Prédica: 1 Coríntios 3.9-15
Autor: Werno Stiegemeier
Data Litúrgica: 12º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 09/09/1990
Proclamar Libertação – Volume: XV
l — O texto e seu contexto
A presente perícope está inserida no contexto maior de l Coríntios 1.104.21. Nesta parte de sua carta Paulo aborda a questão dos grupos que se formaram em torno de algumas pessoas que trabalharam na comunidade de Corinto. Em vez de se apegarem unicamente ao Deus que se revelou na cruz, os cristãos de Corinto fundamentavam a sua fé nestes mensageiros. Atribuíram-lhes qualidades de salvadores, admiravam-nos por sua personalidade e capacidade e colocavam-nos no centro do evangelho. Tendo tomado conhecimento desta situação, Paulo os chama de volta para o Cristo crucificado. Ele é o centro, e não os obreiros.
O subtema, que é desenvolvido em nossa perícope, já é abordado nos versículos anteriores, principalmente nos vv. 7 e 8. Através da figura da lavoura Paulo mostra que, diante da grandeza de Deus, os obreiros se tornam insignificantes. A comunidade é obra de Deus. É ele quem dá o crescimento. Os apóstolos não passam de cooperadores. Nos vv. 9-15, nossa perícope, ele aprofunda e complementa esta sua argumentação partindo da figura do edifício.
II — Estudando o texto
V. 9: Ao falar da formação e do desenvolvimento da comunidade, o apóstolo Paulo usa duas figuras: a da lavoura e a da construção de um prédio. No v. 9 ele lembra mais uma vez a figura da lavoura – usada nos vv. 6-8 – e introduz a outra, a do prédio, à qual ele volta a sua atenção nos versículos que seguem.
A quem se deve a existência da comunidade? Unicamente a Deus. Ele é o agente. Os obreiros são apenas seus colaboradores. Ser colaborador de Deus. Isto não é pouco; é o máximo, o mais grandioso e mais nobre que pode ser dito a respeito do ministério do apóstolo e do mestre. Deus não quer edificar sozinho a sua comunidade. Ele o quer fazer com a colaboração do homem. Em Cristo Deus veio a nós. Tornou-se o Deus conosco, o Deus junto a nós. Por isto ele escolhe o homem para ser seu colaborador.
V. 10: Segundo a graça de Deus que me foi dada… Qual é esta graça que Paulo recebeu de Deus? A graça de poder colaborar na obra de Deus, de servi-lo através do ministério apostólico. Como servo de Deus lhe coube o privilégio de lançar o fundamento do edifício da comunidade de Corinto. O prédio, no entanto, não é seu. Pertence a Deus. Os que edificam sobre este fundamento precisam fazê-lo com zelo e dedicação. Eles não trabalham por conta própria, nem para si mesmos. Receberam a incumbência de Deus. E é para ele que trabalham.
V. 11: Conforme o v. 10, Paulo lançou (ETHEKA) o fundamento. Agora, no v. 11, é dito que ele está pronto (KEIMENOS), de modo que ninguém pode lançar outro fundamento. Portanto, os que continuam a trabalhar no edifício não podem se distanciar do anúncio apostólico original. Estão presos ao que Paulo anunciou e ensinou.
O fundamento que Paulo lançou, Jesus Cristo, na verdade já estava posto. Ele não teve a liberdade de planejar e decidir à semelhança de um arquiteto que projeta um edifício material. O apóstolo teve que agir e ensinar de acordo com o que Deus já operara anteriormente em Cristo. A planta já estava pronta.
V. 12: Vimos que nosso texto afirma: Deus mesmo é o construtor. Isto, evidentemente, não significa que seus colaboradores estejam isentos de responsa¬bilidade. Cada qual é responsável pelo que faz. Diante desta realidade Paulo pergunta: O que realmente é importante, o que possui valor? A que poderá ser comparada a obra de alguém? Ele cita diversos elementos: ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno e palha. Aqui Paulo se afasta da figura original da edificação de um prédio. Ao mencionar estes elementos, ele não pensa em material de construção. O que lhe interessa é o valor destes materiais. Semelhante a que material será a obra daqueles que trabalham no reino de Deus?
V. 13: O valor do trabalho de cada um será revelado no dia do Juízo Final. As obras serão provadas pelo fogo. A madeira, o feno e a palha são consumidos pelo fogo. O mesmo acontecerá com as obras que não tiveram valor. Elas serão consumidas pelo fogo do Juízo, isto é, serão reveladas como vãs e imprestáveis.
Vv. 14 e 15: As obras que não tiveram valor serão queimadas. O obreiro, no entanto, que as tiver praticado, será salvo. Esta é uma consequência lógica da salvação pela graça e fé. Se a salvação não é fruto de boas obras, também a condenação não é resultado de obras imprestáveis. A salvação é concedida gratuitamente por Deus, mediante a fé em Jesus Cristo. Por isto somente a perda da fé, o desprezo do plano salvífico de Deus, a rejeição de Jesus Cristo resultará em condenação. Portanto, também os maus construtores serão salvos. A sua salvação, no entanto, será semelhante a um homem que perdeu tudo num incêndio e só conseguiu escapar com a roupa do corpo.
No contexto dos grupos de Corinto, isto mostra aos seguidores dos diferentes obreiros que ali atuaram que também estes terão que prestar contas de seus atos no Juízo Final. No momento presente ainda não se sabe se as suas obras realmente agradam a Deus. Somente o Juízo revelará o que de fato teve valor perante Deus. Por isto é tolice fundamentar a sua fé nestes colaboradores. Também eles dependem inteiramente da graça de Deus. O relacionamento dos membros da comunidade de Corinto com os apóstolos e mestres só será correio se virem neles nada mais e nada menos do que servos de Deus, colaboradores também sujeitos ao Juízo.
Ill — Refletindo sobre o texto
1. A Igreja é obra de Deus. Nós somos seus colaboradores
a) A Igreja só pode ser definida a partir do agir de Deus. Ele é um edifício que lhe pertence e que por ele é edificado. Deus, no entanto, não edifica sozinho. Ele não age diretamente, mas indiretamente através da colaboração de pessoas. Ele não quer fazê-lo sem o auxilio de suas criaturas. Ela não as exclui. Quer que sejam suas colaboradoras.
Diante desta constatação devemos perguntar-nos sempre de novo: De fato nos entendemos como colaboradores, como serventes de Deus? A nossa maneira de agir nas comunidades não dá, muitas vezes, a impressão de que nós nos consideramos seus donos? Não é assim que planejamos e fazemos projetos egoístas, e depois pedimos que Deus abençoe nosso trabalho?
O nosso texto quer conscientizar-nos, de novo, desta verdade: Tudo o que temos a fazer na Igreja, sejam tarefas menos ou mais importantes, só o podemos fazer como instrumentos nas mãos de Deus. O agente verdadeiro só pode ser o próprio Deus. O trabalho das pessoas na Igreja e nas comunidades só é legítimo quando o seu agir não oculta o agir de Deus, mas o torna transparente. Aquele que ê chamado a administrar os meios da graça, seja no passado ou no presente, não tem nada próprio a oferecer; ele é simplesmente um servente.
b) Quem são estes colaboradores de Deus? Somente os apóstolos, mestres, pastores, missionários? Aqueles que foram incumbidos de um ministério especial? Em nosso texto Paulo se refere especialmente a eles, mas visto no contexto de tudo o que ele escreve (l Co 12, por exemplo), é evidente que não é só neles que ele pensa. Mesmo em 3.5-13 há uma palavra que é repetida cinco vezes: ËKASTOS, cada um (cada um veja.. .). Sacerdócio real de todos os crentes não é apenas um belo ideal inatingível. Ele quer ser concretizado. Na comunidade de Jesus Cristo há lugar para todos. Por que há, mesmo assim, tantos desempregados em nossas comunidades?
c) Se a edificação da comunidade não é obra nossa, se, na verdade, não somos nós que a edificamos e, sim, Deus, isto não diminui em nada o valor do que somos e fazemos. Que Deus nos chama a cooperar com ele é algo extraordinário. Pode haver algo mais grandioso do que ser colaborador de Deus? Também nisto Deus revela o seu amor. Ele não teria nenhuma obrigação para conosco. Por que contar com aqueles que, por natureza, querem viver sem Deus? Apesar de nossas fraquezas e constantes fracassos, Deus conta conosco. Ele nos quer ver a trabalhar em sua obra. Ë extraordinário!
2. Cristo é o fundamento. Sobre ele devemos edificar
a) Certamente nenhum obreiro ousa lançar-se abertamente como fundamento de seu trabalho. Todos pretendem apontar para Cristo. Mesmo assim, no entanto, a preocupação de Paulo não está ultrapassada. Aquela vez Paulo, Apoio e Cefas com certeza também não pretendiam ser declarados fundamento da fé dos diferentes grupos. Eles surgiram por si. Também hoje facilmente se formam grupos em torno de obreiros. Por que tantas vezes pessoas dizem em nossas comunidades: Este Pastor é fora de série, é simplesmente fantástico? Por que elas não dizem que a mensagem de Cristo se tornou importante para elas através da pregação deste Pastor? O perigo de que os membros se apeguem a determinado colaborador de Deus é grande. O que nós pastores fazemos para evitá-lo?
b) Os obreiros são diferentes uns dos outros. Há, por exemplo, aqueles que possuem uma grande dificuldade de se fazer ouvir, enquanto que outros impressionam mesmo antes de falar. Alguns têm facilidade de cativar as pessoas, outros precisam fazer um grande esforço para consegui-lo. Isto depende principalmente da personalidade, da maneira de ser de cada um. É lógico que aqueles que apresentam qualidades e dons especiais impressionam mais. Por isto o perigo da formação de um grupo de admiradores ao seu redor também é maior. Diante desta constatação perguntamos: Pode Deus utilizar-se destas qualidades naturais que alguém possui? Ou são elas um empecilho para um trabalho verdadeiramente fundamentado em Cristo? Como colocar estas qualidades a serviço do reino de Deus?
Como pessoas que confessam: Creio que Deus me criou a mini e a todas as criaturas. . ., sabemos que as assim chamadas qualidades naturais também vêm de Deus. Por isto podemos e devemos colocá-las a seu serviço, mas realmente à sua disposição e não em proveito próprio. E isto com muita humildade. Sempre no sentido de 2 Co 6.10: pobres, mas enriquecendo a muitos. Se o orgulho tomar conta, só trabalharemos para nós mesmos.
Através das palavras de sua carta, o apóstolo admoesta os membros da comunidade de Corinto: Vocês, do partido de Paulo, não devem apegar-se em Paulo e sim no Cristo que ele trouxe e pregou. E vocês, dos outros partidos, a vida de vocês está fundamentada neste mesmo Cristo. Disto os membros de nossas comunidades também precisam ser conscientizados sempre de novo. E nós, obreiros, somos chamados a edificar de fato sobre Cristo. Não sobre um Cristo imaginário, criado de acordo com nossas expectativas e necessidades do momento, mas sobre o Cristo da pregação apostólica, o Cristo da Bíblia, da cruz e ressurreição, o Cristo que foi posto por Deus mesmo como fundamento.
3. A responsabilidade dos colaboradores de Deus
Cada um veja como edifica (v. 10b). O edifício da Igreja é de Deus. Ele mesmo é o construtor. Isto, no entanto, não isenta os colaboradores de sua responsabilidade. Eles não são programados como robôs que automaticamente agiriam como Deus quer. Deus concede liberdade. E é dentro desta liberdade que cada um deve trabalhar com fidelidade e dedicação. Por intermédio de nosso texto bíblico somos perguntados: Como construímos comunidade em cima do fundamento já posto, Cristo? Fazemo-lo com dedicação, seriedade, amor, abnegação? Estamos dispostos a lutar e, se necessário, até sofrer pela causa de Deus? De fato estamos edificando sobre o fundamento já colocado?
Quem está engajado na construção do reino de Deus precisa submeter-se constantemente a estas perguntas. Pois naquele dia, no dia do Grande Julgamento, todos teremos que prestar contas de nossa atuação. De tudo aquilo que pretendemos ter feito em nome de Cristo, o que vai permanecer? Na linguagem figurada de nosso texto, nossas obras serão provadas pelo fogo. O que não teve valor, o que foi em vão, o que não prestou queimará. O que o fogo deixará intacto?
Paulo conta com a possibilidade de que a obra toda possa ser consumida pelo fogo. Mesmo que isto aconteça, a pessoa cujas obras não resistiram, será salva. Isto é uma consequência lógica da salvação pela graça. Se as obras boas que foram praticadas não salvam, obras más também não conduzem à perdição. Pessoa e obra, portanto, são julgadas separadamente. A pessoa não é simplesmente o produto do que ela faz. Ela não é julgada de acordo com as suas próprias obras e sim segundo a obra de Cristo. A sua justificação acontece pela graça de Deus.
A justificação pela graça, no entanto, não é um travesseiro para o nosso descanso. Todo aquele que a compreendeu corretamente se saberá chamado à ação. Quem sabe que é filho de Deus não vai querer ser uma vergonha para o seu Pai. O seu desejo será honrar o nome daquele que o tornou sua propriedade. Se desejamos facilitar à comunidade a compreensão deste aspecto de nosso texto que, sem dúvida, é um tanto complexo, talvez podemos recorrer ao exemplo do relacionamento entre pais e filhos. O que leva pais a reconhecer uma criança como seu filho? Não ê o comportamento exemplar dela. A criança nada precisa — e nem pode — fazer para que seus pais digam: Tu és nosso filho. É o seu nascimento que dá aos pais a certeza: Este é nosso filho. E, mesmo assim, o comportamento deste filho é importante.
Quando pais observam que seu filho anda por caminhos errados, eles ficam muito tristes. Por outro lado, como ficam felizes ao poderem dizer: Isto tu fizeste bem, meu filho, isto nos agrada. Também o filho, por sua vez, se sentirá bem quando percebe: O que eu faço é recebido por meus pais com alegria.
Se compreendemos nosso texto neste sentido, então desaparece um pouco o aspecto de ameaça. A figura do julgamento pelo fogo não será entendido somente como admoestação e ameaça, mas mais no sentido de um incentivo, de uma motivação: O que vocês acham, não vale a pena, não é motivo de alegria viver de tal maneira que Deus possa dizer o seu sim ao que fazemos?
IV — Tópicos para a prédica
1. Introdução: Falar a respeito das atividades na comunidade. Dos grupos de trabalho, reuniões, estudos, encontros. Lembrar também os prédios — igreja, centro evangélico — que foram construídos. Perguntar: Por que fazemos tudo isto? O que desejamos alcançar?
2. Desenvolvimento da prédica: (Nesta parte poder-se-á seguir os passos da reflexão do texto):
1) Tudo o que fazemos na comunidade quer ser serviço no reino de Deus. A obra é sua. Somos seus colaboradores.
2) O fundamento é Cristo. Ê sobre ele que edificamos a vida da comunidade. O centro é ele, não os obreiros.
3) Os colaboradores de Deus são responsáveis pelo que fazem. As suas obras serão provadas pelo fogo do Juízo Final.
3. Conclusão: Incentivar a comunidade a colaborar na edificação do reino de Deus com fidelidade, dedicação e lealdade. Vale a pena dedicar-se de corpo e alma à obra de Deus.
V — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Bondoso Deus, nosso verdadeiro Pai! Ao olharmos para os prédios de nossa comunidade e para todas as atividades e programações que estão em andamento, o orgulho invade nossos corações. Quanta coisa já conseguimos realizar! Até poderíamos servir de exemplo para muitos outros. Mas, de repente, este nosso orgulho é invadido por uma sensação estranha, por uma grande inquietude: Onde queremos chegar com tudo o que fazemos? Não estamos servindo a nós mesmos? Não trabalhamos para nossa própria honra e glória? Somos, de fato, teus colaboradores? Estamos a teu serviço? Quem é o centro de todo o nosso agir? É Jesus Cristo o fundamento de nossa comunidade? Estas perguntas mexem conosco. Ficamos assustados. Pois sabemos que tu nos levas a sério e que, por isto, também esperas muito de nós. Diante disto só resta pedir humildemente por teu perdão. Perdoa se muitas vezes não nos engajamos com dedicação, alegria e fidelidade na tua causa. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Senhor nosso Deus. Nós nos perguntamos neste momento: Por que, afinal, estamos aqui nesta hora? Apenas por tradição ou para mostrar aos outros que, uma vez de novo, estivemos no culto? Senhor, queremos estar aqui para te agradecer e louvar. Não são nossos próprios interesses que nos reúnem neste dia. Precisamos ouvir o que tu tens a nos dizer. Dependemos de tua Palavra. Por isto te pedimos: Quando tu falas conosco, faze calar todas as outras vozes que murmuram dentro de nós. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.
3. Assuntos para a oração final: Agradecer pelo privilégio de podermos ser colaboradores de Deus em sua obra; por aquilo que nossos antepassados fizeram na edificação da comunidade; pelo trabalho sério e honesto que hoje está acontecendo. Pedir a Deus que nos conceda fidelidade ao colaborarmos em seu reino; que não procuremos projetar-nos a nós mesmos, mas que tenhamos em vista unicamente a sua causa; que façamos tudo em nome de Jesus Cristo e para o engrandecimento de seu nome. Interceder pelos obreiros da Igreja, para que exerçam seu ministério de acordo com a vontade de Deus; pelos membros da comunidade que ainda não compreenderam que Deus deseja que também eles sejam colaboradores seus; pela direção da IECLB e por todos que nela exercem função de responsabilidade.
VI — Bibliografia
– BRAKEMEIER, G. A primeira carta aos Coríntios (Polígrafo). São Leopoldo, 1973.
– CONZELMANN, H. Der erste Brief an die Korinther. In: Meyers kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. Göttingen, 1969.
– GENEST, H. Meditação sobre 1 Coríntios 3.9-15. In: Göttinger Predigtmeditationen. Ano 73. Caderno 8. Göttingen, 1984.
– VOIGT, G. Meditação sobre 1Coríntios 3.9-15. In: Die lebendigen Steine. Gõttingen, 1983.
– WENDLAND, H. D. Die Brief e an die Korinther. In: Das Neue Testament Deutsch. V. 7.13a ed. Göttingen, 1972.