de pregar, tendo por base esta perícope, são muitas.
IV — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Todo-poderoso e eterno Deus, nosso Pai em Jesus Cristo. Queremos agradecer-te por este dia e por teu Filho Jesus Cristo. Queremos agradecer-te que ele não está morto, em um sepulcro, mas vivo, entre nós, como uma realidade ao nosso lado, que nos dá vida, liberdade e alegria. Pedimos-te perdão: — por nossa fé tão pequena; — porque nos esquecemos sempre de novo da presença de Cristo; — porque em vez de te louvar, nos queixamos constantemente sobre dificuldades e problemas.
Dá-nos neste dia que tu fizeste, uma nova fé. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Senhor, agora tu queres falar conosco. Dá-nos a humildade necessária para que realmente ouçamos a tua vontade. Necessitamos de tua orientação para pensar, crer e atuar corretamente neste mundo. Fala conosco, Senhor! Queremos ouvir.
3. Oração de intercessão: Assuntos para a oração de intercessão:
— louvar a Deus porque é um Deus libertador
— que a fé não é algo complicado, mas simples: é crer em Jesus
— que Deus através dos tempos tem despertado pessoas que são testemunhas alegres de Jesus
— pedir por um novo comportamento em relação aos presos
— que a nossa liberdade se manifeste no amor
— que sejamos capazes de renunciar a privilégios
— pedir por uma nova vida social, por novas maneiras de conviver na sociedade, menos egoístas e mais comunitárias
— que em nossas famílias haja alegria como na família do carcereiro
— adoração final
V — Bibliografia
– BARCLAY, William. Hechos de los Apóstolos. In: El Nuevo Testamento. Buenos Aires, 1974. V. 7.
– BEYER, H. Wolfgang. Die Apostelgeschichte. In: Das Neue Testament Deutsch. 4. ed. Goettingen, 1947. V. 5
– BOHREN, Rudolf. Predigtlehre. Muenchen, 1971.
– BROWN, Raymond E. et allii. ed. Comentário Bíblico 'San Jeronimo'. In: Nuevo Testamento I. Tomo III. Madrid, 1972.
– ERDMAN, Carlos R. Hechos de Los Apostoles. T. E. L. L. Grand Rapids, 1974.
– IWAND, Hans-Joachim. Predigt-Meditatíonen. 3. ed. Goettingen, 1966.
– JOSUTTIS, Manfred. Predigt zur Freiheit. In: Deutsches Pfarrerblatt. Ano ignorado. P. 623-626.
– KAESEMANN, Ernst Der Ruf der Freiheit. 4. ed. Tuebingen, 1968.
– KIRST, Nelson. Meditação sobre Atos 16.23-34. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, 1981. V. VII.
– LOCHMAN, Jan Milic. Unvollendete Reformation. In: Stimme der Gemeinde. Frankfurt am Main, ano ignorado. P. 726-734.
– LUTHER, Martin. Von der Freiheit eines Christenmenschen. In: Calwer Luther-Ausgabe. Muenchen e Hamburg, 1968. V. 2
– MARQUARDT, Friedrich-Wilhelm. Muss ein Christ Sozialist sein? In: Evangelische Theologie. Março/Abril 1977, Muenchen.
– SOMMERAUER, Adolf. Guia do Pregador. São Leopoldo, 1973.
– VOIGT, Gottfried. Meditação sobre Atos 16.23-34. In: Die himmlische Berufung. Homiletische Auslegung der Predigttexte. Neue Folge. Série IV. Goettingen, 1981.