Prédica: 1 Pedro 2.19-25
Leituras: Atos 6.1-7 e João 10.1-10
Autor: Werner Brunken
Data Litúrgica: 4º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 09/05/1993
Proclamar Libertação – Volume: XVIII
1. Considerações gerais
Auxílios homiléticos sobre o texto de l Pe 2.19-25, incluindo somente os versí¬culos 21b-25, encontramos nos volumes V e XI do Proclamar Libertação. Na ocasião, os auxílios foram previstos para o 3° domingo da páscoa (Misericórdias Domini), tendo em vista o v. 25. Agora, na série ecumênica (ABC), o texto está sendo ampliado (vv. 19-25) e proposto para o 4° Domingo da Páscoa (Jubilate), que será logo após as programações do Dia do Trabalhador.
2. Situação da 1a Carta de Pedro
A carta se destina aos forasteiros escolhidos da diáspora de Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (Barth, p. 9). Os leitores são eleitos de Deus, sendo gentios que se tornaram cristãos pelo sangue de Jesus (1.2).
A carta foi escrita numa situação de perseguição aos cristãos. Estes eram difamados, caluniados e levados inclusive para os tribunais (2.12,15; 3.16; 4.3s., 14ss.). Não era uma perseguição por causa de roubo, assassinato, maldade, mas por causa da vivência do Evangelho, que os transformara para viverem diferentes. E isto o mundo de então não suportava. Quem se afastava das condutas pagãs (1.14s.) era considerado estrangeiro. E, como tal, conclamado por Deus a um procedimento responsável na sociedade (2.13s.,15,20; 3.6,17).
Assim, a carta quer admoestar e encorajar os cristãos para que não abandonem sua fé diante das perseguições (5.8ss.).
A la Carta de Pedro foi escrita entre os anos 80 e 95 de nossa era. Como lugar onde foi escrita é citado Babilônia (5.13). Entretanto, não se trata da Babilônia da Mesopotâmia, pois não temos conhecimento de que Pedro tenha estado lá. Na literatura apocalíptica, Babilônia é usada como símbolo para Roma (Ap 14.8; 16.19; 17.5; 18.2,10,21), o que se enquadra muito bem no fato de que Pedro lá atuou, onde presumivelmente encontrou a morte — cf. l Ciem 5.3s. (Barth, p. 12).
3. Contexto
Os cristãos são raça eleita, sacerdócio real, nação santa (2.9). Daí devem manter exemplar o seu procedimento no meio dos gentios (2.12). Escolhidos e enviados formam uma unidade. Quem é escolhido por Deus precisa testemunhá-lo ao mundo e viver a sua verdade. Nas chamadas regras familiares (2.13 a 3.9), é descrito como os cristãos devem comportar-se (viver) no ambiente pagão: diante dos não-crentes, das autoridades, na perseguição, no viver dos casados, no amor fraternal. Tudo precisa ser vivido com temor diante de Deus (2.17), portanto, com responsabilidade. E isto pode gerar conflitos e perseguições (1.6). A este sofrimento o texto de l Pe 2.18-25 quer dar um conteúdo positivo. Assim, o sofrimento é sinal do seguir a Jesus no caminho da cruz.
4. Comentários exegéticos
4.1. Incluí, no texto, também o v. 18, pois faz parte da perícope. Barth, na sua obra, também considera 2.18-25 uma unidade.
4.2. O texto tem uma divisão lógica:
Vv. 18-20: procedimentos dos servos para com seus senhores;
V. 21a: ligação dos versículos anteriores com os posteriores;
V. 21b: exemplo de Cristo a ser seguido;
Vv. 22-24: hino cristológico;
V. 25: conclusão — novo relacionamento.
4.3. — Vv. 18-20: Servos: trata-se dos escravos que trabalhavam para seus senhores. São considerados pessoas com seus direitos. Estão aí não para serem maltratados, mas respeitados e aceitos como pessoas. Exortações aos servos encontramos em várias passagens do Novo Testamento (Cl 3.22-25; Ef 6.5-8; l Tm 6.1ss. e Tt 2.9s.). Diante destes textos, parece-nos que boa parte das pessoas pertencentes aos grupos cristãos era oriunda da classe de escravos. E, como cristãos, não deveriam ser tratados como escravos, mas como servos (pessoas que servem com seus dons). No contexto, notamos que Pedro orienta as diversas classes de pessoas: como viver dentro de determinadas situações sociais. A exortação aos servos é determinada pelo sofrimento. É necessário servir no amor, não só aos senhores bons, mas também aos maus. Pois, fazendo o bem, o sofrimento a que são submetidos é injusto. O cristão age conforme o que aprendeu de Deus. Neste sentido, ele sofre injustiça:
A – O senhor o castiga por sua confissão a Cristo;
B – O senhor faz exigências ao servo, que este nega por motivos de consciência (Barth, p. 70).
O que se pode concluir é que há dificuldade por parte dos senhores em reconhecerem que os servos também são pessoas, que devem ser levadas a sério. E, neste sentido, Pedro orienta os servos: a viverem sua personalidade no meio dos senhores, mesmo que isto signifique perseguição. Porque se, na prática do bem, sofrem injustiça, devem carregar com paciência e ser gratos a Deus, que os fortalece.
V. 21a: É difícil compreender que os cristãos foram chamados para suportar os sofrimentos na sociedade. Mas é isto que Pedro afirma. Quem entra no barco de Cristo enfrentará os sofrimentos com Ele.
V. 21 b: Cristo sofreu em nosso lugar. Ele experimentou o sofrimento até as últimas consequências. Os cristãos precisam seguir este exemplo. Não simplesmente imitar. No entanto, o sacrifício de Cristo determina a conduta e a vida dos seus seguidores. Cristo sofrendo, tornou-se o Salvador. Assim, o cristão tem a liberdade de tomar sobre si o sofrimento. Sofrer injustiça é possível pelo sofrimento de Cristo na cruz.
Vv. 22-24: Este hino cristológico é determinado por Isaías 53. Já cedo, procurou-se ligar o sofrimento de Jesus a palavras do Antigo Testamento. É importante constatar um certo paralelismo entre o que Jesus sofreu e o que os servos sofrem: Jesus não teve pecados — sofreu inocentemente — os servos não devem sofrer por causa dos delitos (v. 19); Jesus confiou totalmente no Pai — os servos são desafiados a suportar com paciência e confiança (v. 20); o efeito da morte de Jesus na cruz (carregando os pecados) — os servos, seguindo seus passos e vivendo para a justiça (cf. Barth, pp. 74-75).
Tudo Jesus enfrentou para libertar a humanidade dos pecados, sofrendo em seu lugar. Pelo seu sangue, as feridas foram saradas. Nesta nova vida das pessoas, há liberdade para viver a justiça.
V. 25: Antes, os servos viviam afastados de Deus e sujeitos às práticas pagãs e a serem pessoas de segunda categoria. Agora, é diferente. Pelo sangue de Jesus foram limpados, reunidos como ovelhas num rebanho, onde Jesus Cristo é o pastor e protetor (bispo). Este pastor as conhece e se preocupa com elas.
5. Meditação
Refletir sobre o texto, tendo presente o Domingo Jubilate (alegrar-se) e o Dia do Trabalhador (o explorado, o marginalizado), é um contraste. Mas, viver nestes contrastes não é novidade para a Bíblia. Muitas passagens mostram esta realidade: alegrar-se mesmo no sofrimento. Temos o exemplo do apóstolo Paulo, que escreveu sua Carta aos Filipenses da prisão e admoestou assim sua comunidade: Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos (Fl 4.5). Mesmo Pedro, escrevendo de Roma, tinha passado por duras provas e sofrimentos e desafia seus irmãos e irmãs na fé a perseverarem no sofrimento, a não esmorecerem na fé.
Assim acredito que podemos muito bem apontar para a situação de sofrimento dos cristãos no tempo de Pedro e nos dias atuais (trabalhadores).
A seguir, mostrar com o exemplo dos servos nos vv. 18-21 que é possível viver dignamente e nesta situação sofrer. Isto não significa resignar, ficar submisso, mas com dignidade apontar para Jesus, cujo exemplo deve ser seguido.
Jesus experimentou em seu corpo todo o desprezo da parte das autoridades e de grupos de povo, incitados por estas. Mesmo assim, não cometeu pecado. Não foi falso, não foi violento — em tudo entregou-se ao Pai. Carregou em seu corpo na cruz toda a podridão da humanidade.
Seguindo os passos deste Jesus, é possível viver diferente neste mundo, que jaz nas trevas. É possível dar um testemunho de vida diferente por palavras e ações. Não reagindo com violência aos supostos donos do mundo, mas testemunhando que são pessoas dignas a partir de Jesus e que merecem ser respeitadas e valorizadas.
Numa de suas cartas, Dietrich Bonhoeffer (pastor luterano, que foi perseguido, preso e morto durante a Segunda Guerra Mundial por causa de seu testemunho cristão) expressou bem o que significa seguir os passos de Jesus:
Se tu nos alcanças o cálice pesado,
O amargo do sofrimento, cheio até as bordas,
Assim o recebemos gratos sem tremer
De tua mão bondosa e amável.
É bem mais fácil aceitar tudo da mão de Deus quando as coisas vão bem. Mas, quando há sofrimento, costuma-se dizer que Deus nos abandonou. O nosso texto quer ensinar-nos que com Cristo podemos sofrer, pois, como Ele venceu, nós venceremos com Ele. Esta certeza precisa ser vivida na fé.
E aí podemos jubilar, alegrar-nos, pois temos um Senhor e Salvador, que está conosco (Emanuel). Portanto, somos desafiados a expressar a nossa alegria e gratidão para com este Senhor. Não viver revoltado, criticando tudo e não vendo mais sentido para trabalhar e viver. Pois é isto que os grandes querem. Vamos levantar a bandeira da fé. Vamos testemunhar que fomos chamados por Deus para ser gente, para viver a justiça.
A esta altura podemos ver o testemunho dos apóstolos em Atos 6.1-7, que, no meio do mundo não-cristão, souberam viver a sua fé em palavras e ações.
Observamos também João 10.1-10, que fala do pastor que cuida das suas ovelhas em todas as situações, sobretudo nos perigos, nas perseguições, nos sofrimentos. O pastor Jesus Cristo veio para que todos tenham vida em abundância. A Ele pertencemos, conforme descreve Pedro em sua carta. Por isso, podemos alegrar-nos e testemunhar ao mundo que, partindo de Deus, vivemos no reinado da justiça.
6. Esquema para pregação e/ou estudo num grupo
6.1. Sugiro duas modalidades para introduzir na temática:
a) dialogar sobre o Dia do Trabalhador: sua situação atual;
b) dialogar sobre os exemplos a seguir em nossos dias. Que tipos de exemplos?
6.2. No caso de usar a modalidade a), falar a seguir dos servos no texto de Pedro (vv. 18-21 a); ver meditação, passando a falar sobre o exemplo a seguir e a nova situação de vida. No caso de usar a modalidade b), falar a seguir sobre o exemplo de Jesus (vv. 21b-24). Após, analisar a situação dos cristãos no tempo de Pedro (servos) e hoje (trabalhadores).
6.3. Dialogar sobre o sofrimento nos seus vários aspectos na vida das pessoas (pobreza, doença, educação, família, morte, etc.).
6.4. Para os cristãos existe esperança. Daí jubilai, pois temos um pastor e protetor (bispo) que caminha conosco e nos encoraja a lutarmos por uma vida abundante para todos.
7. Subsídios litúrgicos
7.1. Intróito: Jesus diz: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10b).
7.2. Confissão dos pecados: Eterno Deus e Pai! Estamos diante de Ti envergonhados, pois Tu vieste ao mundo para proporcionar vida em abundância. Entretanto, vemos muita gente sendo escravizada e marginalizada. Pessoas aproveitam seus lugares de destaque para rebaixar indefesos. Perdoa-nos, pelo sangue de Jesus, onde não temos dado testemunho de que Tu queres vida boa para todos. Tem piedade de nós, Senhor!
7.3. Absolvição: Escreve o apóstolo Pedro: Ora, o Deus de toda graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar.
7.4. Leitura: Atos 6.1-7 — palavra do Senhor.
7.5. Oração de coleta: Senhor Deus! Agradecemos-Te pela oportunidade de estarmos reunidos em Teu nome. É um encontro no qual podemos refletir e dialogar sobre a nossa situação, sobre a situação dos outros e, à luz da Tua palavra, receber nova orientação para uma vida abundante. Por Jesus Cristo, nosso Salvador. Amém.
7.6. Leitura: João 10.1-10.
7.7. Oração final: Bondoso Deus e Pai! Rendemos-Te graças! Adoramos-Te! Jubilamos porque temos a Ti presente em nossas vidas. Tu nos deste em Jesus Cristo o exemplo de vida abundante. Ajuda-nos! Orienta-nos! Fortalece-nos para vivermos como Teus filhos (Tuas filhas) em qualquer situação — também no sofrimento. Queremos exercitar vida abundante, não marginalizando ninguém, pois todos(as) são criaturas Tuas e como tais merecem viver bem.
(A seguir citar demais pedidos arrolados pelos presentes.)
7.8. Sugestão de hinos: Do hinário, Hinos do Povo de Deus. 150 — Se sofrimento te causei, Senhor! . 191 — Não temas, pois eu te remi.
174 — Por tua mão me guia, meu Salvador. 206 — Quão bondoso amigo é Cristo.
8. Bibliografia
BARTH, Gerhard. A primeira epístola de Pedro. São Leopoldo, 1967. LUTZ, Marli e FRANK, Valdir, l Pedro 2.21b-25. In: Proclamar Libertação. Vol. XI, São Leopoldo, 1985.
MILLAUER, Helmut. l Pedro 2.21b-25. In: Neue Calwer Predigthilfen. Ano 2 (A), Stuttgart, 1979.
SCHAEFFER, Dario. l Pedro 2.21b-25. In: Proclamar Libertação. Vol. V, São Leo¬poldo, 1979.