Prédica: Mateus 13.24-30 (36-43)
Leituras: Deuteronômio 26.1-11 e 2 Coríntios 9.6-15
Autor: Valdemar Witter
Data Litúrgica: Dia de Ação de Graças (Colheita)
Data da Pregação:
Proclamar Libertação – Volume: XVIII
1. Preliminares
O Evangelho de Mateus usa 51 vezes a palavra grega basileia, que se pode traduzir por reino ou reinado, Reino de Deus ou reino dos céus. O reino dos céus, anunciado por Mateus, é futuro (Mt 13.32; 25.34). Mas Mateus proclama-nos também um reino que começa com a vinda de Jesus Cristo (Mt 12.28). O capítulo 13 traz parábolas que falam do reino. As parábolas da boa semente e do joio mostram claramente a dupla realidade deste reino: a sementeira já está preparada, mas ainda não estamos no tempo da colheita.
2. Texto
A parábola do joio entre o trigo é própria de Mateus. Ela tem começo desenvolvido em dativo, e a fórmula curta em dativo corresponde a: como; assim como; é semelhante; assemelha-se. Na base de todas estas formas, porém, está a mesma palavra aramaica Le. Este Le é abreviação e não deveria, portanto, ser traduzido por é semelhante, mas sim: Acontece a… como a …. A observação desta inexatidão das fórmulas de introdução, que tem como consequência um desvio formal do ponto de comparação, em muitos casos é evidentemente forçado pelo conteúdo. Assim, em Mt 13.24, não é semelhante a um homem que tinha mandado semear boa semente, mas à colheita.
A interpretação consta de duas partes diversas: nos vv. 37-39, as sete grandezas mais importantes da parábola são interpretadas alegoricamente, de tal modo que resulta um pequeno léxico de interpretações alegóricas (J. Jeremias, p. 84). Os vv. 40-43, ao contrário, limitam-se a interpretar a sorte contrária do joio e do trigo, como fora descrito no v. 30b, com referência à sorte dos pecadores e dos justos no juízo final. Assim surge um pequeno Apocalipse. Segundo J. Jeremias, a interpretação da parábola do joio e do trigo origina-se do próprio Mateus (p. 85).
V. 24: O Reino de Deus não é comparado ao homem, mas à colheita.
V. 25: É provável que Jesus esteja aí se referindo a um acontecimento concreto. A má erva é o joio venenoso, que botanicamente está muito próximo do trigo c, no começo, parece com o mesmo.
V. 26: Deixar joio e trigo crescerem juntos também indica acompanhamento com cuidado (vigilância). O joio cresce numa quantidade que supera largamente o resto das plantas. Quando a planta cresce, é mais fácil selecionar o inço do trigo.
V. 27: Não se trata especificamente do inço, mas a comparação tem um sentido alegórico.
V. 28: Um inimigo deve tê-lo feito. A introdução, vv. 24-28, tem a intenção de tornar claro que o proprietário não tem culpa por tanta erva má. O artigo é definido, e com isto o inimigo é identificável: satanás. Na segunda parte do v. 28 — se se deve ou não arrancar a má erva — é que se identifica propriamente o problema.
V. 29: O joio deve ficar até o fim, para então ser separado. Se se tentar arrancá-lo antes, arranca-se também junto o trigo.
V. 30: Recolhei primeiro a erva má. Não se deve imaginar que a colheita do joio é feita antes da do trigo, mas o cortador, ao cortar o trigo, vai largando o joio, não o deixando entrar nos feixes. Em seguida, o joio é ajuntado, deixado secar, para então ser lançado ao fogo.
3. Meditação
Originalmente, a parábola exortava os impacientes à paciência: ainda não é o tempo da separação; a hora de Deus é que vai trazê-la. Em Mateus, esta parábola torna-se uma descrição alegórica do juízo final, procurando precaver contra a falsa segurança.
Jesus chamou a si justamente o maldito povo que nada sabe da lei (Jo 7.49). Segundo o juízo dos fariseus, encontram-se entre os seguidores de Jesus aqueles que, conforme a visão farisaica e essênia, não haveriam de subsistir diante de Deus. Por que Ele tolerava isto? Por que não urgia a separação da comunidade pura dentre Israel? Uma vez mais, o escândalo devido ao comportamento de Jesus foi oportunidade para a linguagem parabólica. Jesus deu a resposta à questão nas duas parábolas: na do joio entre o trigo (Mt 13.24-30) e na da rede de pesca (13.47ss.).
O que é absolutamente decisivo é a vinda de Deus na misericórdia. Deus não é mais o prisioneiro de sua transcendência, encarcerado no futuro nebuloso a que o relegaram a tradição e a expectativa piedosas, deixando o mundo à sua própria sorte. Pelo contrário, Ele vem para o mundo, tão próximo como nos acontecimentos descritos por Jesus nas parábolas do joio e do trigo e em muitas outras (Mt 13.44ss.; 18.23ss.; 20.1s.; Lc 16.1s.). É tolice tentar calcular o futuro de Deus (Lc 17.20). Todo aquele que ,ouvir do desafio da hora não tem mais tempo para tal escapismo. Antes, aceita o tempo que lhe é dado no sentido qualificado e não mais meramente cronológico.
A proximidade de Deus confronta o ser humano com o seu próximo, quer amigo, quer inimigo. Quando Deus vem para mais perto, Ele arruína até as estruturas da sociedade em que tudo e todos estão mergulhados: os piedosos e os ímpios, os privilegiados e os marginalizados judeus e gentios. As estruturas, supostamente sólidas, do mundo existente, com suas normas e -sanções religiosas inatacáveis, são postas sob interrogação pelo mandamento do amor de Jesus.
O anúncio da vinda de Deus é a base de tudo o que segue. Assim, arrependimento não significa somente se afastar para dentro de si no remorso, mas se abrir para o futuro de Deus. Não é um movimento para trás, mas para frente, que indica para o novo.
Assim como o trigo e o joio crescem juntos, assim também a comunidade de Jesus Cristo vive em meio à realidade do bem ë do mal, da vida e dos sinais de morte. A realidade dialética permanece até a colheita. Somente o tempo da colheita lia/ uma clara definição. Até lá vale a paciência. O trigo é recolhido no celeiro, e o joio é queimado.
O senhorio de Deus neste mundo é proclamado, espalhado e concretizado. Fala-se aqui de duas sementeiras e sementes diferenciadas. Quem semeou o trigo foi o dono da lavoura, mas um inimigo veio e semeou o joio. O inimigo é identificado com Satanás. O inimigo sabia bem como poderia prejudicar o dono da terra. Não lhe tirou nada, mas lhe deu o indesejável (o que hoje as grandes multinacionais, integrados etc. oferecem com astúcia).
A pregação de Jesus não quer apenas ensinar, mas também libertar. O anúncio, testemunho e vivência da Palavra de Deus acontecem em meio ao conflito. O mundo, como criação de Deus, é também propriedade de Deus, mas isso o inimigo não quer deixar valer e procura interferir. Ele se contenta com a desordem, a injustiça, o desentendimento. Em meio a esta realidade, Jesus traz a semente da esperança para novo convívio com o semelhante e com Deus. Este novo convívio é regido pelo amor. Onde pessoas se abrem para esta nova maneira de viver e se relacionar, ali a ação do inimigo e seu poder serão quebrados.
A parábola de Jesus aponta na direção de abrir a possibilidade de livrar-se do inço. Onde a boa semente da Palavra se concretiza no senhorio de Deus, ali a possibilidade de libertação se realiza. O senhorio de Deus aqui não pode ser entendido de outra forma a não ser na quebra do senhorio do inimigo. Porém, o inimigo continua a semear enquanto a colheita não chega. No entanto, a boa semente e a má semente, a partir de Jesus, podem agora ser identificadas e contrapostas: amor x ódio; reconciliação x inimizade; esperança x desânimo.
Existe uma expressão que diz: Onde Deus constrói uma igreja, ao lado o diabo logo edifica uma capela. A parábola diz que trigo e joio crescem juntos. Portanto, testemunho cristão não acontece em ambiente purificado, mas em meio ao conflito na perspectiva da esperança messiânica. A perspicácia do inimigo é admirável. Ele sabe enganar bem: o Evangelho ele transforma em lei; a liberdade, em libertinagem; a luz, em trevas; a misericórdia, em condescendência; o poder de servir, cm desejo de reinar.
Na área do moralismo, há sempre pessoas e grupos que se julgam no direito de impor a outros seus critérios e construir a comunidade (Igreja) perfeita o trigo sem o joio, a Igreja sem mácula. A comunidade cristã é, de fato, o povo eleito de Deus. Como tal, deve colocar em prática a vontade de Deus. Jesus diz: Sede santos porque eu sou santo (l Pe 1.16); ou ainda em Mt 5.16: Assim também a luz de vocês deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o Pai que está no céu. Ainda assim, nem na parábola tampouco em todo o NT encontramos amparo para tal pensamento (exclusivista). A realidade do conflito (joio x trigo) é característica do discipulado. Quem não admite o joio deixa de trabalhar um assunto vital para o fortalecimento da fé. Neste sentido, o NT coloca num mesmo horizonte o mundo, a Igreja (comunidade) e a vida cristã, e o mo sendo entrelaçados pela semente do mal. Por isso, há necessidade constante de uma ação contra tudo o que atrapalha o crescimento da Palavra de Deus. Agora não mais motivados pela lei, mas pela liberdade presenteada pelo Evangelho. Porem, a pessoa liberta pelo Evangelho não vai se deixar levar pelo falso consolo de dizer: Bem, agora então devemos deixar crescer juntos o trigo e o joio até a colheita Não é assim, pois o cristão bem como a comunidade cristã saberá sempre sublinhar os frutos da fé.
A lavoura de Deus continuará inevitavelmente contaminada pelo inço, enquanto o inimigo ainda estiver agindo. Quem não admitir esta realidade e insistir na comunidade perfeita continuará arrancando o trigo junto com o joio. A semente do mal nem sempre é claramente identificada nas estruturas e sistemas de dominação, injustiças e desigualdades. Por esta razão, o/a cristão/ã carrega uma responsabilidade frente ao mundo justamente pelo fato de crer em Deus. Esta confiança no Criador torna-o participante ativo e elemento profético, tendo em vista o futuro (a colheita). O escopo do texto não ignora a parábola dos lírios do campo e dos pás-saros, mas convida para o agir na dialética do espaço de tempo entre a semente e a colheita.
Na terceira parte do texto, aparece, mais acentuadamente, o Evangelho. A lei do eu preciso fazer… recebe do Senhor outra dimensão: Não vos preocupeis. Esta palavra de Jesus traz nova possibilidade. Nós não mais precisamos'/ nos preocupar é muito mais abrangente do que dizer: Nós não devemos nos preocupar e não faz sentido nos preocuparmos com aquilo que só Deus pode realizar. Cristo encoraja-nos a crermos que temos um Senhor ao nosso alcance, que, em meio às nossas preocupações e incertezas nos dá orientação: Deixe-os crescerem juntos, para no devido tempo… Somos uma comunidade cristã de pecadores/as amados/as por Deus, que, em sua essência onipotente, se manifestará.
No devido tempo, haverá separação entre joio e trigo. Ë uma palavra de anúncio e juízo. No entanto, a palavra de juízo deveria ser sempre entendida como um palavra dirigida a quem a escuta e não a quem não a escuta. O joio que se manifesta em minhas atitudes também é inço, que deve ser lançado fora. Isso vale igualmente para pessoas, estruturas, sistemas e Igreja (comunidade). No entanto, não temos agora necessidade de, com falso esmero, construir uma comunidade perfeita, começando o processo exclusivista. Deus mesmo consumará sua obra em perfeição, e isso responde a inquietante pergunta dos trabalhadores da plantação: Senhor, queres que arranquemos o joio?
4. Pistas para a pregação
Tendo em vista que o texto está previsto para o dia de Ação de Graças pela colheita, podemos iniciar com um diálogo sobre a atividade de quem trabalha na roça, ou seja, qual o processo que acontece da semente até a colheita. O inço faz parte da plantação. Levar a comunidade a refletir sobre o que representa este inço na sua vida e na da sociedade. Como lidamos com este inço do mal?
Outra possibilidade é seguir os passos da meditação:
1. O mundo é o lugar onde Deus lança a semente.
2. Junto com a semente da Palavra cresce também a semente do mal, pois a obra de Deus está permanentemente ameaçada.
3. Deixar claro que o cristão/ã tem responsabilidade frente ao mundo, justamente porque crê em Deus.
4. Não deixar de falar do juízo, mas não julgar.
5. Por fim, Deus mesmo se manifestará, concretizando sua obra em pureza.
5. Bibliografia
GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento. 2a ed. Sinodal & Vozes, 1983.
GRUNDMANN W. Das Evangelium nach Matthäus — Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. 2a ed. Evangelische Verlagsanstalt, Berlin, 1991.
JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus. 3a ed. Paulinas, 1980.
VOIGT, G. Homiletische Auslegung der Predigttexte. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1978.