l — Introdução
Nos sete anos em que estivemos entre os Kulina, este povo se revelou de uma forma gratuita a nós. Ao se auto-revelar, foi penetrando na nossa concepção de mundo e de fé fazendo vir à tona as contradições que vivemos como cristãos. A maior delas era a do discurso com a prática. Este povo foi crescendo diante de nós e se mostrando como outro diferente em toda a sua totalidade.
Surpreendentemente, o conhecimento do diferente e o questionamento por que passamos não nos trouxe crises de fé, ao contrário redimencionou nossa vida e clareou o motivo de nossa esperança como cristãos.
A realidade para a qual fomos enviados apontou para uma releitura da Bíblia e da teologia de Lutero, mais contextualizada. Ainda não tivemos oportunidade de aprofundar teoricamente o que vivemos. Para nós ainda permanece a pergunta: Como interpretar a Bíblia e a teologia de Lutero a partir de uma comunidade indígena?
A preocupação central deste artigo é: Como refletir os temas 'Pecado e Justificação segundo Rm 3.9-31, em confronto com a tarefa missionária junto aos Povos Indígenas? (A exegese mais detalhada deste texto foi feita num trabalho para o exame pró-ministério em 1988.) Considerando que os mesmos são povos social e culturalmente diferenciados e ressaltando de uma forma especial os três pontos abaixo:
1. O religioso permeia a sociedade indígena como um todo e impregna todos os aspectos de sua vida. Afastar-se de Deus só é possível afastando-se da própria sociedade.
2. O indivíduo vive em função da sociedade, apesar de manter a sua especificidade. O seu trabalho não é para si próprio, mas para os outros (há sociedades indígenas em que o caçador não pode comer da sua própria caça). Os bens não são acumulados para si, mas distribuídos. A própria vida é um constante abrir-se aos outros, estarem função de outros.
3. A sociedade estimula esta reunião e esta integração com o todo. As sociedades indígenas, vivendo ainda dentro do sistema de reciprocidade, abominam o orgulho e a sede de poder. Criam mecanismos de controle na própria sociedade, para impedir o surgimento de um poder separado da sociedade. Ao contrário, o poder é delegado a alguém para ser exercido através do serviço à mesma sociedade. É a generosidade que é admirada e que confere prestígio. Não o orgulho e o uso abusivo do poder.
Não quero com isso idealizar as sociedades indígenas, e nem querer dizer que a sociedade e os indivíduos não estejam sob o pecado. Estou querendo dizer duas coisas:
1. Existem estruturas sociais que favorecem e estimulam o pecado, e outras que tentam controlá-lo em função da manutenção da vida e do bem-estar de todos.
2. O lugar de onde se faz a reflexão teológica pode vir a mostrar novos aspectos em conceitos considerados clássicos na teologia.
Nos próximos pontos detenho-me um pouco mais na história, no pensamento e na diversidade cultural dos povos indígenas.
II — Descrição do pensamento indígena
1. Línguas indígenas e o conceito de pecado
Os missionários do Summer Institute of Linguistics (SIL), no seu afã de traduzir a Bíblia para as línguas indígenas, se defrontam com alguns problemas de fundo. Certos conceitos considerados centrais da teologia não encontram vocábulos equivalentes nas línguas indígenas (Kaingang, Kulina, etc.). Um deles é o conceito de pecado, que acaba sendo incluído através da palavra equivalente na língua da sociedade dominante. Cada língua reflete a experiência fundamental da identidade de um povo e do contexto de sua vida. Dobberahn apresenta essa ideia no seu artigo: Existiu uma cultura do silêncio no Antigo Testamento? É claro que a sua reflexão tem como paralelo o povo brasileiro oprimido em geral e que, bem ou mal, já é cristianizado. No entanto, a observação é ainda mais válida, quando se refere a um outro povo, com outra língua, outra cultura, mas também oprimido no contexto brasileiro.
A modo de ilustração gostaria de escrever um pouco como entrou e foi apreendido o conceito de pecado entre os Guarani (Nandeva e Mbyá), que apesar de terem sofrido uma evangelização realizada pelos Jesuítas, conservam muito intacta a sua religiosidade tradicional.
Egon Schaden, descrevendo a religiosidade dos Guarani, mostra que estes fazem uma distinção entre almas boas e más. Logo a seguir, continua dizendo que isso não traduz uma valoração ética e tendo-se em vista a mentalidade comunitária do homem primitivo, não admira que este dualismo se refira especialmente às atitudes e ao comportamento do indivíduo em face aos companheiros de tribo. Para eles, pecado é a manifestação da parte má da alma humana, considerada tripartida, e esta parte pecadora não entra logo no céu depois da morte. Egon Schaden o define como dualismo psicológico e deduz que a concepção tripartida da alma é oriunda de uma noção de pecador, de um cristianismo mal compreendido.
O curioso é que a ideia de ser pecador, é tomada em sentido apenas coletivo (nós somos todos pecadores) e integra-se na mentalidade Guarani, reinterpretada à partir de experiências anteriores.
O significado do termo decorre de experiências próprias. Ou seja,a consciência de que os fenômenos de desorganização social, criando dificuldades cada vez maiores e fazendo por vezes periclitar a própria sobrevivência da coletividade, resultavam do fato de já não se viver rigorosamente segundo os padrões tradicionais. A visão retrospectiva da vida grupal bem organizada do passado em confronto com a crise do presente, favoreceu a aceitação da ideia de pecado ou de culpa moral, que pode firmar-se com relativa facilidade, porque vinha ao encontro da exigência de se explicar a frustração.
A forma como entrou a doutrina cristã sobre o pecado, entre eles, no meu entender levou a uma perda, a um prejuízo, visto que reafirma a ineficácia dos seus ritos na busca da Terra Sem Males. Explico: É em torno da ideia de redenção, que gravita toda religiosidade guarani. Para eles toda a pessoa depois de morta encontra a sua redenção através do renascimento ou, de forma definitiva, pelo aguyjê, ou seja, a ida à Terra Sem Males. No entanto, a adoção da ideia cristã do pecado, inevitavelmente ligada à da culpabilidade individual, tende a abalar essa crença. Essa análise de E. Schaden, se correia, nos leva a uma triste conclusão: Nós brancos cristãos, colonizadores desta América Indígena, não só lhes tiramos as terras e matamos seus parentes, mas interferimos na sua própria história de salvação. A consciência aguda do pecado só lhes trouxe uma sensação de ineficácia, que os fez sentirem-se excluí¬dos e não incluídos no plano salvífico de Deus.
2. Sistemas linguísticos também são tendas, habitações, OIKOI. Vítor Westhelle
Numa perspectiva ecuménica mais abrangente, será que é possível pensar nos sistemas linguísticos como tendas, habitações nas quais o Evento-sinal-milagre salvífico acontece? Seráque é possível não brigar a respeito da textura das lonas, mas participar do acontecimento que elas acolhem? Parece que aí está o critério; o que indica e discerne o Reino é a comunhão. Ela é o sacramento da Boa Nova.
A palavra, entendida aqui como linguagem e como instrumento de libertação, precisa ser democratizada. Foi o movimento da Reforma justamente que reivindicou o uso autêntico e autónomo da palavra pelo povo. O sacerdócio universal é a democratização da graça. Por isso, a evangelização do tipo SIL é fundamentalmente avessa a este princípio da Reforma.
Agora, o que ainda não parece muito claro nessa nova linha de reflexão é como se relaciona o querigma com a palavra autêntica dos Kulina, dos Kaingang, dos Guarani, etc. Não creio que seremos nós a definir isso. Por mais que o missionário tente se inculturar, quem fará a inculturação do evangelho é o próprio povo a quem ele é anunciado. O receptor do evangelho recebe-o, recriando-o dentro de si próprio e por si próprio. O receptor cria de novo o evangelho. Ele reconstrói a mensagem que recebeu. A inculturação é antes de tudo obra do receptor do evangelho, segundo Comblin.
3. Da concepção cíclica do tempo à concepção histórica? F. E. Dobberahn
As sociedades indígenas em geral têm uma concepção cíclica do tempo, que sempre se remonta a uma época e.a um evento anterior, ideal. Este remontar, não é apenas a nível da recordação ou da imaginação. É como se o povo revivesse pessoalmente a experiência mítica anterior.
Mircea Eliade diz: O Tempo sagrado se apresenta sob o aspecto paradoxal de um Tempo circular, reversível e recuperável, espécie de eterno presente mítico que o homem reintegra periodicamente pela lin¬guagem dos ritos.
O povo de Israel a partir de sua experiência agrícola, assume esta ideia cíclica do tempo, que atuou muito fortemente entre eles. Dobberahn cita inclusive exemplos posteriores que demonstram isso.
A pergunta que se coloca, ao nos reportarmos aos povos indígenas, é a seguinte: Até que ponto esta visão de tempo circular é quebrada na realidade do pós-contato? Outra: Até que ponto o conceito de tempo divino, mítico, continua a prevalecer sobre o conceito do tempo profano? Ou ainda: Quando esta prevalência acontece, não pode levar a um conformismo, que acaba limitando a possibilidade individual de interferir na história? A realidade atual do povo Guarani e a sua releitura religiosa podem levantar a suspeita sobre este risco de acomodação.
O cristianismo inovou a experiência e o conceito de tempo litúrgico, e isso deve-se ao fato de o cristianismo afirmar a historicidade da pessoa de Cristo (Dobberahn). Qual é então o novo que o Evangelho pode trazer nesta situação de opressão e desesperança provocada pela realidade pós-contato?
4. Estruturas controladoras da transgressão e do conflito
Os antropólogos em geral são unânimes em considerar as sociedades indígenas bastante igualitárias do ponto de vista económico e do ponto de vista político. Isso não quer dizer que não haja desigualdades em outros níveis. A manutenção destas estruturas igualitárias não acontece pacificamente. Exige um esforço concentrado de toda a sociedade, para evitar os abusos individuais tanto em relação ao poder, como em relação à acumulação de bens. Existem mecanismos de controle social e de suporte mítico que restringem as transgressões pessoais contra os interesses do todo da sociedade. Na língua kulina, por exemplo, ibodi dsidsitani, literalmente significa: o interior dele está obscurecido. Mas no seu sentido mais amplo quer dizer: desviar-se do caminho; não estar consciente dos seus atos; desviar-se do grupo e de suas normas. Ouvi esta expressão usada pela primeira vez pelo filho de um chefe que estava aceitando fazer acordos com a FUNAI (Fundação Nacional do índio — Órgão oficial de assistência ao índio no Brasil), contra os interesses do seu povo.
Estas estruturas sociais, enquanto conseguem se manter como tal, podem ser consideradas mais justas do que outras. Como por exemplo o sistema capitalista, que é baseado em cima dos interesses individuais da acumulação de bens por uma minoria e na estratificação social.
Observa-se, nas sociedades indígenas, que no pós-contato, aspectos que antes eram garantia para a manutenção desta sua sociedade igualitária, garantia de uma qualidade de vida para todos, podem passar a ser elementos destruidores e desagregadores do próprio povo. Exemplos disso podem ser os rígidos controles de natalidade e as guerras intertribais. Hoje, quando a maioria dos povos indígenas encontra-se com uma população reduzida por fome, doenças e conflitos, promover a vida pode significar o estímulo ao implemento da natalidade e alianças intertribais em vistas à resistência.
A destruição de suas organizações sociais tradicionais e a entrada pura e simples dos indígenas para o sistema capitalista, não creio que seja esperançoso para eles. O que em alguns casos está ocorrendo é a tentativa de readequar suas organizações tradicionais, a partir da nova realidade.
E claro que qualquer estrutura, por mais justa e igualitária que possa ser, está permeada pelo pecado. O importante é que ela esteja consciente dele e reagindo contra ele.
Gostaria de concluir com uma reflexão de Paul Tillich: Até que ponto o ser humano faz parte da natureza? A natureza também faz parte do pecado? De que maneira? Da mesma que o ser humano? O que significa então a expressão mundo pecador (gefallene Welt)? Será que a natureza (exterior e interior) participa da alienação do ser humano? Será que ela foi 'transviada' pelo ser humano?
Responde ele logo a seguir: Forças biológicas, psicológicas e sociológicas, portanto, atuam eficazmente em cada decisão individual. Aí transparece a tensão entre o trágico da universalidade do pecado e por outro lado a responsabilidade pessoal. Cada sociedade com mais ou menos intensidade tenta, na sua forma de se organizar, buscar o equilíbrio entre o universal e o pessoal, entre o social e o individual.
Ill- Pecado e justificação na tarefa missionária: Uma questão de princípio ou de método?
1. O pecado histórico dos cristãos frente aos povos indígenas
O cristianismo chega às Américas (outro erro histórico!) e para os povos indígenas com todo o poder, a ganância e a violência do colonizador europeu. O pano de fundo da evangelização foi uma história de crimes: de sofrimento e de morte. A confissão da conivência ou omissão da Igreja, nestes genocídios e etnocídios históricos, é condição para qualquer tentativa de reabilitar a credibilidade do evangelho para estes povos. Esta confissão deve levar a uma conversão. Conversão que transforme tudo o que, na Igreja, colaborou com as estruturas de pecado. Só assim, a Igreja poderá de fato estar a serviço dos oprimidos.
O contraponto para este pano de fundo negativo é dar o pano de fundo positivo: a justiça. A restauração da justiça é o mínimo que estes povos invadidos e massacrados podem exigir de nossa sociedade cristã (cf. 2 Pe 3.13).
Todos estão sob o domínio do pecado: tanto evangelizador como evangelizado. Mas o pecado não é só individual, mas é estrutural e estruturado, como diz D. Pedro Casaldáliga. Isso é importante quando se trata da evangelização de povos.
A liberdade com que Paulo interpreta a história da salvação, nos permite fazer o mesmo. Ou seja: não nos deixar oprimir pela lei de uma hermenêutica tradicional, simplesmente transposta de uma realidade para outra. A diferença da ótica de Paulo para a nossa é que ele procura ver os problemas a partir de Deus e nós procuramos ver Deus a partir do fraco. Ou seja, como Deus se revela nos fracos. Isso não é uma questão de princípio, mas uma questão de método.
O evangelho não deve ser transformado novamente numa lei, num esforço humano para quem quer se salvar. A fé não pode ser imposta (historicamente se fez isso, às vezes até através da espada). A fé vem do ouvir, diz Paulo. Ouvir tem a ver com justiça. Justiça, por sua vez, tem a ver com a fé. Historicamente justiça nunca foi dada para aqueles que estavam na cruz. A Nova Justiça é a ressurreição, dada por Deus através da Cruz de Cristo. Nesta Nova Justiça os crucificados participam. Jesus se identifica com o fraco: tive fome. ..; tive sede…; era forasteiro…; estava nu…; enfermo…; pre¬so. .. (Mt 25.35s.). É identificação com o sofrimento terrestre. A justificação vem pela f é e a f é vem pela justiça. A Justiça vem pelo ouvir. Nossa evangelização não pode cobrar resposta imediata. A lei é paga, mas a graça é dada. A graça é destinada a todos: judeus, pagãos e também aos povos indígenas.
Resta-nos buscar no horizonte um caminho de encontro nesta triste história de desencontro. Encontro que respeite uma experiência anterior, uma história diversificada. Encontro que não destrua, mas ajude a enriquecer, a criar, a avançar.
2. A atitude dialogal é, basicamente, uma maneira de amar o próximo – André Droogers
A tarefa do missionário é descobrir as entradas possíveis para que o encontro com o evangelho não se transforme mais uma vez em desencontro. Neste processo de procura e encontro, deve-se ter o bom senso de reconhecer que há tempos de espera e tempos de realização. E, se os obstáculos são históricos, só a história mostrará os tempos adequados.
Segundo Comblin, o ponto de partida da evangelização é a resposta do outro. O ouvinte responde a partir do seu conhecimento anterior. Integra o discurso do evangelizador na sua própria trajetória. Isso exige uma postura dialogai do missionário. Esta é a pedagogia do próprio Cristo. Ele não dava respostas prontas, mas levava o interlocutor a dizer a sua palavra, a se posicionar.
O diálogo só é possível com o estabelecimento de relações simétricas, onde o missionário terá que aprender a escutar, a compreender, a sugerir, a não mandar, a adaptar-se aos outros, a aprender a linguagem e a cultura dos outros, a traduzir a mensagem para eles na cultura e na língua deles (Comblin). Isso exige um despojamento que não é de forma alguma tranquilizador. Já Paulo no seu tempo descrevia a condição do apóstolo como de insegurança, riscos, angústia, perigos, crítica, perseguição.
Para A. Droogers, a atitude dialogal é o oposto de uma posição autoritária e de superioridade. É profundamente cristã porque nos obriga a nos colocarmos ao lado das pessoas e não acima delas. Leva-nos respeitar e valorizar a diversidade do outro, a sua cultura e história próprias. É, basicamente, uma maneira de amar o próximo, porque se inspira no exemplo de Deus que, apesar de tudo, continua amando humanidade (Droogers).
3. Que não se use a liberdade dos cristãos em prejuízo, mas para a promoção dos fracos – Martinho Lutero
A citação acima mostra que Lutero teve uma preocupação pedagógica em relação aos mais fracos. Esta preocupação foi considerada por ele como obra especial do amor, ou seja: Que não se use a liberdade dos cristãos em prejuízo, mas para a promoção dos fracos. Continua ele, dizendo que onde não se faz isso, surge a discórdia e desprezo pelo evangelho, o que não deixa de ser um grande mal. De sorte que é melhor ceder um pouco aos de fé fraca, até que se tornem mais fortes, do que deixar desaparecer por completo a doutrina do evangelho. Ainda aconselha cuidar para que não beba vinho enquanto ainda é lactente. Todo ensinamento tem sua medida, tempo e idade.
Devemos, portanto, cuidar para que nossa pregação não vá a se transformar em mais um fardo para povos já tão oprimidos. O Evangelho só será Boa Nova se conseguir contribuir para o próprio povo identificar as falhas do seu projeto de libertação, para a construção da vida plena. Neste sentido pecado é tudo o que perturba e impede a realização da vida plena.
A pedagogia correta é ajudar a descobrir os seus próprios impasses a partir de dentro e não a partir de pressupostos de outros tempos e de outras culturas. A história passada, a realidade atual e a cultura própria do povo são tendas para a revelação e serão as chaves de compreensão do que significa pecado e justificação hoje, para cada povo específico: Kulina, Kaingang, Guarani, etc. É neste tempo/espaço que irrompe o evento salvífico de Cristo para estes povos.
IV — Conclusão
Somos todos pecadores e, por isso, merecedores da ira de Deus. Deus, no entanto, através da Crucificação e Morte de seu filho Jesus Cristo nos justifica perante si próprio e nos oferece a sua salvação gratuita. Esta salvação não vem pelas obras da Lei, mas pela Fé.
Há uma outra realidade entretanto. Observamos o fato quase generalizado das línguas indígenas não possuírem o conceito de pecado. Isso não é fortuito. Reflete uma realidade sócio-cultural diferenciada. A inexistência deste conceito não significa que os indígenas, como indivíduos e como povos, não estejam também sob o pecado. Mas não cabe a nós, da sociedade dominante, definir o que é pecado para eles. Antes, precisamos é confessar a nossa culpa, o nosso pecado histórico, como parte da sociedade ocidental e cristã que trouxe aos povos indígenas a submissão, a usurpação da terra e das riquezas, o sofrimento e quase sempre a morte. Esta opressão chegou às vezes até justificada por uma fé e uma religião cristãs. (Não foram muitos os colonos luteranos que invadiram as terras indígenas?)
A reabilitação da credibilidade do Evangelho está na restituição da justiça para estes povos. Nós, cristãos, temos este compromisso: estar empenhados na busca desta justiça sem esperar lucro ou resposta imediata da parte deles.
Urge também a busca de uma nova pedagogia, que se baseie em relações mais simétricas e numa atitude dialógica. Isso supõe um despojamento dos missionários e da própria Igreja, enquanto instituição. Exige ainda muito respeito e paciência histórica. O objetivo é a restituição da vida e vida em abundância, que só é possível mediante e através da graça de Deus oferecida a todos nós: evangelizadores e evangelizados.
V — Bibliografia
– DOBBERAHN, F. E. Existiu uma Cultura do Silêncio no Antigo Testamento? In: Estudos Teológicos, n? l, Ano 27, São Leopoldo, 1987.
– SCHADEN, E. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. São Paulo: E.P.U. e EDUSP, 1974.
– COMBLIN, Pe. J. O Tema da Evangelização na Atualidade. Datilografado: 1988.
– ELIADE, M. O Sagrado e o Profano. In: A Essência das Religiões. Lisboa: Ed. Livros do Brasil, s. data.
– TILLICH, P. Das Symbol des 'Falls', in: Symbol und Wirklichkeit. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1962.
– DROO-GERS, A. E a Umbanda? Série Religiões – 1. São Leopoldo: Sinodal, 1985.
– LUTERO, M. Pelo Evangelho de Cristo. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1984.
– ALTMANN, L. O Manaco Kulina e a Economia Capitalista. Dat.: PUC, S. P., 1988.