Prédica: Atos 2.1-21
Leituras: Ezequiel 37.1-14 e João 7.37-39a
Autor: Cláudio Schubert
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes
Data da Pregação: 22/05/1994
Proclamar Libertação – Volume: XIX
1. Se fosse hoje
Se fosse hoje, o jornal publicaria a seguinte matéria:
Festa de Pentecostes supera expectativa
A festa de Pentecostes supera a expectativa este ano. Participam judeus de todas as partes do mundo. Eles se deslocaram a Jerusalém para celebrar esta grande festa. É importante lembrar que, no Pentecostes, também é celebrada a festa da colheita. Jerusalém está em festa, com muita gente nas ruas e no templo.
Segundo o sumo sacerdote x, existe um motivo especial para comemorar Pentecostes este ano. Uns 50 dias atrás, tivemos alguns problemas com um tal de Jesus de Nazaré, que se dizia filho de Deus. Ele causou muito tumulto na festa da Páscoa, mas, graças à ação competente de nossas autoridades, esse tal de Jesus foi preso e eliminado e o grupo dele disperso, enfatiza o sacerdote. Ele ainda lembra que os seguidores do nazareno haviam espalhado o boato de que ele teria ressuscitado, mas logo caíram em descrédito junto à população.
Segundo o centurião romano y, que comandou a operação de busca e execução do Jesus de Nazaré, não existe a menor possibilidade de o grupo se reorganizar e voltar à ação e desse modo ameaçar a paz que Roma está mantendo na província. O exército está atento, reforça o militar.
Portanto, a festa de Pentecostes deste ano lotou o templo. As ruas estão cheias de pessoas. Os fies participam com alegria e fervor, lembrando a história gloriosa do passado de Israel.
A matéria do jornal termina. A festa continua, mas… De repente, um grupo de pessoas começa a se agitar. Um barulho estranho, como se fosse vento, é ouvido. Algo como chamas de fogo desce sobre esse grupo de pessoas. Elas começam a falar de maneira diferente. Alguns dos presentes, vendo isso, fazem gozação. Um deles, no entanto, se levanta. Ele pede silêncio e parece que vai falar em nome do grupo.
A imprensa não cochila. Câmeras. Luzes. Microfones. Fios enrolados pelo chão. Unidade móvel. Repórteres. Entrevistadores. Fotógrafos. Correria geral. As emissoras de rádio e televisão interrompem a programação normal e anunciam:
Seita do Jesus de Nazaré, morto há mais de um mês, ressurge com força total. Um pescador chamado Pedro lidera um batismo de mais de três mil pessoas em praça pública. Seguidores de Jesus se reorganizam na festa de Pentecostes. Um grupo de agitadores tumultua a festa. Antigos seguidores de Jesus dizem ter recebido um Espírito Santo e falam em línguas estranhas. Profecia do profeta Joel se concretiza neste Pentecostes.
2. Considerações teológicas
Em At 2, Lucas coloca Pentecostes como a data de derramamento do Santo que Deus prometera para os fins dos tempos. Nesse aspecto, o cristianismo palestino mais primitivo e o helenístico posterior caracterizaram a vinda do Espírito Santo como o cumprimento de Joel 2.28-32. São decisivas, para essa compreensão, as manifestações de Jesus em relação ao Espírito Santo (Mc 3.28ss. e 13.11). Para Lucas, é importante que o Espírito Santo seja visto como uma promessa divina concretizada (Lc 24.49; At 1.4). Do mesmo modo ele entende que Pentecostes é o início da Igreja Cristã (At 2.38, 41-47) e de uma missão mundial. As pessoas que ouvem Pedro e testemunham o ocorrido representam todas as nações do mundo (At 2.5).
A ação do Espírito Santo tem como objetivo central a Igreja. Em At, a Igreja é a comunidade na qual Jesus, através do Espírito Santo, opera seus atos maravilhosos. O evento de Pentecostes foi o único no sentido de ser o marco inicial da existência da Igreja cristã. Antes de Pentecostes não havia Igreja cristã. Havia discípulos, mas não Igreja. Fica evidente que o Espírito Santo não pode ser dissociado de Jesus. O Espírito Santo é Jesus em ação na continuidade do seu ministério. O ministério iniciado por Jesus nos Evangelhos tem continuidade em Atos dos Apóstolos por meio do Espírito Santo. O objetivo do Espírito Santo é capacitar a Igreja para a missão de transmitir as boas novas de Jesus. Lucas usa a história dos atos de Deus como veículo de significação para o evento.
2.1. Em relação à glossolalia
A tradição de At 2.1-13 indica que o primeiro Pentecostes cristão foi uma experiência extática, que incluiu glossolalia em idiomas diferentes. É muito provável que essa tradição teve sua origem entre aqueles que se converteram ao cristianismo. O fenómeno de falar em línguas, no ato de Pentecostes, é considerado, no NT, como cumprimento das profecias do AT (H. Haarbeck, p. 390).
No caso de Pentecostes, a glossolalia era inteligível e serviu para edificar a Igreja. O contrário se dá em l Co 14.1-19, situação que causou a interferência do apóstolo Paulo. Em l Co 12.8-10, ele cita o dom de falar em línguas após a enumeração de outros dons, minimizando, desse modo, a importância da glossolalia em relação aos outros.
2.2. Espírito Santo
É na escola pré-socrática, nos séculos VI a V a.C., onde se encontra a primeira referência à palavra pneuma, que significa vento, hálito. O sentido de pneuma é amplo, mas no NT é aplicado para caracterizar o relacionamento entre Deus e o ser humano, a partir do qual a pessoa é capacitada a comunicar-se com Deus. Nessa perspectiva, o Espírito é compreendido com um poder maravilhoso de Deus que se apodera interiormente do homem, provocando o que não é possível para forças humanas e terrenas (Goppelt, p. 254).
3. Comentários exegéticos
V 1. – Pentecostes era a segunda grande festa do ano judaico, onde as primícias da colheita do trigo eram oferecidas a Javé, isto é, sete semanas após o início da ceifa da cevada. Assim como outras festas do judaísmo tinham relação com a história de Israel, também Pentecostes associava-se à renovação da aliança feita por Noé e depois por Moisés. Os discípulos estavam em Jerusalém, aguardando a vinda do Espírito Santo. Entende-se que havia mais pessoas que os 12.
Vv. 2 e 3: Trata-se de um fenômeno sobrenatural. O simbolismo revela as teofanias do AT (2 Sm 22.16; Jo 37.10). O vento é um sinal da presença de Deus como Espírito. A chama que se distribuiu sobre cada um deles lembra o Sinai (Ex 19.18). Nesse aspecto, João Batista fez uma associação entre Espírito Santo e fogo como meio de purificação (Lc 3.16).
V. 4: Com esses sinais externos veio o Espírito Santo como realidade invisível. Aparentemente, o fenômeno aqui é a glossolalia mencionada em l Coríntios, abundante nos dias atuais em movimentos pentecostais. É inútil perguntar se a glossolalia é verossímil aqui. O fato é que Lucas se inspira numa tradição que reinterpreta as realidades de Jerusalém a partir de experiências das igrejas na diáspora. E evidencia que o cristianismo nas comunidades ainda é marcado por fenómenos sensíveis (Comblin, pp. 89-90).
V. 5: Muitos judeus voltaram da diáspora para passar seus últimos dias em Jerusalém, esperando a vinda do Messias e venerando os sinais sagrados do povo. Para Lucas, esses judeus vindos de longe representam simbolicamente todas as nações do mundo. Jerusalém está colocada como fundamento e ponto de partida para o cristianismo.
Vv. 6 a 8: Em relação a esse acontecimento existem diversas interpretações e posicionamentos. O assunto é, sem dúvida, polêmico e contraditório. A maioria da multidão deveria falar aramaico ou grego, língua que os discípulos provavelmente também falavam. Outra tradição aponta que o milagre está não no falar, mas no ouvir. Seria um fenómeno profético. Não se trata de línguas que ninguém entende, mas de diferentes línguas, entendidas pelos diferentes povos.
Vv. 9a 11: Nessa relação faltam justamente as regiões que vão ser evangelizadas por Paulo. A lista inicia com três países ao leste do Império Romano: partos, medos e elamitas. A Mesopotâmia não era um povo, mas uma região. A Judéia incluía a Galiléia, indicando a população judaica da Palestina. Capadócia, Ponto e Ásia são três nomes de províncias romanas. Frigia e Panfília são duas regiões da Ásia Menor. Egito, Líbia e Cirene eram províncias romanas, e os romanos eram os judeus que moravam em Roma. A menção a judeus e prosélitos serve para destacar os últimos que desempenharam papel importante na transmissão do cristianismo para o mundo greco-romano.
Vv. 12 e 13: A multidão não entendeu o que aconteceu. O v. 13 cria uma situação (é um gancho) para introduzir o discurso de Pedro.
V. 14: Pedro aparece como porta-voz do grupo. Numa postura idêntica a de profeta, fala ao povo de Israel, isto é, a todas as nações debaixo da terra. É importante observar que o ato fundador foi a palavra, e não uma instituição ou culto.
V. 15: Pedro corrige um falso conceito (cf. At 3.12; 14.15). Seria um absurdo pensar que os discípulos pudessem estar embriagados nesse horário, pois, antes das 9 h da manhã, os judeus normalmente não comiam e nem tomavam vinho.
Vv. 16 a 21: No judaísmo, um fato tornava-se compreensível e fundamentado quando estava na Bíblia. A aplicação do texto de Joel 2.28-32 mostra a criatividade dos cristãos na releitura e reinterpretação de velhos textos. O derramamento do Espírito Santo deveria ser aceito como cumprimento de uma profecia. O texto (At 2.16-21) desdobra-se em quatro subtemas: a) Deus está para derramar seu Espírito Santo sobre todas as pessoas; b) Fala dos sinais e prodígios, referindo-se ao dom de línguas e milagres que logo passariam a ser narrados; c) Esses elementos são sinais do Dia do Senhor; d) Faz a promessa de que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
4. Meditação
Pentecostes pode ser entendido como a concretização de todo o ministério de Jesus Cristo. Foi a partir da vinda do Espírito Santo, e conseqüentemente do início da Igreja cristã, que o passado de Jesus, inclusive a ressurreição, passa a ter sentido completo. Pentecostes era a peça que faltava para completar o quadro. O quadro completou-se; a Igreja cristã pôs-se a caminho. Foi e é uma história de alegrias-tristezas, erros-acertos, acomodação-dinamismo. Aqui estamos nós, em 1994, à procura de uma configuração como comunidade que nos aproxime o máximo possível do acontecimento de Pentecostes, a fim de encontrar mais determinação e nitidez dentro de uma realidade ofuscada e carregada de contrastes. Muitas vezes, temos a impressão de que o Espírito Santo não sopra mais em nossas comunidades.
Olha. Isto aqui pode ser qualquer instituição, menos comunidade cristã. A expressão não é minha e nem é inédita, mas é real em muitas situações. Temos dificuldades de ver o Espírito Santo transformar pessoas, estruturas, sistemas. Com muita dificuldade as comunidades conseguem manter sua estrutura, da qual muitas são heréticas (grandes construções de pouca utilidade social), mas concretizadas por estruturas mentais que ainda caminham na mesma direção, absorvendo toda a energia e inibindo (?) a ação do Espírito Santo. Como obreiros(as) nos sentimos inconformados(as), mas estamos com as mãos amarradas. Gostaríamos de ter o carisma de Pedro, a determinação (e êxito) de Paulo, mas nos damos conta de que somos apenas (e isso já é o bastante) instrumentos que querem servir ao Senhor. Quando nos colocamos numa postura receptiva, lembramos os discípulos que estavam aguardando a vinda do Espírito Santo.
Acho importante caminhar nessa direção com a comunidade: Deus faz a sua parte — envia-nos o Espírito Santo no Batismo. Cabe a nós, pois, desdobrá-lo em nosso dia-a-dia. Lembro o poema Cristo não tem mãos, de Ani Johnson Flint, que diz:
Cristo não tem mãos, só as nossas mãos para realizar o seu trabalho hoje.
Ele não tem pés, só os nossos pés para conduzir pessoas em seu caminho.
Ele não tem lábios, só os nossos lábios para contar às pessoas sobre sua morte.
Ele não tem ajuda, só a nossa ajuda para levar pessoas até ele.
Nós somos a única Bíblia que o povo ainda lê.
Nós somos para os pecadores o evangelho, para os zombadores a confissão de fé.
Nós somos a última mensagem de Deus, escrita em palavras e ações. (Somos Confirmados, vol. I, p. 12).
Somos levados facilmente a ver na vinda do Espírito Santo em Pentecostes um protótipo para as nossas comunidades. Com isso esquecemos de valorizar os pequenos sinais, os grupos, as pessoas que são uma configuração da atuação do Espírito Santo.
É importante que o culto de Pentecostes seja um momento de animação, uma injeção de ânimo nas comunidades e nos(as) obreiros(as). A valorização do sacerdócio aas comunidades anima o povo de Deus na sua caminhada. Pentecostes é o momento em que:
Deus chama a gente pr'um momento novo
de caminhar junto com seu povo.
É hora de transformar o que não dá mais;
sozinho, isolado, ninguém é capaz.
Por isso vem! Entra na roda com a gente também,
você é muito importante.
Não é possível crer que tudo é fácil.
Há muita força que produz a morte,
gerando dor, tristeza e desolação.
É necessário unir o cordão.
A força que hoje faz brotar a vida
atua em nós pela sua graça.
É Deus quem nos convida para trabalhar,
o amor repartir e as forças juntar.
5. Prédica
Sugiro os passos a seguir:
1. Problematizar junto à comunidade quando do início da Igreja cristã, lembrando quatro a cinco momentos históricos importantes, desde Génesis até os nossos dias. Deixar a questão em suspense.
2. Encaminhar a leitura de At 2.1-21. Por ser um texto longo, poderá ser lido em diferentes momentos na prédica ou por diferentes pessoas.
3. Sublinhar que o criador da Igreja é Cristo. O conceito da Igreja como corpo de Cristo e as pessoas como membros desse corpo poderia ser explorado aqui.
4. É importante que a ação do Espírito Santo na comunidade seja problematizada. Exemplos onde o Espírito Santo sopra e onde não sopra mais (a ênfase deveria ser de animar a comunidade e incentivá-la a partir de sua realidade, seja qual for). Aqui poderia ser enfatizada a dinamicidade como consequência da ação do Espírito Santo.
5. Seria importante refletir sobre o comportamento de cada cristão a partir do Batismo. Deus faz a sua parte. Fazemos nós a nossa? Sim? Não? Por quê? Nesse momento, cabe ler a poesia Cristo não tem mãos (citada no item IV).
6. A reflexão poderia encerrar com a leitura (interpretação) do canto Momento Novo.
6. Subsídios litúrgicos
1. Oração de coleta: O dirigente coleta pedidos e agradecimentos a Deus feitos pela comunidade. Em seguida, inclui-os na oração de coleta.
2. A chama do Espírito Santo: Confeccionar pequenas chamas de 15 cm por 10 cm aproximadamente, com inscrição de l Co 3.16b (O Espírito de Deus habita em vós). Para a confecção dessas chamas, pode ser usada cartolina. Outra possibilidade é trabalhar com xerox. Faz-se uma folha matriz, que vai ser multiplicada, com as chamas desenhadas e a inscrição do versículo bíblico. As folhas podem ser pintadas num todo, com lápis de cera no sentido horizontal, e após ser recortadas e montadas. Nessa confecção podem ser envolvidos grupos existentes na comunidade: JE, OASE, Culto Infantil, Idosos, etc. Essa é uma maneira concreta de envolver as pessoas, causar expectativa, e com isso acontece uma preparação, já durante a semana, para o culto.
As chamas já montadas são colocadas numa bandeja sobre o altar ou no meio da igreja, ao lado de uma chama grande. Após a prédica, durante o hino 85 (Hinos do Povo de Deus), cada família (casal ou um integrante) vai e busca sua chama. O hino é repetido tantas vezes quanto for necessário até que todas as famílias tenham buscado sua chaminha.
Objetivo: A comunidade precisa fazer a sua parte, isto é, buscar a chama (abrir-se para o Espírito Santo). Um elemento concreto em algum lugar visível em casa faz com que as pessoas, toda vez que olharem para a chama, lembrem do culto e da celebração acontecida. Desse modo, o culto penetra por alguns dias a mais na vida da comunidade. O culto de Pentecostes deveria animar, incentivar, motivar c estimular a todos nós como comunidade de Jesus Cristo.
Um modelo de chama do Espírito Santo. Obs.: As duas bordas da parte inferior devem ser unidas, para que a chama fique de pé.
7. Bibliografia
COMBLIN, J. Atos dos Apóstolos. Petrópolis, Vozes, Ed. Sinodal, 1988.
DUNN, J. D. C. Pentecoste. In: Dicionário Internacional do NT, vol. III. São Paulo, Edições Vida Nova, 1983.
GOPPELT, L. Teologia do NT, S. Leopoldo, Ed. Sinodal, 1983.
HAARBECK, H. Língua. In: Dicionário Internacional do NT, vol. III, São Paulo, Edições Vida Nova, 1983.
MARSHALL, I. Atos dos Apóstolos. Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1985.
SCHMIDT, E. Meditação sobre Atos 2.1-13. In: Proclamar Libertação, vol. XI, São Leopoldo, 1985.