Prédica: João 15.9-12 (13-17)
Autor: Gottfried Brakemeier
Data Litúrgica: 21º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 15/10/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
l – Analisando o texto – ouvir
Na ordem das perícopes permanece opcional a inclusão dos vv. 13 a 17. Nós julgamos que os vv. 9 a 12 não deveriam ser separados dos demais. A prédica deveria basear-se na perícope em seu todo.
1. O contexto literário
O texto em pauta faz parte dos assim chamados discursos de despedida de Jesus, que abrangem os capítulos 13 a 17 no Evangelho de João (veja G. Brakemeier, p. 7ss. Quanto ao todo compare a instrutiva meditação de E. Grübber sobre este mesmo texto). Está próximo o momento de Jesus ser separado dos discípulos. Os discursos de despedida pretendem prepará-los para, sozinhos, enfrentarem o mundo após a morte e ressurreição de Jesus. É o pano de fundo também desta perícope.
Existe relação estreita com os vv. l a 8. Os vv. 9 a 17 nada mais são do que uma meditação sobre o trecho anterior (S. Schulz). É flagrante o paralelismo: o permanecer na videira (v. 4) é interpretado no v. 9 como sendo o permanecer no amor de Jesus. À afirmação de que os discípulos já estão limpos (v. 3), correspondem as palavras, dizendo que eles são os amigos de Jesus (v. 14). E quando é dito não terem sido os discípulos os que escolheram Jesus, mas Jesus a eles, somos lembrados da constatação do v. 5: sem mim nada podeis fazer. Ainda outras semelhanças saltam à vista, como por exemplo a referência ao trazer fruto (vv. 2 a 16) e à oração (vv. 7 e 16). E, todavia, a despeito da proximidade dos vv. l a 8, este texto possui peculiaridades. Não repete. Varia.
2. Conteúdo
O tema principal é o permanecer no amor de Jesus. O resto é implicação, premissa ou consequência. Não há progresso linear dos pensamentos. Há, isto sim, destaque de aspectos e diferentes enfoques. A concatenação dos versículos ficará clara na seguinte reprodução do texto:
a) Vv. 9-72: Permanecei no meu amor
V. 9: Assim como Deus amou Jesus, assim Jesus amou os discípulos. Esta é a realidade em que se encontram. Nela devem permanecer. Em outros termos, os discípulos são chamados a permanecerem na esfera da graça, sob o poder do amor de Deus, do qual Jesus Cristo é o Mediador.
V. 10: Isto, porém, implica o cumprimento dos mandamentos de Jesus, assim como ele próprio cumpriu os do Pai. O permanecer em Jesus engloba obediência. À ação divina deve corresponder a ação humana.
V. 11: O que Jesus disse e diz tem por finalidade transmitir aos discípulos a sua alegria, a fim de que também eles possam alegrar-se. É este o objetivo último do permanecer em Jesus e do cumprir dos mandamentos, a saber, auferir alegria transbordante, completa, perfeita.
V. 12: Os mandamentos de Jesus, dos quais falara o v. 10, na verdade se resumem em um só. Consiste em os discípulos se amarem de forma tal qual Jesus os amou.
b) Vv. 13-17: Vós sois meus amigos
V, 13: O amor de Jesus, em sua intensidade e em seu significado, é agora o tema. Ninguém ama mais do que quem dá sua vida pelos amigos. É o que Jesus faz.
V. 14: Os discípulos são os amigos de Jesus — aliás, desde que façam o que lhes ordenou. Permanecer no amor de Jesus significa permanecer sendo seu amigo.
V. 15: Como amigos de Jesus, os discípulos se distinguem fundamentalmente de escravos. Estes devem obedecer cegamente, sem conhecerem a razão das ordens de seus senhores. Não assim os discípulos de Jesus. Através dele chegaram a conhecer o Pai. São conhecedores de sua vontade e de seu agir.
V. 16: No entanto, a amizade entre Jesus e seus discípulos não é a de parceiros iguais. Foi Jesus quem a constituiu, foi ele quem os elegeu. E isso com um fim específico: que os discípulos dêem muito fruto. A amizade com Jesus deve ter resultado, consequências, proveito não passageiro, mas consistente. Da amizade com Jesus brota fruto, imperecível. Ela se expressa, inclusive, na liberdade para a oração. Esta tem a promessa de atendimento por Deus, quando dirigida a ele em nome de Jesus.
c) V. 17: Amai-vos uns aos outros
Concluindo o trecho, este versículo mais uma vez lembra que permanecer no amor de Jesus inclui o amor dos discípulos entre si. É a forma de a amizade com Jesus se manifestar.
3. Comentário
O texto é expressão típica da teologia joânica. Jesus é testemunhado como sendo o Revelador de Deus, o Verbo que se fez carne. Tudo o que a respeito de Deus sabemos e de sua parte recebemos, isto, conforme João, é mediado por Jesus. Nele o novo mundo de Deus vem à terra.
A partir daí se explica a ênfase que é dada à necessidade do permanecer. Mas cuidado! O permanecer em Jesus nada tem de místico. É o permanecer num campo de forças, numa realidade marcada, a um só tempo, por receber e fazer. Ambos estes aspectos se entrelaçam e se unem, mas jamais se fundem. Por isto, permanecer no amor de Jesus significa, em primeiro lugar, permanecer no amor que ele dá, que através dele vem de Deus. Depois, em segundo lugar, significa também permanecer na prática do amor que ele exige. O Evangelho e o imperativo estão lado a lado.
O v. 11 faz referência implícita à videira, da qual Jesus fala em 15,1. Pois esta é símbolo de fonte de alegria. Merece ser sublinhado que o Evangelho tem na alegria sua meta última. O Reino de Deus é alegria (cf. Mt 25.21; Rm 14.17, etc.). A fé, o amor, a justiça, a esperança, tudo tem este objetivo comum, a saber, proporcionar uma alegria que ninguém mais pode tirar (Jo 16.22). Aos dons de Jesus pertence, com destaque, a alegria, de modo que permanecer em Jesus equivale igualmente a permanecer em sua alegria.
A qualificação dos discípulos como amigos de Jesus é maneira grega de falar. No mundo helénico, o amigo é visto como pessoa livre e simultaneamente comprometida. Amigos não precisam guardar segredos uns dos outros. Vivem numa relação de confiança, unidos pelos laços da fidelidade. É interessante observar, porém, que o texto de João deixa muito claro que o amigo Jesus não deixa de ser o senhor. Foi ele quem estabeleceu a amizade, esperando que seja cumprido o seu mandamento. Contudo, dos amigos é esperado um cumprimento espontâneo, não forçado, fruto de conhecimento e convicção. Obediência cristã é autêntica apenas como obediência livre, como resposta do amor ao amor recebido.
Aliás, a palavra escolher (v. 16) não deve ser interpretada no sentido de selecionar, como se uns fossem os destinatários da graça de Deus e outros de condenação. Deus quer a salvação de todos. Escolher significa aqui nada mais do que tirar da situação de escravo e de perdição. Não há quem Deus não quisesse escolher.
Permanecer no amor de Jesus, ser o seu amigo, cumprir os seus mandamentos, isto se externa numa nova relação de confiança com Deus, que se caracteriza por um novo modo de orar: tem a certeza de encontrar os ouvidos de Deus e de receber resposta. Simultaneamente, porém, esta confiança terá consequências para o conteúdo da oração. Os amigos de Jesus não podem pedir a Deus qualquer coisa. A amizade com Jesus é escola, ensinando como importa orar (cf. Lc 11.1).
Resumimos: O texto convida a permanecermos no amor de Jesus, na qualidade de seus amigos, eleitos por ele e motivados a cumprir os seus mandamentos, para nos tornarmos participantes de sua alegria.
II — Tomando posições teológicas — julgar
Todo texto bíblico, ao ser pregado hoje, passa por uma revisão teológica. Isto é normal e legítimo. Importa, porém, que este processo seja consciente, a fim de serem evitadas a arbitrariedade e a violação do significado textual. É impossível trazer um texto bíblico diretamente à atualidade. A isto se opõe o contexto evangélico global de cada porção textual, a diferença de situação de antigamente e hoje e, não por último, os pressupostos teológicos e ideológicos de intérpretes e ouvintes. A contextualização é imprescindível. Mas deve ser um processo responsável.
Sob essa perspectiva algumas características de nosso texto merecem reflexão:
1. Jesus, neste texto, se dirige exclusivamente a seus discípulos. A fala é esotérica. Nos discursos de despedida de Jesus os lá fora são desconsiderados. Portanto, falta a dimensão missionária. Sim, me¬diante a ênfase na necessidade de permanecer, o texto adquire traços nitidamente conservadores. O propósito é conservar os discípulos naquilo que de Jesus receberam. Aqui surge um perigo para a prédica. Poderia levar a alimentar a introversão da comunidade, sua separação do mundo, reforçando a convicção de ser suficiente permanecer fiel a Jesus sem no mais envolver-se em nada. Que significa permanecer?
Ora, a comunidade deve permanecer na Palavra de Deus, no status de pessoa batizada, no amor de Jesus e sob o poder do Espírito Santo. Este status não se conquista. Não é resultado de luta nem produto de conversão. No que Deus nos deu, só podemos permanecer. Ai da prédica que o esquecer. Na fé o permanecer é fundamental. Não obstante, devemos ir além. Nós temos que abrir o texto para a ação missionária, que se preocupa com os lá fora, sim, que se preocupa com o mundo. Para tanto o contexto amplo deste texto de João nos autoriza. Ao permanecer acrescentamos o ide tão em evidência nos capítulos 2 a 12 deste Evangelho. O permanecer no amor de Jesus necessariamente deverá ser complementado pelo levar o amor de Jesus aos que dete necessitam. É legítimo, pois, dar ao texto horizontes mais amplos, sem suprimir suas características próprias.
2. O mesmo vale com relação ao mandamento de Jesus. O texto diz que vos ameis uns aos outros. É claro que o amor cristão não pode ficar restrito a uma questão meramente interna dos discípulos entre si. Também neste tocante é preciso ultrapassar os limites deste texto. Conforme Mt 5.44 o amor deve estender-se ao próprio inimigo. E todavia, é bom ouvir com atenção o texto. Pois a tão frequente fraqueza do amor entre os irmãos e as irmãs na fé, o estilo pouco fraternal com que tantas vezes se (mal) tratam, provoca desconfiança com relação ao discurso sobre o amor. O amor ao próximo começa com aquele e aquela que estão ao nosso lado e comungam a mesma fé.
3. No v. 13 é dito que Jesus demonstra a grandeza de seu amor pelo fato de morrer pelos seus amigos. Tal afirmação parece conflitar com Rm 5.6-11 que diz que Jesus morreu pelos inimigos.
Mas o conflito é apenas aparente. Pois também em João os discípulos são feitos amigos de Jesus (v. 16) através de seu amor. Eles não o são por natureza. O amor de Deus se dirige sempre a gente que não o merece. Cristo morreu por um mundo perdido (Jo 3.16), portanto, pelos seus inimigos, transformando assim pelo menos alguns deles em amigos. A prédica, neste ponto, não deveria atenuar. Deus se inclina não a justos, mas a pecadores. E, se Jesus tem amigos, é porque soube amar os inimigos.
Ill – Refletindo nossa realidade- ver
Devo pregar este texto numa realidade em que os inimigos de Jesus são poucos. Muitos há que invocam o seu nome. Mas poucos são os que cumprem seu mandamento. Caso contrário as coisas seriam diferentes em nossa sociedade. Vivemos num mundo brutal, desumano. Compaixão, compreensão, renúncia em favor do outro são a exceção. São confundidas com fraqueza que merece desprezo. Regra é o domínio de força, seja ela económica, política, militar ou física. Ai dos pobres, fracos, ignorantes. Eles não têm chance. Devem sucumbir. O desamor de nossa sociedade é perceptível em toda a parte: as cidades apresentam índices de qualidade de vida cada vez piores. Acumulam sempre mais miséria humana. Enquanto isto, o campo se esvazia, deixando de produ-zir o alimento básico, necessário para eliminar a fome. Cresce a violência. O Brasil sempre pensou grande, quando deveria ter pensado pequeno. Quanto maior a cidade, tanto mais desumana. Quanto maior a massa, tanto pior a solidão. Quanto maior a escola, tanto menor o clima familiar. Ainda que haja um limite mínimo, abaixo do qual as coisas se tornam improdutivas ou inviáveis (por exemplo na agricultura e indústria), é preciso ver que nos temos tornado vítimas de um culto à grandeza que consagra o domínio da força às custas de justiça, que tira o espaço aos pequenos e impossibilita coisas tão antiquadas como compaixão e bondade.
Nessa situação devo pregar: Permanecei no meu amor. Eu poderia aproveitar essas palavras para castigar a falta de amor em nossa sociedade, para acusar o governo, o sistema, as estruturas das Igrejas e insistir na necessidade de uma radical conversão, transformação ou revolução. Certamente não fujo da necessidade de pregar o juízo. Mas não devo ficar preso a ele. Prédicas assim costumam provocar tão-somente desânimo, mal-estar ou revolta. Mudam pouca coisa. Sugiro seguir a linha evangélica do texto. Que devo pregar?
1. Devo pregar o amor de Deus em Jesus Cristo, que é realidade a despeito do desamor em nosso mundo. Se ninguém tem compaixão, Deus tem. Se ninguém vê nossas angústias, Deus vê. Se ninguém ouve nosso clamor, Deus ouve. E se nada valemos neste mundo, para Deus valemos tanto que deu a vida de seu Filho em nosso favor. Jesus nos dá o privilégio de sermos seus amigos. Esta é a realidade que todos os crimes deste mundo não podem negar. É o fundamento em que se alicerça a comunidade cristã. E nessa realidade somos chamados a permanecer.
2. Isto, porém, é impossível sem cumprir o mandamento de Jesus. Seria desprezar o amor de Deus, se reagíssemos com ódio ou indiferença e não praticássemos amor aos nossos semelhantes (Mt 18.23ss). Como vamos odiar o que Deus amou? Se assim fizermos, Deus vai retirar o seu amor de nós e seremos réus de seu juízo. Amar em nossa sociedade, porém, é difícil. Traz prejuízo para o negócio, faz a pessoa vulnerável, acarreta sofrimento e conflito. Aliás, falamos de um amor não somente sentimental. Na Bíblia, o amor é prioritariamente uma questão da vontade. É querer o bem do outro, é promover o seu bem-estar. Este amor é difícil, sim. Mas, porventura, preferimos um mundo sem amor? Em tal mundo vai reinar o medo. Quanto menos amor, tanto maior o medo. Queremos isto? Colocar sinais de amor, ainda que modestos, e assim expulsar o medo de que estamos possessos (cf. l Jo 4.18), eis a nossa missão.
3. Falta de amor prejudica também a alegria. Ao redor de mim vejo muito divertimento, às vezes euforia, bagunça barulhenta, vejo muita corrida atrás do prazer. Queremos gozar a vida, curtir o que de melhor oferece. Essa ânsia é o outro lado do desespero. De qualquer modo, alegria vejo pouca. Vale a pena refletir sobre isto. As nossas condições de vida aparentemente não permitem alegria. Mas ela é essencial. Consiste nela o sentido da vida. Quem é alegre não questiona a razão de ser. Superou os problemas. Tem vida abundante (Jo 10.10) e não precisa de mais nada. A pergunta é como conseguir tal alegria. Quais os fatores que a impossibilitam, quais os que a promovem? Certamente haveria muito a dizer a esse respeito. Mas uma coisa é inegável: amor é uma das principais premissas. Alegria sem amor não existe. Jesus, com seu amor, quer devolver-nos a capacidade de sermos realmente alegres.
4. A amizade com Jesus resulta numa nova liberdade para orar. O que vejo ao meu redor é contraditório. De um lado, há muita reza, de gente simples, necessitada, explorada, chorando a Deus as suas misérias. A oração tornou-se um último recurso, onde outros recursos não mais existem. Será que a oração pode substituir a ação? De outro lado vejo pouca oração, sim, uma flagrante incapacidade de se dirigir a Deus. Aparentemente prevalece a suspeita de a oração ser alienante e de prejudicar a ação transformadora. Será que a ação pode substituir a oração? O presente texto supera essa falsa alternativa. Pois a ação do amor necessita da oração, e a oração necessariamente conduz à ação. Sem a oração, o amor vai morrer por falta dê fôlego. E sem o amor, a oração vai perverter-se e reduzir-se a choradeira egoísta, expressão de vingança ou autopromoção religiosa. Nosso texto ensina a manter unidas a prática do amor e a oração.
IV — Pensando nos ouvintes — sentir
Embora discurso, prédica é diálogo. Pregando, dirijo-me a uma comunidade, cujas perguntas, preocupações e situações de vida devo conhecer. Pregar é tarefa eminentemente pastoral: tenho uma mensagem a transmitir, mas para transmiti-la bem, devo considerar os ouvintes, devo sentir o que é oportuno e necessário. Pregar exige sensibilidade para pessoas e situações.
Isto significa que devo conscientizar-me de minha relação com os ouvintes. No culto se reúne uma comunidade. Talvez não seja a comunidade que eu quero. Tenho raiva dela (ou de alguns dos frequentadores)? Estou bem ou mal disposto? Minha disposição sentimental pode determinar fortemente o conteúdo de minha prédica. É preciso dar-se conta disto e controlar as emoções. Aliás, que quero de fato alcançar com a prédica? Quero mobilizar a comunidade, convertê-la, chamá-la para a luta ou quem sabe esmagá-la sob o juízo de Deus? Na verdade devo querer ser nada mais do que um humilde instrumento do Espírito Santo e perseguir os objetivos que o próprio texto prescreve. João 15.9-17 conclama a comunidade a permanecer no amor de Jesus. E um texto profundamente evangélico, em que o dom de Deus e de Jesus Cristo está em primeiro lugar e o juízo, em segundo. O texto quer edificar a comunidade — e este deve ser também o objetivo de minha prédica.
Ademais, é preciso respeitar que, como pregador, não deixo de me encontrar em profunda solidariedade com os ouvintes no que diz respeito ao pecado. O púlpito e a veste talar não me dão nenhum status acima da comunidade. Devo dizer a Palavra de Deus, sim. Mas o primeiro a quem essa se dirige é a mim mesmo, o pregador. A boa pregação exige muita humildade. Prédica arrogante não vai convencer. Vai afugentar os ouvintes.
Não é possível estabelecer em termos gerais a maneira de este texto ser pregado nas comunidades. Cada pregador em particular deve aí decidir e assumir a responsabilidade. Para tanto é bom que eu tente ler o texto uma vez com os olhos de minha comunidade. Como meus ouvintes iriam entender o texto — que destacariam, sobre que tropeçariam, onde poderiam surgir mal-entendidos?
Certamente não devo sujeitar minha pregação ao gosto da comunidade, assim como também não devo sujeitá-la às minhas preferências. O texto é soberano. Mas ele se torna relevante, concreto, palpitante apenas no diálogo com a comunidade de hoje. Ao ouvir do texto, ao julgar da reflexão teológica e ao ver da realidade deve associar-se o sentir das situações e das condições de pregador e ouvintes.
V — Estruturando a prédica — falar
Há muitas maneiras de pregar sobre este texto. Vai depender da situação, do lugar e das pessoas. Mas vai depender também de uma decisão metódica: posso desenvolver a mensagem a partir de diversas perspectivas do texto. A nossa sugestão referente à estrutura da prédica é apenas uma entre outras possíveis (compare a de E. Grübber):
1. Proponho partir do v. 11: Um dos grandes dons de Jesus é a alegria. Discorrer sobre as dificuldades, mas também sobre a impor¬tância da alegria. Sem ela a vida não vale a pena ser vivida.
2. Uma segunda parte deveria refletir sobre as condições da alegria em nossa vida. Imediatamente temos uma longa lista de exigências a serem cumpridas para podermos ser alegres. E no entanto, há um mistério em torno da alegria. Que diz o Evangelho?
3. Conforme nosso texto, alegria é, em primeiro lugar, fruto da gratidão a Deus. Explorar as afirmações evangélicas do texto: Estamos no amor de Jesus, fomos feitos seus amigos, ele deu sua vida por nós e abriu o acesso a Deus (lembrar a oração). Falar da realidade que Deus criou e na qual nós como discípulos de Jesus estamos. Isto nos deixa gratos, alegres, ou ainda não temos compreendido o que Deus fez em nós.
4. Mas a alegria se condiciona também ao cumprimento da vontade de Deus. Crime, ódio, injustiça, desamor, cinismo — isto não cria alegria, mas raiva, depressão, desânimo. Permanecei no meu amor — reproduzi um pouco do amor de Deus entre as pessoas,- e nosso mundo será um pouco mais alegre.
Alegria é uma dádiva de Deus e uma arte humana, ela deve ser recebida e praticada, ela deve superar obstáculos interiores e exteriores, individuais e sociais. Convido o pregador a refletir em sua prédica sobre a alegria em seu relacionamento com o amor de Deus e das pessoas entre si. Isto com o objetivo de capacitar os ouvintes para uma vida algo mais alegre do que costuma ser.
VI — Subsídios litúrgicos
1. Confissão dos pecados: Senhor! Tu, em teu amor, nos aceitaste como teus filhos. Mas nós temos dificuldades em aceitar-te como nosso Pai. Nossa fé em ti é insuficiente. Deveríamos importar-nos mais com tua vontade, perguntar por ela e cumpri-la melhor: Queiras perdoar nossa fraqueza e culpa. Perdoa nossos juízos injustos, nossa falta de sabedoria, a pouca compaixão que temos com as pessoas a nosso lado. Sobretudo, porém, perdoa nossa arrogância que faz descobrir a culpa sempre só nos outros. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Senhor! Nós te agradecemos por nos dirigires a tua Palavra. Dela temos necessidade. Conforta-nos, orienta-nos. Tu não queres que nós pereçamos, tu não te conformas com os crimes em nosso mundo, tu vens para salvar. Fala, pois, a nós! Dá-nos ouvidos e corações abertos para que o teu Evangelho encontre boa terra em nós e traga ricos frutos. Amém.
3. Assuntos para a oração final: Intercedemos pelos pobres e aflitos, pelos que são condenados à fome em nosso país e ao sofrimento que vem da falta de condições dignas de vida, da falta de amor de uns aos outros, da brutalidade de nossa sociedade, para que lhes seja feita justiça. — Intercedemos pelos que estão no fim das suas forças, os doentes, moribundos, desesperados, cansados, enganados e frustrados, para que recebam forças e novo ânimo. —Intercedemos pelos que exercem cargos de responsabilidade, os pais e as mães, as professoras e os professores, os governos, cientistas, economistas, políticos, para que sejam sábios, incorruptos, conscienciosos. — Intercedemos pela Igreja de Jesus Cristo no mundo, por cada membro em particular, por leigos, obreiros, homens e mulheres, pelas comunidades, para que dêem testemunho corajoso do Evangelho em palavra e ação. — Intercedemos pelo nosso mundo, ameaçado pela destruição do meio ambiente, pelo conflito social e ideológico, pela falta de visão è de responsabilidade das pessoas, para que se convertam à paz, à justiça e preservem a criação de Deus.
VII – Bibliografia
– BRAKEMEIER, G. Observações introdutórias referentes ao Evangelho de João. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, 1982, V. 8.
– BROWN, R. E. A comunidade do discípulo amado. In: Nova Coleção Bíblica. São Paulo, 1984. V. 17 (esp. p. 129 ss).
– BULTMANN, R.: Das Evangelium des Johannes. In: Kritisch-exegetischer Komnentar über das Neue Testament. 16. ed. Göttingen, 1959.
– CONZELMANN, H. Art. chairoo, etc. In: Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Stuttgart, 1973. V. 9.
– GRÜBBER, E. Meditação sobre João 15.9-17. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, 1982. V. 8. — SCHOLZ, S. Das Evangelium nach Johannes. In: Das Neue Testament Deutsch. 12. ed. Göttingen, 1972. V. 4.
– VOIGT, G.: Meditação sobre Jo 15.9-12 (13-17). In: Die bessere Gerechtigkeit. Göttingen, 1982.