Prédica: Mateus 16.13-20 (-23)
Leituras:
Autor: Walter Altmann
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes
Data da Pregação: 29/05/1977
Proclamar Libertação – Volume II
Tema: Pentecostes
I – Para quem proclamar?
Há, no mínimo, três complexos de referência para a pregação deste texto.
1) Em primeiro lugar, o texto é previsto para o Domingo de Pentecostes. Se Karl Barth, quase no fim de sua vida e de sua portentosa obra teológica, reconheceu a necessidade de uma teologia do terceiro artigo (p. 311s; vide bibliografia), tanto maior é o déficit teológico a esse respeito num ambiente marcado cada vez mais pelo impacto do pentecostalismo. A pergunta decisiva que o pentecostalismo parece estar dirigindo as igrejas tradicionais é se não prenderam Deus e Jesus Cristo no passado, na teologia e na instituição, utilizando-os como racionalização justificante para suas próprias descobertas e seus próprios programas. O começo da superação positiva do desafio pentecostal seria então o renovado reconhecimento da liberdade e da iniciativa de Deus também hoje, entre nós.
No entanto, a escolha do texto para Pentecostes surpreende. Pelo menos, à primeira vista. Pois, embora extenso, o texto não menciona explicitamente o Espírito Santo. Contudo, a centralidade da confissão em Jesus como o Cristo, bem como o entendimento do Cristo como o sofredor, parecem ser também o corretivo fundamental que o pentecostalismo está a carecer, quando programa e fixa a ação do Espírito Santo ou quando baseia sua própria proclamação e expansão nos triunfos carismáticos, ao invés de no Cristo sofredor.
2) Em segundo lugar, este texto tem sido central para a tradicional eclesiologia católica, muito em especial para a fundamentação bíblico-teológica do papado. No catolicismo tem sido utilizada a palavra de Jesus a Pedro, nos vv. 17 a 19, como justificação para uma estrutura hierárquica e autoritária da igreja, qual pirâmide com seu ápice decisivo no papado. O protestantismo, por sua vez, a começar por Lutero, também tem violentado o texto, eclipsando o apostolado, minimizando a figura de Pedro, desprezando o aspecto institucional da igreja e reduzindo o escopo da perícope à fé em Jesus Cristo.
Como Concílio Ecumênico Vaticano II, o catolicismo – embora ainda certas hesitações – fundamentalmente definiu o ministério hierárquico como eclesial (não pessoal) e sobretudo como um ministério de serviço (não de poder). A igreja evangélica fará bem em ouvir essa auto-correção católica como uma crítica as suas próprias tendências de institucionalização de poder, paradoxalmente reforçadas com a alegação da correção da fé e da proclamação, o que seria o bastante e o decisivo, segundo CA VII. Se Hans Küng aponta para a continuação nos vv. 22 e 23, como a tentação de uma piedosa teologia de satanás (p. 315), esta afeta tanto a evangélicos quanto a católicos.
A semana que antecede Pentecostes é tradicionalmente a Semana da Oração pela Unidade Cristã. Mesmo naquelas comunidades que (ainda) não praticam a oração ecumênica pela unidade, pelo menos o culto de Pentecostes não deveria deixar de lembrar, na prédica e na oração, o Espírito Santo como constitutivo da igreja de Cristo, cuja unidade foi rompida e assim se mantém por obra de carne e sangue (v. 17), de ambos os lados. A polêmica é, portanto, totalmente desrecomendável.
3) A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil já há alguns anos se pergunta por sua identidade. Nessa procura ela de modo algum está só. A questão e essencial em tempos de transição e de crise. Tal é nossa situação. A nova consciência ecológica e o conhecimento da limitação dos recursos naturais transferiram também para as camadas privilegiadas e os poderes estabelecidos, bem como para os países ricos, a percepção de que nos encaminhamos celeremente para um impasse, de onde possivelmente só uma profunda e dolorosa transformação nos tirará. Tais círculos de interesse encaram o impasse com temor, refugiando-se, frequentemente, numa angustiosa atitude de salve-se quem puder. Sua profunda crise de identidade reflete-se na desesperada retenção de privilégios e consequente violenta manutenção da ordem, como atestam os numerosos regimes de poder estabelecidos nos últimos anos, particularmente na América Latina. De outra parte, porém, para as camadas espoliadas e aqueles que não têm poder, bem como para os países mantidos em subdesenvolvimento, o impasse pode servir de impulso para uma destemida ação em favor de uma transformação pela qual já ansiavam. Sua igualmente profunda crise de identidade reflete-se na insistente procura de redistribuição de bens e poderes, com uma consequente ordem de justiça, como atestam as igualmente numerosas transformações sociais, políticas e econômicas, particularmente na Ásia e na África. (Escrevo no dia, em que o jornal noticia a morte de mais um padre, por mão policial, em região de colonização do Mato Grosso, por ter intercedido em favor de mulheres torturadas. Sinal dos tempos?)
A pergunta pela identidade da IECLB muito pouco tem sido vista nesse contexto mais amplo, embora seja sem dúvida também uma parte daquela problemática. Há, de um lado, a possibilidade de procura confessionalizante, com o fim de encontrar no passado as razões justificantes para o desejado empenho de preservação do status eclesial alcançado (por exemplo: estrutura da IECLB). De outro lado, é possível colocar-se a pergunta pela identidade no sentido de procura daquela tarefa de transformação que nos poderia caber como IECLB, como Igreja de Jesus Cristo no Brasil, no contexto sócio-cultural e político-econômico brasileiro.
O texto reporta significativamente a questão da identidade da igreja ao Cristo, indicando-lhe que sua identidade não está garantida com sua instituição e estrutura nem com a ordem vigente e os desafios de transformação, mas é concedida gratuitamente por aquele que permanece sendo o senhor da igreja (minha igreja, v. 18). No entanto, o dom gratuito compromete total e perpetuamente. A identidade recebida se comprova na identidade vivida. Daí a indicação imprescindível ao sofrimento vicário (v. 21). Fugir dele, contorná-lo ou combatê-lo significa a troca de Cristo por Satanás.
Conclusão: Qualquer uma das três perspectivas é muito ampla. (Ainda haveria outras possíveis; a revelação de Deus como quebra e libertação da absolutização da autonomia humana; a responsabilidade da proclamação do perdão de Deus e suas consequências, a partir do conceito de ligar e desligar, no v.19; a possibilidade de despreocupação da igreja consigo mesma e sua sustentação pela promessa divina; e assim por diante.) Não é possível, de modo algum, esgotar todas as perspectivas em uma prédica só. É preciso optar por uma delas ou então pregar sobre este mesmo texto durante domingos sucessivos. No entanto, para qualquer uma das perspectivas parece-me essencial que a perícope, prevista até o v. 20, seja estendida até o v. 23. Embora assim a problemática se amplie e se torne ainda mais complexa, a tensão entre a confirmação de Pedro e sua recriminação, por parte de Jesus, é irrenunciável. Uma prédica que, restringindo-se até o v. 20, nivelasse as tensões, assumisse um tom triunfalista e permanecesse acrítica, violentaria o texto; para ela valeria o arreda, Satanás (v. 23). O pregador precisa sofrer com o texto. Só então valerá para sua prédica a promissão dos vv.17-13.
II – O que proclamar?
O sofrimento do pregador começa com a exegese, pois, na exposição precisamente desse texto, tem-se a sensação de estar pisando em um campo minado; tudo quanto pensamos divisar e principiamos a dizer, tudo é controvertido (Steck, p. 325).
Esse é marcadamente o caso com a delimitação da perícope e a pergunta pela historicidade do relato. É interes¬sante ter diante de si uma sinopse dos evangelhos. A sequência dos assuntos é a seguinte:
Mateus Marcos Pergunta de Jesus Pergunta de Jesus respostas diversas respostas diversas confissão de Pedro confissão de Pedro promissão de Jesus a Pedro ordem de calar ordem de calar anúncio da paixão anúncio da paixão Jesus fala abertamente Pedro recrimina Pedro recrimina Jesus Jesus Jesus rechaça Jesus rechaça Pedro Pedro Lucas
Pergunta de Jesus ordem de calar respostas diversas anúncio da paixão confissão de Pedro
A promissão de Jesus a Pedro, central em Mateus, falta no relato de Marcos. Mateus também, mediante acréscimo no rechaço de Pedro, por parte de Jesus, acentuou dramaticamente a tensão entre promissão e rejeição. Já o relato de Marcos, porém,é multifacetado. Típico é o assim chamado segredo messiânico marquino, aqui caracterizado pelo contraste entre advertência ao silêncio da messiandade de Jesus e o anúncio aberto da paixão. (Mateus e Lucas suprimem o versículo Mc 8,32.)
A cena da confissão de Pedro e o anúncio da paixão são, ao que tudo indica, originariamente elementos independentes. Segundo Bultmann (p. 276s), Marcos criou a ordem de calar, o anúncio da paixão, inclusive o rechaço de Pedro. A messiandade de Jesus é assim centralizada na paixão e ressurreição, algo ainda inadmissível para Pedro, no tempo da peregrinação de Jesus. A polêmica contra Pedro seria devida a uma polêmica anti-judaico-cristã, que também seria a responsável pela supressão da promissão de Jesus a Pedro. Esta, preservada em Mateus, seria ofinal original (p. 277) do relato da confissão de Pedro, tradição anterior a Marcos. No entanto, segundo Bultmann, também o relato da confissão de Pedro tem caráter secundário, já que Jesus pregava o reino de Deus e chamava ao arrependimento, mas não discorria sobre si. Tratar-se-ia de uma lenda da fé, em que os discípulos representam a comunidade: a fé na messiandade de Jesus é retro-projetada a uma história da primeira confissão messiânica, que Pedro efetivou diante de Jesus (p. 276). Portanto, a história toda, incluindo a promissão de Jesus a Pedro, seria uma história pascal, que testificaria ser a vivência pascal de Pedro a hora do nascimento da fé no Messias, por parte da comunidade primitiva.
Em sendo correta essa visão de Bultmann, teríamos importantes consequências para a interpretação: a fé no ressurreto seria o elemento constitutivo da comunidade cristã. Seria, por exemplo, ilegítimo perguntar pelas implicações políticas que uma confissão messiânica teria tido em vida de Jesus, e seus reflexos análogos para a comunidade de seus seguidores.
Erich Dinkler, por seu turno, entende que a perícope remonta a uma situação histórica na vida de Jesus. Uma confissão messiânica por parte de Pedro, com todas as suas consequências políticas, teria recebido de Jesus o mais veemente rechaço, mediante a acusação de satanismo. Isto significaria então que já o Jesus histórico teria, consciente e radicalmente, recusado qualquer expectativa política, que os discípulos de fato estavam depositando nele. Essa construção, porém, não me parece plausível, pois esvaziaria, em grande parte, o impacto que a crucificação de Jesus viria causar na fé e nas esperanças dos discípulos, do que os evangelhos nos dão um testemunho tão eloquente. Esse impacto teria que ser antecipado; para tanto há poucos indícios. Além disso, se tivesse havido uma recusa explícita de Jesus a sua messiandade, como se explicaria a volta da comunidade pós-pascal a essa reivindicação, ainda mais se considerarmos a necessidade que teria tido de simultaneamente reinterpretar, a partir de cruz e ressurreição, o título de Messias.(= Cristo)?
Já Cullmann divisa em Mateus a combinação de duas situações históricas: uma a confissão da messiandade de Jesus por parte de Pedro, outra a confissão de ser Jesus o filho de Deus, com a expressa aprovação deste nos vv. 17 a 19. No entanto, admitir o relato como reminiscência de um ou dois episódios históricos causa dificuldades nada menores. Não só as evidentes interferências de composição e redação, indicadas acima, depõem contra essa presunção. O relato, assim como está, indubitavelmente antecipa tanto o choque da paixão, quanto sua superação pela ressurreição de Jesus.
Talvez tenhamos nesta perícope a elaboração dada pela tradição a duas experiências simultâneas e aparentemente contraditórias, feitas pelos discípulos, ao acompanharem Jesus em suas andanças, pregações e ações. De um lado, a percepção de que nesse Jesus, a quem seguiam, algo de decisivo estava em jogo. Esta lembrança é preservada no relato da confissão de Pedro. De outra parte, a reticência em aceitar a renúncia e o despojamento, que o seguimento desse Jesus lhes acarretavam. Esta lembrança é preservada no relato da recriminação de Pedro a Jesus. A cruz acentuou ao extremo essa contradição da experiência, e em assim fazendo a solucionou: o decisivo ocorreu na morte de Jesus. O crucificado é o Messias. Contudo, a contradição não é dissolvida na experiência prática dos crentes, onde ela permanece inarredavelmente: agraciados, e justamente assim comprometidos com toda a vida. Portanto, a tradição pós-pascal manteve a aparente contradição, pretendendo evitar a ambiguidade de uma confissão verbalmente correta da fé em Jesus como o Cristo, com simultânea negação da confissão concreta, em despojamento e solidariedade sofredora. Assim há também um motivo exegético central para estendermos a perícope até o v. 23.
Também a historicidade de Mt 16,17-19 é discutida. A base é indubitavelmente semítica (carne e sangue para ser humano; o jogo de palavras Pedro – pedra, em aramaico Cefas; ligar e desligar como expressão de autoridade doutrinária e disciplinar). A partir daí, diversos exegetas defendem a autenticidade histórica desses versículos (cf. Cullmann, p. 180ss). Jesus ter-se-ia entendido como o Messias, escolhido os Doze pelo aspecto da representatividade de Israel, e este teria sido o momento de instituição da igreja.
Já para Bultmann a autenticidade dessa palavra de Jesus é totalmente impossível (p. 150), pois reconhecer a igreja já antes da paixão seria a perda de seu sentido radicalmente escatológico, em favor de uma sinagoga especial de um indivíduo. (A forma futúrica edificarei estaria a trair a origem pós-pascal da palavra. Excetuando Mt 18,17, onde se refere à comunidade, o termo igreja também é único na boca de Jesus). O local de origem dessa palavra de Jesus teria sido os debates a respeito da lei , na comunidade palestinense (p. 148), expressando-se a consciência escatológica desta de ser a comunidade dos justos do tempo final. A forma de um relato histórico teria o sentido de assegurar à tradição petrina a liderança na comunidade.(Como já vimos, Marcos teria suprimido esse aspecto.)
A pesquisa neotestamentária predominante, porém, assume uma posição intermediária (cf. Bornkann, p. l73-175). Mesmo se Mt 16,17-19 for original de Jesus, sua perspectiva é futura, isto é, aponta para após a Páscoa (edificarei, darei, ligares, desligares). Mais importante, contudo, do que a questão histórica em si, é a relação entre o Jesus terreno (histórico) e o Cristo pós-pascal (querigmático) . Nem a identificação plena, que deprecia cruz e ressurreição, nem a presunção de uma contradição parecem ser condizentes. De um lado, não se pode conceber Jesus (terreno) sem chamado, comunidade, seguimento,o que tem continuidade na comunidade pós-pascal. De outro lado, porém, cruz e ressurreição são o evento salvífico, cuja proclamação perfaz a dignidade da igreja e que também constituem o conteúdo da experiência vivência! do crente. É disso que a igreja e o crente também hoje vivem, não de sua instituição nem de seus programas. Caso contrário, se desqualificam como seguidores de Cristo.
Passamos agora a uma paráfrase do texto:
Andando os discípulos com Jesus, este os confronta com sua própria pessoa: Quem sou? Tentativas diversas de respostas, por parte dos homens em geral, recebem a sua mais intensa radicalização (Karl Barth) no círculo dos discípulos, através da confissão de Pedro: Jesus é de Deus; no confronto com ele tudo se decide.
Essa resposta, obtida no processo de lida e andança com Jesus, não é, contudo, resultado do esforço intelectual nem da vivência. É revelação divina. As respostas humanas nunca chegam a essa radicalidade, pois não conseguem ultrapassar aquelas respostas provisórias. Nem todas as respostas humanas são expressão de rejeição de Jesus. Muitas expressam a procura e são por isso respeitáveis. No entanto, embora a resposta verdadeira não possa ser alcançada autonomamente, é nesse mesmo expor-se a Jesus que a resposta é concedida por Deus.
Pedro passa a ser detentor da promessa de Jesus. Sobre ele se edificará a igreja, que a morte não poderá destruir. A promessa, porém, não se transforma em posse de Pedro, mas é imediatamente vinculada ao seu apostolado, isto é, à sua missão: a proclamação do reino e a sua vivência aqui. Na proclamação, é central a vinculação ao Jesus sofredor pela injustiça humana e por amor aos homens. Ele é também o ressurreto, mas a ressurreição passa pela morte. Assim, também faz parte da vivência cristã o sofrimento pela injustiça, em solidariedade e amor aos homens.
Só nesse cominho permanece válida a promessa. E esta não é garantia. Pedro desvirtua a fé e a promessa, não tanto por querer evitar o sofrimento para si; está, inclusive, disposto a correr os riscos de uma luta. Pedro desvirtua a fé e a promessa, porém, quando quer evitar o sofrimento de Jesus, quando em vez de recebedor comprometido quer ser o defensor vitorioso de Jesus. Esse é o caminho satânico, a segunda queda no pecado (Romano Guardini), em que a ação libertadora de Deus não é seguida, mas substituída pelo empreendimento do homem. Isso ocorre com Pedro e no coração da Igreja.
III – Como proclamar?
O sofrimento do pregador talvez se acentue na confecção da prédica. Já disse acima que este texto se presta a múltiplos temas. Apresento a seguir uma possibilidade, que procura manter a tensão entre promissão e rejeição, inerente ao texto. Na elaboração, as considerações da primeira parte deveriam ser tomadas em conta, embora nem todas possam ser assumidas.
1) Procura e fé
A pergunta pela nossa identidade, quem somos?, se decide no confronto com Jesus, quem ele é. Há entre os homens múltiplas respostas: mestre, irmão, revolucionário. São respeitáveis expressões de procura, frequentemente muito mais autênticas do que a resposta rápida dos lábios, mas longe do coração: filho de Deus.
Jesus não rebate tais respostas, embora sejam parciais e insuficientes. Na lida e na andança com ele, ocorre então a radicalização das respostas, concedida por Deus: ele é aquele que se entrega por inteiro a nós, por nós.
Qual a confissão necessária hoje? Jesus Cristo liberta e une poderia ser a forma condizente hoje de expressar Jesus como Cristo.
2) Promessa e tentação
Nada há de mais elevado do que a promessa de Jesus. No confronto com Cristo, tudo se decide definitivamente. Não há necessidade de novos cristos, sua ação permanece na proclamação e na vivência da igreja e de seus seguidores.
No entanto, aí está Pedro – pedra da igreja e pedra de tropeço, representante de Deus e de Satanás. Aí estamos nós. Da correta confissão à mais profunda deturpação – menos do que um passo. A confissão daquela igreja que permanece, não é só correção dogmática nem apenas disposição a riscos pessoais, mas verdadeira ab-negação, renúncia a si. A igreja sofre com a causa de Cristo, ou ela não é.
3) Fracasso e compromisso
Quando uma comunidade está mais interessada em sua edificação material e respeitabilidade social do que na proclamação e vivência do reino de Deus em seu meio, tem a legitimidade de se chamar comunidade evangélica? Quando uma igreja está interessada na solidificação de sua instituição ou se orgulha de seu progresso, ainda é fiel? Quando cristãos se preocupam mais com o seu status e sua ascensão social do que com o testemunho da justiça e do amor, ainda têm o direito de se chamarem de cristãos?
Sim, fracassamos . Bendito seja este reconhecimento! Pois onde o fracasso é confessado, aí tem início o caminho da cruz, o caminho de Jesus. Esse caminho poderia representar uma profunda mudança de vida para pastores, membros de comunidades, as próprias comunidades, a igreja. Talvez a pobreza?
É claro, a pobreza da comunidade e da igreja pelo ego¬ísmo contribuinte de seus membros não é nenhum sinal de autenticidade. Mas a pobreza da igreja, porque através dela fluísse liberalmente, ab-negadamente, o sacrifício abundante de seus membros, para o estabelecimento da justiça, a superação da pobreza imposta a tantas e tantas criaturas de Deus, bem poderia ser hoje o sinal da fraqueza em que Deus é forte, a fonte da autenticidade, o poder de redenção.
Conseguiremos isso? Por certo, não conseguiremos. Mas talvez nos seja dado. Creiamos.
IV – Bibliografia
– BARTH , Karl . Posfácio à Schleiermacher-Auswah1 , Siebenstern 113/114, Munique/Hamburgo, 1968, p. 290-312.
– BORNKAMM, Günther. Jesus de Nazaré . Petrópolis, 1976.
– BULTMANN, Rudolf. Die Geschichte der synoptische Tradition . 7a. ed.,Göttingen, 1967.
– CULLMANN, Oscar. Pedro. Discípulo-Apóstolo-Mártir. São Paulo, 1964.
– DINKLER, Erich . Petrus bekenntnis und Satanswort. In: Zeit und Geschichte. Festschr. R. Bultmanns, 1964, p. 127-153.
– GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. l: Jesus e a Comunidade Primitiva. São Leopoldo/Petrópolis, 1976.
– KUNG, Hans . A Igreja, 2º. vol. Lisboa, 1970.
– STECK, Karl Gerhard. Meditação sobre Mt 16, 13-20. In: Hören und fragen, 5° vol. Neukirchen-Vluyn, 1967, p. 324-332.
Proclamar Libertação 02
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia