Prédica: Lucas 13.1-9
Leituras: Êxodo 3.1-8a (8b-12) 13-15 e 1 Coríntios 10.1-13
Autor: Valdemar Witter
Data Litúrgica: 3º Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 22/03/1992
Proclamar Libertação – Volume: XVII
1. Introdução
Lucas retraía Jesus como quem proclamou o amor de Deus, que busca c protege, que se recusa a abandonar os sofridos ou quem quer que esteja perdido. A história de Jesus, segundo Lucas, faz parte do passado, porém, não está acaba da. Isto significa que a perspectiva histórica de Lucas é diferente da dos outros sino ticos. O período do Jesus terreno situa-se no passado. Desde então a Igreja tem uma história própria. Ela deve injetar estas experiências nas tarefas práticas da fé c da vida (Johan Konings). Na perspectiva lucana encontramos uma visão escatológica diferenciada da visão apocalíptica.
Julgo não ser necessário dar maiores detalhes sobre o todo do Evangelho de Lucas, pois este tema já foi alvo de estudo específico em outro momento do PL.
2. O texto
Lucas 13.1-9 é material exclusivo do Evangelho de Lucas. Encontra-se dentro do contexto maior que abrange o mistério de Jesus na Peréia, cap. 9.51-19.58. É um ensinamento sobre paciência, arrependimento e mudança de conteúdo de vida. Em nosso texto encontramos dois enfoques interligados e ao mesmo tempo próprios: 13.1-5 — uma admoestação sobre o arrependimento; 13.6-9 — oportunidade definitiva para mudança (transformação).
3. Arrependimento — fé — crença
A primeira parte de nosso texto conclama ao arrependimento. Arrependimento, conforme definição de dicionário bíblico, compreende dois aspectos: um negativo e outro positivo. O lado negativo do arrependimento corresponde ao passado e supõe a constatação de uma situação anormal, de um caminho errado ou de um estado pecaminoso. Aquele que se arrepende começa por reconhecer que errou o caminho e admite seu erro.
O lado positivo orienta-se para o porvir e abre um caminho novo, no qual a pessoa poderá se engajar ao preço de uma conversão, isto é, de um retorno. Converter-se, neste sentido, significa engajar-se, depois de haver reconhecido uma falsa situação, de todo o ser numa situação nova e justa. O arrependimento compreende, portanto, por um lado a confissão e abandono do pecado, e por outro a determinação de uma vida nova. O arrependimento bíblico não é noção estática, mas dinâmica.
Em Mc 2.5 e Lc 7.48,50 as pessoas às quais se anuncia o perdão são designadas de crentes. Em Lc 15.7 fala-se aos fariseus a respeito do pecador que se arrepende. Os conceitos mudam de acordo com a direção do querigma. Aos que não foram atingidos fala-se de arrependimento; aos que foram, de fé. No entanto, o uso alternado dos dois conceitos somente é possível porque eles se correspondem quanto ao conteúdo. Fé é a realização fundamental do arrependimento, pois crer não significa mais basear-se apenas nas próprias possibilidades, mas confiar no auxílio de Deus. Quem crê é um pobre que deve ser considerado bem-aventurado (Mt 5.3; 11.5). Arrependimento provoca uma nova situação. Por isso, Jesus é categórico em dizer: Se não vos arrependerdes…
O arrependimento não quer ser demonstrado, somente pode ser constatado através de sinais. A tradição sinótica menciona os seguintes sinais: Quando Jesus se coloca a seu lado, Zaqueu declara: Resolvo dar aos pobres a metade de meus bens… (Lc 19.8.) Conforme Lc 7.44-47, o fariseu deve reconhecer, nas demonstrações de amor da pecadora, que a ela muito foi perdoado. Tudo isso, a mudança de comportamento social, a demonstração do amor, o discipulado, são sinais, mas não provas, do arrependimento.
O perdão de Jesus permite o acesso a Deus e ao próximo. Este perdão não consiste apenas em palavras, mas no restabelecimento da comunhão. Jesus dirige-se a todo o Israel. Chama todos ao arrependimento e convida a participar da graça de Deus. No entanto, o alvo de Jesus não é só arrependimento, mas também discipulado e fé. O chamado ao discipulado é tão histórico quanto o chamado ao arrependimento. Portanto, o chamado de Jesus em Lucas não é um convite a uma nova moral, mas a um discipulado comprometido e renovador. Não cabe aqui atitude de julgamento sobre os outros (vv. 2,4).
A atividade terrena de Jesus aponta para uma situação que vai além dela. Esta é talvez a resposta decisiva à pergunta: Será que Jesus queria Igreja? A atividade terrena de Jesus conforme o Evangelho de Lucas aponta para uma época, não para o irrompimento visível do Reino de Deus logo após sua morte. Conclamar ao arrependimento é questionar a realidade afastada de Deus, e isto é missão constante da Igreja como manifestação de fé dos fiéis.
A ação pecaminosa tem uma de suas raízes na descrença, e o pecado é o abuso da liberdade enraizada na fé. O pecado abusa da liberdade diante de Deus, para autopromover-se, e da liberdade para o amor com o fim de egoísta arbitrariedade. Esta espécie de abuso só é possível na descrença, que se nega a tomar conhecimento de que a liberdade só por Deus pode ser doada. A fé é incapaz de reconhecer algum conceito de culpa e pecado que faça abstração de Deus. Pelo contrário, a fé reconduz a este perturbado relacionamento, quando convívio humano, justiça e paz são ameaçados no mundo. Fé não é definição teórica e abstrata, mas é testemunho, discipulado, vivência prática e ativa. O convite para o arrependimento é sempre atual, pois mesmo justificado o ser humano sempre carece do perdão de Deus.
Destruição e morte como efeitos do pecado e da pecaminosidade humana manifestam-se de muitas maneiras: na ruptura da paz, na guerra, violência, injustiça (falam a Jesus a respeito dos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os sacrifícios que os mesmos realizavam — Lc 13.1); massacres, dominação. Portanto, pecado e culpa têm também origem suprapessoal. O mal nos vem ao encontro nas estruturas enrijecidas e nas atitudes humanas. Ele se manifesta ora como alguém que se torna pessoalmente culpado; ora como atitude de um conjunto de pessoas (estruturas), em injustiças, perseguições, opressões, morte. Por este motivo não basta procurar o mal apenas em pessoas, sem vê-lo presente em formas cristalizadas de uma sociedade estabelecida, de determinado sistema económico, capaz de trasmudar-se em sistema onde os ricos se tornam mais ricos e os pobres acabam ficando miseráveis. Essa experiência fornece as razões para apontar as estruturas repressivas de uma sociedade ou de um mau sistema. Por conseguinte, onde se conservarem inalteradas as condições injustas e repressivas sem que sejam desmascaradas, ali a realidade de pecado torna a manifestar-se.
4. A figueira estéril
V. 6 — Na sua vinha: na Palestina, no meio das vinhas se plantavam também costumeiramente árvores que faziam sombra e formavam pomares.
V. 7 — Nos três primeiros anos deixava-se simplesmente a árvore crescer; assim, já se passaram 6 anos (muito tempo) desde que a figueira foi plantada. Portanto, ela é estéril e sem esperança. Para que está ela ainda a prejudicar o terreno?. Além disso a figueira é uma árvore que suga a terra e rouba a força das parreiras que a cercam.
V. 8 — Pôr estrume: em nenhuma passagem do AT menciona-se a adubação de uma tal árvore, pois a figueira dispensa tal cuidado. Portanto, o viticultor quer fazer algo de excepcional e não costumeiro, quer tentar a última coisa possível. O pedido é atendido. De uma declaração de julgamento fez-se um apelo para criar algo novo. A misericórdia de Deus chega ao ponto de suspender a decisão de castigar que já fora tomada.
V. 9 — O tempo da graça que Deus concede é irrevogavelmente o último. Sua paciência também tem um limite. Uma vez terminado o tempo concedido por Deus para a penitência, não estará em mãos humanas poder prolongá-lo.
A parábola da figueira estéril mostra que, apesar da seriedade do momento, Deus é um Deus de paciência. Porém, ao mesmo tempo, a parábola é também uma advertência. É dada mais uma chance e esta é a derradeira.
5. Um caminho para atualizar a parábola
A mata está morrendo: entre outras coisas a mata tem a função de segurar água (umidade), filtrar o ar envenenado, proteger o solo contra erosão, servir de abrigo e habitat de animais.
Na Alemanha mais da metade das florestas estão prejudicadas e a tendência é de que a proporção aumente (Peter Härtling). A chuva ácida e a neblina ácida atingem as folhas das árvores, a casca e finalmente as raízes. Senhor, deixa-a ainda este ano, até que eu escave ao redor dela e coloque estrume.
A figueira estéril na parábola de Jesus aponta para as atitudes vazias e irresponsáveis das pessoas que atraem sobre si juízo de Deus. No entanto, mesmo ali ainda há uma nova chance, mais uma oportunidade. O machado ainda não é posto a serviço. Ainda uma vez a pá, o serviço, o engajamento traz outra perspectiva. O que aparentemente seria o fim ainda poderá renascer. É um convite para que a razão e o conhecimento não se afastem, mas se integrem ao plano criador de Deus também na questão da natureza — do meio ambiente. O machado ainda não foi posto?
Hoje existem pessoas e grupos que se empenham pela preservação das árvores e pelo cultivo de novas plantas. Certamente aqui todos se lembram de ter presenciado ou participado ativamente na resistência contra a destruição alcançando bom êxito. (Podem-se citar exemplos conhecidos a nível local e regional.)
A parábola da figueira estéril, ao meu ver, tem no mínimo dois aspectos centrais e contextualizados para todas as nossas comunidades: uma vez no âmbito da preservação do meio ambiente — Senhor, deixa-a ainda este ano, e, por outro lado, a graça, a paciência do Senhor em conceder mais um tempo, mais uma oportunidade, e esta será definitiva. Está presente o anúncio do juízo: … mandarás cortá-la. A natureza está com medo. Está com medo de nós. Está com medo do machado, das moto-serras, das queimadas indiscriminadas — símbolos da guerra contra as matas — porém, quem poderia viver sem o benefício das árvores?
Senhor, deixa-a… Nós somos a figueira. O machado é a lógica da destruição. O tempo ainda concedido pelo Senhor ao viticultor é de mudança; é trocar o machado pela pá a cavar e adubar; em vez da guerra com a natureza, exercitar a harmonia e a paz. Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora (Rm 8.22). Ela espera que nós nos manifestemos como filhos de Deus em relação a toda a criação.
6. Pistas para a prédica
1. Podemos iniciar a prédica dialogando com a comunidade sobre o que é diferente no comportamento das pessoas na época da Quaresma. Hábitos, costumes mudam. Não se fazem bailes; poucas festas; pessoas mais voltadas para contemplação e meditação.
2. O caminho da Paixão lembra sacrifício, culpa, arrependimento. Apontar para o fato de que arrependimento significa confiar. Arrependimento provoca uma nova situação — é rompimento com o passado, criando um novo espaço de vida. Chama ao discipulado.
3. Neste novo espaço criado é restabelecida a comunhão com Deus, com o próximo e com toda a criação, e isto não apenas a nível individual. As consequências são uma vivência justa e solidária. — Quaresma não é tempo de mudar apenas certos costumes, mas é convite para mudança ética, religiosa e social.
4. Outra possibilidade de pregar seria trabalhar a primeira parte do texto (vv. 1-5) levando a comunidade a refletir sobre a necessidade de arrependimento em relação ao jeito de tratar o meio ambiente. O enfoque então seria dado a partir da parábola da figueira estéril. Quem optar pela ênfase na segunda parte do texto precisa motivar a comunidade para uma participação ativa através do diálogo onde serão colocados exemplos de preservação ou destruição do meio ambiente. A perspectiva deve ser a do texto: Deus deu mais uma oportunidade — o que devemos nós aprender deste gesto?
7. Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, nos reunimos aqui neste culto para aprender de tua palavra. No entanto, ao pensar mais sobre a nossa tarefa temos que admitir humildemente que muito falhamos. Pouco fazemos para sermos reconhecidos como tua comunidade. Perdoa-nos quando sempre tentamos ver que o outro é o culpado e não enxergamos as nossas falhas. Perdoa-nos pelo que fazemos contra a tua vontade e pela nossa omissão. Perdão, Senhor, pelo desrespeito ao nosso semelhante e pelo desrespeito à natureza, a tua criação. Ajuda-nos a viver a partir de ti. Amém.
2. Oração de coleta: Senhor, rendemos-te graças pelo teu perdão e porque mais uma vez nos reúnes nesta época da Paixão. Tu deste teu Filho em favor da humanidade. Por isso, estar reunido em teu nome também nos compromete. Queremos agora ouvir a tua palavra para que ela nos anime em nossa tarefa. Que o Espírito Santo ilumine nossa missão de testemunhar esperança e de colocar sinais de vida. Amém.
3. Oração final: Senhor, chegamos ao final deste culto. Faze com que aquilo que hoje vivenciamos e aprendemos de tua palavra continue a nos inquietar durante a semana. Vivemos num mundo de incertezas e de insegurança. Não sabemos como agir em meio aos conflitos e mudanças. Por isso te pedimos, Deus bondoso, ajuda para que busquemos vivenciar o teu amor em nossas famílias, na comunidade, no trabalho; o amor-serviço manifestado em teu Filho Jesus Cristo. Auxilia-nos na busca de comunhão; de colocar sinais de vida nova, de arrependimento compremetedor. Intercedemos pelo teu perdão quando causamos mal ou quando deixamos de fazer o bem ao semelhante e a toda tua criação. Pedimos ainda pelos doentes, pelas crianças marginalizadas, pelos velhos abandonados. Que a Paixão de Cristo anime a tua comunidade a não desistir de testemunhar a vida. Amém.
8. Bibliografia
GOPPELT, L. Teologia do NT. Vols. l e 2, Sinodal, Vozes, 1983.
HÄRTLING, P. Textspuren. Stuttgart, Radius Verlag, 1990, pp. 229-231.
JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus. 3. ed., São Paulo, Paulinas, 1980.
KONINGS, J. Jesus nos Evangelhos Sinóticos. Petrópolis, Vozes, 1977.