Prédica: Marcos 13.31-37
Autor: Valdemar Witter
Data Litúrgica: Último Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 26/11/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
l — Preliminares
Mc 13.31-37 se insere no discurso apocalíptico de Jesus que inicia já em Mc 13.5ss. É uma das cinco parábolas da parusia da tradição sinótica. As quatro parábolas restantes estão reunidas em Mateus 24.43-25.30 par. Para os evangelistas, estas parábolas expressam a demora da parusia, pois cedo as parábolas foram compreendidas em sentido alegórico como demonstram as interpretações em Marcos 4 par.
O Evangelho de Marcos relata a atuação de Jesus na Galiléia (1-10) e seu caminho de sofrimento em Jerusalém (11-16). A sequência solta dos trechos, no entanto, dificulta a indicação de uma estruturação exata. Os capítulos 11-13 descrevem os últimos dias de Jesus em Jerusalém. Especificamente, o capítulo 13 descreve o sermão apocalíptico de Jesus.
O próprio Evangelho não menciona o nome do autor. O mensageiro desaparece atrás da mensagem que ele proclama. Porém, a tradição da Igreja Antiga atribui o Evangelho de Marcos a Marcos, colaborador de Pedro (Lohse, p. 142). O autor foi um cristão no mais desconhecido, de segunda geração (não testemunha ocular), que talvez se chamava Marcos. O estilo do escrito é simples e popular. Emenda frases curtas com e ou continua com então. Faltam períodos ou construções artificiosas; geralmente prefere o tempo verbal do presente e fala em orações diretas; às vezes são usadas até expressões vulgares; e, num versículo, a mesma palavra pode ser empregada três vezes. Em algumas passagens ainda está conservada a base linguística aramaica da tradição mais antiga sobre Jesus como, por exemplo, em 5.41; 7.34; 14.36 e outras.
Quanto à sua época, o Evangelho de Marcos não apresenta ne¬nhum indício de que se pressupõe a destruição de Jerusalém. Isto nos leva a concluir que foi escrito, provavelmente, pouco antes de 70 d. C. Alguns exegetas defendem a concepção de que Marcos surgiu na Palestina durante a guerra judaica (66-70 d.C). Porém, sua linguagem e teologia são determinadas pelo contexto helenista. Por isso, em conformidade com a referência da Igreja Antiga, Roma pode ter sido, de fato, o local de surgimento deste Evangelho.
II — Mc 13.31-37 no contexto dos sinóticos
Esta parábola da parusia encontramos também nos demais evangelhos sinóticos. Porém, as versões apresentam grandes diferenças. Ela foi particularmente muito utilizada e recontada e, sob influxo da espera escatológica, remanejada e ampliada — o que é um sinal da importância dada pela Igreja Primitiva ao apelo à vigilância.
Em Marcos, apenas o porteiro, de acordo com o seu cargo, recebe a ordem de ficar acordado até a vinda do dono da casa, enquanto que em Lucas 21.29-36 trata-se de servos; sim, toda a criadagem deve ficar acordada. A versão da parábola em Marcos é primitiva; ela foi, no entanto, seguramente influenciada secundariamente em dois pontos. Da parábola dos talentos (Mt 25.14ss) provavelmente provêm as palavras como um homem (v. 34), pois a ordem ao porteiro de manter-se acordado à noite se adapta ao convite do dono da casa para um banquete festivo (Lc 12.36), que pode estender-se pela noite adentro, não, porém, a uma viagem mais longa, levando-se em conta a relutância do oriental por viagens noturnas. Por isso, um retorno à noite é muito pouco provável. Em segundo lugar, também a concepção de plenos poderes aos servos (Mc 13.34) não convém à parábola do porteiro. Este acréscimo deve provir da parábola do homem de confiança (Mt 24.45; Lc 12.42), onde se trata da administração conscienciosa do servo durante uma ausência mais prolongada do dono da casa.
Em Mateus, a parábola simplesmente desapareceu restando apenas a aplicação: vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor (24.42; cf 25.13). Compare-se com Mc 13.35: vigiai, portanto, porque não sabeis quando virá o dono da casa. . .. Como podemos constatar, o dono da casa tornou-se o vosso Senhor e a vigília da noite transformou-se em o dia — a aplicação cristológica se torna visível. Esta não se encontra só em Mateus 24.42; Lc 12.37, mas também em Ap 3.20; impôs-se, portanto, rapidamente à Igreja toda.
Resta, pois, uma parábola do porteiro que recebeu a incumbência de permanecer acordado (Mc 13.34b) e abrir logo que o seu senhor, voltando do banquete, bater (Lc 12.36). Feliz dele se o senhor o encontrar vigilante (Lc 12.37-38; Mc 13.35s). Qual é a intenção de Jesus? A que ouvintes endereçou o apelo à vigilância? Aos seus discípulos? — Vigia e orai, para que não caiais em tentação é dirigido.à multidão toda? A parábola é, então, comparável à história do dilúvio, por exemplo: A grande calamidade é tão imprevisível como a volta do dono da casa. Fiquem vigilantes!
Parece-me, no entanto, que a parábola do porteiro foi dirigida aos que pretendiam possuir as chaves do Reino do Céus (Mt 23.13; Lc 11.52), isto é, dirige-se principalmente aos dirigentes do povo, aos escribas: Que vocês não sejam achados dormindo, quando vier a hora da crise! Porém, independentemente de quem tenham sido os ouvintes, o certo é que temos diante de nós uma parábola de crise que, de forma velada, contém uma afirmação de Jesus sobre si mesmo. A Igreja Primitiva aplicou a parábola à sua situação, uma situação entre duas crises, a situação da parusia que retarda. Por isso, ela amplia a parábola incluindo uma série de traços novos e alegorizantes: O dono da casa parte, agora, para uma longa viagem (Marcos); dá a todos os seus servos a ordem de vigiar (Lucas); transmite plenos poderes aos seus servos antes de viajar, sendo que o dia de seu retorno é incerto (Mateus); e a recompensa que ele dará aos seus será servi-los desinteressadamente à mesa por ocasião do banquete da alegria messiânica (Lucas).
Ill — Meditação
Esta parábola, como vimos, fala provavelmente aos dirigentes do povo, de modo especial aos escribas. Foram grandes coisas que Deus lhes confiou: a direção do povo, a ciência da sua vontade, a chave de acesso ao seu Reino. Agora o julgamento de Deus está às portas: os servos de Deus corresponderam à grande confiança ou dela abusaram, empregaram o dom de Deus ou o retiveram por egoísmo ou por angústias exageradas, sem passá-lo aos outros? as portas de acesso ao Reino de Deus se lhes abriram ou fecharam? Quem conhecia a vontade de Deus (diz-lhes a comparação dos dois escravos Lc 12.47ss.) será castigado mais rigorosamente do que o povo que não conhecia a lei.
A exortação vigiai e orai continua válida para os dirigentes, para os discípulos e todos os seus seguidores. O apóstolo Paulo escreve aos tessalonicenses (l Ts 5.6): Assim, pois, não durmamos como os demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios. Evidentemente o sentido do termo vigiar sofreu leve alteração: Não se trata, aqui, apenas de renunciar ao descanso do corpo, de ficar acordado como Jesus no Getsêmani esperava dos seus companheiros. O que importa é aquele outro estar preparado. Preparado está o servo bom e fiel de Mt 24.45ss., pronto para, a qualquer hora, prestar contas diante de seu senhor. Quem pois, neste sentido vigiar, não será atropelado pelo fim.
Quando Jesus falava de juízo e julgamento, ele não falava no sentido da apocalíptica que procura calcular a hora do fim através de visões alegóricas do desenrolar da história. Jesus recusa-se a aceitar, por princípio, o cálculo de prazos. Conforme Lc 17.20, o reino não vem de maneira que sinais apontem para sua vinda. Em Mc 13.32 Jesus afirma: A respeito daquele dia ou daquela hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai. Por isso, a necessi-dade da oração e vigilância é permanente. Os horrores apocalípticos, como guerra, fome, terremotos, não são enumerados para indicar sinais antecipatórios do fim, rnas para caracterizar a feição essencial do desenrolar da história que leva ao fim. Os crentes não devem fixar os olhos nos horrores, mas saber: tudo isso tem que ocorrer (13.7); importante é apenas esperar, alertas, a vinda do Senhor e permitir que aquilo que lhes foi confiado se desenvolva.
A intenção desta parábola é sacudir um povo cego e seus guias frente à seriedade do momento. Quer dizer, a catástrofe virá tão repenti¬namente como o ladrão de noite, como o senhor que volta tarde da festa ou, ainda, como o senhor que volta da longa viagem. Não sejais surpreendidos despreparados. A parábola não fala apenas da surpresa desagradável, mas da responsabilidade por coisas que foram confiadas ou por encargos pelos quais temos que prestar contas repentinamente. Subsistir na hora da prestação de contas, que vem inesperadamente, depende de como administramos as coisas a nós confiadas.
Enquanto não se concretizar a parusia do Deus tudo em todas as coisas (l Co 15.28), Cristo continua a ter esperança e a possuir um futuro. Estamos ainda a caminho, vivendo a ambiguidade com que se manifesta o Reino de Deus neste mundo. Jesus ressuscitado, embora realize em sua vida o Reino de Deus, espera que aquilo que se concretizou e começou com ele chegue a um feliz êxito. Por isso o convite à vigilância. Cristo continua a esperar o crescimento de seu Reino entre os homens, porque seu Reino não começa a existir apenas para além da morte, mas se inicia já neste mundo sempre que se instalar mais justiça, vigorar mais amor e se abrir um horizonte novo na recepção da Palavra e da Revelação de Deus dentro da vida.
Cristo o ressuscitado, de fato, já veio, mas, para os cristãos, é ainda aquele que há de vir em plenitude. O futuro de Cristo não reside apenas em sua parusia e total revelação de sua realidade divina e humana mas em algo mais que ainda não está plenamente concluído e realizado: a ressurreição dos mortos, a reconciliação de todas as coisas consigo mesmo e com Deus e a transfiguração do universo. O fim do mundo não deve, portanto, ser representado como uma catástrofe cósmica, mas como consumação e consecução do fim como meta e plenitude.
IV — Pistas para a prédica
Podem ser seguidos os passos dados na meditação. Poder-se-ia dar maior ênfase a um ou outro aspecto ou, ainda, seguir o esquema abaixo:
— Ver sinais da natureza que, hoje, se identificam com sinais do fim dos tempos;
— mostrar números e cálculos que apontam nesta direção (seitas que querem marcar épocas e datas do fim);
— apontar para o fato de que, em Jesus, é característico o conteúdo do que há de vir, que não é primordialmente o juízo, mas a salvação que vem do domínio de Deus. Acima de tudo, porém, é característico que ele relaciona o domínio vindouro de Deus com o presente;
— em vez de fomentar um espírito calculista, o apocalipse torna-se, aqui, um instrumento de exortação para a completa confiança e perseverança. Assim, podemos fazer a ponte para a esperança do Advento que se aproxima. Vigiai e orai é convite feito a todos, mas, em especial, àqueles que têm funções de liderança no povo de Deus. Daí podemos tirar as consequências.
V – Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus! Confessamos-te, neste momento, que nós muitas vezes estamos distantes e distraídos. Não estamos vigilantes à tua vontade. Deixamos de perceber a tua presença entre nós porque nos preocupamos com coisas tão insignificantes. Por isso te confessamos que a nossa fé, da qual às vezes nos vangloriamos, deixa muitas vezes de ser fé para tornar-se apenas uma confissão de palavras vazias. Somos fracos e falhamos na missão de vigia. Ajuda-nos em nossa fraqueza, perdoa nossos pecados e ouve-nos quando pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Deus, nosso Pai, sabendo que estás do nosso lado em Jesus Cristo, teu Filho, te pedimos: Concede-nos a sabedoria de ouvir a tua Palavra dirigida a cada um de nós e a responder conforme a tua vontade. Que a nossa resposta não seja apenas em palavras, mas em serviço para o teu Reino. Que a tua Palavra nos deixe constantemente alertas para a oração e vigilantes mediante o poder do teu santo Espírito. Amém!
3. Assuntos para a oração final: Agradecer pelas bênçãos recebidas no decorrer deste ano eclesiástico que está findando; interceder pelo fortalecimento da fé, pela necessidade de vigiar constantemente; pedir pela compreensão e a necessidade de viver, ainda que parcialmente, a parusia; interceder por espaço para viver e testemunhar uma fé autêntica na sociedade em que vivemos: pedir pela comunidade toda, para que busque construir sinais do novo Reino; interceder por todos que estão passando grandes necessidades físicas, materiais e espirituais; pedir orientação para esperar o Advento devidamente preparados.
VI – Bibliografia
– GOPPELT L Teologia do Novo Testamento. 2. ed. Petrópolis/São Leopoldo, Í983.
– LOHSE, E. Introdução ao Novo Testamento São Leopoldo, 1972,
– WOLF, D. Z. Markus über Jesus. Gutersloh, 1970.
– JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus. 2. ed. São Paulo, 1978.
– KÖNINGS, J. Jesus nos Evangelhos Sinóticos. Petrópolis, 1977.