Prédica: Mateus 24.1-14
Leituras: Jeremias 26.1-6 e 1Tessalonicenses 3.7-13
Autor: Werner Kiefer
Data Litúrgica: Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 14/11/1993
Proclamar Libertação – Volume: XVIII
1. Introdução
As comunidades de Golam e da planície de Basã passaram anos em guerra. Havia muito ódio e mortes. O ódio era acirrado pelos guerrilheiros zelotes, que articulavam a revolta contra o imperialismo romano. Além do inimigo externo, havia divisões internas entre os próprios revoltosos. Violência, espionagem, traição e destruição posterior do templo de Jerusalém no ano 70 foram as feridas deixadas com as quais a comunidade do evangelista Mateus conviveu durante anos.
Os cristãos refugiavam-se no interior de Jerusalém e compartilhavam notícias nada animadoras (24.16); o imposto massacrava (22.1-4); os camponeses estavam desesperados (21.33-41); pessoas doentes com perturbações psíquicas se amontoavam nas cidades (4.24). Era tempo do fim dos tempos. O caos era grande.
Mateus reflete o evangelho em seu tempo. Tem a seus pés toda a violência do imperialismo romano. Na sua visão está o templo, o grande templo de Jerusalém, que deveria aglutinar, fortalecer, resistir ao mal, contribuir para a libertação do povo. Mateus entendeu a proposta de Jesus. As suas mãos e cabeça concluíram que o templo não correspondia à verdade, não fazia avançar o Reino de Deus. O templo não era somente um entrave, mas reforçava e legitimava a opressão, atolava a proposta do Reino de Deus.
A tarefa de Mateus está em discernir os espíritos; ou seja, entre os falsos e verdadeiros profetas (24.23-24); entre o velho e o novo (9.17); entre o servo bom e mau (24.45-51); entre os vigilantes e acomodados (25.1-13); entre cabritos e ovelhas (25.16-46); entre o templo e os ensinamentos do mestre (24.1-14). O crivo para o discernimento advém da própria prática de Jesus. Ele não só ensinou amor, mas viveu amor numa ação constante em doação.
2. O texto
Mateus 23 é bastante severo sobre as lideranças judaicas. As leis são estéreis. As lideranças são, por várias vezes, chamadas de hipócritas pelo Mestre. A crítica posterior aos líderes recai sobre Jerusalém, que mata os profetas (23.37). E aí vem o discurso escatológico, onde a história recebe o seu julgamento final (24-25), e a vinda do Filho do homem, que vem para julgar, separa as ovelhas dos cabritos (Mt 25).
Vejamos a estrutura de Mt 24:
Vv. 1-3: Introdução
1-2: Jesus fala da destruição do templo:
3: Os discípulos fazem três perguntas: Quando o templo será destruído? Qual o sinal da vinda do Filho do homem? Quando será o fim do mundo?
Vv. 4-31
4-14: Jesus responde sobre o fim
15-22: Jesus responde sobre a destruição do templo
23-31: Sinal da vinda do Filho do Homem
A dinâmica literária de Mateus expressa a importância do julgamento sobre o rebanho. O rebanho deve ser vigilante, fiel, crítico para discernir frente aos líderes, ter cuidado com as aparências religiosas — o templo. O fim virá (está vindo).
A comunidade não é chamada a sobreviver somente em meio ao caos, mas para ser portadora da proposta de Jesus.
2.1. Templo — algo tão belo. Será destruído?
No templo, Jesus expulsou demônios (21.12); ensinava (26.55); de lá expulsou cambistas (Jo 2-14ss.); ali se louva a Deus (Lc 24.53). Jesus conviveu no templo com muitas pessoas. Ali certamente conheceu os líderes judaicos (Lc 2.46). No AT, era enfatizado como a casa do Senhor (He 2.2; Sl 65.4; Ml 3.1). Mas, desde então, já havia vozes proféticas que questionavam a ação do templo.
A crítica de Jesus sobre o templo é algo que vai assumindo proporções sempre maiores no desenrolar dos acontecimentos da época. Aliás, não foi neste lugar sagrado, no templo, e nem em Jerusalém que Jesus nasceu. Jerusalém, a luz das nações (Is 26.1s.; 66.18-20), tinha perdido o seu brilho justamente quando os reis magos estavam à procura do menino Jesus. A estrela que apontava para o nascimento de Jesus não estava sobre o templo. Jerusalém não é lugar de perturbações, mentiras (2.2-8), está construída sobre areia (7.26 s.). Fora de Jerusalém e do templo há festa, alegria e adoração.
A construção do templo é algo encantador. Os discípulos de Jesus admiram a sua engenharia, pedra sobre pedra. Mas Jesus acaba com o encanto dos discípulos, apontando para os seus pilares que o sustentam, que não condizem com a verdade. Ora, o templo é a estrutura que está para impor, cobrar as leis, mas ele mesmo não as cumpre. Está para exigir, mas não traz a preocupação com a vida, do amor que deve existir entre irmãos e irmãs. O templo tornou-se opaco. É uma lâmpada quei¬mada, se é que iluminava algum dia o povo de Deus.
Jerusalém — templo, um grande projeto, que atrai tanta gente e aglutina as esperanças do futuro, inclusive. Dá para pensar e exercer a fé em Deus sem o grande templo? A crítica de Jesus ao templo não fez cair tudo? Jesus desmorona um dos mais importantes pilares que mediava a fé de todo bom hebreu.
Jesus rompe com o templo e a sua ideologia. Não dá para combinar o velho com o novo, remendar pano velho com novo (9.16); colocar vinho novo em barril velho (9.17). Terá de haver cuidado com o fermento, que pode arruinar o pão (16.6). Por isso, vigiai e orai para não serdes enganados. Ler os fatos, sem que eles dominem e manipulem a consciência. Discernir os falsos dos verdadeiros profetas. Os falsos não falam da fidelidade, da vigilância, da ação engajada no Reino de Deus (7.16-23). Os infiéis, os falsos, falam, mas não praticam (7.21). O que caracteriza a presença do Reino é o agir de acordo com a proposta revelada por Jesus Cristo. Enquanto o templo está para cuidar de leis, Jesus está para cuidar e zelar pela vida, assegurando sobre ela o senhorio daquele que a criara.
Há tempo de derrubar, mas também de construir. Não sobre fundamento arenoso e, muito menos, com fermento arruinado (Lc 12.1). Derrubar significa também dor, sofrimento e aparecimento da verdade. A morte de Jesus na cruz iluminou o santuário. Rasgou o véu ao meio (Lc 23-45). As cadeias de dominação foram trazidas às claras. A morte de Jesus faz penetrar na alma do templo e traz às claras o poder da opressão. A terra escurece, mas no templo a luz iluminou e indicou as fontes que contribuem para os imperialismos.
Jesus vai desmoronando aos poucos o templo e a sua estrutura. O novo é construído sobre a prática do amor fraternal. As pessoas são chamadas a se unirem na proposta do Reino. Isto é maior do que o templo (26.61). A prática do amor faz acontecer a luta pela vida, na adoração, perseverança e vigilância constante.
2.2. A pergunta dos discípulos
Os discípulos deixaram para trás as suas redes, famílias e agora vão perder ain da o templo. Não significa isto lançar-se no vazio? Vamos refletir sobre esta questão. Cuidado para não ser enganado. Muitos vão aparecer e falar em nome do Messias. Haverá sinais de destruição. Isto é o princípio das dores. Vocês discípulos serão odiados, enganados, atribulados. As relações humanas tornar-se-ão frias. A perseverança na proposta de Jesus é o sinal que estará sobre o verdadeiro discípulo do Mestre.
Jesus não dá um prazo de anos e dias para a concretização das perguntas dos discípulos. Descreve apenas como será a situação quando o fim estará se concretizai! do. Esta situação é apresentada quando Jesus faz uma análise da realidade de opressão e de vivência em meio a falsos profetas. Mas o que virá será ainda pior?
Vários impérios levantaram-se e caíram em cinzas no decorrer da história do mundo. Não é novidade que, no mundo, os falsos profetas andam se aperfeiçoai! do, instrumentalizando-se para impor-se sempre mais. Vede as sutilezas usadas cm nosso país nas últimas eleições presidenciais. As ideias são manipuladas, corruptos são aclamados, falsos profetas que possuem e estão em igrejas fazem parte desse bando todo. Os falsos profetas são equipados, ganham poder econômico, pessoas dizem ser até pastores (profetas) em suas participações na Câmara Federal. A quem defendem? Qual é o espírito que os norteia? Por isso, quanto à pergunta dos discípulos de como serão enganados, como virá o fim, Jesus dá a entender que a porta de entrada pode estar nos próprios instrumentos sacros. Onde a Igreja está sendo o templo de Jerusalém ou a defensora da proposta de Jesus de uma nova foi ma de organizar a vida?
O que é o fim dos tempos? Não é um fim em si próprio, mas é a real plenitude na concretização do Reino dos Céus. O fim é o fim como tal para o templo, para os corruptos, falsos profetas, que serão definitivamente derrotados. É o fim dos imperialismos e a glória dos que eram pequenos, apenas em sinais de nova vida. Quando acontecerá isto? O Evangelho poderá apressar a vinda definitiva do Reino, quando este for proclamado, testemunhado e vivido em todas as nações.
Relações de opressão sempre existiram. Mas Jesus nos adverte de que, no fim dos tempos, aparecerão falsos profetas, que dizem ser o messias. Existirão maiores sutilezas, manobras, cabritos revestidos com peles de ovelha (25.32). Por isso, vigiai, solidariedade sem cochilar, engajamento e firmeza na proposta do Reino. Os falsos profetas e messias falam, mas não agem na proposta do Reino de Deus. Que não sejamos enganados. Os falsos profetas e os que dizem ser messias já estão entre nós. O discernimento vem da vigilância constante, que são o engajamento e a participação ativa no Reino de Deus.
3. Pistas para a pregação
Mt 24.1-14 está indicado para o Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico. O fim se aproxima, porque virão novos tempos com o prenúncio do nascimento do Messias. Os textos bíblicos desse período eclesiástico refletem o apocalipse, tema pouco abordado nas comunidades e que facilmente cai numa cosmovisão dualística. No entanto, o próprio texto deveria servir de desafio para, a partir dele, enfocar-se a questão do fim, das consequências que haverá em provocar o novo, a plenitude do Reino dos céus.
O fim dos tempos é o fim definitivo de algo que atrapalha e o sustenta. O fim não é só de construções, mas de práticas dos falsos profetas. A fé já não será mais dos templos, mas de prática inserida no Reino de Jesus Cristo.
Mas, se condenamos o templo e exaltamos a proposta do Reino, revelada por Jesus Cristo, então é hora de perguntarmos como articular esta proposta nas comunidades. Qual é nossa proposta evangélica? Qual é a identidade? Como somos revelados como igreja pelos outros: igreja do sino, dos alemães, de tal pastor(a), da família de tal, das famosas jantas etc.? Por que não poderíamos ser chamados de: a Igreja que tem uma proposta, atividade com a família, pequenos agricultores, sem-terra, atingidos de barragens, de saúde, com crianças, jovens, idosos. Há uma dificuldade enorme em difundir uma proposta de Igreja. O templo marca presença com maior facilidade. Porém, templos envelheceram, caíram.
A proposta de Jesus continua viva. O êxito e futuro das comunidades cristãs, principalmente das cidades, estará na virtude e disposição em articular, penetrar com uma proposta evangélica. Caso contrário, seremos reduzidos, cada vez mais, a um clube religioso.
O desenvolvimento da reflexão poderia consistir nos seguintes passos:
1. Além de ensinar, curar, Jesus observou e analisou estruturas sociais e religio¬sas. Passeou com seus discípulos. Estes admiraram-se: Que lindo o templo! Mas Jesus respondeu: Nem tudo que brilha é ouro.
2. Leitura do texto.
3. Por que o templo será destruído? Algo tão bonito, que no passado e no presente mediava a fé de todo bom hebreu. O compromisso de Jesus é com o reino de Deus, e não com estruturas comprometidas com os imperialismos. Estes já mostraram que são passageiros.
4. Quem são os falsos profetas? O problema não está nas verdades ou mentiras. Mas o que atrapalha mesmo são as meias-verdades e mentiras. Por isso, vigiai e orai. O engajamento na proposta de Jesus poderá discernir os espíritos.
5. Qual é a nossa missão? Conseguimos testemunhar a nossa proposta de Igreja? Lembremos que o testemunho do Evangelho em todas as nações apressará o fim dos imperialismos e a morte dos falsos profetas.
6. Havia uma seca muito grande numa região. As plantas e animais estavam morrendo. A esperança renovava-se no aparecimento das nuvens. Os povos secaram Finalmente, apareceu uma chuva. Foi fraca. Mal conseguiu apagar o pó. Muitos ir clamaram: Melhor se não tivesse chovido. Valdemar estava contente: Depois dos pingos, já me animo. Há esperança. Pequenos pingos cobram o fim da seca. É o anúncio de que podemos começar a semear com grande esperança. Pequenos sinais melhoram, fazem o fim e iniciam a esperança plena.
As comunidades são pingos que transformam. Chamam e colocam sinais, por que algo muda com sua ação. Mas se não pingarem, a seca continuara.
4. Subsídios litúrgicos
1. Intróito: O céu e a terra desaparecerão, mas as minhas palavras ficarão para sempre (Lc 21.33). A erva seca, a flor cai, mas a palavra de nosso Deus dura para sempre (Is 40.8).
2. Confissão de pecados: Cremos que Deus é o Criador do Céu e da Terra. Cremos que Jesus é o nosso libertador. Porém, estamos presos a objetos, obras, construções, tradições. Não conseguimos seguir uma proposta, que traga mudanças pá rã uma vida melhor para todos. Nós te pedimos perdão, Senhor Deus, pois confia mós mais em nossas fabulosas construções do que em planos que venham auxiliai para que a humanidade conheça a origem do universo e o seu Senhor. Perdoa-nos, Senhor.
3. Absolvição: Como é boa a palavra certa na hora certa (Pv 15.23). Pela palavra, Deus criou o céu e a terra. Jesus articulou o plano de salvação e, através dela, os seus mensageiros anunciam o perdão dos teus pecados.
4. Oração de coleta: Senhor, agora quando novamente estamos em dia contigo, quando novamente apagaste a nossa culpa, dá-nos o teu Santo Espírito para que, pelo seu poder, possamos entender a mensagem que queres revelar-nos. Que a tua palavra se concretize em nós numa proposta de missão. Amém.
5. Leituras bíblicas: Jr 26.1-6 e l Ts 3.7-13
6. Oração final: Oração livre, com a participação da comunidade. Motivai a comunidade para que, através da oração, possa expressar também o seu compromisso de assumir uma proposta missionária.
5. Bibliografia
MOSCONI, Luís. Evangelho segundo Mateus. CEBI n° 29-30 1990. Belo Horizonte.
Estudos Bíblicos. O Evangelho Segundo Mateus, n° 26 Ed. Vozes. 1990 Petrópolis/RJ