Prédica: Lucas 4.14-21(22)
Leituras: Isaías 61.1-6 e 1 Coríntios 12.12-21,26-27
Autora: Louraini Christmann
Data Litúrgica: 3º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 22/01/1995
Proclamar Libertação – Volume: XX
1. Tudo inicia
Tudo inicia com a leitura da Bíblia. Tudo. O episódio do nosso texto e a atuação de Jesus Cristo, conforme o Evangelho de Lucas. E mais: a Sagrada Escritura não só é objeto de leitura, como é objeto de argumento para a leitura que tudo inicia.
E como hoje. A leitura da Bíblia desencadeia a evangelização (Boff, p. S). E que a Bíblia vai levantando questionamentos, vai respondendo perguntas, vai contextualizando… Jesus usa o exemplo dos profetas Elias e Eliseu para exemplificar a falta de confiança que demonstram ao atualizar Isaías.
Quanto Jesus nos ensina de novo! Relembra-nos neste texto bem concretamente que mera leitura bíblica não leva a nada, que só mesmo a interpretação séria e comprometida leva a tudo. E com essa interpretação séria e comprometida é que tudo inicia.
Isto é coisa do Evangelho de Lucas. Ele faz deste episódio o início de tudo, ao contrário de Mateus e Marcos, onde o nosso texto é precedido já de uma ampla atuação de Jesus. As comunidades que geraram este evangelho, provavelmente de alguma cidade grega, iniciando a missão de Jesus com esta sua leitura da Escritura na sinagoga, traçam um programa amplo de ação profética de Jesus Cristo (CEBI, p. 12). E, pelo jeito, esse programa recebeu uma atenção muito especial, pois muitas pessoas têm se esforçado para escrever a história das coisas que aconteceram entre nós (Lc 1.1). E o redator final estudou com todo o cuidado e achou que seria bom escrever tudo isso em ordem (1.3). Quer dizer, a própria dinâmica do surgimento do Evangelho de Lucas, assim como lambem o programa de Jesus, bem definido desde o início com base em Isaías, cm Eliseu e em Elias, e tudo isso em Nazaré, no chão bem concreto de Jesus, são teologia bem elaborada, são resultado de experiência comunitária. Será que n gente, no nosso Nazaré, está conseguindo também elaborar com maturidade a nossa vivência? Não estaria ela desligada da Escritura Sagrada, deixando de ser uma vivência cristã?!
Parece-me que Lucas, colocando o livro do profeta Isaías na mão de Jesus, o que os paralelos sinóticos não fazem (Mt 13.53-58 e Mc 6.1-6), nos desafia a basear também nossa prática na palavra de Deus. Iniciar, portanto, a nossa pregação lançando este desafio e lendo o texto bíblico, seria um bom começo. E especialmente destacando a atitude de Jesus frente ao texto. Bom mesmo seria se um grupo pudesse encenar este episódio. Numa encenação ficaria muito claro que Jesus aplica o texto a uma situação bem clara e real: Hoje se cumpriu a passagem da Sagrada Escritura que acabaram de ouvir (v. 21).
Jesus não só traz p texto para hoje, como também tem plena liberdade de partir da sua situação. É de dentro de seu concreto que ele vai para o texto e o traz de volta bem concretamente. Jesus está bem à vontade frente ao texto, e é o que nós também podemos fazer. E como diz Pe. Luiz Mosconi, que convida a sentir-se bem à vontade diante do texto, sem medo, sem complexos, sem auto-suficiência, dialogando com docilidade interior (Mosconi, p. 7). Diz ainda que é preciso saber ter — e Jesus ensina isto — um olhar contemplativo (…), dar a palavra ao texto, pois é escutar, é enxergar a vida, os grilos, os clamores, os gritos, os apelos que estão por detrás do texto (ibid., p. 11).
Se tivermos essa sensibilidade, também saberemos ver e ouvir o palpitar da vida hoje e a esperança da palpitação amanhã. E, o que é o mais importante, saberemos mudar de rumo, se for o caso, sempre com base no que acontece em volta — em volta do texto e em volta da gente. Os quatro evangelhos são produção comunitária (ibid., p. 26). Essas comunidades têm desafios específicos e, conseqüentemente, acentos específicos, conforme a realidade específica. Cada grupo sente a necessidade de destacar um aspecto da mensagem de Jesus, e isso justamente enriquece em muito a mensagem que nos é legada.
O nosso texto faz parte do bloco onde a comunidade de Lucas nos conta a articulação de Jesus na Galiléia (3.1-9.50). Este é o segundo mais antigo bloco do evangelho. Tem influência forte de Marcos, como também o primeiro bloco (19.29-24.53) e o terceiro (9.51-19.28). O fio condutor deste evangelho é: Jesus de Nazaré é a revelação plena da misericórdia do Pai, é o Messias libertador dos pobres e marginalizados (ibid., p. 7). Por isso justamente a leitura de Is 61. Por isso o Hoje se cumpriu a Sagrada Escritura. Por isso esse episódio no início de sua atuação.
2. Maravilhados não. Apavorados!
Chama a atenção o fato de Jesus logo ter reagido com aquele Sem dúvida, vocês vão repetir para mim o ditado… (v. 23). Sem que, conforme a maioria das traduções, tivesse havido um ataque contra ele já desde o início. Se todos começaram a elogiar Jesus, admirados com as palavras agradáveis que ele falava, por que Jesus precisa reagir, defendendo-se? Defender-se de que, não sendo atacado? Mas vamos ao texto.
Acima transcrevi a tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje. Almeida diz assim: Todos lhe davam testemunho e se maravilhavam com as palavras de graça que lhe saíam dos lábios (v. 22). A pergunta que me fiz foi se na sinagoga havia dois tipos de pessoas, as maravilhadas por um lado e as iradas, escandalizadas por outro. Mas mais adiante o próprio texto deixa bem claro que todos os que estavam na sinagoga ficaram irados, escandalizados, conforme os textos paralelos. Parece-me que Lutero chega mais perto, quando traduz: e estranhavam que dissesse tais palavras. Mas Lutero também diz que todos lhe davam testemunho.
Encontrei uma tradução de Huberto Kirchheim que se encontra em Proclamar Libertação X, p. 187, que me parece bem mais óbvia: Todos davam testemunho contra ele e estranhavam as palavras de graça. Se já logo de saída todos davam testemunho contra ele, é fácil de entender a necessidade de reação de Jesus. Ele logo percebe o clima. Deve conhecer muito bem a freguesia, aliás, não só conhece muito bem, como é um deles. Sabe o que pensam, o que sentem e, provavelmente, como vão reagir. E a reação de fato vem forte.
As pessoas ali reunidas reagem contra o jeito de Jesus interpretar o texto. Só a leitura não provocaria reação nenhuma. É que Jesus diz: Hoje se cumpriu isso aí. Jesus não fica neutro, longe do texto. Ele nos lembra hoje que não existe uma postura neutra frente ao texto.
A IECLB, nós, através de nossa pregação e missão, estamos seguindo essa dica de Jesus? E quando vem a reação, como reagimos? Que tal se este fosse o segundo passo de nossa pregação, fazendo dele um desafio?
3. E como diz o ditado popular…
O início é muito simples. Nada de altos inícios. Nada de grandes inovações. Inovar só por inovar não é com Jesus. Pelo contrário, Jesus faz o que lodo o mundo faz no sábado: entra numa sinagoga. Entra no costume. Entra na onda. E aí… tudo inicia. E aí, de dentro dos acontecimentos, Jesus vai contagiando com o novo e vai contagiando forte, vai radicalizando. É como diz Leonardo Boff: Cristo não quer dizer coisa nova a todo custo, mas coisa velhíssima como o homem; não coisa original, mas coisa que vale para todos; não coisas surpreendentes, mas coisas que alguém compreende por si mesmo, quando tem os olhos claros e um pouco de bom senso (Boff, p. 97).
O que qualquer pessoa entende é o ditado popular. Ele próprio, sendo de Nazare, entendendo a cultura local, sabe qual é o ditado mais popular, que mais vai dizer o que ele quer dizer. Assim como Jesus diz rápido, em cima da leitura do texto, o Hoje se cumpriu, assim ele também reage rápido com um ditado popular. Neste sentido Cristo foi um original. Não porque descobre coisas novas. Mas porque diz as coisas com absoluta imediatez e soberania. Tudo o que diz e faz é diáfano, cristalino e evidente. Os homens percebem logo. É isso mesmo! (ibid., p. 109).
Médico, cure-se a você mesmo! (v. 23). Jesus não inicia com grandes ideias, talvez discutíveis, que levantem polémica. Levanta a discussão, sim, está aberto para conversa, mas parte da lei (Is 61) e continua com ditos então bem atuais e corriqueiros.
O que valia para as comunidades gregas como as do Evangelho de Lucas, é saber falar bonito, é um discurso racional, ficando à margem da cultura local, da história própria. Daí a importância de este evangelho nos trazer um Jesus tão junto de sua comunidade natal e dos seus ditos populares. É teologia popular bem enraigada nas situações concretas e ao mesmo tempo bem mergulhada na memória histórica de Jesus Cristo. Portanto, é teologia eclesial e não individual (Mosconi, p. 28).
Para as comunidades gregas de Lucas e para os nazarenos que igualmente não acreditavam em si, deve escandalizar mesmo o filho de José' querei interpretar a lei de uma maneira tão consequente, tão desinstaladora. Um simples carpinteiro, nem aceito pelos seus (Mc 3.21,31,35). Numa situação onde as religiões populares estão em crise e onde cresce o culto divino ao imperador, onde as divindades estão distantes no Monte Olimpo, deve escandalizar mesmo o quanto Jesus está junto do povo.
Um carpinteiro vem fazer frente a todo esse sistema tão bem montado! Isso não é qualquer coisa, ainda mais levando em conta que o termo grego carpinteiro refere-se ao trabalhador que executa trabalho pesado em madeira. Há fortes indícios de que Jesus tenha trabalhado nos projetos de construção de Herodes Antipas, na cidade de Séforis, que distava seis quilômetros de Nazaré (Neutzling, p. 48).
Tendo essa sua experiência como pano de fundo, é mais fácil a gente compreender a capacidade de diálogo que tem Jesus e a capacidade de compreensão que desenvolve a multidão que o segue. Parece que todos os que estavam na sinagoga não compreenderem nada (ou tanto se escandalizaram justamente por compreender tudo).
Que tal fazer o terceiro passo da pregação a partir de um ditado popular muito usado na tua comunidade e que fale desse assunto!?
4. Que petulância!
Pensando bem: coloquemo-nos no lugar de todos os que estavam na sinagoga e também dos destinatários deste evangelho. O redator final teve que ir fundo na pesquisa (1.1-4) de tão nova que era a Boa Nova. Esse cara aí, que é de Nazaré, que conhece os ditos populares do lugar, este se diz o Messias. E já o faz aos 12 anos, num texto exclusivo de Lucas e que precede o nosso. Simeão já o fez, bem como também a profetisa Ana (Lc 2.25-38), em textos lambem exclusivos, quando Jesus ainda era bem pequeno. No nosso texto ele o faz com muita segurança. Levando em conta quem ele é e de onde vem… Que petulância!
Bem mais tarde, quando Jesus já está em Jerusalém, mas continuando o seu costume de ensinar o povo no templo e evangelizar, as lideranças cobram a procedência de tal autoridade (20.1-3).
Mas não só Jesus se compara com Elias e Eliseu, como também o povo o faz, uma grande multidão que o acompanha. Que grande profeta apareceu entre nós. Deus veio salvar o seu povo (Lc 7.11 e 16). Imaginamos ainda que essa petulância de Jesus se comparar aos maiores profetas seja menos agressiva às autoridades do que a multidão o fazer, porque isso abala de fato o poder com o qual querem se perpetuar.
E o que é mais bonito ainda: além de não ter a legitimidade necessária para dizer o que está dizendo, do ponto de vista oficial, ele ainda envia as pessoas curadas para a missão (Lc 8.38-39). Quer dizer, a partir desse nazareno que não tem formação nenhuma (Como ele sabe tanto sem ter estudado, Jo 7.15), acontece formação no meio do povo, de povo para povo. Não estaria aí um texto nos exigindo, a nós pastoras/es, a abertura para o trabalho das pessoas leigas?
O quarto passo da pregação poderia levantar esta questão. Em termos de aprendizagem das coisas da sinagoga, do esquema religioso da época, Jesus é um leigo e um leigo que abre o caminho para as outras pessoas leigas.
E a questão dos estrangeiros? Também é pura petulância o que Jesus faz: quando ele, a partir de Isaías, aprofunda a questão, o faz com os estrangeiros, o que é um ponto nevrálgico para os judeus. Como judeu, Jesus pisa por cima do preconceito de raça, e isto é revolucionário para a época. A pregação precisa destacar isso, já que tal preconceito existe ainda hoje, mas é bem mais sutil.
Lembrando Elias, que vai ao encontro da viúva de Serepta, Jesus levanta Ires aspectos na vida do povo pobre, preso, cego e oprimido (v. 18): 1) Não chove por três anos e meio e há muita fome. 2) Há muitas viúvas em Israel. A lei lhes tira todo o direito de fazer reservas para enfrentar crises. 3) Se ser pobre já é sofrido, se ser viúva pobre é ainda mais sofrido, imagine ser viúva pobre e estrangeira. É o cúmulo dos cúmulos. É o fim da picada Jesus lembrar esse Elias e essa viúva pobre e estrangeira no momento em que todos os que estavam na sinagoga já estranham o hoje se cumpriu.
E a petulância de Jesus vai mais longe ainda: lembra ainda mais um aspecto do sofrimento do povo que ele veio libertar — a doença. A lepra é doença gerada pela discriminação social e que leva a mais discriminação ainda. Perante a lei, são impuros os portadores dessa doença. Não podem participar do culto no templo. Isto é legal. É lei. Jesus de fato contesta todo esse aparato de poder. Levítico 21.17-23 é um verdadeiro insulto contra Deus. Os fariseus pensam ser um insulto a atitude livre e solidária de Jesus. Para Jesus a pessoa leprosa é sofrida e, portanto, deve ser curada, passando por cima da lei que lhes tira toda a cidadania.
Aqui não se trata de um leproso qualquer. Trata-se de Naamã, um estrangeiro, curado pelo profeta Eliseu. Naamã não faz parte da classe marginalizada. E uma menina israelita, dada como escrava à esposa de Naamã, que o envia a Eliseu para que este o cure (2 Rs 5.1-16).
É às pessoas excluídas da sociedade que Jesus se dirige. Isto ele vai mostrar em toda a sua atuação depois. Mas, em Lucas, o Mestre já quer deixar isso claro logo de início. E ele o faz usando as figuras de Elias e Eliseu, profetas muito respeitados em Israel. Traz à tona a situação das mulheres que perdem tudo ao ficarem viúvas porque, sem a referência do marido, elas não têm mais nenhuma. Para o Evangelho de Lucas trazer este detalhe, isso deve ter sido muito forte em suas comunidades. ' 'As comunidades do Evangelho de Lucas, com toda proba-bilidade, são pequenas comunidades onde o contraste social era muito forte e onde a exploração e marginalização da mulher era grave (Mosconi, p. 22). Trazendo a figura da viúva estrangeira e faminta e do estrangeiro leproso Naamã, levado à cura a partir de uma menina escrava, o Evangelho segundo Lucas dá muito mais peso a toda a missão desse Jesus Cristo.
O ano aceitável do Senhor (v. 19) precisava ser colocado em prática mais do que nunca. Trazendo para nós o episódio deste texto, a comunidade de Lucas nos traz de volta a situação do tempo de Isaías, de Jesus, de sua própria comunidade e, é claro, nos leva à nossa realidade, onde igualmente o ano aceitável do Senhor precisa também de um Hoje se cumpriu o que as Sagradas Escrituras dizem.
5. Para fora da sinagoga — para fora da cidade
Todos os que estavam na sinagoga arrastaram Jesus para fora. Por aí se pode ver quem está lá: são pessoas que discordam desse Jesus que traz à tona Isaías, Elias, Eliseu, para dizer que é por aí.
Não é por aí que as pessoas da sinagoga querem andar. Isaías traz a proposta de reviravolta na sociedade. Elias é sinal de vida plena para as viúvas. Eliseu lembra que a doença não é motivo de expulsão da sociedade. E o nazareno, sem expressão alguma, um qualquer dentre o próprio povo nazareno, falando a língua deles, usando os ditos deles, baseando-se na tradição deles… É. Aqui nós temos um verdadeiro desmonte do aparato todo que o poder religioso detém.
E o arrastam não só para fora da sinagoga, como também para fora da cidade. Parece-me que um quinto passo desta pregação teria que ir nesta direção: não estaríamos nós igualmente expulsando Jesus de dentro das nossas igrejas e de nossas cidades ? Ou até de dentro das nossas consciências e dos nossos corações?
O termo cidade aparece muito em Lucas. São 40 vezes em todo o evangelho (ibid., p. 31). Só no v. 29 do nosso texto o termo aparece duas vezes.
A cidade recebe todo o incentivo oficial. A cultura grega é muito badalada e é ligada à estrutura do Império Romano. Há muitas escolas na cidade, ao contrário do interior. E, a partir do poder cultural, a grande cidade vai se estruturando para dominar em todos os sentidos. A escravidão, a cobrança de mais e mais impostos e a conquista de mais e mais terras e povos fazem o sucesso da grande cidade. Como já vimos, o Evangelho de Lucas, com toda a probabilidade, surge justamente na periferia dessas grandes cidades como um grande sinal de resistência.
Jesus envia seus discípulos para as cidades. Ele mesmo, saindo de Nazaré, foi para uma outra cidade (e para uma outra sinagoga), Cafarnaum da Galiléia. Ele mesmo decide ir para a grande cidade de Jerusalém (9.51). Jesus chora ao ver a cidade de longe (19.41-42). E deixa bem claro o motivo: Jerusalém, Jerusalém! Você que mata os profetas e apedreja os mensageiros que Deus lhe manda! (13.34). Jesus denuncia a repressão que existe na grande cidade, a mesma que consegue matá-lo mais tarde.
Mas Jesus direciona sua mensagem para fora da cidade, não sem antes atacar o poder ali reinante. No finzinho do nosso evangelho, Jesus leva os seus discípulos para fora da cidade, para o povoado de Betânia, e ali os abençoa (24.50). Depois eles voltam, como Jesus recomenda, até que o poder de cima venha sobre vocês (24.49). Mas são enviados para todas as nações, começando por Jerusalém, onde sua vida, morte e ressurreição questionam todo o poder.
Repetidamente Jesus se refugiava fora da cidade: no deserto (4.42), mas à noite saía e ficava até de manhã no monte das Oliveiras (21.37), no povoado de Betânia…
6. Santo de casa faz milagre, sim!
Há um forte preconceito contra a população da Galiléia, talvez por esse território ser corredor para os pagãos, por ser a terra mais distante do templo, mais próxima dos estrangeiros (Neutzling, p. 47). Se tal preconceito já vem de fora, podemos imaginar o quanto o próprio povo galileu sente-se pequeno, desprezado. Como acreditar que um galileu, que um nazareno é o grande enviado de Deus, com o qual se cumpre a profecia de Isaías?! Santo de casa não faz milagre, muito menos um santo tão pobre, tão de nada.
Mas esse santo de casa faz milagre, sim, e já neste texto, no último versículo. Vejamos: conseguem arrastar Jesus para fora da cidade. Por que, se conseguiram arrastá-lo para fora da cidade, para cima do monte, como não conseguem jogá-lo para baixo? O pior já estava feito! Como deixam de fazer aquilo para o qual o arrastaram?!
Sexto passo da pregação: aqui há um milagre. Que milagre é esse? Quem sabe fosse viável abrir a discussão.
Esse primeiro milagre desse santo de casa tem atrás de si um detalhe que decide tudo: uma grande multidão. É a multidão que o deixa passar, dando-lhe a liberdade de ir embora (v. 30). Todos os que estavam na sinagoga devem ter sido infinitamente menos gente, o suficiente para arrastar Jesus para fora da sinagoga e para fora da cidade, mas não para impedir que a multidão o deixe passar. A multidão, pois, o livra do massacre, como em Mc 12.12. Também livra-o da prisão, em Mc 1.18; daquele jeito de matá-lo que as autoridade', procuravam, em Jo 8 de apedrejamento. Jesus conseguiria escapar por tantas vezes se não tivesse essa grande multidão lhe dando cobertura?
Será que o milagre não vai mais longe ainda? Talvez todos os que estavam na sinagoga tenham mudado até de pensar, vendo toda essa multidão, Talvez tenham se convencido de que esse galileu e nazareno como eles poderia, sim, cumprir a profecia de Isaías.
Esse galileu e nazareno, propondo o cumprimento da reviravolta social profetizada por Isaías, atinge fundo nos anseios da multidão. A comunidade de Lucas quer fazer valer isso ainda mais, nos trazendo esse episódio com o milagre do santo de casa passando tranquilamente por entre a multidão. A metade da população das grandes cidades, em cujas periferias o Evangelho é gestado e às quais se destina, é população escrava. Toda essa população precisa saber que o poder do Espírito Santo está com Jesus, já desde a Galiléia, que ele já eia elogiado por todos, que toda a região ouviu falar de Jesus (4.14-15).
E o milagre vai acontecendo. Esse homem com muita sensibilidade e carinho (o que já é um milagre em uma sociedade patriarcal como aquela) vai atraindo sempre mais as multidões. Estas entendem seu linguajar por ser algo deles, por vir deles. As mulheres o seguem e servem da Galiléia até Jerusalém O milagre aconteceu, sim: a mensagem, começando na Galiléia, foi até os confins da terra e veio até nós.
Passo final — Que tal se a pregação finalizasse com um desafio: o de a gente seguir caminhando ao lado de Jesus de Nazaré da Galiléia, em meio a multidão, desafiando todos os poderes que querem arrastá-lo para fora das sinagogas, e cidades, e povoados, e desertos de hoje. Que tal o desafio cie não deixarmos os poderosos de hoje derrubarem a mensagem revolucionária de Isaías, de Elias, de Eliseu e de Jesus morro abaixo?
Como temos certeza de que podemos apostar nesse desafio? É que, assim como o Senhor ungiu a Isaías, assim como ele ungiu a Jesus, assim também unge a nós. E tudo a partir da leitura bíblica, como fez Jesus, e a partir das nossas Galiléias e Nazarés bem concretas, buscando o sentido da nossa vida hoje, porque hoje se cumpriu a Sagrada Escritura.
7. Subsídios litúrgicos
Confissão: Perdão, Senhor, se constantemente expulsamos Jesus de dentro de nossas vidas, ao ficarmos neutros, frente à Bíblia e frente à realidade que nos cerca. Perdão, se não buscamos entender e atualizar a tua Palavra. Perdão, se ainda pensamos que isso é só coisa para quem estudou para isso. Perdão, se assim barramos o trabalho de pessoas leigas em nossa Igreja.
Oração pela Palavra: Nós oramos pela Sagrada Escritura. Que sempre mais pessoas, de todas as áreas, de todos os dons, de todas as maneiras, te ajudem, ó Deus, a fazer cumprir todas as profecias que garantem vida melhor para todas as tuas criaturas.
Oração final: Por este mundo afora, há milhões de pobres, presos, cegos, viúvas, doentes, oprimidos em geral. Capacita-nos, Senhor, para entendermos Iodas as lutas legítimas por mudança social e nos engaja lá onde mais formos necessários e eficazes.
8. Bibliografia
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. 7. ed. Petrópolis, Vozes, 1979. CEBI, Dia da Bíblia 1988; Estudos Bíblicos a partir de Lucas 4 a 6.
MOSCONI, Pe. Luis. Evangelho segundo Lucas; Pistas para uma Leitura Contemplativa, Espiritual e Militante. CEB1, 1991 (A Palavra na Vida, 43/44).
NEUTZLING, Inácio. Jesus e os Marginalizados do Seu Tempo. Estudos Bíblicos, no 21. Petrópolis, Vozes, 1989.