Prédica: Lucas 6.27-38
Leituras: Gênesis 45.3, 8a,15 e 1 Coríntios 15.45-49
Autor: Uwe Wegner
Data Litúrgica: 7º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 19/02/1995
Proclamar Libertação – Volume: XX
1. Conteúdo
O texto claramente tematiza o amor aos/às inimigos/as. Duas vezes, no início e no meio, conclama-se expressamente para amar os inimigos: v. 27 e 35. Poderíamos perguntar se os vv. 37-38 ainda se encaixam nesta temática. A resposta deve ser positiva, pois o realce ao dar no v. 38 liga-o literalmente com o v. 30 e, em termos de conteúdo, praticamente com todo o texto de 6.27ss.
O conteúdo compreende os seguintes itens:
1. Apelo e concreticidade:
Apelo: Amar os inimigos: vv. 27a + 35a
Concreticidade:
a) atitude para com os que odeiam, maldizem e caluniam: vv. 27s.
b) atitude para com os que usam da violência: vv. 29s.
c) o amor ao inimigo excede o amor usual: vv. 32-34
d) Não julgar/condenar, mas perdoar/dar.
2. Fundamentação:
O amor ao inimigo como expressão
a) da filiação divina: v. 35b
b) do amor/misericórdia de Deus para com todos: vv. 35c-36
c) da regra de ouro: v. 31.
2. Características do texto de Lucas
Na literatura é comumente destacado que nos pormenores o texto paralelo de Mateus costuma ser o mais original. Lucas escreve para dentro de uma outra situação que Mateus, sobretudo para leitores fora da Palestina e de cunho gentio-cristão. Essa nova situação poderia explicar algumas modificações em relação a Mateus, como, p. ex.:
— A insistência de Lucas no uso das expressões fazer o bem aos outros (3 xx: vv. 27,33,35!) e cháris (= recompensa) nos vv. 32-34: também 3 xx! Ambas as expressões são empregadas seguidamente na ética grega.
— O uso de caluniar ao invés de perseguir na expressão orai pelos que vos caluniam. Esta modificação advém da situação diferente, que dentro das comunidades lucanas coincide mais com textos como l Pe 3.16.
— Lucas não fala em bater na face direita, mas simplesmente na face: a batida na face direita era muito ofensiva para os judeus, mas não necessariamente compreensível para os gentios.
Como modificações lucanas no texto podem ser interpretados também todos os seus acentos destacados sobre a questão financeira, mormente a do empréstimo. Isso pode-se inferir do estudo do Evangelho e de Atos como um todo. Em ambas as obras o terceiro evangelista apresenta uma sensibilidade peculiar para com os pobres, por um lado, e para a necessidade de conversão dos ricos, por outro. Nosso texto insere-se muito bem dentro dessa preocupação geral de Lucas. Pode-se comprová-lo já numa comparação entre a formulação do v. 30 em Lucas e a de Mt 5.42: enquanto que Mateus formula: Dá a quem te pede, Lucas já é bem mais incisivo e generaliza o compromisso, colocando: Dá a todo que te pede. Mas é sobretudo nos vv. 34, 35b e 37c-38 que a preocupação social de Lucas aparece com toda a nitidez. Nestes versículos trata-se de matéria exclusiva sua e não há dúvida de que eles retratam sua preocupação prioritária:
E se emprestais àqueles de quem esperais receber, qual é a vossa recompensa? Também os pecadores emprestam aos pecadores (…). (V. 34.) (…) emprestai sem esperar nenhuma paga (…). (V. 35b.) (…) perdoai e sereis perdoados; dai e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também. (Vv. 37c-38.)
Com exceção da última frase, todas estas palavras representam acréscimos de Lucas ao texto encontrado em Mateus e traem uma mesma preocupação: a de que, em relação ao dinheiro, não se transformem os outros em inimigos, e sim em irmãos. Como Lucas se imaginou isto em concreto? Resposta: através de uma prática generosa de doação e empréstimo sem esperar nenhuma paga, ou seja, a fundo perdido. Theissen (p. 119) conclui com acerto:
Assim, não pode haver dúvida quanto à observação de que nas comunidades lucanas o amor ao inimigo e os problemas de dinheiro estão estreitamente relacionados (…) Lucas não pensa em termos de inimigo nacional. O que aqui aparece como inimizade particular é, em últimos casos, o registro de diferenças sócio-econômicas.
Ou seja: em Lucas o amor ao inimigo é enquadrado nas questões de ordem material e econômica, não tanto nas de ordem sentimental ou afetiva. Meus inimigos vão se definir pelo dinheiro que ganho e que estou a fim de perder ou de reter, de emprestar a fundo perdido ou de aplicar com altas taxas de rendimento. É, por assim dizer, não tanto uma questão de coração, mas eminentemente prática, de doação e empréstimo.
Isso não significa que outros aspectos do amor ao inimigo não estejam contemplados no texto de Lucas também. Significa só que esse aspecto financei¬ro é aquele que Lucas quis destacar. Por isso propomos que a pregação deste texto faça jus a esse destaque lucano e refuta a temática do amor ao inimigo pela área contemplada da economia.
3. Textos para reflexão
Gerd Theissen, em seu artigo citado, menciona dois textos do Sirácida neste contexto de amor ao inimigo e empréstimo. Vale a pena transcrevê-los como reflexão para nosso assunto:
Eclo 29.1-7:
Quem pratica a misericórdia, empresta a seu próximo (…) Muitos consideram o empréstimo um presente, e deixam os credores em dificuldade. Antes de receberem, beijarão as mãos de quem empresta e amaciarão a fala sobre as riquezas do próximo; no dia do vencimento, adiarão a data, responderão palavras evasivas e se queixarão do prazo. Se puderem pagar, é a custo que o credor receberá a metade e deverá considerá-lo um achado; se não puderem, defraudam-no em seu dinheiro e ganham um inimigo gratuito; este lhes retribuirá com maldições e injúrias e, em vez de reconhecimento, receberá desonra. Por isso, não por maldade, muitos se recusam a emprestar, temendo serem defraudados sem motivo.
Eclo 4.1-3:
Filho, não prives o pobre do necessário à vida (…) Não aflijas quem tem fome (…) nem adies tua ajuda a quem precisa.
4. Meditação
O texto de Lucas parece estar pressupondo uma situação que mais corres ponde a Eclo 4.1ss. do que a Eclo 29.1-7. Não há, pelo menos, menção explícita de que o pedido de emprestar sem esperar nenhuma paga de Lc 6.35 tenha alguma coisa a ver com o fato de as pessoas não estarem querendo pagar de sacanas que são. Mais provável é que Lucas esteja pensando em pessoas realmente pobres, que não estão podendo devolver empréstimos, mas que, mesmo assim, necessitam dos mesmos. Ele escreve para a gentilidade, e o Império Romano, com sua política de arrecadação de altos impostos das províncias, empobrecia sensivelmente grandes parcelas da população.
A seguir, alguns exemplos que nos ocorrem desse tipo de amor aos inimigos econômicos em versões atuais:
a) O exemplo do empresariado
O empresariado interessa aqui particularmente, pois é a classe diretamente visada pelo nosso texto, a saber, aquela que tem capital, dinheiro. Ora, Lucas pede justamente que amem o seu inimigo aqueles que têm o que dar ou com que emprestar.
Há quatro anos, quando Luís Inácio Lula da Silva, candidato a presidente do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores, ameaçava tornar-se realmente o candidato escolhido pelo voto popular, o empresariado ameaçou uma debandada geral para fora do país. Considerava Lula como seu pior inimigo. O que o fazia tão inimigo assim do empresariado? É que em seu governo o dinheiro a ser emprestado tomaria uma outra direção. Os empréstimos a fundo perdido priorizariam segmentos relacionados com a produção, mas que efetivamente precisassem desse dinheiro. Ademais, o empresariado seria conclamado, muito mais do que em outros governos, a dar a sua contribuição para o bem-estar social, uma contribuição cuja medida deveria ser, como no nosso v. 38, boa, calcada, sacudida, transbordante. Esse dar viria em várias formas: dar o imposto devido, não sonegar; dar salário justo, não explorar; dar preço correto, não aumentar por aumentar, etc. O empresariado não gostou e ameaçou cair fora.
Lula perdeu as eleições, entrou Collor como presidente. Mas o fato é muito revelador: o empresariado revelou que Lula era seu inimigo no l! Mas, como Lula — no fundo — representava uma plataforma alternativa de governo, ficou claro que o inimigo no l do empresariado era mesmo a classe operária. O empresariado acabava de admitir indiretamente o que sempre procurara negar cara a cara: a luta de classes. A luta de classes sempre é negada ou minimizada quando o poder está nas mãos de quem tem o dinheiro e os meios de produção. Quando esse quadro tende a mudar, aí a coisa fica diferente. Diante deste fato, nosso texto tem uma mensagem muito clara: quem tem para dar, mas retém (vv. 30 + 38), está perpetuando uma inimizade, não amando o inimigo.
Para que se entenda o que significa amar os inimigos dentro de nossa situação, há que se levar em conta a natureza do sistema que nos determina em pensar e agir. Os outros, os que necessitam de mais dinheiro, mais salário, mais renda partilhada, são inimigos naturais do empresariado, justamente porque, no capitalismo, tudo ou todos que representam algum entrave para o ganho do maior lucro possível, devem ser combatidos.
Mais partilha de renda com os empregados e funcionários significa necessariamente menos renda privativa para o patrão. Por isso, no nosso caso, nos parece que amar inimigos que pouco têm e que estão muito necessitados só tem perspectiva quando se está disposto a reconhecer que o sistema como um todo também deve ser combatido, já que é exatamente ele que gera e aumenta o tipo de'' inimizade'' que se quer romper.
Lucas está pedindo a quem tem capital e dinheiro para romper com a lógica do acúmulo, para amar os inimigos: o empresariado brasileiro saberá corres¬ponder a esse amor evangélico radical? Saberá ser sensível a outros interesses que não os exclusivamente de sua classe? Saberá admitir que os interesses do operariado são pelo menos tão legítimos quanto os seus e que o operário é gente tanto quanto o patrão?
O governo às vezes colabora, às vezes não colabora para que a classe empresarial viabilize amor aos seus inimigos da classe trabalhadora. Por exemplo: medidas que congelam o salário, mas que liberam os preços, e isto por meses e anos seguidos, colaboram para que empresários aprendam a explorar, não a amar a classe trabalhadora. Nesta mesma linha apresentam-se também os sempre novos sacrifícios pedidos e exigidos da classe trabalhadora, enquanto que a classe empresarial é protegida para não deixar de gerar empregos. Mas há também o outro lado. E aqui pensamos, sobretudo, nas Câmaras Setoriais, em que empresários e operariado negociam cara a cara os seus interesses, aprenden¬do a ganhar, mas também a ceder, a avançar, mas também a recuar. Uma outra ideia que muitas vezes já veio à tona é a de um amplo debate e conciliação nacional de interesses, envolvendo um projeto nacional exaustivamente discutido pela sociedade e sobre cujos fundamentos a nação como um todo se disporia a trilhar no futuro. Os últimos governos não conseguiram viabilizar esse projeto. Mas ele, sem dúvida alguma, deveria continuar sendo perseguido, já que poderia representar um passo muito importante rumo a uma conciliação de interesses, mesmo que provisória e fragmentária: isto representaria um enorme avanço rumo ao amor aos inimigos, desta vez de ambos os lados.
b) O exemplo dos bancos e do governo
Lucas interessa-se pela questão dos empréstimos. Em nossa sociedade os responsáveis por empréstimos são, via de regra, os bancos. Pergunta-se, com justa razão, se estes ainda contribuem com sua função original. Os bancos viraram uma ciranda financeira. Carecem de uma reforma profunda, para que uma de suas funções originais, a de emprestar para quem realmente necessita, seja novamente retomada. O ano de 1993, p. ex., mostrou com muita clareza como é injusta e exploradora a política bancária de empréstimos agrícolas. As falências na área rural, mormente de pequenos e médios agricultores, elevaram-se em números inaceitáveis. Aqui levantam-se uma série de perguntas: que propostas concretas apresentam os bancos no atual sistema financeiro para empréstimos direcionados a pessoas e grupos de classe baixa ou média baixa? Existe uma política bancária clara para que também este tipo de pessoas, que, afinal, perfaz 80% do total da população, possa tomar empréstimos de médio e longo prazos e em condições efetivas de pagamento?
Empréstimos a fundo perdido também podem ser feitos via governos central, estadual ou municipal. Estes aparecem na forma de perdão de dívidas, perdão de impostos, parcelamento de dívidas e impostos, subsídios, incentivos, isenções de impostos e taxas, etc. Seria desejável que nossos governos tivessem critérios muito rigorosos para decidir quem realmente necessita de tais perdões e incentivos. Na prática o que tem ocorrido é que a grandes empresas são concedidas grandes anistias e absurdos parcelamentos de dívidas, enquanto que pequenos produtores e empresários são sumariamente julgados, ou ajuizados, como se costuma dizer.
c) Amor ao inimigo econômico dentro das comunidades
A Igreja está aí para reproduzir valores e relações adequados à novidade do evangelho e do reino de Deus, não para simplesmente assimilar ou perpetuar relações que o mundo pratica. Por isso cabe a pergunta: o mandamento do amor aos inimigos, como Lucas o apresenta, necessita ser experimentado e vivido também dentro de nossas comunidades?
A resposta é positiva. As comunidades, aliás, deveriam ser luz nesta matéria. Mas nem sempre é assim. O mandamento do dar (v. 30), reforçado no v. 38, tem muito a ver com o tema da economia. Parece que muitas pessoas fazem dentro das comunidades a mesma experiência que fora: notam elas que, via de regra, quanto mais as pessoas têm, mais seguras e pão-duras tendem a ficar, menos tendem a dar. Os ricos podem até dar mais em dinheiro ou donativos, mas, via de regra, dão bem menos em proporção (cf. Lc 21.1-4). O que tem de evangélica ainda uma prática de contribuições em que pessoas completamente desiguais em termos económicos precisam contribuir de forma completamente igual em dinheiro para a Igreja? Muitas comunidades têm, em vista disto, aderido ao sistema de contribuições proporcionais. Neste a injustiça é diminuída, mas ainda sobra em boa medida: ora, o rico e o pobre têm necessidades bem diferentes em relação ao dinheiro que proporcionalmente dão à Igreja; é mais do que claro que, também neste sistema, o pobre é o que acaba sendo mais sacrificado.
Não estaria na hora de as comunidades multiplicarem os seus serviços sem esperar nenhuma paga? Não requer a situação atual de empobrecimento, desemprego e achatamento salarial que as igrejas aumentem o número dos seus protegidos, investindo diaconicamente, sim, mas a fundo perdido? Lá pelo ano de 250, só a comunidade de Roma servia a fundo perdido nada mais nada menos que 1.500 viúvas e necessitados! Não é possível que dentro da Igreja uma pessoa indigente ou desempregada seja tratada — economicamente — da mesma maneira como aquela que recebe um bom salário! Amor aos inimigos seria então, numa versão comunitária, amor àquelas pessoas que — economicamente — representam perda para quem tem dinheiro e está disposto a bancar e perder por elas.
O quanto se necessita caminhar nesta área torna-se claro se passarmos da reflexão comunidade-membro para a dimensão comunidade-comunidade. Dentro de nosso sistema, as comunidades facilmente podem encarar-se como inimigas umas das outras: basta que se fale em caixa comum distrital, regional ou coisas do gênero. O texto de Lucas faz a seguinte pergunta as comunidades mais fortes economicamente: em que medida e de que forma estão dispostas a amparar economicamente as mais fracas? A resposta a esta pergunta representa a concretização do mandamento do amor ao inimigo intracomunitariamente, no sentido econômico destacado por Lucas.
d) O inimigo (econômico) dia-a-dia à nossa frente
Lc 6.27ss. não tem unicamente relevância sócio-política ou comunitária, mas sim, naturalmente também pessoal. Esse amor econômico ao inimigo requerido pelo texto nos questiona também de maneira bem pessoal. Dependendo de quem somos e de quanto ganhamos por dia, mês e ano, a vivência desse amor vai ter características diferenciadas. Mas ninguém pode ignorar os apelos dirigidos ao nosso dinheiro de todas as direções imagináveis: são os carentes e pobres que batem diariamente à nossa porta, são os movimentos sociais em suas mais variadas expressões pedindo colaborações espontâneas, são as entidades de classe, como os sindicatos, convidando para os mutirões, são partidos e candidatos /as políticos/as conclamando para apoio político-financeiro para suas campanhas e programas de governo, etc., etc.
Há uma infinidade de motivos para considerar todos esses apelos pelo seu lado ruim e, portanto, também os que apelam como nossos ' 'potenciais inimigos económicos: o pobre pega nosso dinheiro e vai tomar cachaça, os movimentos sociais têm visão por demais curta (só enxergam os problemas do próprio nariz, não valendo a pena um investimento ali), partidos e políticos vão usar nosso dinheiro para se elegerem, mas depois vão pensar somente em encher os próprios bolsos, o pessoal do sindicato está sendo até melhor pago do que nós, etc. Sabemos que tudo isso pode ser também verdade, mas que não precisa ser necessariamente toda a verdade e nem sempre a verdade. Amar esses potenciais inimigos na esfera da economia seguramente não seria dar dinheiro ou investir do próprio dinheiro em pessoal e em causas de forma irresponsável e sem cuidado. Mas, sem doação (vv. 30 e 38) e sem empréstimos que considerem a real situação dos necessitados (emprestai sem esperar nenhuma paga) não vai acontecer amor aos inimigos na área da economia, como propõe nosso texto.
5. Prédica
A meditação procurou dar algumas pistas para a interpretação económica do amor ao inimigo segundo o texto de Lucas, apontando para as áreas pessoal, comunitária e sócio-política. Se o/a pregador/a tiver interesse em priorizar também, à semelhança de Lucas, o aspecto econômico, poderia colocar seus acentos e ênfases de acordo com os interesses e prioridades regionais e locais que pretendesse abordar.
Primeira sugestão de passos para uma prédica:
1. Deus teria uma série de razões para negar-nos seu amor… Não obstante, faz o contrário. Este contrário é destacado no texto pelos vv. 35-36 e sua manifestação mais concreta representa o amor de Jesus pela humanidade pecadora (Deus prova o seu amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós quando éramos ainda pecadores: Rm 5.8).
2. Nós também teríamos uma série de razões para não prestar ajuda concreta às pessoas, não dar nada a ninguém: as decepções que tivemos, as frias nas quais entramos, a ingratidão que sentimos, o abuso da bondade que tivemos, etc. Tudo isso mostra que as pessoas, no fundo, não são amigas nossas, e sim inimigas, aproveitadoras.
3. O evangelho pede que sejamos como Deus: que emprestemos e demos a fundo perdido.
4. Exemplos na prática (destacar uma ou mais áreas: pessoal, comunitária, sócio-política, etc.).
Segunda sugestão de passos para uma prédica:
A prédica poderia tematizar um versículo ou parte dele. Nossa sugestão é de tematizar o v. 30a: Dá a todo o que te pede. O/a pregador/a poderia:
1. Mostrar a radicalidade do pedido (Mt 5.42 não diz para dar a todo que pede!) e a insistência de Lucas no mesmo (reaparece no v. 38). A concreti¬zação do' 'dar'' no texto: emprestar a fundo perdido (' 'sem esperar nenhuma paga'').
2. Colocar o pedido dentro da preocupação maior do Evangelho de Lucas: mover pessoas de posses, que têm o que dar, para que o façam. Lucas, por um lado, é extremamente cético em relação à conversão de ricos (Lc 6.24ss.; 16.19-31; 18.24-25, etc.), mas, por outro, é o evangelista que mais destaca a dádiva de esmolas (11.39-41; 12.33; At 9.36; 10.2,4,31 e 24.17) e que narra explicitamente a conversão de um rico (cf. o caso de Zaqueu em 19.1ss.). Em At 2.42ss. e 4.32ss. destaca que ninguém considerava exclusivamente seu o que tinha, mas dava-lhe uma razão social.
3. Problematizar o pedido: dar a todo que pede, na prática, é impossível, pois ninguém tem tanto pra dar que pudesse satisfazer à legião de pedintes que existe atualmente, p. ex. nas grandes cidades. O pedido também tem um segundo entrave, e este é o sistema em que vivemos: nós aprendemos que a felicidade da vida não está no dar (como sugere o v. 38), e sim no lucrar e ganhar cada vez mais dinheiro. Por isso, os outros muitas vezes não são objeto de compaixão, mas de exploração.
4. Temos que escolher entre uma vida solidária e outra individualista, que só pensa em si e no seu. Isso trará consequências para nossas opções políticas, para a forma de organização de nossas comunidades, para a maior concentração ou distribuição de renda nas empresas, etc. (veja os exemplos comentados acima).
5. Sugestão: ensaiar o Dá a todo que te pede em pequenos passos. Há várias maneiras para começar esse ensaio (talvez haja exemplos coletivos, comunitários ou individuais concretos a mencionar, a título de motivação). Ser cristão é estar convicto disto, em nome de Jesus.
6. Bibliografia
Gerd THEISSEN, A renúncia à violência e o amor ao inimigo. In: —. Sociologia da cristandade primitiva. São Leopoldo, Sinodal, 1987. p. 100-132.