Prédica: Mateus 13.44-46
Autor: Günter Wehrmann
Data Litúrgica: 9º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 07/08/1977
Proclamar Libertação – Volume: II
I – Tradução e comparação de traduções
v. 44 – Com o reino dos céus acontece assim como com1 um tesouro escondido num2 campo; certo homem o encontrou, e o escondeu (de novo); então, na sua alegria3, foi4 e vendeu4 tudo o que tinha e comprou4 aquele campo.
vv. 45-46 – Com o reino dos céus acontece também assim como com1 um comerciante que andava à procura de belas pérolas5 – tendo encontrado uma pérola preciosa, de grande valor6, foi e vendeu tudo quanto possuía e a comprou.
ad l .omoios estin – cf. Jeremias em Die Gleichnisse Jesus“ p.100 – não se pode traduzir es ist gleich…, mas sim deve ser traduzido es verhält sich mit dem Königreich der Himmel wie mit…. Assim traduz também Ulrich Wilckens em Das Neue Testament.
ad 2 – cf. Jeremias, p.7 – A2 e B1. Db §. 255,1 – o artigo determinado onde esperaríamos o artigo indeterminado; isto é típico na comparação semítica. Em tais casos o semita pensa de maneira explícita, tendo em vista o caso concreto.
ad 3 – cf. W. Bauer em Wörterbuch zum NT
ad 4 – o tempo destes verbos é praesens historicum – cf. Jeremias, p.198.
ad 5 – cf. tradução do NT de Taizé e Wilckens.
ad 6 – cf. W. Bauer
II – Contexto e texto
No cap. 13, Mt apresenta o bloco parabólico, ampliando a coleção de parábolas já encontradas em Mc 4. Sete das parábolas tratam do reino dos céus, das quais cinco são particularidade de Mt (os vv. 24-52). Especialmente nestas, mostra-se a ligação entre aspectos escatológicos e eclesiológicos. O contraste entre discípulos e Israel, típico em todo o Ev. de Mateus e recebe aqui explicação especial. Os discípulos são os que vêem, ouvem e compreendem, e os judeus são os cegos e os surdos. Mas, ao mesmo tempo, é dito claramente (nas parábolas do joio – 13.24-30.36-43 e da rede – 13.47-50) que a igreja ainda é um corpus mixtum, indo em direção à separação dos bons dos maus, a qual não deve ser antecipada (cf. Überlieferung und Auslegung im Mt. Ev., de Bornkamm, p.16).
As nossas duas parábolas, do tesouro e da pérola, postas entre a do joio e da rede, que apontam para o juízo final, aparentemente querem ilustrar o comportamento daqueles que então resplandecerão como o sol, no reino do seu Pai, como os justos (Mt 13.43), – o comportamento dos discípulos: entrega total e obediência radical. Jeremias , em Die Gleichnisse Jesu (p.89) , afirma que as nossas duas parábolas são uma parábola dupla, cada uma trazendo o mesmo pensamento, porém através de um quadro diferente, embora a mudança de tempo dos verbos deixe duvidar que ambas, desde o início, tenham sido transmitidas juntas, o que é amparado também pelo fato de que ambas constam no evangelho de Tomé em lugares diferentes. Mt, porém, liga as duas parábolas pela palavra palin. Mas da mesma forma ele liga a parábola seguinte (a da rede) com as nossas duas pela palavra palin; razão pela qual poder-se-ia pensar que as 3 parábolas juntas deveriam formar a perícope de uma prédica; o ponto alto da parábola da rede, porém, é outro, semelhante ao da parábola do joio. Portanto, é justa a delimitação de nossa perícope (13.44-46) e considerá-la parábola dupla.
Antes de penetrarmos nos detalhes do texto, parece-me indispensável que nos preocupemos com a pergunta:
III – O que é uma parábola sobre o reino dos céus?
Durante muito tempo, interpretavam-se as parábolas de maneira alegórica; este método já veio dos gregos. Mas atrás da alegoria grega encontra-se uma filosofia que diferencia entre mundo material e ideal, procurando por uma correlação entre os dois. Este método foi aplicado, com variações, desde os alexandrinos até Jülicher; e quando não mais se podia pensar numa realidade supra-natural (transcendental ) perguntava-se pelo conteúdo humano geral; consequentemente a interpretação destas parábolas tornava-se moralista – isto, quem sabe, ainda justificado pelo fato de que já no NT é visível a linha do querigma à parenese. Mas as parábolas, indubitavelmente, querem falar do reino dos céus e ilustrá-lo. A pergunta é então esta: Eu devo saber o que é a basileia toon uranoon para entender a parábola? Ou a parábola é a única maneira de eu poder enxergar algo e falar do reino dos céus? Percebe-se como esta pergunta nos questiona a respeito de nossa escatologia. Ou o eschaton está presente, por já ter acontecido (perfectum), ou o eschaton se realiza hoje, amanha e até o fim dos tempos. Ligada com isto está a questão: Como posso pensar a correlação entre este mundo imanente, verificável com os nossos sentidos, e aquele mundo transcendente, não verificável com os nossos sentidos? Observe-se que a bíblia fala do mistério do reino dos céus com os verbos apocalyten e gnoonai. Concluímos, portanto, que o reino dos céus é um mistério que não se deixa verificar analiticamente, mas sim deve ser revelado a nós e ser reconhecido e percebido. Jesus, falando do reino dos céus em parábolas, é portanto da opinião que o reino dos céus se revela através das parábolas. Elas são a única maneira adequada de falar do mistério.
Reino e rei são palavras com valor simbólico. O símbolo quer expressar algo que, em última análise, não se pode expressar ou apresentar. O símbolo em si não é aquilo que é para ser apresentado, mas sim é transparente para aquilo e aponta para aquilo. Portanto, desta forma, há uma correlação entre o símbolo e o simbolizado, de modo que, através do símbolo, podemos enxergar e perceber o simbolizado.
O que se pode tornar símbolo nas parábolas de Jesus?
Tudo aquilo que faz parte do mundo natural e humano (colheita, convivência entre pessoas) – resumindo: a vida natural e humana. Não é um acaso que o evangelista João não fala de reino dos céus, e sim de vida.
Onde o reino dos céus acontece, realiza-se vida. Deus reina como rei, possibilitando e garantindo a vida do povo e exigindo a sua obediência. Assim, para Jesus, basileia toon uranoon é o absoluto mesmo, é Deus mesmo.
IV – Observações exegéticas
– o reino dos céus – cf. ítem 111.
– tesouro e pérola – estes quadros, já no AT, são usados para glorificar a sabedoria (Prov 8,18.19; 2,453,15)
– o reino dos céus é um tesouro tão grande que se pode sacrificar tudo em favor dele.
– escondido num campo – Jeremias, em Die Gleichnisse Jesu , p.197, diz que pode-se pensar num vaso fechado e cheio de moedas de prata ou pedras preciosas, o qual foi escondido em época de perigo (por exemplo na guerra).
– certo homem o encontrou – pode-se imaginar um agregado lavrando, e o arado bate contra o vaso, de modo que o lavrador precisa parar e tirar o obstáculo; este se revela como grande tesouro, encontrado por acaso, sem ser procurado.
-e o escondeu (de novo) – cf. Jeremias – o semítico, que não conhece compósita, não expressa o grau (nunace) de novo, mesmo quando nós o acharmos indispensável. O homem escondeu o tesouro rapidamente para que este não fosse observado por ninguém, nem roubado. Sobre a situação legal não se reflete.
– na sua alegria, foi e vendeu … e comprou… – vendeu tudo o que tinha (o existencial), tornou-se pobre, sacrificou tudo para poder comprar o campo com o tesouro. Assim age o discípulo de Cristo, sendo confrontado com o reino dos céus, com Deus. Tudo o que o homem era e tinha antes, torna-se de pouco valor em comparação com aquilo que encontrou e quer possuir. Observe-se a entrega total! Isto é sacrifício, ou até loucura? Para pessoas não atingidas só pode parecer assim. Deus compromete totalmente (cf. Mt 10.37.39). Mas para o homem é alegria. Este paradoxo é típico quando o reino dos céus se realiza. Isto fica evidente também na segunda parábola.
– comerciante que andava à procura de belas pérolas
– Pode tratar-se de um comerciante de pérolas ou de um comerciante qualquer que tem o hobby de adquirir belas pérolas. Mas é evidente que ele é rico e que ele por paixão por pérolas está à procura. Observe-se a diferença do encontrar! O lavrador achou por acaso, o comerciante achou procurando, aparentemente sabendo da existência de tal pérola. Mas o seu procurar não pode ser considerado mérito, e a surpresa de uma certa forma também aqui existe.
– …uma preciosa pérola de grande valor – havia pérolas de imenso valor. Dizem que Cleópatra possuía uma pérola no valor de 90 ou 100 milhões de cruzeiros.
– foi e vendeu tudo … e a comprou – vale o mesmo que já dissemos acima. Lá o pobre vendeu tudo, o existencial, aqui o rico vendeu tudo, inclusive o existencial, para poder comprar a pérola. Tudo o que possuía, para ele torna-se pouco, ou nada, em comparação com aquilo que encontrou e quer possuir. Entrega total! Isto é sacrifício, ou até loucura? Para pessoas não atingidas só pode parecer assim. – Mas lá, na outra parábola, falou-se em na sua alegria e aqui não. Mas mesmo não sendo expresso aqui, só pode ser o mesmo motivo: ser vencido – por quem? – pelo reino dos céus, por Deus revelado em Cristo.
Jeremias, em Die Gleichnisse Jesu, p.199, destaca que o importante na parábola dupia não é o fato de os 2 homens sacrificarem todos os seus bens,mas sim a motivação para esta resolução: o ser vencido pela grandeza daquilo que encontraram. Por causa disso nenhum preço lhes pareceu alto demais. Sem pensar muito, e com a maior evidencia, entregaram tudo que possuíam. – Sem dúvida, isto é importante! Se não fosse assim, a atitude dos homens tornar-se-ia uma boa obra. Mas me parece que Jeremias corre o perigo de nivelar um pouco o escândalo desta parábola. Stählin, em Predigthilfen l, pp. 94 s., admoesta no seguinte sentido: Aquilo que nós imanentemente consideramos leviano e imprudente, é o quadro adequado para a imensa importância e necessidade da salvação, a qual de maneira alguma pode ser um objeto de troca ou negocio. É perigoso se colocarmos a alegria pelo tesouro achado e pela pérola encontrada mui to perto da prudência humana e assim recomendarmos o discipulado como a prudência da vida. Pois também esta parábola dupla, como todas, não descreve aquilo que é razoável, mas sim o grotesco e paradoxo de que se trata sempre na confrontação com o reino de Deus.
V – Escopo
Levando em consideração aquilo que foi dito, tentemos formular o escopo:
O rei no dos céus está oculto, mas foi revelado em Cristo. Já aqui reside o escândalo. Cristo, porém, pode e quer ser encontrado, seja por gente que está a procura, seja por gente que não procura. O encontro sempre será surpresa. A confrontação com Cristo, na perspectiva humana não deixa de ser um escândalo, pois ela nos compromete totalmente, e assim ela nos quer vencer totalmente mudando toda a nossa escala de valores. Onde isto acontecer, acontecerá o reino dos céus e haverá alegria e vida nova.
VI – Meditação
Muitas vezes pode-se ouvir pessoas dizendo: Eu não sinto, não vejo, nem ouço Deus. Só ouço falar dele de forma abstrata e intelectual. – Não demos logo a resposta, mas tentemos ouvir o que está sendo dito! As nossas pregações aparentemente não estão possibilitando que as pessoas sintam, vejam e ouçam o Deus vivo. Seria fácil demais dizermos que as pessoas não querem ouvir e alegarmos que elas são gente com o coração endurecido. Será que nós nos esquecemos do fato de que se trata de um mistério, sobre o qual não podemos dispor de maneira lógica e analítica?! O próprio Jesus fala do reino dos céus em quadros, em símbolos, em parábolas, e lembremo-nos do porquê Jesus fala de maneira que os seus possam ver, sentir e perceber aquilo de que ele está falando! E nós, na preparação da prédica, também estamos vendo, sentindo e percebendo em sua totalidade aquilo de que ele está falando? Ou usamos logo as nossas ferramentas para examinar o texto de maneira analítica, sem perceber que se trata de quadros do reino dos céus? Quem sabe, talvez seja por isso que as nossas prédicas se tornam tão intelectuais, abstratas e moralistas.
Seria importante nós vermos o campo e o agregado lavrando, suando para ganhar o seu pão cotidiano. Ele passa por cima do campo no qual está escondido o tesouro de sua vida, sem o saber. Deus está escondido para ele, e quem sabe para nós também, apesar de sermos teólogos. No que diz respeito ao reino dos céus, nada é evidente – assim como para nós é evidente que l kg de carne dá uma boa sopa. Muitas vezes Deus parece estar morto; isto nós também já experimentamos, não é? Por isso muitos deixaram de procurar, deixando a esperança de encontrar a pérola, conformando-se com esta vida sem sentido e esperança. Mas vejamos novamente o campo, o tesouro está ali escondido! O homem não o vê ainda, mas está perto dele. O seu arado bate contra um obstáculo; o homem pára, curva-se para tirar aquela pedra atrapalhadora. E veja, o que há aí? Um vaso, uma caixa – nervoso ele abre … um tesouro imenso;
O tesouro escondido, coberto com terra, lá ele não servia para nada. Mas agora ele está sendo visto, agora ele está trabalhando em nosso agregado vencendo-o, libertando-o, tomando conta dele, atraindo-o a ponto de ele ficar louco de alegria. Assim também age a pérola no negociante. Ambos são total e completamente vencidos, vencidos por aquilo que encontraram. O tesouro e a pérola levam os dois homens a fazerem aquilo que nenhum homem sensato faria (observe-se que o moço rico de Mt 19.16-30 também não o fez por próprio esforço). AÍ inclusive para a nossa moral e alegamos a responsabilidade para com o mínimo necessário para a existência, etc. Mas os dois homens largam tudo,no sentido da palavra, assim como os discípulos deixaram tudo quando Jesus os chamou.
Isto é o risco da fé, a coragem de fé. Isto eu não tenho a partir de mim mesmo nem consigo pelo próprio esforço, mas me é dado! Portanto, isto só pode ser considerado loucura, imprudência e irresponsabilidade por aqueles que não viram, nem encontraram, nem foram atingidos, nem vencidos. Isto é um escândalo inevitável.
Mas para os dois homens e para tantos outros era alegria, era verdadeira vida viver com este Cristo. Pois assim eles experimentaram um reflexo, um antegozo do eterno, em meio de um mundo passageiro. Hoje o nosso arado bate também contra um obstáculo (concretize-o). Você e eu, nós queremos parar e verificar o que é. Pode ser o início de uma libertação e transformação em nossas vidas, o início de alegria verdadeira.
VII – Sugestões para a disposição de uma prédica.
A. O escândalo: O reino dos céus, Deus, está oculto.
B. 1) O reino dos céus esta presente; ele pode e quer ser encontrado.
2) Na confrontação com o reino dos céus verifica-se que se trata de um tesouro tão precioso que ultrapassa tudo aquilo que poderíamos esperar ou imaginar.
3) Este tesouro nos vence por completo, nos liberta e transforma e nos dá uma nova escala de valores.
4) Isto torna-se escândalo e loucura para os não atingidos; para os atingidos e vencidos, porém, torna-se alegria e vida verdadeiras.
C. Hoje o seu e o meu arado batem contra um obstáculo, – vamos parar e verificar de que se trata?
VIII – Bibliografia
– BORNKAMM. Günther e outros. Überlieferung und Auslegung im Matthäus-Evangelium. 5a ed. , Neukirchener Verlag,1968.
– HANSSEN, Olav. Gleichnisse (anotações de preleções). Hermannsburg.
-JEREMI AS, Joachim. Die Gleichnisse Jesu. 7a ed., Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1965.
– LOHMEYER,E/SCHMAUCH,W. Das Evangelium des Matthäus.Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1967.
– SCHLATTER,Adolf. Der Evangelist Matthäus. Stuttgart, Calwer Verlag, 1963. THIELICKE, Helmut.Das Bilderbuch Gottes. Stuttgart, Quell-Verlag, 1957.
– IWAND, H. -J. Predigt-Meditationen. 3a ed., Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.
– LANGE, Ernst, ed. Predigtstudien. V/2, Stuttgart-Berlin.Kreuz-Verlag,1971.
– STÄHLIN, Wi1helm. Predigthilfen. Vol l. Kassel, Joh. Staudft Verlag, 1958.
– VOIGT, Gottfried. Die grosse Ernte. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1970.
– SCHNIEWIND, J. Das Evangelium nach Matthäus . NTD. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht. 1964.