Prédica: 1 Tessalonicenses 3.9-13
Leituras: Jeremias 33.14-16 e Lucas 21.25-36
Autor: Gottfried Brakemeier
Data Litúrgica: 1º Domingo de Advento
Data da Pregação: 27/11/1994
Proclamar Libertação – Volume: XX
1. O texto
A delimitação da perícope não é nada boa. Sugiro incorporar os vv. 6-8. Mesmo assim, é preciso situar o todo para fazê-lo compreensível.
Desde 2.17, Paulo fala das preocupações que nutriu com relação à comunidade de Tessalônica depois de haver-se despedido dela. Temia que a jovem comunidade, recém-fundada, não conseguisse resistir às ameaças a que vivia exposta. Inquieto, o apóstolo tratou de visitá-la novamente, no que, porém, se viu impedido. Enviou Timóteo, então, permanecendo ele mesmo em Atenas (3.1).
Considerando as condições de viagem da época, a volta de Timóteo deve ter demorado semanas. Mas, ao chegar, ele traz boas notícias. É disto que fala 3.6-13. Paulo é grato. O relato de Timóteo sobre a fé e a maturidade cristã dos tessalonicenses lhe significa alívio e consolo. O apóstolo reafirma o desejo de rever a comunidade, e, até fazê-lo, intercede por ela para que Deus a faça crescer no amor mútuo e confirme os corações em santidade irrepreensível na vinda de nosso Senhor Jesus com todos os santos.
O texto, portanto, reproduz um momento específico da relação entre Paulo e os cristãos de Tessalônica, ou seja, entre um pastor e sua comunidade. Os vv. 6-10 têm por conteúdo a gratidão; os vv. 11-13, a intercessão do apóstolo. Este, reanimado pelas boas notícias recebidas, não deixa de, por sua vez, animar os fiéis de Tessalônica. Os meios são o testemunho da alegria, o voto, a exortação, a oração. Importa que a comunidade progrida no caminho da santificação, não dando motivos para ser repreendida na volta gloriosa de Jesus em meio à corte celestial de santos e anjos (cf. Mt 25.31, etc.).
Seja lembrado que, nas cartas aos tessalonicenses, a expectativa escatológica vinha em destaque. Na comunidade, aguardava-se com fervor a consumação filial cie iodas as coisas, a chegada triunfal de Cristo nas nuvens cio céu. A expectativa era tamanha que alguns membros já não mais se preocupavam com o ganho do pão de cada dia (l Ts 4.II; 2 Ts 3.10). Rm consequência disso, são lançados em sérias dúvidas por alguns casos de morte prematura: essas pessoas falecidas participariam na parúsia de seu Senhor (l Ts 4.13s)? O apóstolo tranqüiliza a agitação escatológica, admoesta para o trabalho com as próprias mãos, desagrava a pergunta pela data da volta de Cristo (l Ts 5.Is), sem, entretanto, renunciar à esperança como tal. A existência humana tem como horizonte o encontro marcado com o Senhor da história.
2. A mensagem
Como pregar sobre um texto como este? À primeira vista parece ser pouco apropriado. O conteúdo é de natureza histórico-biográfica, sendo difícil detectar a mensagem para hoje. Não basta preconizar a comunidade de Tessalônica como exemplo de fé a ser seguido pela IECLB. Tampouco o evangelho se esgota no zelo pastoral de Paulo, empenhado no aperfeiçoamento espiritual dos membros. Como base de prédica este texto é árido. Não encontrei nenhuma meditação sobre o mesmo. O que o recomenda para o primeiro domingo de Advento é unicamente a menção que faz da vinda de Jesus com todos os santos.
A partir daí, porém, abrem-se importantes perspectivas. Eu diria assim: a comunidade cristã vive à luz do advento. É o advento de Jesus no fim dos tempos, encerrando a história e revelando em definitivo o reinado de Deus. Mas esse advento escatológico é precedido por outro, o histórico, que se deu há dois mil anos. Os dois adventos devem ser distinguidos. O primeiro se deu na humildade de uma manjedoura, ou de um jumento na entrada em Jerusalém. O segundo acontecerá na glória de quem tem poder para julgar o mundo. Mas separar os dois adventos? Isto não! Em ambos os casos é Jesus quem chega. O primeiro advento remete ao segundo, e vice-versa. É o enviado de Deus que vem para cobrar os direitos de Deus, em graça e juízo (cf. Mc 12. l s.). Em Jesus, Deus mesmo chega e chegará ao mundo.
E entre os adventos está o tempo da Igreja. Não é um tempo de ausência ou de abandono de Deus, pois Jesus, mesmo morto na cruz, veio para ficar. O Ressuscitado prometeu estar com a sua comunidade até a consumação do século (Mt 28.20). O advento histórico continua acontecendo. Sempre de novo, Jesus se manifesta: na palavra do evangelho, nos sacramentos, em sinais do Espírito, em novidade de vida. E, no entanto, essa presença ainda é fraca, humilde, passível de ser desprezada, assim como o foi o próprio Jesus histórico. Por ora, Deus se limita a apelar, a convidar, a conclamar para lhe dar ouvidos. Mas virá a hora em que há de impor o seu reino para a salvação de quem nele confiou e para a desgraça de quem dele zombou.
O tempo da Igreja é tempo destinado à evangelização, à penitência, à provação da fé nas circunstâncias da vida. A comunidade é chamada a cumprir a sua missão, ou seja, a testemunhar o evangelho, a construir comunhão, a engajar-se no serviço. A consumação escatológica, em sua relação intrínseca com o evento histórico de Jesus, constitui o ponto referencial pura lauto. 'lambem as coisas pequenas e corriqueiras devem ser vistas sob esta ótica: a preocupação de Paulo com os tessalonicenses, sua espera por Timóteo, a alegria por sobre as boas notícias, seus planos de viagem — tudo acontece entre os adventos. Assim também hoje. Os conflitos na IECLB, nosso labor, as angústias, as alegrias, a vida em geral têm o advento por moldura. Qual o significado disto? Temos suficiente consciência deste fato?
Sugiro, pois, ler o texto de trás para a frente a partir da afirmação da vinda de Jesus com todos os santos. O advento qualifica o nosso dia-a-dia e lhe coloca os parâmetros. Vejamos as implicações.
3. Advento hoje
A pregação da volta gloriosa de Jesus se defronta com a dificuldade de como imaginá-la. Os conceitos científicos da atualidade exigem cautela na descrição de fenômenos sobrenaturais. Sobre a consumação escatológica não há informação detalhada. Também o Novo Testamento não a fornece, muito embora faça amplo uso de figuras e símbolos para ilustrar o que na experiência humana não tem analogia. Não é tarefa da prédica desenhar o drama escatológico e apregoar especulações como sendo doutrina de fé. As modalidades da volta de Cristo permanecem incógnitas.
Isto, porém, não significa a aniquilação da esperança como tal. A vinda de Cristo com todos os santos não permite ser substituída por uma utopia ou pela auto-realização humana como supostos alvos escatológicos modernos. É bem verdade que a fé sabe de antecipações do futuro de Deus, seja na vida individual ou social. Novidade escatológica pode ser experimentada aqui e agora, sob as condições da realidade vigente. A plenitude de vida, graças a Deus, não fica confinada à transcendência, assim como o advento não se resume a uma esperança a ser cumprida somente no fim dos tempos. De muitas maneiras Jesus nos estende a mão e conduz a comunidade através da história. Do advento no passado e no presente nascem a fé, a esperança e o amor, que são, por excelência, as forças renovadoras em nosso mundo.
E, todavia, o advento escatológico de Cristo permanece fundamental. Destrói a ilusão de que o mundo não tem dono. Presumir que não precisamos responsabilizar-nos perante o Criador é trágico engano. Resulta dele uma sociedade em que se instalam o arbítrio, a lei do mais forte, a desorientação. Sem a transcendência, a imanência se deteriora e seu destino será a morte, nada mais. Neste caso, também o primeiro advento não passaria de um episódio insignificante, sem nenhum poder para abrir brecha de salvação do cativeiro da vaidade. A proclamação da vinda de Cristo em glória afirma o senhorio de Deus sobre a sua criação. A história humana não termina sem Deus chegar para julgá-la e redimi-la e sem cumprir as suas promessas. É tolice não contar com a vinda de Cristo. Para quem sofre sob os males deste mundo, aparentemente entregue a si próprio, essa perspectiva é consoladora. Toda aflição terá, então, um fim e Deus será tudo em todos.
Comunidade cristã, portanto, aguarda a manifestação escatológica de Deus, seja para após a morte individual, seja para após o fim da história.. O advento introduz numa situação de espera. Mas não é uma espera passiva, e sim ativa. Cumpre preparar-se a si próprio e ao mundo para o encontro com Deus. E aí temos muito a fazer, justamente em nossa realidade. Importa combater, erradicar, aniquilar o que merece o juízo divino. Particularmente, a comunidade deve tratar de tornar-se irrepreensível, para o que as forças advindas do advento histórico de Jesus lhe serão armas indispensáveis. Advento é tempo de penitência, de conversão, de adequação do convívio humano — incluindo suas dimensões sociais e políticas — aos propósitos de Deus. É o que observamos também neste texto. Paulo quer que a comunidade de Tessalônica esteja preparada para receber o seu Senhor em sua chegada definitiva. A sua preocupação deve ser também a nossa.
4. Pistas para a prédica
O preparo exigido pelo advento, é este o tema sob o qual proponho estruturar a prédica. Num primeiro passo, ela deveria situar o texto, simplesmente relatando o seu conteúdo. A seguir, deveria ser apontado para as razões da preocupação de Paulo: ele não quer que a comunidade de Tessalônica dê motivos de escândalo a seu Senhor em sua volta gloriosa. É oportunidade para tecer algumas considerações gerais sobre o advento em seus múltiplos aspectos, para o que poderão ser aproveitados alguns dos subsídios coletados acima. A ênfase principal, porém, cabe, num terceiro passo, ao significado do preparo que o advento requer. Comunidade cristã está aí para preparar a chegada de Deus. E isto em muitas áreas: na vida particular, familiar, comunitária, profissional, social. Vale a pena refletir sobre a modalidade em que isso deve acontecer.
Aliás, é preciso cuidar para não pregar apenas imperativos. Uma prédica legalista não faz jus ao evangelho do advento. Cabe não esquecer que o Senhor que virá é o mesmo que já veio. Sabemos que ele, mesmo julgando, é misericordioso. Perdoa pecados, torna-se forte nos fracos, cura os males. Ele nos assiste no tempo de espera até a sua vinda no fim dos tempos. Ajuda-nos na tarefa da evangelização e do combate ao mal. Preparar o caminho do Senhor não é apenas imperativo, é privilégio que tem a promessa de trazer a este mundo mais alegria, mais justiça, mais paz. Bem-aventurado quem vive à luz do advento e arruma a casa para a recepção de Deus.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados: Senhor, temos vivido por demais como se tu não existisses. Fizemos prevalecer os nossos interesses por sobre a tua vontade e temos resistido a orientar a nossa conduta pelos teus propósitos. Ficamos deveu do o amor às pessoas a nosso lado: temos sido egoístas, indiferentes e, às vezes, até maliciosos. Nós te confessamos nossa culpa e imploramos teu perdão. Ajuda-nos a nos aperfeiçoarmos na prática do bem. Dá-nos olhos para descobrir o conveniente. Transforma-nos mais e mais em instrumentos de teu evangelho. Tem piedade de nós, Senhor.
Coleta: Nós te agradecemos, Senhor, por não abandonares teu pobre uniu do. Enviaste teu Filho, demonstrando o amor que tens à tua criatura, estás presente entre nós com teu Espírito para nos guiar em nossa jornada. E prometeste revelar a plenitude do teu reino no futuro. Estamos aí para te acolher, ouvindo a tua palavra e procurando cumprir a tua vontade. Oh vem, Senhor, e livra-nos de todo mal. Faze visível o teu advento, trazendo luz à nossa escuridão Teu nome seja louvado. Amém.
Intercessão: Obrigado, Senhor, por os teres congregado em mais este culto. neste domingo de Advento. Teu evangelho nos é conforto e motivação para o cumprimento condigno de nossos afazeres nesta nova semana. Nós incluímos em nossa comunhão também pessoas ausentes, especialmente as que sofrem. Nós as recomendamos à tua misericórdia. Lembramo-nos das vítimas de violência e injustiça, dos famintos, doentes, desesperados, dos menores e idosos abandona dos. E forte o clamor por salvação em nosso mundo. Ouve-o, Senhor, e concede auxílio. Nós te pedimos por tua Igreja, para que seja fiel no cumprimento de sua missão. Nós te rogamos pelos lares, pelas famílias, pelas pessoas com responsabilidade política. Guia os corações para que a paz reine entre nós e o bem seja feito. Queiras fazer com que esta época de Advento seja em todos os sentidos um tempo de renovação, de conversão para o melhor e de preparo para o encontro contigo no futuro, quando te veremos face a face. Senhor, somos tens Permanece conosco e segura-nos com tua poderosa mão. Amém.