Prédica: Lucas 19.1-10
Autor: Werner Brunken
Data Litúrgica: 3º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 11/06/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
I — Considerações gerais
Sobre este texto encontramos trabalhos exegéticos nos Vol. II e VIII de Proclamar Libertação. Alguns afirmam que não seria necessário discorrer novamente sobre um texto tão badalado. De minha parte tenho acentuado que cada texto bíblico fala para dentro de uma determinada situação, mas mudando esta, o texto também falará de maneira diferente. Doutro lado, por parte de quem lê e medita sobre o texto, também há várias maneiras de interpretá-lo, dependendo do ângulo do qual a gente vê o texto. Portanto, ao analisar o presente texto, não desejo simplesmente repetir o que foi dito nos trabalhos anteriores, mas analisá-lo e atualizá-lo a partir da minha perspectiva.
II – Contexto
A presente perícope encontramos só no Evangelho segundo Lucas. Muitos outros textos também são exclusivos deste Evangelho: grande parte de Lc 2; Lc 10.25ss.; Lc111.5ss.; Lc 12.13ss.; Lc 12.35ss.; Lc 14.1ss.; Lc 15.8ss.; Lc l0.lss.; Lc 17.11ss.; Lc 18.lss. Estes textos já mostram que o evangelista Lucas andou seu próprio caminho ao descrever as atividades de Jesus.
No conteúdo da mensagem constatamos várias semelhanças em alguns textos: Lc 2.8-20; Lc 15.11-32; Lc 19.1-10 e Lc 23.29-43. Nestes textos podemos ver o que é tipicamente do estilo de Lucas e ao mesmo tempo descobrir o importante na história de Zaqueu. O anunciador na parábola do filho pródigo é anunciado na história de Natal como salvador dos pastores e do mundo todo. As histórias de Zaqueu e dos malfeitores na cruz mostram Jesus no início (19.11) e no fim (23.46) do seu caminho da paixão, no qual se tornou realidade o que os anjos anunciaram e a parábola expressou em figuras (o grande amor de Deus). Em todos estes textos não está no centro qualquer pessoa, mas o Salvador nascido (Lc 2), o Pai que perdoa (Lc 15), o Filho do homem que busca e salva o perdido (Lc 19) e o Crucificado (Lc 23). Assim, quem está agindo neste mundo, conforme o evangelista Lucas, é o próprio Deus em Jesus Cristo.
Observando melhor Lc 19 e Lc 15, verificamos que ambos os textos têm duas partes. Assim cada perícope seria completa se tivesse soa l! parte (Lc 19.1-6; Lc 15.8-24). O problema da riqueza transparece nas duas partes dos textos: Zaqueu resolveu dar aos pobres e aos que defraudou. O filho que saiu de casa, esbanjou sua riqueza e, quando voltou, foi presenteado pelo pai. O protesto do irmão não tinha amparo legal, pois o pai nunca lhe negara acesso aos bens. Torna-se evidente nos dois textos que os bens materiais não têm valor em si mesmos, mas como dádivas recebidas, devem ser usados em favor dos que necessitam. Daí a alegria quando alguém foi encontrado.
No contexto mais restrito encontramos nossa perícope logo após a cura de um cego em Jericó. Tudo aconteceu após Jesus ter predito sua morte e ressurreição (18.31-34). Antes (18.18-30) Jesus tinha falado com um jovem rico e mostrado o perigo das riquezas para os que nelas vêem o sentido da sua vida. Jericó foi a última cidade que Jesus percorreu antes de entrar em Jerusalém. No fim da caminhada Jesus se revelou mais uma vez como Salvador, que quer ajudar as pessoas nas suas necessidades (o cego, Zaqueu, o malfeitor na cruz).
Ill — Exegese do texto
V. 1: Depois de Jesus ter curado um cego perto de Jericó, ele entrou na cidade, percorrendo-a para ir a Jerusalém. A cidade de Jericó não é a mesma de Josué 6. Pois esta não existia mais no tempo de Jesus. Aqui trata-se da cidade da Era Herodiana, onde hoje ainda encontram-se sicômoros nas ruas. Jericó era tida como cidade importante para o comércio da região.
V. 2: O nome Zaqueu é visto como forma abreviada de Zacarias (Deus lembra). Zaqueu era um maioral dos publicanos, isto é, ele era responsável pela cobrança de impostos numa área maior. Certamente ele tinha seus subordinados, que cobravam os impostos nos mais diferentes lugares. Como maioral ele tinha boas oportunidades para enriquecer, pois ao poder central ele tinha que entregar uma determinada soma de impostos e dos seus súditos ele podia exigir muito mais, enriquecendo assim à custa dos outros. Dificilmente Zaqueu poderia libertar-se deste círculo de exploração, no qual vivia. Como publicano, Zaqueu era desprezado pelo povo e pela igreja. Era marginalizado; vivia só.
V.3-4: Zaqueu ouviu falar que Jesus estava na cidade e quis vê-lo. Não é dito o que o levou a ver Jesus. Pode ter sido simplesmente curiosidade. Mas pode ter sido também a insatisfação com a própria vida. O dinheiro não satisfazia, e não suportava mais o isolamento, no qual vivia. Enfim, assim não havia mais sentido para viver. Mas para ver Jesus não era fácil. Por ser de pequena estatura, não podia vê-lo por causa da multidão. Bolou um plano, que deu certo. Correu na frente (mesmo que zombassem dele) e subiu numa árvore, donde podia ver Jesus passar.
V. 5: Jesus, ao passar pelo lugar, viu Zaqueu, olhou para ele como o pastor que busca a ovelha perdida. Jesus o chamou pelo nome. Isto deve ter sido assustador para Zaqueu, que só quis ver Jesus. Alguém chamando-o pelo nome, convidando-o para descer, pois quer hoje entrar na sua casa e ter comunhão com ele. Como isto é possível? Até aqui ninguém olhava para Zaqueu; ninguém entrava na sua casa. E este Jesus o desafiou para abrir sua casa. Tudo isto precisava acontecer hoje — amanhã seria tarde.
V. 6: Zaqueu não teve dúvida. Desceu rapidamente e hospedou Jesus na sua casa com alegria. Notamos que a mudança de vida em Zaqueu aconteceu com o olhar e chamado de Jesus. O Filho do homem, que busca e salva o perdido (10) foi a chance para Zaqueu mudar de vida. Alegria retornou à sua vida porque Jesus se interessou por ele.
V. 7: Uma tal atitude de Jesus só tinha que revoltar as pessoas que caminhavam com Jesus. Como em Lc 15.25ss. o filho mais velho se revoltou contra o pai que aceitou em casa o filho desgarrado, assim aqui as pessoas se revoltaram contra Jesus que se convidou para estar na casa de Zaqueu. Vemos que a mensagem do Evangelho, que busca e salva o perdido, age diferente do que as pessoas costumam agir, a saber, aceitam os que se enquadram no seu esquema e rejeitam os que agem diferente.
V. 8: A vida de Zaqueu mudou porque Jesus teve compaixão para com ele. Jesus o entendeu na sua maneira de ser. E por causa deste Jesus, Zaqueu não conseguiu mais continuar na velha vida corrupta. Resolveu colocar tudo em pratos limpos. Não só devolveu o que tinha cobrado a mais, mas agora via os necessitados com outros olhos e resolveu ajudá-los com seus bens. Zaqueu agiu diferente do jovem rico (18.18ss.). Enquanto aqui o jovem se retirou triste porque era riquíssimo, em nosso texto Zaqueu conseguiu ver em Jesus o sentido da sua vida e que por ele era capaz de se desfazei de seus bens materiais. Onde Jesus entra na casa de uma pessoa, acontece perdão, reconciliação, nova vida.
V.9: Jesus reconheceu a sinceridade de Zaqueu e anunciou: Hoje houve salvação nesta casa. Onde Jesus hoje entra na casa de alguém, hoje acontece salvação, isto é, libertação de tudo que o afasta de Deus e do seu próximo. Zaqueu é visto como filho de Abraão, o que para os judeus era escândalo. Com esta expressão Jesus acentuou que pertencer aos escolhidos de Deus não é obra humana (conforme ensinam os fariseus), mas unicamente Deus em Cristo purifica e santifica o seu povo. Desde que Jesus entrou na casa de Zaqueu, ele vive da graça de Deus, é filho de Abraão.
V. 10: Esta é a tarefa messiânica de Jesus: buscar e salvar o perdido. Indo ao encontro do perdido, Jesus está realizando a obra do Pai neste mundo.
IV — Meditação
Através da sua palavra Jesus Cristo ainda hoje está a caminho por este mundo até o dia final. E nesta caminhada ele passa pelas diversas cidades, vilas e casas no interior. É importante estar atento para quando Jesus passar. Pois, como é possível perder uma condução (ônibus, trem), também é possível perder a passagem de Jesus pelos caminhos de nossa vida (compare Mt 25.1-13).
Zaqueu ouviu falar que Jesus estava passando pela cidade. Ele não estava satisfeito com sua vida, nem com seus bens, nem com a maneira de .tratar os outros, nem com o desprezo das pessoas para com ele. Nesta situação teve vontade de ver Jesus passar.
Mas quando Jesus chegou perto, olhou para Zaqueu, pediu que descesse da árvore, pois hoje queria ser hóspede na sua casa. Quando se olha Jesus passar (na sua palavra), é hoje, é tempo de graça, de salvação. Ele ainda hoje olha para as pessoas, que se sentem marginalizadas, sem sentido para a vida. Jesus jamais passa de largo por aqueles que precisam dele. Ele veio buscar e salvar o perdido. Com ele irrompeu o Reino de Deus neste mundo, que não deixa mais as pessoas abandonadas e desprezadas. Esta é a realidade do Evangelho — boa nova. Deus em Cristo realizou a sua grande obra da salvação em favor da humanidade.
E qual a reação das pessoas, que são desafiadas por Jesus? Algumas se retiram, como o jovem rico em Lucas 18.23 — outras descem depressa e recebem Jesus com alegria. Deus não impõe a sua salvação, mas espera a decisão de cada pessoa. No caso de Zaqueu, ele aproveitou o hoje. Não deixou Jesus passar. Depressa hospedou Jesus em sua casa. Expressou sua alegria, porque encontrou alguém que não o condenou, mas teve misericórdia dele. Entrou em sua casa, mesmo sabendo da situação de pecador, opressor, de aproveitador. Jesus ainda hoje quer entrar na casa de cada pessoa. Onde alguém abre a porta, haverá salvação, comunhão (Ap 3.20).
Onde Jesus é aceito em casa, na vida, aí não muda só o relacionamento com ele, mas também com as pessoas no mundo. No caso de Zaqueu: resolveu indenizar os que tinha enganado e distribuir metade de seus bens entre os pobres. Deixou sua vida de corrupto para viver uma vida honesta.
Já imaginaram como seria o nosso País, se muitos deixassem de ser corruptos para viverem honestos? Muita coisa seria diferente nos gastos públicos, na dívida externa, no relacionamento entre as pessoas. Mas para que esta transformação possa acontecer, há necessidade de perceber Jesus passar e aceitar seu convite para estar conosco.
Portanto, é muito difícil, ou quem sabe até impossível, as pessoas deixarem de ser corruptas através de apelos, pressões ou denúncias. Partindo da mensagem bíblica o que importa é anunciar-lhes o Evangelho, mostrando-lhes que Jesus quer entrar hoje na sua casa. Ele ama as pessoas que se encontram sob pressão, marginalizadas em todos os sentidos (pobres, crianças abandonadas, doentes, idosos, enfim, todos que não conseguem encontrar o sentido para um vida digna). E onde Jesus entrar e houver comunhão com ele, aí acontece algo de novo, de revolucionário. Aí há transformação em todos os sentidos.
V— Esquema para pregação
Introdução. Vivemos hoje dependentes dos meios de transporte: avião, ônibus, trem, barcos. Sabemos que se pode perder a hora da condução passar. Como é desagradável ter que voltar para casa sem poder viajar.
1. Jesus passou por Jericó num certo dia, indo para Jerusalém. Seria sua última passagem por esta cidade. Um homem chamado Zaqueu soube da passagem de Jesus por ali. Como estava desanimado, descontente com sua vida, resolveu subir numa árvore e ver Jesus passar. Não deixou Jesus passar, sem vê-lo. Fez o possível, subindo numa árvore, pois era pequeno.
2. Também hoje Jesus através da sua palavra está passando. Pode ser a última vez que ele está passando. Você não quer vê-lo? Ah! Hoje não! Não vale a pena! Minha vida já está arruinada! Tenho que curtir sozinho! Nada mais pode mudar o rumo da minha vida!
3. Mas Jesus vê na sua caminhada por este mundo cada pessoa e convida para descer e entrar na sua casa. Jesus quer hoje entrar na vida de cada pessoa. Você está ouvindo o seu convite?
4. Zaqueu ouviu e reagiu rapidamente. Desceu da árvore e hospedou Jesus com alegria. Ele aproveitou o hoje para hospedar Jesus na sua casa (Ap 3.20).
5. Onde Jesus é aceito em casa, acontece uma mudança radical na vida das pessoas. Zaqueu deixou sua desonestidade, reconhecendo seus erros e colocando tudo em dia na prática. Também na vida de cada pessoa hoje não será diferente: Onde Jesus tem comunhão conosco, também nossa comunhão com as pessoas será diferente. Deixamos de ser corruptos, aproveitadores, exploradores para ir ao encontro dos marginalizados em todas as classes sociais, engajando-nos por todos para que possam ter uma vida digna.
(Observação: Na preparação da prédica usar também pensamentos da exegese e meditação.)
V — Subsídios litúrgicos
1. Intróito: Jesus diz: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim.
2. Confissão dos pecados: Senhor, nosso Deus! Tu estás passando pelos caminhos deste mundo, anunciando que em Cristo és o Salvador da humanidade. És aquele que olha para nós e nos desafia para abrirmos as portas de nossas casas, pois queres entrar e ter comunhão conosco. Mas de nossa parte muitas vezes não olhamos para ti. Permanecemos fechados em nossos problemas. Perdoa-nos pelo sangue de Jesus e ajuda-nos para que possamos estar abertos para receber-te. Tem piedade de nós, Senhor!
3. Absolvição: Jesus diz: Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo.
4. Oração de coleta: Senhor! Obrigado por podermos estar reunidos em teu nome, a fim de te ver passar. Desejamos ouvir o teu convite hoje para entrares em nossa casa. Vem, Senhor Jesus! Precisamos de ti para poder viver diferente. Para poder viver livres de nós mesmos e voltados para aqueles que são prejudicados por nossas atitudes. Por Jesus Cristo, nosso Salvador. Amém.
5. Leitura Bíblica: l Timóteo 1.12-17
6. Oração Final: a) Colocar diante de Deus o hoje, que não podemos deixar passar; b) agradecer que Cristo olha para nós e nos desafia para entrar em nossa casa; c) pedir que o Senhor transforme nossa maneira de viver para sermos bons despenseiros dos bens recebidos; d) interceder por transformações radicais na política, na economia, na sociedade, para que todos tenham vida em abundância.
VII – Bibliografia
– BACH, U. Meditação sobre Lucas 19.1-10, In: Göttinger Predigt-Meditationen: Caderno 3, ano 31. Göttingen, 1977
– BAESKE A Meditação sobre Lucas 19.1-10. In: Proclamar Libertação. São Leopol¬do, 1977. V. II.
– DROOGERS, A. Meditação sobre Lucas 19.1-10. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, 1982. V VIII
– SORG, T. Meditação sobre Lucas 19.1-10, In: Neue Calwer Predigt-Hilfen Ano 5; Stuttgart, 1983. V. B
– RENGSTORF, K. H. Das Evangelium nach Lukas. In: Das Neue Testament Deutsch. 8. ed. Göttingen, 1958.
– WARTH, W. Meditação sobre Lucas 19.1-10 In: Calwer Predigt-Hilfen. Stuttgart, 1970. V. 9.