Prédica: 1 Tessalonicenses 5.1-11
Leituras: Oseias 11.1-4,8-9 e Mateus 25.14-30
Autor: Osmar Witt
Data Litúrgica: Penúltimo Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/11/1996
Proclamar Libertação – Volume: XXI
1. Introdução
Os textos previstos para este domingo estão relacionados ao tema da escatologia. Seus conteúdos referem-se à espera do Dia do Senhor e à postura das comunidades cristãs neste tempo de espera. O profeta Oséias lembra o povo de Israel que Deus o ama como uma mãe ama seu filho. Apesar da rebeldia do filho depois de crescido, a mãe não se esquece de como o envolveu com laços de amor quando era menino. Por isso, Deus trata seu povo com misericórdia e não quer se irar contra ele. A parábola dos talentos no Evangelho de Mateus adverte a comunidade em dois sentidos: o Dia do Senhor poderá tardar (depois de muito tempo — v. 19), mas chegará inesperadamente; o ajuste de contas com o Senhor que volta se fará à base do emprego dos talentos que ele nos confiou. Importa, pois, que a comunidade seja encontrada vigilante e sóbria, confiante na promessa de ter sido preparada para a salvação mediante a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Este é propriamente o assunto da perícope prevista para a pregação.
2. Tessalônica
Tessalônica era uma cidade portuária e entroncamento de importantes vias do Império Romano. Conseqüentemente era também um importante centro comercial por onde circulavam pessoas de diferentes origens. Para sua colonização os romanos trouxeram ítalos, sírios, egípcios e judeus. Ao tempo da fundação da comunidade cristã, por volta do ano de 50, Tessalônica era a cidade mais importante da província da Macedônia e sede do procônsul romano. Tinha um governo próprio e desfrutava do status de cidade livre. Em troca, porém, devia provar fidelidade ao imperador romano. Anunciar a Cristo como Senhor em Tessalônica poderia ser entendido como ato de infidelidade (cf. Atos 17.6b).
3. A Igreja dos Tessalonicenses
Conforme At 17.1-8, Paulo e Silas chegaram a Tessalônica, onde Paulo pregou por três sábados consecutivos na sinagoga dos judeus. Contudo, parece que sua pregação encontrou maior acolhida entre os adoradores de Deus (= simpatizantes do judaísmo que não se deixavam circuncidar) e gregos (veja lambem l Ts 1.9s. e 2.14).
A comunidade se firmou vivendo na fé e no amor e mantendo viva a esperança, embora se encontrasse num ambiente hostil. O risco era de que muitos viessem a se afastar em consequência da pressão exercida pelos grupos judaizantes e pelos círculos que preferiam não dar espaço a eventuais suspeitas com relação à sua fidelidade a Roma. O próprio apóstolo e seus colaboradores foram forçados a deixar a cidade às pressas em razão das denúncias contra a sua atuação (At 17.6). Ciente destas dificuldades, Paulo, passado algum tempo, enviou Timóteo para ter notícias sobre os tessalonicenses e para exortá-los (3.1,5.). Ao regressar, Timóteo trouxe boas notícias a respeito da perseverança e fidelidade da pequena comunidade. Porém algumas dúvidas perturbavam seus membros. Os tessalonicenses desejavam saber o que sucederia com aqueles e aquelas que já tinham morrido, possivelmente como mártires, quando Cristo voltar (4.13-18). Além disso, havia uma inquietação quanto à expectativa escatológica, à qual Paulo respondeu com uma explicação relativa aos tempos e épocas, sustentando a necessidade de estar preparado, acordado e sóbrio para o Dia do Senhor (5.1-11).
4. O Texto
Os exegetas discutem a probabilidade de que a perícope de 5.1-11 seja uma inclusão mais tardia na carta. Arrolam como argumento que, à parte de aspectos formais que distinguem o texto, há também uma diferença de conteúdo. Enquanto no cap. 4 os tessalonicenses aguardam ansiosamente a parúsia e Paulo afirma que espera ver o Dia, no cap. 5 a fé no fim iminente parece ter amainado e o apóstolo conta com a possibilidade de ele mesmo já ter morrido quando o Dia chegar. A perícope seria, pois, um acréscimo posterior, cujo fim seria evitar a acusação de que o apóstolo Paulo teria se enganado. Substancial, contudo, é não perder de vista que a mensagem da vinda do Filho de Deus dos céus faz parte dos temas fundamentais da pregação missionária (1.10) (Friedrich, p. 208).
Paulo inicia a exortação retomando a expressão tempos e épocas (v. 1), que também aparece em At 1.7 e mostra o domínio de Deus sobre o tempo. O Pai conhece o tempo que aos seres humanos é desconhecido. Em Atos se diz que às pessoas não compete conhecer tempos e épocas que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade. Dispensa, pois, maiores comentários a pergunta a respeito de quando será o Dia do Senhor. A incerteza da hora é toda a nossa certeza (Schürmann, p. 94). Nada de cálculos fantasiosos. Somente o humilde reconhecimento da autoridade do Pai. A volta do Cristo será no tempo totalmente inesperado (v. 2), e para expressá-lo Paulo faz uso do ensinamento de Jesus: o Dia do Senhor virá como um ladrão de noite (Mt 24.42-44; Lc 12.39s.). O Dia do Senhor é no Antigo Testamento o dia do juízo de Javé (Am 5.18,20; Jl 2.1; S f 1.14), em Paulo ele é o dia da vinda de Cristo (l Co 1.8; 2 Co 1.14; Fp 1.6,10; 2.16), no qual também haverá juízo (l Co 5.5), mas o qual os cristãos também esperam alegremente (l Ts 4.15), pois será para eles um dia de salvação (l Ts 1.10) (Friedrich, p. 245).
Paulo, porém, não ignora a radicalidade do juízo. Justamente quando sen¬tirem-se seguras (v. 3), desfrutando a paz que resulta dos bens materiais (Ec 12.16-20), as pessoas se darão conta de que estão arruinadas, em decorrência do juízo que se manifestará no Dia do Senhor. O apóstolo, no entanto, lembra à comunidade de que esse Dia não a poderá surpreender (v. 4), pois ela é filha da luz (v. 5). Isto é, os tessalonicenses pertencem àqueles para quem a luz do Dia do Juízo já apareceu. Eles se mantêm perseverantes na fé em Cristo e a luz da ressurreição dele os torna filhos do dia.
A oposição entre luz e trevas, dia e noite lembra os cristãos da existência que se move entre forças que se combatem. Não há convívio possível entre luz e trevas. Neste combate Deus intervém através de seu Filho, para libertar a humanidade do poder das trevas (Cl 1.13), e os que seguem o Filho tornam-se luz (Ef 5.8). Luz é sinônimo de vida abundante, alegre e confiante, com paz e justiça, que resulta da obra de Cristo em nosso favor. Nesta fé se fundamenta a exortação do apóstolo para que a comunidade se mantenha sóbria e vigilante (vv. 6s.). Para o combate que se trava entre luz e trevas, dia e noite é preciso estar preparado e equipado para defender-se. A armadura da fé e do amor e o capacete da esperança da salvação são as armas defensivas que poderão proteger a comunidade de Cristo nesse combate (v. 8).
A exortação, portanto, não visa fomentar a passividade dos crentes, antes estimular a perseverança e a não-rendição ao inimigo (cf. também Jo 15.3-10). Os tessalonicenses vivem em tribulação por causa de sua fé. O ambiente em que se encontram lhes é hostil. Os tentáculos do poder opressor instalado em Roma os alcançam em sua província. Exatamente aí importa realçar e estimular a fé, o amor e a esperança (cf. também 1.3). Vigilante (atenta aos fatos), sóbria (analisando esses fatos com objetividade) e preparada (armada de fé e esperança), a comunidade tem a certeza da vitória, isto é, da salvação (v. 9).
O desejo de Deus é a nossa salvação. A imagem utilizada pelo profeta Oséias nos remete a Deus que nos ama como uma mãe ama a seu filho. Não há razão para temer o Dia do Senhor, embora não se deva perder de vista que também sobre os filhos e as filhas da luz pesará o juízo de Deus, pois a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada (l Pe 4.17). E certo que a comunidade haverá de prestar contas do uso de seus talentos (Mt 25.14-30). Daí a necessidade de perseverar em meio à tribulação. Contudo, a confiança na salvação, embora ligada ao fato de vivermos em fé, esperança e amor, armados, sóbrios e vigilantes, funda-se unicamente no amor de Cristo. Pois ele entregou a vida por nós para que, vivos ou mortos, estejamos em união com ele (v. 10). A comunidade em Tessalônica pode saber que mesmo os mortos não estão apartados do amor de Deus revelado em Jesus Cristo (Rm 8.38s.) e, desta forma, seus membros devem consolar-se mutuamente (v. 11).
5. Meditação com Vistas à Pregação
Os textos bíblicos previstos para esta época do ano no calendário eclesiástico tratam da existência sob o prisma da escatologia. Morte e juízo são temas em destaque. É o momento oportuno para uma pregação que direcione o olhar da comunidade no sentido de buscar orientação bíblica para aspectos da vida que, normalmente, são tratados de forma sensacionalista.
De muitas maneiras a esperança do Dia do Senhor tem sido reduzida e sufocada. As muitas conquistas do ser humano em todas as áreas, com tudo o que de positivo nelas possa ser destacado, também têm servido para legitimar uma postura auto-suficiente das pessoas. Transformamo-nos em deuses quando julgamos que nunca haveremos de prestar contas de nossos atos a ninguém. Encontramo-nos quase sempre em busca de poder para cobrar dos outros e não ter de prestar contas.
A existência cristã, no entanto, é iluminada pela esperança de um Dia do Senhor: Um dia de justiça, um dia da verdade, um dia em que haverá na terra paz, em que será vencida a morte pela vida. Nesse Dia esperamos estar entre os que o Senhor declarar bem-aventurados. E esta esperança não se funda no que nós somos capazes de realizar, e sim naquilo que Deus fez por nós através de seu Filho. A esperança de sermos acolhidos e acolhidas por Deus entre os salvos e as salvas não nos torna inertes. Pelo contrário, é preciso ficar sóbrio, vigilante e preparado para a luta contra os poderes que oprimem e matam como se nunca fossem ser chamados a prestar contas de seus atos.
A esperança cristã na volta de Cristo nos lembra que a vida é dom único e precioso que deve ser vivido na perspectiva do fim. Como ninguém conhece o dia nem a hora, é necessário estar sempre preparado. Nossa vida não é um rascunho que será passado a limpo depois. Não, o que fazemos ou deixamos de fazer está feito.
Desesperador? Não, pois contamos com um Deus que nos ama e que não fica irado para sempre. Ele é misericórdia. Porque ele nos amou e reconciliou consigo, olhamos para o Dia do Senhor com confiança e oramos: Venha o teu reino. Queremos que o Juízo se realize. Mas não o fazemos enchendo o peito de autoconfiança, mas, antes, com o temor reverente de quem se sabe perdoado sem merecimento.
Tal como os tessalonicenses, também nós passamos por momentos de tribulação e, sobretudo, duvidamos da promessa de Cristo e nos cansamos de esperar. Por isso preferimos dar às nossas vidas os rumos definidos por nossos próprios interesses, sem nos preocuparmos com o fato de que teremos de prestar contas dos talentos que nos foram confiados. Nesta situação o texto quer encorajar-nos a perseverar com sobriedade, pois somos herdeiros da promessa de salvação. Deus quer o nosso bem. Esta esperança é capaz de vencer o desespero dos dias presentes. É capaz de lançar luz sobre a escuridão de vidas desorientadas e humanamente sem perspectivas. Esta esperança nos estimula à mútua consolação e encorajamento. Pois vida vivida na perspectiva do Dia do Senhor é vigilância, sobriedade e luta.
6. Subsídios Litúrgicos
Acolhida: Filipenses 1.6.
Coleta: Querido Deus! Tu nos chamas para ouvirmos a tua palavra. Ela é orientação para a nossa vida até o Dia da vinda de teu Filho. Permite que a tua palavra nos estimule a perseverarmos na fé e nos faça sóbrios e vigilantes para aguardarmos com alegria e temor o Dia do Senhor. Em nome de Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.
Intercessão: Pela comunidade, para que se mantenha sóbria e vigilante; pela pregação do evangelho, para que o mundo creia que Deus quer a salvação de todos; pelos que sofrem tribulações em nome do evangelho, para que sintam a proximidade do Senhor em meio aos sofrimentos; pelos enlutados, para que sejam consolados e creiam que na vida e na morte somos do Senhor; pelos que detêm autoridade, para que não se iludam com seu poder, mas saibam que também haverão de prestar contas de seus atos; por todos/as e por cada um/a, para que façamos a experiência de que a vida na perspectiva do Dia do Senhor ganha novo sentido.
Despedida: Filipenses 1.9s.
7. Bibliografia
BAESKE, Albérico. Antepenúltimo Domingo do Ano Eclesiástico (l Tessalonicenses 5.1-8). In: KIRST, Nelson, coord. Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1983. v. IX, p. 288-94.
FERREIRA, Joel Antônio. Primeira Epístola aos Tessalonicenses; a Igreja Surge como Esperança dos Oprimidos. Petrópolis, Vozes; S. Bernardo do Campo, Imprensa Metodista; S. Leopoldo, Sinodal, 1991. 109 p.
FRIEDRICH, Gerhard. Der erste Brief in die Thessalonicher. Göttingen, Vandenhocck & Ruprecht, 1976. p. 203-51. (Das Neue Testament Deutsch, 8).
SCHÜRMANN, Heinz. A Primeira Epístola aos Tessalonicenses. Petrópolis, Vozes, 1969.