Prédica: Lucas 7.36-50
Autor: Martin N. Dreher
Data Litúrgica: 11º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 06/08/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
l — Sugestão de tradução
V. 36: Pediu-lhe, porém, um dos fariseus que com ele comesse. E ele entrou na casa do fariseu e deitou-se à mesa.
V. 37: E eis que havia uma mulher que se encontrava na cidade, uma pecadora, e ela ficou sabendo que (Jesus) estava deitado à mesa na casa do fariseu, conseguiu uma garrafinha de alabastro com unguento
V. 35: e aproximou-se, por trás, de seus pés e chorou e começou, com suas lágrimas, a molhar seus pés, e com os cabelos de sua cabeça enxugou-os, e beijou seus pés e ungiu-os com o unguento.
V. 39: Quando o fariseu, que o havia convidado, viu isso, disse consigo mesmo: Caso esse fosse o profeta, reconheceria quem e de que espécie é essa mulher que o toca, pois ela é uma pecadora.
V. 40: E Jesus respondeu e lhe disse: Simão, tenho algo a te dizer. Ele, porém, disse: Fala, mestre!
V. 41: (Ele disse): Um emprestador de dinheiro (daneistes) tinha dois devedores. Um lhe devia quinhentos denários de prata, o outro cinquenta.
V. 42: Como nada tivessem para devolver, deu-a (a dívida) de presente a ambos. Quem, pois, desses o amará mais?
V. 43: Respondendo, Simão disse: Suponho que aquele a quem foi perdoada a dívida maior. Ele, porém, falou-lhe: Julgaste corretamente.
V. 44: E ele voltou-se para a mulher e disse a Simão: Vês essa mulher? Entrei em tua casa. Não me deste água para os meus pés. Ela, no entanto, molhou-me os meus pés com suas lágrimas, e com seus cabelos secou-os.
V. 45: Tu não me deste o beijo de saudação. Ela, no entanto, não cessou, desde que eu entrei, de beijar meus pés.
V. 46: Tu não ungiste minha cabeça com óleo. Ela, no entanto, ungiu meus pés com unguento.
V. 47: Por isso, eu te digo: A ela lhe são perdoados os seus muitos pecados (pois ela muito amou. A quem pouco se perdoa, pouco ama).
V. 48: E ele disse a ela: Teus pecados te foram perdoados.
V. 49: Porém, os que estavam deitados à mesa com ele, começaram a dizer consigo mesmos: Quem é esse que também perdoa pecados?
em paz!
V. 50: Ele, no entanto, disse à mulher: Tua fé te salvou. Vai
II — O texto e seu contexto
O texto faz parte do contexto maior da atuação de Jesus na Galiléia (4.31-9.50). Redacionalmente, temos aqui uma perícope com matéria exclusiva de Lucas. O v. 34, que caracteriza Jesus como amigo de pecadores, apresenta-nos nossa perícope como narrativa de ceia. Jesus é hóspede (cf. 5.29; 10.38; 14.1; 19.5) e disso lhe advém o título: ser humano glutão e bebedor de vinho. A perícope precedente nos evidencia, pois, o motivo pelo qual Lucas localiza aqui a perícope 7.36-50. No entanto, a perícope subsequente (8.1-3) nos mostra que Lucas também coloca nossa perícope no contexto em que se encontra para falar da relação de Jesus com mulheres. Assim, o contexto nos evidencia que não deveríamos deixar muito rapidamente de lado a mulher, da qual fala o texto. Em assim fazendo, não incorreremos no erro de W. Grundmann (p. 170) que vê apenas a importância do texto para a questão: Jesus e os pecadores, e o juízo dos fariseus.
Ill – O texto
V. 36: Um fariseu convida a Jesus. Aceitando o convite, o texto nos mostra que Jesus não se via muito distante dos fariseus. V. 37: Depois, nos é introduzida uma mulher, apresentada como pecadora. Os motivos de seu pecado não nos são confiados. Tanto pode ser prostituta, quanto ser esposa de um homem considerado pecador pelos fariseus. A mulher mora na mesma cidade que o fariseu; fica sabendo que Jesus está na casa do fariseu, e vai até lá. O fato de não impedirem sua entrada não nos deve assustar, pois uma ceia em honra a um convidado era pública. Ela traz consigo uma garrafinha de alabastro com unguento. V. 38: Aproxima-se de Jesus, por trás, e começa a chorar. Como suas lágrimas molham os pés de Jesus, solta os cabelos, seca com eles os pés e beija-os. Ao mesmo tempo unge seus pés. V. 39: A cena provoca no fariseu, dono da casa, a pergunta relativa ao ser profético de Jesus. Rejeita a mulher, por ser pecadora; permite que entre em sua casa, desde que não o toque; choca-se ante o fato de Jesus deixar-se tocar por ela; espera que Jesus a rejeite também. Como Jesus não a rejeita, duvida de seu caráter profético. V. 40: Jesus, porém, demonstra seu caráter profético, ao dirigir-se ao hospedeiro, dando mostras de saber o que este está pensando. Chama-o de Simão. Disposto a ouvir Jesus, o fariseu designa-o de mestre. V. 41: Jesus conta-lhe a história de um emprestador de dinheiro que tem dois devedores. Com a imagem, Jesus quer expressar o relacionamento de Deus com o ser humano. O que o ser humano tem, lhe foi emprestado por Deus. V. 42: Os dois devedores não têm condições de devolver o que lhes foi emprestado, e recebem-no de presente. Assim é o Deus, do qual Jesus testemunha: Deus não é um Deus que cobra a dívida, mas que a perdoa e dá de presente. Jesus termina a narrativa, perguntando pelo tamanho do amor dos perdoados em relação ao credor que lhes perdoou a dívida. V. 43: A resposta do fariseu é cuidadosa: O amor maior vem daquele a quem mais foi perdoado. Jesus confirma a correção da resposta do fariseu, que sem o saber se julga a si mesmo. V. 44: Jesus volta-se para a mulher e fala ao fariseu. Dirige-se, pois, a ambos para tirar consequências de sua história: Aquele a quem muito se perdoa é capacitado para muito amor. Nisso a pecadora sobrepuja o fariseu. Para comprová-lo, Jesus lembra a saudação, o lava-pés, do que não foi alvo por parte do hospedeiro. V. 45: Também não foi beijado; a mulher o fez, beijando seus pés. V. 46: Jesus também não foi alvo da unção que lhe devia o hospedeiro. A mulher ungiu-lhe os pés. De um lado há reservas, de outro, ardente amor. V. 47: Esse amor é resposta ao perdão.Como profeta que é, que fala com autoridade,. Jesus diz à mulher que seus muitos pecados lhe foram perdoados e que, por isso, está capacitada para o amor. V. 48: A forma verbal (perf. pass.) caracteriza o perdão como já tendo ocorrido, como válido no presente e como ação de Deus, anunciada por Jesus. V. 49: A autoridade de Jesus provoca perguntas, que não são respondidas. V. 50: A palavra final: A postura da mulher é designada de fé, e ela é despedida com a saudação: Paz!
Que diz esse texto? Aprendamos na meditação!
IV – Para meditar
Uma mulher pecadora. É esse o rótulo da mulher que unge a Jesus na casa de Simão, beija seus pés e enxuga-os com seus cabelos. Simão, o leproso, está apavorado com o fato de que Jesus calmamente aceite tais atenções desse tipo de pessoa. Se fosse profeta, deveria saber que tipo de pessoa é essa mulher. Jesus lhe conta, então, uma parábola e repreende-o por não lhe haver ministrado uma série de coisas; em contrapartida louva o ministério da mulher e perdoa-lhe os pecados.
A mulher sabe que Jesus é um cara legal e devota a ele seu ministério. Simão acha que a mulher não é legal e, ao mesmo tempo, começa a ter dúvidas quanto ao fato de Jesus ser legal, pois obviamente não está vendo a mulher como pecadora. Jesus diz a Simão que ele não é legal, mas que a mulher é legal por causa do ministério que assumiu. À mulher Jesus diz que ela é legal. Mesmo assim, Simão continua a sentir-se um cara legal, mesmo que Jesus lhe tenha afirmado o contrário. Finalmente, os homens, hóspedes, se perguntam, se Jesus é legal, já que se arroga o direito de perdoar, direito que não estão dispostos a lhe ceder.
Parece-me que na história de Lucas há interesse em três elementos: a) a ação da mulher; b) a resposta de Jesus às ações dela e a atitude negativa de Simão; c) a reação dos hóspedes ao anúncio de perdão, expresso por Jesus.
Ninguém aceita o que a mulher realmente está fazendo, a não ser Jesus. O que ela faz é obscurecido pela discussão em torno de seu status. Tudo o que ela faz é como se não tivesse acontecido. O hospedeiro Simão estava tão convicto do caráter pecador da mulher, que não viu o que ela fizera e, mais: ficou ofendido com o que fazia e estupefato ante o fato de Jesus não se ofender. O ministério dela não podia ser bom por causa da fama que tinha na sociedade. Foi vista através de um filtro. Ela era uma não-pessoa. Ela não contava.
A mulher não tem nome. Só se sabe que é uma mulher má. Jesus, no entanto, não vê frente a ele um estereótipo, mas uma mulher que desempenha seu ministério em relação a ele. Ela faz algo por Jesus: toca-o, beija-o, unge-o, seca seus pés com seus cabelos. E não fica embaraçada. Jesus vê sua ação, devoção, ministério, amor.
Note-se que, na história da interpretação desse texto, o interesse sempre esteve centrado no status da mulher: pecadora. A pregação cristã tendeu a ver a mulher assim como Simão a viu: pecadora. Jesus, porém, vê uma mulher que presta um serviço, um ministério, e aceita seus beijos, suas lágrimas, a unção. . . com satisfação. Simão é visto como pessoa insensível, que não reconhece sua omissão. Jesus é super-rápido ao criticar a Simão, mas não critica a mulher. Quando lhe perdoa os pecados, não a critica. Simplesmente perdoa. . .
Note-se, ainda: na história, Jesus é passivo. Ele recebe e aceita o que a mulher faz. Ele não age. Ela toma a iniciativa; ele responde à iniciativa dela. Nem Simão age; ele pensa, interiormente, e Jesus responde verbalmente. Toda a narrativa está baseada nessa mulher que age.
Isso é estranho, pois estamos acostumados a ver Jesus agindo. Dificilmente imaginamos Jesus como alguém que recebe. Vemo-lo como alguém que dá, ensina, prega, sofre, que não recebe. . . ainda mais de uma mulher. Aliás, nosso condicionamento social vai tão longe que quando uma mulher age, decididamente, nós a consideramos intrometida, inoportuna ou prostituta. Quando um homem é passivo, consideramo-lo tentado ou intelectual, ou ainda, artista. É, o Jesus passivo e a mulher ministrando não condizem com nossas expectativas.
Note-se, finalmente: Parece que pureza sexual não é um pré-requisito para servir a Jesus.
Pois bem, voltemos à ceia. A mulher entra na casa, unta os pés de Jesus, chora, seca os seus pés e beija-os. Podemos imaginar que a cena tenha chamado a atenção dos demais comensais. Simão fica fora de si. Jesus conta-lhe a parábola. Simão responde corretamente à pergunta de Jesus. Jesus repreende-o por não haver feito com ele tudo aquilo que a mulher fez. Finalmente, Jesus a compara com a pessoa cujas dívidas foram eliminadas. Ela que muito amou, e que tem muitos pecados, tem seus pecados perdoados.
Os convidados masculinos ficam atónitos: Quem pensa ele que é? A ação extravagante de Jesus fecha bem com a ação extravagante da mulher. Pior, ele a apresenta como exemplo para esses homens, machos, que se autojustificam; para eles, que deveriam ser um exemplo de justiça.
Jesus perdoa à mulher, sem que ela tenha pedido perdão. Mais ainda, ele a aceita como ser humano; ele aceita suas ações como se elas fossem importantes. Simão e os demais hóspedes só vêem o estereótipo: a pecadora. Eles agem como fomos ensinados a agir e a ver em nossa sociedade: o que uma mulher faz é menos importante do que aquilo que um homem faz. O que uma mulher pecadora faz, não tem importância. Para esses homens, a devoção da mulher por Jesus não tem importância.
Por que a ação da mulher fez os homens se sentirem tão mal? Sentiram-se mal por causa dos presentes dela ou por causa de sua reputa¬ção? O Evangelho de Mateus nos conta a respeito de astrólogos que trouxeram presentes para Jesus: ouro, incenso e mirra. Ninguém jamais pensou que esses presentes nada valessem por causa da reputação dos astrólogos; afinal, eles fazem horóscopos. Ora, em ambos os casos, os presentes são sinais de devoção em relação a Jesus. Em ambos os casos os presentes são extravagantes. Por que, porém, os astrólogos são caras legais, e a mulher não o é?
Numa sociedade em que o pecado da mulher sempre é maior do que o do homem, Jesus diz a Simão que a mulher que ele considera má é melhor do que ele. Essa afirmação de Jesus é tão inaceitável que Simão não chega a internizá-la. Simão não vê a necessidade de aceitar a crítica nem de ver a mulher má sob uma nova perspectiva.
Será que esse texto não está convidando a comunidade a fazer penitência relativamente aos conceitos que faz do sexo feminino? Será que esse texto da Escritura não deveria ser sublinhado contra aqueles outros que são comumentemente usados para denegrir a mulher? Com grande vigor e ênfase Jesus sublinha a dignidade e a igualdade da mulher em meio a uma sociedade tremendamente machista.
A pregação sobre esse texto, no sentido de Jesus, não deveria ficar acentuando o pecado da mulher, mas aquilo com o que Jesus se alegra: a atividade da mulher que, decidida, entra na casa de Simão com um plano definido. Não sabemos, se o perdão de Jesus mudou a situação dessa mulher na sociedade. Provavelmente não. Até aqui sua situação é diferente da do homem Simão: Simão antes era leproso; curado por Jesus, pôde voltar à sociedade, mesmo continuando a ser chamado de Simão, o leproso. Não sabemos o nome da mulher. Em seu ministério ela é modelo para uma mulher de 1989, que derrama lágrimas sobre os pés, que unge a fé cristã.
V — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, Deus misericordioso, tu nos equipaste para que pudéssemos ser pacificadores, e mesmo assim não podemos impedir guerras. Tu nos chamas para sermos colaboradores em teu Reino, e mesmo assim fugimos tantas vezes ante o teu chamado. Tu te sacrificaste por nós, nós, porém, muitas vezes tememos o menor dos esforços. Como somos fracos. Ajuda-nos! Tira-nos de todo o temor. Dá-nos novas forças, por meio de teu perdão, em Jesus Cristo. Amém!
2. Oração de coleta: Todo-poderoso Deus, Pai misericordioso, nós te agradecemos por podermos celebrar culto, por termos tua promessa: queres estar conosco todos os dias até o fim dos tempos. Sê agora entre nós, santifica e abençoa o que cantamos, oramos e dizemos, por Jesus Cristo. Amém!
3. Oração final: Senhor, Deus misericordioso, por meio de tua Palavra tu nos encorajas para que tenhamos fé. Tu nos dás força para amar, mostras-nos caminhos de perdão. Ouve nossa oração, para que verdadeiramente sejamos teus seguidores, te confessamos, encontremos os espaços onde te possamos servir. Pois pensamos nos doentes e naqueles que estão sós: eles necessitam de nossa presença. Pensamos nos enlutados e nos infelizes: eles necessitam de nosso consolo. Pensamos nos famintos e nos perseguidos: eles necessitam de nossa ação. Pensamos na juventude: eles necessitam de nosso exemplo audacioso. Concede-nos a visão, a força e a decisão para uma vida em amor, através de teu Espírito Santo, em nome de teu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!
VI – Bibliografia
– CONRAD WAHLBERG, R. Jesus according to a woman. New York, Paramus, Toronto, 1975.
– GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Markus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament 8. ed. Berlin, 1978. V. 3.
– SCHÜSSLER FIORENZA, E. In memory of her. A feminist theological reconstruction of Christian origins. New York, 1983.