Prédica: Mateus 13.44-46
Autor: Gerd Uwe Kliewer
Data Litúrgica: 9º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 23/07/1989
Proclamar Libertação – Volume: XIV
l — Introdução
A parábola do tesouro escondido e a sua duplicata, da pérola preciosa, são concisas e concentradas. Ambas se compõem de dois períodos: o primeiro — O Reino de Deus é igual a… — coloca as circunstâncias; o segundo define a atitude, a ação do protagonista. Nesta ação está a mensagem. Parábola é isso aí: uma mensagem na forma de uma ação, uma dramatização. Por isso, parece-me de pouco proveito esquadrinhar a forma destas parábolas, refletir sobre o significado do campo, ou analisar o fato por que o homem que acha o tesouro escondido, em vez de levá-lo simplesmente para casa, realiza a operação tão complicada de comprar o campo primeiro, ou quais as leis daquela época que o levam a fazer isso. É que esta maneira de agir se explica a partir da mensagem transformada em ação. Qual é a mensagem? Entendo-a da seguinte maneira: Há coisas prioritárias e secundárias, importantes e de menos importância. O Reino de Deus é prioridade. Diante dele, os homens têm que optar. E optar significa livrar-se de, sacrificar as coisas secundárias. Essa opção, quando o homem se confronta com o Reino de Deus, parece tão clara, tão indiscutível, que é tomada radiante de alegria (v. 44b). Na verdade, não há outra opção, e não se pode duvidar nem hesitar. É este o caminho, e pronto!
O real significado desta opção depende de como entendemos o Reino de Deus. Onde ele se localiza? Se for deste mundo, a mensagem nos diz uma coisa. Se for restrito ao céu, outra. Mas não é isto que as parábolas querem discutir. Querem apontar para a força do Reino de Deus de transformar os homens e de relativizar as coisas às quais eles se prendem. Querem chamar-nos a mudar o rumo, o objetivo da nossa vida.
Uma interpretação existencialista? Sem dúvida. Individualista? Depende do rumo que a nossa vida, atingida pela mensagem da Palavra de Deus, tomar. E quem diz que uma comunidade, uma igreja, toda urna sociedade não possa mudar o rumo?
Colocado isto, acho que a nossa tarefa em relação a nosso texto é a mesma da parábola: transformar a mensagem em ação, em drama. A maneira mais adequada de lidar com o texto é a dramatização. Proponho-me a elaborá-la. Sugiro que, em vez da prédica, se apresente a dramatização. Uma família pode fazer isto, um grupo de jovens, confirmandos, o próprio pastor e esposa com o presbitério. Não precisa ser coisa elaborada. Não há necessidade de muito ensaio. As falas propostas aqui podem ser mudadas. Podem até ser lidas. A comunidade, acostumada a (e talvez cansada de) ver a mesma pessoa no púlpito, falando sozinha, saudará a quebra da rotina e prestará muita atenção. Experimentem!
II – Dramatização
O espaço na frente do altar é o palco. Os atores estão sentados no meio da plateia e se levantam, quando chega a sua vez de entrar em cena. Voltam para a plateia depois de agir. Não há necessidade de muitos apetrechos. Algumas cadeiras, onde os atores sentam. Algum trabalho manual para as senhoras. Carlos pode levar uma pasta que depois ele deixa em algum canto. Importante é que os atores falem alto, dirigidos ao público, e que sejam visíveis. Podem levantar, gesticular, exaltar-se, usando toda a criatividade que têm.
Após o hino que normalmente se canta antes da prédica, um leitor levanta e lê o texto Mt 13.44-46. Ele conclui, dizendo: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! Depois senta na plateia, e a dramatização começa sem outras explicações.
Carlos: (entra e diz para Sueli, sua esposa, que está selecionando feijão, ou dedica-se a qualquer outro afazer doméstico) Vendi a nossa casa!
Sueli: (assustada) O quê?!
Carlos: Vendi a casa. Apareceu um comprador, oferecendo um bom preço, e vendi. Por um milhão de cruzados. Ele me paga amanhã, no cartório, ao fazermos a escritura. Você tem que vir junto. Para vender a casa, a esposa tem que assinar também.
Sueli: (desesperada) Mas como, Carlos? Lutamos tanto para construir essa casa! E você joga fora de um dia para o outro! Onde vamos morar? Essa casa fica tão perto da cooperativa, onde você trabalha.
Carlos: Não trabalho mais lá. Acabo de pedir demissão. Não aguento mais trabalhar nesse departamento técnico, onde não faço outra coisa que vender adubo, defensivos agrícolas, escrever laudos para o PRÓ AGRO. A tarefa de um agrónomo é outra!
Sueli: (irritada e angustiada) Não sei o que você acha que é a tarefa de um agrónomo. Mas sei muito bem qual é a tarefa de um pai de família. Como você quer sustentar a sua família?
Carlos: Não fique logo agressiva comigo, Sueli. Vou tentar explicar. Você se lembra do estudo bíblico há algumas semanas, onde discutimos em grupo sobre a parábola da pérola preciosa? Essa do comerciante que vendeu tudo para comprar uma única pérola, muito bela. O grupo concluiu que, para seguir o Reino de Deus, devemos estar dispostos a despojar-nos do que é nosso. Devemos ter coragem de fazer uma opção.
Sueli: Se soubesse que você leva a sério o que se fala lá, não o teria levado junto para este estudo bíblico. Só levei você para não ter que voltar sozinha à noite.
Carlos: Te acalma, Sueli! Refletindo, cheguei à conclusão de que a minha vida assim não tem sentido. O mundo anda em mil dificul¬dades, a miséria aumenta no Brasil, os pequenos agricultores são expulsos do campo, as lavouras envenenadas, e eu aqui, numa boa, ganhando meu ordenado, churrasco e cerveja no fim da semana, saída contigo para o baile no sábado à noite, deixando as coisas correr. Precisava fazer uma coisa diferente!
Sueli: Mas meu Deus, o que há de mal nisso, trabalhar pontualmente, amar a esposa e os filhos, divertir-se um pouco?
Carlos: Não é isso, Sueli. Chegando ao fim da vida, o que eu tenho a apresentar ao meu Criador? Que consegui vender um milhão de toneladas de adubo? Ou cem mil litros de herbicidas? Que ajudei a destruir a natureza? Encontrei, na semana passada, um colega de Faculdade, também agrônomo, que está trabalhando na Rondônia. Está num projeto que procura desenvolver métodos de agricultura que não agridem a natureza. Você sabe que, se continuar por mais uns anos assim, a Rondônia não terá mais árvores de pé? É urgente que se faça alguma coisa.
Sueli: Mas o que você tem a ver com isso, Carlos?
Carlos: Aí é que está! Alguém tem que fazer algo. Por isso, resolvi ir para a Rondônia; quero comprar um pedaço de terra e praticar a agricultura alternativa. Quero ensinar e mostrar aos colonos, como dá para produzir em harmonia com a natureza. E quero ajudá-los a se organizar. O colega me disse que ainda falta muita organização.
Sandra: (entrou durante a última fala de Carlos). Para onde você vai, pai? Para a Rondônia? Que loucura!
Sueli: E, parece que deu mesmo uma louca no teu pai, Sandra. Ele acha que tem que ir salvar os colonos e as árvores lá na Rondônia. Como se já não existissem loucos que chega neste mundo.
Carlos: Não quero ir sozinho para a Rondônia. Quero levar todos vocês junto.
Valmir: (que entrou logo depois de Sandra) Oba! Rondônia! Lá deve ter ainda muito bicho no mato. E garanto que não tem escola funcionando.
Sandra: Eu não vou junto. Agora, que estou terminando o segundo grau! E depois quero cursar uma Faculdade. E curtir a vida um pouco. Que vou fazer lá no fundo do mato, onde talvez nem tem televisão? (Entram sogro e sogra.)
Sogro: Boa noite!
Sogra: Boa noite! (olha de um para o outro. Depois diz:) Mas que ar carregado é esse? Vocês têm algum problema, uma discussão?
Sueli: Sabe, mãe, o Carlos aqui inventou de ir para a Rondônia!
Sogra: Para a Rondônia?
Sogro: Em viagem de férias? Não sabia que tem praia lá.
Sueli: Não em viagem de férias; Ele quer se mudar para lá, pai, e levar todos nós junto. Quer comprar terras e fazer — como ele diz? — agricultura alternativa, ou coisa assim. Defender a natureza. Já saiu do emprego e vendeu a casa, sem me consultar.
Sogra: Mas lá na Rondônia não tem malária? Passou na televisão esses dias.
Sogro: (preocupado) Que bobagem é essa que você botou na cabeça, genro? Essas ideias são para sonhadores, estudantes, vadios. Não para gente com boa colocação como você, com quarenta anos de idade. . . Tira isso da mente e fica em casa!
Carlos: Estou decidido, sogro. Quero fazer um trabalho com sentido. Quero ajudar para que a vida dos colonos na Rondônia fique um pouco melhor, e que os filhos deles tenham futuro. Sinto-me chamado para trabalhar lá. Está tudo encaminhado. Não vou voltar para trás.
Sogra: E tem que levar logo toda a família junto? E como ficamos nós?
Sandra: Não se preocupe, vó, eu não vou junto, eu fico com vocês.
Sogra: Ainda bem, querida. Pelo menos uma que não perdeu a cabeça!
Sogro: Estou vendo que o caso é sério. Mas não vou permitir isso. Ouviu, Sueli, você não concorda com a venda da casa! Não assine a transmissão da escritura! Sem você, ele não pode vender. E sugiro que agora vão dormir e amanhã repensem o caso. Talvez até amanhã ele endireite. Vem, mãe, vamos embora para casa. (Sogro e sogra despedem-se e saem.)
Valmir: (Para Sandra) Vem, irmã, vamos dar uma saidinha. O ambiente aqui não está bom para nós. Deixe o pai e a mãe entender-se primeiro. (Afastam-se também.)
Carlos: Sei que dei um susto em você, Sueli. Não sabia como lhe dizer, e aí saiu assim de repente. Mas quero que você compreenda. Quero ir contigo para a Rondônia. E com as crianças também, se possível. Mas preciso ir. Sabe, desde que tomei essa decisão, sinto-me cheio de alegria. Me dá vontade de cantar todo dia. E muitas coisas que antes eram importantes, agora são secundá¬rias. Não ligo mais para a casa, o carro, o emprego, os amigos. Mas você ainda é importante para mim. Você vem junto?
Sueli: Carlos, não consigo nem pensar. Sair para um lugar desconhecido, onde não sei como viver, você sabe o que significa isso? Onde a gente não conhece ninguém? Você me garante que vou ter uma casa lá? Eu não sei viver sem geladeira, sem freezer, sem máquina de lavar e passar. Tem essas coisas lá no interior? E o Valmir, não vai virar um vadio lá? Como esposa deveria ir contigo, mas…
(Sueli cala. Após um silêncio, os dois levantam e voltam para o meio da comunidade. O pastor, ou alguém outro, levanta-se e diz)
Pastor: Interrompemos aqui a apresentação. Como ela termina? Será que Carlos realiza o seu plano? Será que a Sueli vai junto? E é certo levar as crianças para a Rondônia? Aliás, o que o Carlos quer fazer, não é uma grande bobagem? Um de vocês faria?
III — Diálogo com a comunidade
Espera-se que neste ponto da apresentação tenham surgido uma série de perguntas e comentários na cabeça dos ouvintes. As perguntas colocadas pelo pastor devem servir para motivá-los a se manifestar. O pastor procura orientar a discussão, tentando fazer com que a comunidade troque ideias entre si e não com ele. Pode-se sugerir, também, que cada um comente o assunto com os seus vizinhos, formando pequenos grupos, para depois reunir as colocações. No caso de todo mundo estranhar e ninguém falar, seria um sacrilégio, se o pastor começasse a dar mais uma explicação ou uma prédica sobre o texto. Se a comunidade não fala, ele fica quieto também, refletindo. Não faz mal, se vai crescendo um certo mal-estar (nele e na comunidade). Após algum tempo de silêncio constrangedor, alguém falará; se não, o pastor propõe um hino e encerra o culto.
IV — Auxílios Litúrgicos
Supondo-se que a dramatização levou a um diálogo animado, convém, após um hino, fazer o encerramento do culto com a participação da comunidade. O pastor consulta a comunidade reunida, o que deve ser colocado na oração final, de alegrias e tristezas, de pedidos e intercessões, de agradecimentos. Os presentes podem comunicar as sugestões em frases simples, p. ex.: Peço orar por minha sogra, que está doente no hospital!; Gostei muito da apresentação que vi hoje!; Vamos orar por todos os pobres!; Vamos orar pelo governo! etc. Os presentes não devem preocupar-se em dar ao seu assunto a forma de oração. O pastor vai anotando. Quando terminam as manifestações, o pastor comunica que Deus já ouviu o que eles querem colocar diante dele, convida a comunidade a levantar-se e orar em conjunto o Pai-Nosso.