Prédica: Hebreus 12.1-3
Autor: Heinz Ehlert
Data Litúrgica: Domingo de Ramos
Data da Pregação: 08/04/1990
Proclamar Libertação – Volume: XV
l — Considerações exegéticas
O trecho indicado para a prédica do Domingo de Ramos encontra-se logo depois da dissertação sobre a fé (cap. 11). A ligação se faz pela menção da nuvem de testemunhas. Mas com o termo e conceito de perseverança se retomam pensamentos de 10.36. Todo o estilo do discurso deixa claro que se trata de exortação para animar. Depreende-se também daí que a situação dos endereçados é de sofrimento, angústia, perseguições, frustrações por causa de seu discipulado.
V. 1: Como uma conclusão tirada da exposição que precede, argumenta que também nós, isto é, uma comunidade de discípulos, o autor e os leitores da epístola, devemos ter um procedimento semelhante.
O termo nuvem de testemunhas, concebida como multidão de expectadores, encontra-se só aqui no NT. Mas é usada também no grego clássico. Dentro da figura que o autor usa, esta nuvem pode ser entendida como a de expectadores. Mas o termo testemunhas é mais do que isso. Na verdade, os que assistem uma competição atlética, exercem o papel de animadores — a torcida. A testemunha no contexto do NT — e o próprio termo também sugere isto — é alguém que vê e ouve, sendo capaz de contar e descrever como foi, mas que também está pronto a testemunhar, quando isto significa arriscar-se, comprometer-se.
A palavra que, na versão de Almeida foi traduzida por peso (ONKOS) resume tudo o que pode pesar e atrapalhar na competição. Em sentido figurado poderia ser a preocupação, sofrimento e amor ao mundo. No tempo moderno oncologia tem a ver com câncer.
A exortação, pois, vai no sentido de lançar fora, de despojar-se, despir-se, desembaraçar-se de todo peso. Poder-se-ia pensar em vestimenta longa e calçados pesados. A ideia é que isto seja possível (lançar fora). Volta em vários contextos (p. ex., Rm 13.12; Cl 3.8; Ef 4.22).
Em contraposição, o outro termo usado em relação ao pecado que tenazmente nos assedia parece sugerir que é muito mais difícil de soltar. É como uma coisa pegajosa, ou uma teia ou rede que envolve e prende. Falando da competição (que poderia também ser traduzida por luta), Almeida fala em carreira – traduz-se uma cena conhecida do campo de esportes, de uma competição atlética. Tal competição tem suas regras próprias, não há como fugir delas. Também o alvo e o prêmio se conhecem desde o início.
A qualidade maior que se recomenda é a da perseverança. O original dá a entender que a gente precisa colocar-se e permanecer debaixo, assumir todas as consequências.
V. 2: A nuvem de testemunhas é importante, pode ajudar, mas os competidores não podem prender o olhar nela. Este deve estar dirigido firmemente para o alvo. Só que para a finalidade da exortação agora se coloca a figura de Jesus. Ele está no alvo, é o alvo, mas ao mesmo tempo é descrito como autor e consumador da fé. Então é mais do que um prêmio ou a coroa de glória a que os competidores poderiam aspirar. Pela característica que se lhe atribui – autor e consumador da fé – ele garante a vitória. O que Almeida traduz por autor pode ser entendido também como líder ou guia. Teríamos, então, uma semelhança com a figura do bom pastor (SI 23 e Jo 10). Aqui ele dá força e fôlego para alcançar o alvo, além de indicar o caminho.
Ambos os termos (início e fim, cf. Ap 1.17; 2.8) descrevem a posição singular de Jesus na história salvífica e na vida e ação da Igreja. Logo a seguir se faz referência expressa ao que Jesus fez. Alguns autores falam em um breve roteiro cristológico (cf. também Fp 2.1-11). Sem dúvida está em evidência a paixão de Cristo. O seu sofrimento devia ser tanto maior, quanto representava ignomínia. Era considerado extremamente vergonhoso ser condenado à cruz. O tema do desprezo de Isaías 53 está presente, E a cruz é mencionada expressamente e, com isto, também interpretada. Fez parte da carreira proposta ao Salvador, aliás em troca da alegria que deveria ter. Mas o caminho não pára aí: e está assentado à destra do trono de Deus. Ele alcançou o seu alvo, a vitória sobre morte e inferno. Por isso ele é o autor e consumador da fé.
V. 3: Semelhante é a vida e carreira do cristão, ou melhor, dos cristãos. Pois o cristão nunca está sozinho. Vive em comunidade, como membro da comunidade. Por isso a exortação está no plural: Considerai! É preciso se aprofundar de maneira meditativa no drama da redenção que custou a Cristo a vida. Tamanha foi a oposição dos pecadores. Não foi uma resistência passiva, mas contradição, agressão, atentado contra a vida. Tal meditação poderá ajudar para que não se caia no desânimo. Só assim a advertência faz sentido: não vos fatigueis, desmaiando em vossas almas! A ameaça aí está rondando os cristãos. Por isso: não percam a coragem!
II — Meditação
Jornais e revistas, os meios de comunicação de massa em geral, dão amplo espaço a noticiários esportivos. Sinal que o esporte é importante para os leitores ou grande parte deles. Mostram-nos o que é atual e de interesse para o homem (e a mulher) contemporâneo. Deve chamar a nossa atenção que o NT vê positivamente a competição atlética, o esporte. Este serve de comparação para interpretar a vida e luta do cristão nesta terra. Isto podemos verificar no apóstolo Paulo e também aqui em Hebreus.
Um pensamento singular, a meu ver, representa o fato de ser dado o devido valor também à torcida — a nuvem de testemunhas. A multidão de fiéis de diferentes épocas da história sagrada é caracterizada como aqueles que não só assistem como meros expectadores à competição, mas que também cumprem o papel de animadores dos que se encontram na carreira, na área da competição. Com outras palavras: a comunidade, os cristãos de hoje fazem bem em conhecer a sua história (a história de sua Igreja através dos séculos), em sentir e valorizar a tradição, recebendo dela estímulo, crítica e até correção.
Às vezes é consolador saber que os aparentes tropeços na vida de fé individual e da Igreja do presente têm paralelos na história e descobrir como homens e mulheres do passado administraram as suas crises. Talvez até ajude para diagnosticar melhor as causas de dificuldades do presente, de aguçar a nossa percepção para o que está atrás dos acontecimentos que nos afligem, de abrir os olhos para perspectivas que vão além do momento presente.
Isto atrai a nossa atenção para outro assunto que é sempre atual e igualmente enche as páginas de jornais e revistas e os noticiários do rádio e da TV: a luta pela sobrevivência. Falamos sobre isto, não nos referimos apenas à luta e a todo empenho para manter-nos vivos, ter o que comer e beber para manter este corpo vivo, mas a sobrevivência como ser humano — não tanto segundo ideais humanísticos, antropológicos, filosóficos, mas o ser humano como Deus quer, ou seja, o ser humano como imagem de Deus.
Nesta luta pela sobrevivência nunca estamos sozinhos, nem podemos nos isolar ou fugir. Temos que ver-nos como inseridos numa comunidade e sociedade contemporânea maior. Neste contexto forças antagónicas estão atuando, agindo sobre nós como indivíduos, grupos, classes, povos. Se existe a nuvem de testemunhas do passado, existe igualmente a do presente. Não podemos isolar-nos — nem como indivíduos, nem como Igreja.
A própria ideia da competição, como da luta, sugere que a vida cristã seja ação, movimento, não passividade, resignação, imobilismo. É possível que os poderes antagônicos, hostis à vida, pareçam tão gigantescos que tendemos justamente a ficar imobilizados. A sensação de não poder fazer nada pode tomar conta de pessoas, de comunidades, de todo um povo. Hoje assistimos a situações assim. Como reverter um quadro de exploração do homem pelo homem, de uma mentalidade de salve-se quem puder ou 'Vale tudo para eu, minha família, minha classe estarmos por cima? Por onde começar e como proceder para reverter o quadro da corrupção em todos os setores da vida pública?
A exortação da carta aos Hebreus chama, desafia, convoca para a luta e dá, ao mesmo tempo, orientação como ser bem-sucedido, vencer. A primeira recomendação é a de desembaraçar-nos de todo o peso. Para poder vencer o corredor, o atleta, realmente tem que lançar fora todo o peso supérfluo. Só revestir-se daquilo que favorece a competição, a luta, o combate. O futebolista de salão precisa de chuteiras, o goleiro de luvas, joelheiras e cotoveleiras.
Peso sugere carga. Algo que carregamos conosco, que é supérfluo, desnecessário, além de atrapalhar. Eu poderia pensar em vícios e costumes que enfraquecem o nosso vigor físico. Ou compromissos e ocupações que atrapalham a atuação e serviço cristãos. Poderiam ser divertimentos fúteis (jogo de azar, farra) ou compromissos sociais (Rotary, Lions?) que amarram forças que poderiam ser empregadas para o serviço do Senhor.
Mas o nosso texto usa expressamente o termo pecado ao lado de peso. E ainda diz que tenazmente nos assedia. Lembro-me do barro vermelho (ou de outra cor) depois de uma chuva. Fica colado aos pés, aos calçados, e torna uma corrida cada vez mais impossível. O pecado parece ser uma massa, um material, ou uma força que se apega ao cristão e não quer soltá-lo mais. Uma outra figura podia ser uma teia ou uma rede, na qual a gente se enrosca.
Aprendemos a definir o pecado como separação de Deus, um estado, pois, em que um relacionamento foi, culposamente, rompido ou prejudicado. Seria o ato ou a atitude de desrespeito e desobediência a Deus. Mas aqui parece prevalecer uma concepção de que o pecado com o qual me envolvo torna-se força própria, hostil, destruidora. Enfraquece o vigor, a capacidade de luta na vida do cristão e da Comunidade.
A seguir temos uma série de termos que demandam reflexão. Perseverança, carreira.. . proposta:
A partir da exegese, a perseverança (HYPOMONE) não é uma virtude ou força que cabe desenvolver, mas a atitude, a disposição, a coragem de ficar debaixo. Debaixo do quê? Das adversidades e do que de fora vem impedir a atuação dos cristãos. O peso e o pecado que envolvem o cristão devem ser lançados fora. A questão teológica, se isto é possível ao homem por si, nem se discute. Parte-se da premissa de que isto seja possível. Necessária é a firme e indiscutível vontade de correr. O versículo seguinte indica donde vem a força para expor-se a todo tipo de adversidade e sofrimento.
A carreira está proposta. Não no sentido de que as regras são conhecidas, mas também que não tenho escolha: Ê correr ou perecer. A vida cristã é a única maneira de chegar ao alvo: lá onde Cristo está, à destra do trono de Deus (v. 2).
Nós estamos numa luta, quem sabe, para ter uma vida um pouco mais fácil no futuro, com menos preocupação. Outros buscam prestígio e poder, glória entre os homens. Jesus oferece .comunhão com Deus, agora e na eternidade. Só a mensagem cristã oferece ressurreição e vida. Para chegar lá, segundo o trecho em pauta, é preciso fixar o olhar em Jesus, que dá e aperfeiçoa a fé. Na prática sempre foi assim que buscamos modelos e guias. Foram os pais, quem sabe, os avós, os professores, personalidades da história. Mas aqui somos convidados, instados a ir ao encontro do que está à destra do trono de Deus. Ele é anunciado através do Evangelho, da Bíblia, através da pregação e do ensino da Igreja, mas também através do testemunho de seus seguidores, por ações corajosas de sacrifício pelos outros, de luta contra o mal e as injustiças, da defesa dos mais fracos.
Jesus esteve na glória, mas se esvaziou (Fl 2) e suportou ignomínia e cruz para redimir os homens. Foi o cúmulo da oposição dos pecadores. Exigiram a sua vida. Ele a entregou, porque esta era a vontade do Pai, a quem obedeceu.
A exortação é para não se fatigar. Isto parece bem atual. Andamos fatigados, desanimados, exaustos, sem esperança — ou? A alternativa é não tirar os olhos de Jesus, bem assim como é anunciado no Evangelho. Aqui e agora somos recompensados com o fato de participar, estar na comunhão dos santos (de outrora e de hoje). Adiante de nós sempre está o Redentor, que nos chama e dá força para prosseguir. Isto vale sempre, em qualquer etapa da corrida, em qualquer idade. Cada etapa tem suas dificuldades específicas. Mas pela graça de Cristo, podem ser superadas.
Escopo homilético: No meio da história salvífica Deus nos chamou e desafiou para a carreira cristã. Na frente está Cristo e dá ânimo para prosseguir. Vale a pena correr com perseverança.
Ill — Para a prédica
Em muitas comunidades, ainda hoje, o Domingo de Ramos é também a data das confirmações. A entrada em Jerusalém (Evangelho do domingo), com os hosanas a Jesus, foi algo festivo. Confirmação é festa também. Seja como for — confirmação ou não —, a referência ao momento festivo cabe no início da prédica.
Nem o povo, nem os discípulos, nem Jesus estavam ali por acaso. Nós também não estamos na comunidade por acaso. Fomos batizados c, portanto, chamados a ser discípulos. Isto representa um grande desafio. Falar, então, numa primeira parte, sobre o privilégio de estar participando da carreira, ou seja, cio discipulado no meio da comunhão dos santos.
Para ter chance de vencer, é preciso desembaraçar-se daquilo que atrapalha. Nesta altura descrever alguns atrapalhes. Numa segunda parte, poderemos falar detalhadamente mais sobre o Cristo no alvo. O que lhe custou ser autor e consumador da fé. Explicar o que significa na vida do cristão e da Igreja com exemplos de nossa atualidade.
Finalmente, numa terceira parte, retomando o começo do trecho, falar das regras do jogo e o que significa perseverança. Enfatizar a necessidade de olhar firmemente para Jesus e o considerai na prática da comunidade da fé.
A perspectiva que assim se dá à vida, tanto do jovem como do velho, torna-nos resistentes contra o desânimo.
Roteiro:
1. A que fomos chamados e desafiados por Deus? — A carreira cristã.
2. A que isto pode levar? – O alvo perseguido.
3. Como proceder? – Regras do jogo e preparo.
IV – Subsídios litúrgicos
1. Leitura bíblica: Mt 21.1-9.
2. Confissão de pecados: Senhor, tu sabes que gostamos de festas e divertimentos. Não de sacrifícios. Senhor, mostra-nos, onde o amor próprio e a ambição feriram irmãos e companheiros, e não nos deixes sozinhos com o nosso remorso. Assiste-nos com tua palavra de misericórdia. Tem piedade de nós, Senhor!
3. Oração de coleta: Bondoso Deus, eis que estamos diante de ti, jovens e velhos, a tua comunidade. Volta-te para nós. Deixa a tua palavra penetrar na mente e no coração. Dá-nos a certeza de que vale para nós. Permite que, reunidos para te adorar, sintamos comunhão fraterna, que somos realmente irmãos, pela graça do Pai. Amém.
4. Elementos para a oração final: Agradecimento pela reunião de adoração e amizade na fé. Agradecimento por poder participar da carreira (eventual referência a outros momentos da pregação). Intercessão especial por jovens confirmados, seus pais e padrinhos. Expressão de alegria pela Semana Santa e Páscoa. Intercessão pelos incumbidos com o ensino na Igreja (Escola Dominical, ensino confirmatório, educação cristã em escolas, instituições de formação de obreiros na Igreja). Pelos perseguidos por causa de sua fé, pelos cristãos na política e vida pública. Por doentes e abandonados.
V — Bibliografia
– MICHEL, O. Der Brief an die Hebräer. Kritisch-exegetischer Kommentar zum Neuen Testament, 9a ed. Göttingen, 1955.
– STRATHMANN, H. Der Brief an die Hebräer. In: Das Neue Testament Deutsch, 5a ed. Göttingen, 1949.
– VOIGT, G. Meditação sobre Hebreus 12.1-3. In: Die lebendigen Steine Göttingen, 1983.