Prédica: Isaías 25.6-8
Leituras: Marcos 16.1-8 e I Coríntios 15.19-28
Autor: Ulrico Sperb
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 03/04/1994
Proclamar Libertação – Volume: XIX
1. Contra a fome
É o mês de março de 1993. Enquanto preparo esta meditação, também estou participando de reuniões do Movimento pela Ética na Política. Após o impeachment de Collor, esse Movimento está abraçando uma nova causa: o impeachment da fome, como diz Herbert de Souza, o Betinho.
Estamos preparando um Plano de Ação contra a Fome. O Betinho define esse plano assim: A fome tem que ser erradicada do Brasil a curto prazo. É muito vergonhoso que ainda há gente morrendo de fome.
Um líder sindical acrescenta: Enquanto estamos discutindo esse assunto aqui em Brasília, na Sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Nordeste já morreram algumas crianças de fome.
Uma vez que em abril haverá o plebiscito sobre o regime de governo, o plano será deflagrado somente em maio. Os preparativos vão no sentido de mexer com toda a opinião pública, através de todos os meios de comunicação.
Não sei o que vai acontecer (para mim isso é futuro). Vocês, ao lerem esta meditação, sabem o que aconteceu (para vocês isso é passado). Sei, porém, que vocês também têm seus anseios com relação ao futuro. Queira Deus abençoar todos os planos contra a fome!
2. A favor da vida
Num certo dia de 1536, Martim Lutero observava suas crianças, que estavam ao redor de uma mesa. Sobre a mesa havia um cesto com frutas. Entre aquelas frutas também havia pêssegos. O olhar das crianças mostrava que mal podiam esperar para avançar sobre as frutas. Aí Lutero disse: Quem quiser ver a imagem de alguém que se alegra na esperança tem nessas crianças um belo exemplo. Ah! Se nós pudéssemos esperar pelo Dia do Juízo com uma esperança tão alegre!
Criança é criança em todos os lugares e em todos os tempos.
3. Um grande alimento
Em sua última ceia pascal, Jesus Cristo deu o pão aos discípulos e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vocês.
Também deu o cálice de vinho e disse: Isto é o meu sangue, que é derramado por vocês.
Quando João Batista viu Jesus, disse (Jo 1.29): Eis o Cordeiro de Dons, que tira o pecado do mundo!
4. Uma grande esperança
Alguns séculos antes de Cristo, o profeta Isaías usou a imagem dos pratos os preferidos na época para descrever a grande esperança por uma vida melhor. O v. 6 de nosso texto fala de uma comilança enorme e gostosa. E nós só podemos fechar os olhos e nos imaginar os nossos pratos prediletos!
5. A profecia
A perícope prevista para pregação nesta Páscoa está inserida no Apocalipse de Isaías (capítulos 24 a 27). É um texto pós-exílico, que aborda a esperança escatológica.
Is 25.6-8 está no contexto da peregrinação de todos os povos ao monte Sião. Em Jerusalém se congregarão os povos da Terra (força centrípeda). Após a Páscoa de Jesus, o Evangelho foi levado a todos os povos (força centrífuga). A congregação em Jerusalém e a evangelização a partir de Jerusalém — não será isso o fruto da mesma Força?
No texto de hoje, temos as seguintes profecias:
a — o grande banquete;
b — a destruição da coberta que envolve todos os povos;
c — a retirada do véu que está sobre as nações;
d — a morte será tragada;
e — as lágrimas serão enxugadas;
f — o opróbrio (grande vergonha) será tirado do povo de Deus.
6. A realização da profecia
Vejamos, agora, como a Igreja cristã considera as profecias de Isaías, realizadas em Jesus Cristo:
a — A imagem do grande banquete é usada também no Novo Testamento (p ex.: a parábola da grande ceia em Lc 14.16-24). O importante, porém, é que o próprio Cristo é para nós a grande, a Santa Ceia. Na Eucaristia nos alimentamos tio Cordeiro de Deus, imolado em nosso favor. Na ressurreição do Filho do Deus, na Páscoa cristã, começa a grande festança para o povo de Deus. Isaías descreve um banquete de alegria, vitória e coroação. O Cordeiro Pascal nos dá alegria do vivei, vitória sobre o mal e nos coroa como filhos e filhas de Deus.
b — As duas leituras de Evangelho previstas nos falam da pesada pedra que encobria o túmulo de Jesus. Essa pedra foi removida. O profeta fala da coberta que envolve os povos. O túmulo vazio nos deixa claro que lá onde Deus remove a pediu ou destrói a coberta surge vida nova, ressurreição. Cito apenas algumas cobertas que envolvem o povo brasileiro e que têm que ser destruídas: a corrupção dos que estão no poder; a ganância dos que detêm o dinheiro; a indolência e falta de união dos que estão por baixo; a religiosidade deturpada de grande parte do povo.
c — Os evangelhos sinóticos nos relatam que, na hora da morte de Jesus, rasgou o véu do santuário do templo. Era a profanização do sacro ou a sacralização do profano? Na Páscoa, ficamos sabendo que Deus não se restringe mais ao santíssimo do templo de Jerusalém. Em Cristo todas as pessoas se tornam santas, têm acesso ao Santo Deus. Quais são os véus que têm que ser tirados de nossa nação? E da nossa vida?
d — O profeta Isaías escreveu: Tragará a morte para sempre. O apóstolo Paulo escreveu: Tragada foi a morte pela vitória (l Co 15.54). Em Cristo, os anseios do futuro se tornam realidade do passado, principalmente em se tratando do pior mal que atinge a humanidade: a morte. Graças a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo (l Co 15.57).
e — Is 25.8 tem muita semelhança com Ap 21.4. Apesar de vivermos após a ressurreição de Cristo, ainda permanecemos neste mundo repleto de sofrimentos. Com a Páscoa de Cristo nos é dado principalmente um novo sentido de vida. Alguns aspectos, porém, ainda estão por acontecer, como, por exemplo, o enxugar das lágrimas.
F — A grande vergonha do povo de Israel é ser dominado por outros povos, apesar de ser o povo de Deus. O exílio e o domínio são o opróbrio que será tirado, quando Deus reunir os povos para o grande banquete no monte Sião. O Evangelho de Jesus Cristo superou as fronteiras étnico-políticas. Mesmo assim, há grandes vergonhas que encobrem o povo de Deus, a Igreja de Cristo: as lutas étnicas na antiga Iugoslávia, a mortandade na Somália, a corrupção em países ditos cristãos… Fico curioso em saber como andarão as coisas quando vocês lerem estas linhas!
7. Porque o Senhor falou
Qual das duas afirmações tem maior chance de ser aceita?
a — Porque o Senhor falou: Caso a humanidade não mudar seu estilo de vida, ela se extinguira.
b — Porque a ciência prova: A destruição do meio ambiente põe em risco a sobrevida na terra.
Hoje em dia, temos que usar a ciência para fundamentar nossas afirmações. Ela é a grande autoridade. Certo é que Deus fala a nós também através dos recursos científicos. Mas ele não pode ser confinado aos nossos limites de capacidade. Deus falou no Gólgota. Mas falou mais alto na Páscoa. E continua a nos falar através dos desafios da atualidade. Vamos tentar ouvir o que ele tem a nos dizer?
8. A celebração da Páscoa
Na saudação inicial, o celebrante deveria convidar todas as pessoas a se abraçarem e se cumprimentarem com a saudação pascal ortodoxa: Cristo ressuscitou — ele de fato ressuscitou!
As diversas partes litúrgicas, o sermão e a celebração da Santa Ceia devem refletir a alegria pascal.
Sugestão de confissão de pecados (de Dietrich Bonhoeffer): Deus de misericórdia, perdoa-me tudo que cheguei a pecar contra ti e contra as pessoas. Eu confio na tua graça e entrego a minha vida inteiramente em tuas mãos. Faze comigo conforme te convier e como para mim for melhor. Tanto faz viver como morrer, estou contigo e tu estás comigo, meu Deus. Senhor, eu espero na tua salvação e no teu reino… A ressurreição de teu Filho, Jesus Cristo, é a nossa grande Páscoa. Por isso, em nome dele clamamos: Tem piedade de nós, Senhor!
Como palavra bíblica de absolvição sugiro (Lc 24.5 e 7): Por que buscais entre os mortos ao que vive? Importa que o Filho do homem seja entregue nas mãos de pecadores e seja crucificado e ressuscite no terceiro dia.
Para a oração comunitária sugiro que sejam coletados entre as pessoas motivos de gratidão e de preocupação. Quem estiver celebrando anota tais motivos e os transforma numa oração.
A confissão de fé pode ser proferida com a comunidade voltada para a poria de saída (ao invés do altar), para simbolizar o caráter de envio, de testemunho da Páscoa.
9. O sermão da Páscoa
Afinal chegou hoje o 10° dia, quando me dão permissão para lhes escrever, c gostaria muito de informar vocês sobre a felicidade com que aqui comemoro a Páscoa. É algo realmente libertador na Sexta-feira Santa e na Páscoa que os pensamentos transcendem de longe o destino pessoal e vão até o último sentido da vida, do sofrimento e dos próprios acontecimentos, e assim ganha-se uma grande esperança. Desde ontem esta casa ficou maravilhosamente silenciosa. Ouve-se como um diz ao outro: 'Feliz/ Páscoa', e, sem inveja, deseja-se a todos que aqui prestam seu pesado serviço uma festa feliz. (Dietrich Bonhoeffer — carta da prisão, na Páscoa de 1943)
Quando preguei sobre essa perícope, pedi que a comunidade reunida fizesse os seguintes gestos simbólicos:
a — Fechem os olhos e imaginem seu prato preferido. Aí falei sobre o versículo 6, com a esperança do grande banquete. Isaías menciona os pratos prediletos de sua época. Os evangelistas neotestamentários nos falam do sacrifício do Cordeiro de Deus. Convidei para a celebração da Santa Ceia. No Gólgota — uma colina no monte Sião — e no túmulo vazio começou a grande festança dos cristãos. Mesmo assim, ainda há fome no mundo e no Brasil. Contei o fato acima relatado sobre as crianças de Martim Lutero e falei sobre a reunião na OAB do Plano contra a Fome. O Cristo ressurreto nos desafia a praticarmos a esperança ativa através de gestos fraternos.
b — Tapem os olhos com as mãos ou com o lenço. Vão tirando aos poucos. É como se um véu fosse tirado. A imagem fica cada vez mais nítida. Aí expliquei o versículo 7. Quais são as cobertas que envolvem o povo de Deus? Quais são os véus que estão sobre a nossa nação? Na morte de Jesus Cristo rasgou o véu do santuário do templo. O santo foi profanado, e o profano foi santificado. Com a morte e a ressurreição de seu Filho, Deus mostrou, revelou sua face, seu jeito de ser seu total amor por nós. Quais são os véus que encobrem sua vida? De que cobertas vocês têm que ser libertados?
c — Façam o gesto de reflexão e pensem sobre a morte. Discorri sobre versículo 8a. O profeta Isaías falou no futuro: Tragará a morte. O apóstolo Paulo escreveu no passado: Tragada foi a morte. Nós vivemos num mundo voltado para a morte. Há 3 O guerras em andamento. (Quantas serão quando vocês pregarem sobre esse texto? )Deus nos oferece um Reino voltado para a vida. Cristo disse: Quem crê em mim, ainda que morra, viverá (Jo 11.25).
d— Agora façam o gesto de enxugar as lágrimas. Refleti sobre o versículo 8b. Pedi que abrissem Ap 21.4. A esperança de um mundo sem lágrimas é a eterna busca de felicidade. Quando Cristo morreu na cruz, ele clamou: Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste? (Mt 27.45). Estêvão, o primeiro mártir da cristandade, exclamou, enquanto era apedrejado: Eis que vejo os céus abertos e o Filho do homem em pé à destra de Deus (At 7.56). Um viu o vazio; outro, a plenitude. A Páscoa de Cristo significa que não precisamos ficar para sempre nas lágrimas.
e — Façam o gesto da vergonha, como se estivessem envergonhados. O versículo 8c fala do opróbrio, da grande vergonha do povo de Deus. Quais são as grandes vergonhas do povo de Deus, da Igreja de Cristo, no mundo atual? De que vergonha nós temos que ser libertados?
f — Porque o Senhor falou (v. 8d). Comparei a autoridade da ciência com a autoridade de Deus. Quando dizemos que a ciência prova algo, então temos ouvidos atentos. Deus nos está falando, mas quem sabe não o escutamos, porque gritamos mais alto. Cada qual pense num desejo que tem nesta Páscoa. Fiquemos em silêncio e vamos tentar escutar o que Deus tem a nos dizer…
10. Bibliografia
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão, 2a ed., Paz e Terra, Rio de Janeiro e Editora Sinodal, São Leopoldo, 1980.
EGELKRAUT, Helmuth. In Neue Calwer Predigthilfen, Stuttgart, 1982, pp. 247ss.
VOIGT, Gottfried. Homiletische Auslegung der Predigttexte, Göttingen, 1982.