Prédica: Deuteronômio 26.1-11
Autora: Dulce Engster
Data Litúrgica: Festa da Colheita
Proclamar Libertação – Volume: XX
1. Observações exegéticas
O estilo do livro de Dt é litúrgico. Pano de fundo de Dt é a terra. Deus faz aliança com seu povo para que ele tenha terra e possa viver na liberdade e fartura.
Ao olharmos para o texto de Dt 26.1-11 é bom ter em mente um texto anterior, Dt 8.7-10. Deuteronômio enfatiza o amor que Deus tem pelo seu povo, os israelitas. O texto de 8.7-10 é parte do discurso de Moisés na terra de Moab, leste do Rio Jordão. Moisés recorda ao povo como Deus os libertou da escravidão no Egito e como os conduziu, nestes 40 anos, pelo deserto, para a terra prometida. Ele lembra o povo que deve obedecer aos mandamentos. Nestes versículos, especificamente, fala de como será a terra para onde estão sendo guiados por Deus.
Será uma terra boa, sem poluição no ar, nos rios e no solo. Haverá comida sadia e em fartura: cereais, azeite e mel para todas as pessoas. Da terra é que tirarão o seu sustento e proverão todas as suas necessidades. O v. 8 fala do trigo e da cevada. A cevada era um dos produtos mais importantes do Egito. Era resistente ao clima e sinônimo de comida dos pobres. Seria uma das riquezas da terra prometida. O v. 10 aponta que haverá comida, alimentos suficientes para todo o povo — pão sem escassez. A terra também é rica em metais. Terra de Deus é terra que provê tudo para a vida. Deus cumpre a promessa e seu povo experimenta viver nessa terra de fartura. Como reconhecimento, testemunho de fé e gratidão a Deus surge o texto de Dt 26.1-11.
Os israelitas ofereciam a Deus os primeiros frutos da terra — as primícias. Faziam isto numa festa, ocasião em que também era recitado o texto. Confessavam publicamente que seu antepassado foi um arameu errante, isto é, os anteassados de Israel eram pastores de ovelhas que não tinham um lugar fixo, viviam à margem da terra cultivada, onde habitavam outros povos que cultivam diversos produtos agrícolas. Assim chegaram ao Egito e, em determinada situação política, passaram a ser escravizados. Uma das mais repetidas confissões de fé que aparecem no AT é a de que Deus libertou os israelitas da opressão no Egito.
Terra que mana leite e mel é uma expressão que descreve o bem-estar e a fartura do povo na terra prometida. Possuir sua terra significa para o povo a realização de um sonho. Tudo isso se deve a Javé, que tirou a terra de povos mais poderosos para dá-la ao povo oprimido no Egito. Esta dádiva implica, por parte dos israelitas, uma confissão cheia de gratidão. Como doador da terra, Javé continua sendo proprietário. As pessoas contempladas são apenas administradoras dos bens.
O fato de os israelitas terem recebido a terra que mana leite e mel lhes possibilita trazer como oferta a Javé os primeiros frutos da terra. Originalmente tal ato fazia parte da religião dos cananeus. Na compreensão deste povo, os primeiros frutos pertenciam às divindades da fertilidade — baalins. Os camponeses israelitas relacionaram este ato com sua fé. Os primeiros frutos da terra são oferecidos ao Senhor da terra em sinal de agradecimento e de dependência. Em lugar das divindades da fertilidade, Israel confessa sua fé no Deus da salvação e da história.
Para os cananeus tratava-se de uma simples festa da colheita. Israel, por sua vez, relacionou a oferta das primícias, dos primeiros frutos da terra, com os grandes acontecimentos de sua história. Eles testemunham que aquele Deus que fez a terra produzir e que, ao mesmo tempo, é doador de todas as dádivas, é o mesmo Deus que já se manifestara anteriormente, quando eram escravos.
Eis que agora trago as primícias dos frutos que tu, Javé, me deste. O camponês israelita deixa transparecer, em sua solene profissão, que Javé é, em última análise, o doador dos bens da terra e se inclui na história de Deus com seu povo e se confessa receptor das suas dádivas. Ele não agradece apenas pelos frutos da terra, mas também se reconhece membro daquele povo que foi escolhido pelo próprio Deus unicamente por causa do amor e da compaixão de Deus pelo povo errante.
Olhando mais adiante no texto de Dt 26, os vv. 12 e 13, percebe-se o compromisso do camponês com seus irmãos e irmãs necessitados. As dádivas de Deus o remetem e o comprometem com o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva. Essa passagem de Dt 26.12-13 parece estar em paralelo com o texto anterior, Dt 26.1-11, onde se fala da apresentação das primícias dos produtos da terra diante de Javé e em cuja cerimónia o agricultor israelita faz a sua solene profissão de fé, recordando a ação histórico-salvífica de Javé em favor dos seus antepassados oprimidos pelos egípcios. O final da celebração (10-11) é um grande banquete de confraternização, onde a partilha dos frutos se faz num clima de festa, de alegria.
2. Meditação
A ocasião — festa da colheita — e o texto bíblico propiciam uma meditação dialogada. Sempre ajuda se a gente trabalha o texto anteriormente num encontro de famílias, estudo bíblico, reunião da JE ou outro grupo de reflexão. O diálogo poderia girar em torno das seguintes questões:
a) Podemos comparar nossa terra brasileira com uma terra que mana leite e mel?
b) De que maneira estamos agradecendo por tudo aquilo que Deus generosamente permite que nosso campo produza? Nossas dádivas são de fato expressão da nossa gratidão e fé?
c) O texto bíblico desafia a quem tem terra e outros bens a agradecer a Deus por aquilo que lhe pertence. Como fica a situação daquelas pessoas que nada possuem? Elas foram esquecidas por Deus?
d) O povo de Israel, na sua confissão de fé, recapitulava os grandes momentos de sua história; será que acontece algo semelhante conosco? Que momentos poderíamos mencionar em nossa confissão de fé?
e) Nossos cultos de festa da colheita são um sinal de que dependemos inteiramente de Deus? Poderíamos compará-los à oferta das primícias efetuada pelos israelitas?
f) Para o povo de Israel, terra era dádiva de Deus. Terra significava libertação de uma situação de opressão, significava vida abundante. O que significa terra para nós hoje? O que representam os frutos da terra?
g) Chama a atenção o fato de que os israelitas não podiam celebrar a ação de graças pela generosa colheita que Deus lhes concedeu na terra prometida sem partilhá-la com os necessitados entre o povo de Israel, pois durante a celebração litúrgica eles recordavam, diante de Deus, que foram escravos no Egito e como Deus optara por eles libertando-os da opressão. Como Javé optara por eles, assim eles agora também deviam ser solidários com todas as categorias sociais pobres e necessitadas na terra de Israel. A que nos remete a nossa celebração?
Observação: Situações (de alegria e frustração) vividas me fizeram refletir seriamente sobre o sentido desta celebração para a comunidade. Creio que é saudável trabalhar e refletir sobre a questão da nossa dependência e gratidão a Deus. A auto-suficiência nos torna ingratos e prepotentes. Gratidão e dependência geram compromisso com as situações de sombra ao nosso redor. O culto da festa da colheita torna-se significativo quando o seu sentido é trabalhado com grupos de reflexão na comunidade. A forma como a família escolhe as suas dádivas, a forma como essas dádivas são conduzidas ao altar e o seu destino podem mexer profundamente com a comunidade. Importante é motivar e envolver as pessoas, e a celebração alcançará dimensões profundas.
3. Sugestão de liturgia
— Hino: HPD 263.
— Saudação:
Oficiante: A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês. Comunidade: E contigo também.
— Salmo 121:
a. Ao longo do meu caminho interrogo os horizontes: Quem me virá ajudar?
b. O meu auxílio vem do Senhor, criador do céu e da terra, a. Ele não te deixará tropeçar, pois não dorme, mas vela sobre ti. b. É verdade! O Senhor não dorme nem se distrai, mas vela sobre o seu povo.
a. O Senhor monta guarda a teu lado, como tua sombra, está sempre junto de ti.
b. De dia e de noite, ele te protege, afasta de ti todo o mal. Todos: Onde quer que te leve o teu caminho, Ele te acompanhará passo a passo.
— Hino ou coral.
— Oração de confissão:
Oficiante: Por estarmos reunidos na presença do Senhor para ouvir a sua palavra, para glorificar seu santo nome e, de uma forma bem especial, agradecer as dádivas que o Senhor nos concede, reconheçamos humildemente que somos pecadores/as. E, como o publicano, roguemos a sua graça: Senhor Deus, tu que conduziste teu povo através da história e, ao se cumprirem os tempos, vieste a nós em Jesus e nos reuniste em comunidade, nós te pedimos: perdoa tu, Senhor, nosso egoísmo, nossa falta de fé firme e perseverante, nossa ingratidão, nossa falta de amor. Por teu amor infinito e tua misericórdia tu enches de bens o nosso campo, de forma que a prece pelo pão nosso sempre é atendida de novo. Na humildade da nossa fé rogamos por coragem e desprendimento, que nossas mãos se abram em favor das pessoas a quem esta sociedade quer negar a dignidade de vida. Perdoa, Senhor, nossa culpa, transforma-nos e impulsiona-nos para uma prática de vida diferente. Retira de nós nossos pecados, Senhor, para que possamos participar da tua glória, mediante Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor. Amém.
— Anúncio da palavra da graça:
Oficiante: Está testemunhado em l Ts 5.9: “ Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo.
— Cântico de adoração: HPD 248.
— Primeira leitura bíblica: Oficiante: Tiago 5.1-6.
Comunidade: (canta) A tua palavra é semente, e tu és o semeador. O meu coração é a terra que tu semeaste, Senhor. A tua palavra, a tua palavra, a tua palavra, Senhor. A tua palavra, a tua palavra, a tua palavra é o amor.
— Segunda leitura bíblica:
Oficiante: O santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, segundo Lucas, no capítulo 11, os versículos 9 a 13. — Palavra do Senhor! Comunidade: (canta) Pela palavra de Deus, saberemos por onde andar; ela é luz e verdade, nós podemos acreditar.
— Confissão de fé:
Oficiante: Junto estamos e queremos fortalecer a nossa comunhão confessando publicamente a nossa fé cristã. Comunidade: Creio em Deus…
— Oficiante: Estamos reunidos e queremos expressar nossa gratidão pela vida que é dom de Deus, por tudo que Deus nos tem dado em favor da manutenção da vida neste mundo, obra do seu imenso amor, por isso, em conjunto cantamos: Hino: HPD 237.
Oficiante: Convidamos, agora, cada família a colocar suas dádivas junto ao altar, sinalizando, assim, nosso testemunho e reconhecimento de que Deus cumpre a sua promessa. Nossa disposição para este gesto é a palavra bíblica de Dt 26.1-11, cuja leitura ouviremos de pé.
– Comunidade: (canta) Deus nos deu, Deus nos dará, o pão de cada dia não nos faltará.
Interpretação da palavra.
– Bênção das sementes (confírmandos/as ou crianças do culto infantil conduzem as sementes até o altar, enquanto a comunidade canta).
Comunidade: (canta de Celebrações do Povo de Deus, Sl 69, ou Na mesa do amor, de Acácio Santana.).
– Oração de bênção às sementes: Aceita, Deus de nossas vidas, nosso ofertório. Ele quer ser o símbolo de tudo aquilo que tu tens nos dado generosamente e a cada dia. Dependemos constantemente da tua graça e do teu amor, e por isso também confessamos com alegria que o nosso socorro vem do Senhor que fez os céus e a terra. Assim estamos aqui, Senhor, pedindo a tua bênção para conosco, pedindo que abençoes ricamente nossos campos. Que através dessas sementes que aqui temos possas abençoar cada sementinha que neste ano for lançada na terra com o objetivo de produzir pão e não poder. Dá que a mesa de teus filhos e tuas filhas se encha de pão, de gratidão e solidariedade, que nosso trabalho não seja em vão, mas que seja uma semente para a edificação do teu Reino. Como teus filhos e tuas filhas, podemos em conjunto também orar: Pai nosso…
– Comunidade: (canta) Põe a semente na terra…
– Bênção:
Oficiante: Que a bênção de Deus, que nos ama como uma mãe e um pai, do seu Filho Jesus, nosso Senhor e Salvador, e a força do Espírito Santo que dá coragem, força e fé, esteja com cada um e cada uma de vocês, no plantio, na colheita e na gratidão. Comunidade: Assim desejamos. Amém.
4. Bibliografia
HOMBURG, Klaus. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo, Sinodal, 1975.
METZGER, Martin. História de Israel. Trad. Nelson Kirst e Sílvio Schneider. São Leopoldo, Sinodal, 1972.
PINZETTA, Inácio. Um projeto de defesa aos estrangeiros: a proposta do Deuteronômio. Estudos bíblicos, Petrópolis, São Bernardo do Campo, São Leopoldo, 27:29-37, 1990.