Prédica: Filipenses 2.1-5 (6-11)
Leituras: Ezequiel 18.1-4,25-32 e Mateus 21.28-32
Autor: Louraini Christmann
Data Litúrgica: 19º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 06/10/1996
Proclamar Libertação – Volume XXI
1. Uma Comunidade Muito Querida
A solidariedade com o apóstolo prisioneiro, garantindo o suprimento de suas necessidades básicas, o que o Estado não garantia — eis o motivo de gratidão de Paulo para com a sua querida comunidade de Filipos. E esta também é perseguida.
Analisando a situação dos filipenses, Comblin (p. 20) conclui que era uma comunidade pobre, mas com boas condições de sobrevivência. Prestando auxílio pelo menos três vezes (Fp 4.16; 2 Co 11.9; Fp 4.15), deram mais do que podiam.
Eu poderia continuar analisando a carta de Paulo, mas me tornaria repetitiva dentro do Proclamar Libertação. No número 20, Marli Lutz faz uma boa análise da Epístola de Paulo aos Filipenses, cuja leitura recomendo antes de continuar lendo este meu comentário. Também recomendo o estudo de Augusto Kunert feito para o 1° Domingo após Trindade, no PL VII, e baseado no nosso texto.
Pressupondo a leitura desses dois comentários, especialmente quanto à situação e origem de Filipos, ao seu relacionamento com Paulo e aos objetivos desta carta, quero apenas destacar o seguinte:
Filipos é uma comunidade surgida a partir de um grupo de mulheres em meio à situação de perseguição (At 16.13-16). Um forte relacionamento de afeto e carinho é criado. Teriam as mulheres contribuído especialmente para tal? Teria sido especialmente este Paulo tão carinhoso que a gente encontra em muitos momentos dos seus escritos, os quais nos mostram características consideradas femininas e maternas (l Ts 2.7; Gl 1.19; l Co 3.12; 2 Co 12.15; Fp 1.6; Rm 8.22-23)? Sei lá. Só sei que a comunidade de Filipos parece ser a comunidade do seu coração (1.7-8), por esta carta ser um escrito bem pessoal, por Paulo ter aceito as suas dádivas e por ser uma carta que transmite muita alegria (1.4; 2.2; 4.1; 1.18), apesar do sofrimento todo que Paulo passou em Filipos (l Ts 2.2; At 16.16-40).
2. Não E Verdade?
Não é verdade que nós, como pastores e pastoras, temos maior satisfação no trabalho se um relacionamento afetivo e carinhoso nos prende à comunidade? E não é verdade também que, em geral, uma comunidade nos cativa mais, nos conquista mais?
Frente ao relacionamento bonito de Paulo com a comunidade de Filipos, me sinto encorajada a ter o direito de ter também a comunidade do coração, aquela que mais me desafia, aquela em cujo seio mais me sinto em casa, aquela que, enfim, é o ânimo maior para o meu trabalho.
Junto com esta relação carinhosa e afetiva, também há o conhecimento profundo da comunidade, de sua vivência, seus anseios. Conhecendo-a profundamente, sabemos o que podemos pedir, temos consciência dos desafios que ela tem capacidade de enfrentar.
Paulo tem conhecimento do que acontece com os filipenses, sabe que estão unidos com Cristo, que são fortes, que o amor de Jesus os anima e que participam do Espírito de Deus. Também sabe que são bondosos e misericordiosos uns com os outros.
Ele não só conhece a prática de bondade e misericórdia que cultivam, como também o lado místico no qual se inspiram: a força, o ânimo, o Espírito, o estar unidos com Cristo.
E como conhece a prática, mais a sua fonte, Paulo tem coragem de pedir mais. Não pede mudança, mas aprofundamento do que já existe. José Comblin diz assim: Paulo não exige, mas apela para a experiência deles para que achem em si próprios motivos para agir com unidade e caridade. (Comblin, p. 39.)
Não é verdade que… é um desafio muito grande também para nós. Depende desse conhecimento o prosseguimento de tudo. E tem mais: é o próprio apóstolo Paulo que ensinou o que já vivem. O estarem unidos em Cristo, o serem fortes, o ânimo no amor de Jesus e a participação no Espírito de Deus já são resultado de sua atuação anterior. Já são colheita.
3. Então… Quero ainda mais, Quero Ser completamente Feliz!
Ser bondoso e misericordioso ainda não é o suficiente, pelo menos a bondade e a misericórdia existentes em Filipos. Estar unidos com Cristo é ainda mais. É mais radical.
A radicalidade do estar unido com Cristo consiste em um detalhe que Paulo apresenta de modo muito claro, não deixando margem a nenhuma dúvida: a radicalidade do estar unido com Cristo não tem jeito no individual. É no coletivo que o mesmo modo de pensar é possível. É no coletivo que um mesmo amor é cultivável. É no coletivo que se pode ser unidos de alma e mente (v. 2). Se não, não tem jeito. A comunidade de Filipos pode fazer Paulo completamente feliz só em comunidade. Os filipenses individualmente não o conseguirão. Ter o mesmo modo de pensar não é fácil. Exige formação conjunta, leitura coletiva, compartilhar de experiências. Quanta vivência comunitária é necessária!
Ter o mesmo amor também é muito complicado. São os corações batendo no mesmo ritmo, vibrando pelas mesmas alegrias e chorando pelas mesmas dores. Quanta intimidade precisa vir antes! Quanta risada espontânea! Quanto ombro amigo para um bom choro! Vou repetir o finzinho do último parágrafo: quanta vivência comunitária é necessária!
Ser unido de alma e mente é outro desafio que Paulo só pode mesmo fazer para quem é verdadeiramente unido com Cristo. Todo o evangelho é pressuposto! Vou dizer de novo: quanta vivência comunitária é necessária!
4. Dicas bem Práticas para Estar Unido Com Cristo
Como se consegue ter o mesmo modo de pensar, o mesmo amor e ser unido de alma e mente, enfim, estar unido com Cristo?
Paulo pede muito, mas também traz dicas fundamentais. Os vv. 3 e 4 são dicas para a comunidade de Filipos seguir e assim cumprir o v. 2.
Já que são dicas bem práticas de Paulo, eu também quero dar uma para o início da pregação.
Sugiro iniciar a pregação parafraseando os vv. 3 e 4 (ou todo o texto) com antônimos. Assim: Façam tudo por interesse pessoal, ou pelo desejo sábio de receber elogio. Sejam orgulhosos e cada um considere os outros inferiores a si mesmo. Que cada um procure os seus próprios interesses e não somente os dos outros.
A comunidade vai ficar perplexa. Ou não? Observe a reação. Talvez fosse bom repetir a leitura e desafiar a comunidade a entrar na conversa sobre o quanto este texto parece se enquadrar no esquema atual. Seguem-se a leitura de Fp 2.3-4 e o confronto das duas propostas. Exemplos bem vivenciais podem surgir daí, exemplos negativos e positivos: algo feito para ser visto e elogiado, interesses pessoais prevalecendo, atitudes arrogantes que desfazem e destroem, vidas inteiras que giram em torno do seu umbigo, como se todo o mundo girasse em torno delas. Frases dúbias como Eu só quero 'o bem' do outro podem ajudar.
Por outro lado, a comunidade deve lembrar-se de exemplos opostos, onde a humildade deu espaço para a união. A conversa deveria também indicar o que é, de fato, humildade. Há muitos casos de pessoas arrogantes que na prática se humilham em relação aos seus direitos de cidadania. Ser humilde não é aceitar Indo de cima para baixo. Ser humilde também é saber entrar em qualquer discussão, defendendo os interesses de toda a sua classe e lutando em defesa de sua dignidade. Digo isso por ter ouvido um dia uma pessoa se esquivar da participação em um ato de protesto de sua categoria com o argumento de que enluvava a humildade cristã.
A humildade cristã é bem mais, é esta que leva em conta a cruz. E aí já é anunciado o hino que se segue.
O hino lembrará o que é este verdadeiro evangelho de Jesus, o evangelho da cruz, que é o caminho do esvaziamento de si mesmo, da aceitação da humilhação até na perseguição e na cruz. Pois a vivência do caminho da cruz não se volta somente para a verdadeira fé que salva, ela favorece também a comunhão e a fraternidade dentro da comunidade. Se alguém se exalta, destrói a comunidade. Se alguém se rebaixa, ajuda a comunidade. (Comblin, p. 38.)
Quer dizer, o que conta é a edificação ou não da comunidade. Esta é um corpo cujos membros têm funções específicas, mas unidos ao todo do corpo, tendo o mesmo modo de agir de Cristo.
5. O Exemplo de Cristo
Junto a Fp 2.1-5 vêm os versículos seguintes (5-11). Não se pode separar, como diz Kunert (PL VII, p. 178), para não pregarmos moralismo e legalismo. Não tem outro jeito mesmo. Jesus é o centro do qual emanam as condições para que possamos levar a sério o que Paulo pede dos filipenses e de nós hoje. É como uma teia de aranha. Lá do centro, onde tudo começou, é que veio e continua vindo a capacidade de tecê-la sempre mais para fora, ocupando os espaços e dando a impressão de nunca estar concluída. Tudo começa com Jesus Cristo, que nos conquista antecipadamente. Pois Jesus Cristo já me conquistou (Fp 3.12). Ou então, para recorrer à figura da corrida, usada por Paulo: Jesus me alcançou primeiro. Por isso eu posso alcançar o alvo também. Lutero traduz: nachdem ich von Christus Jesus ergriffen bin. E este ser conquistado, ser agarrado, ser seduzido, é com ternura. Amo vocês com a ternura de Jesus Cristo (Fp 1.18).
É essa ternura de Jesus Cristo, essa que já me conquistou, que deve nortear a pregação. Quem escreve a carta é um preso político; portanto, é em meio a um sofrimento intenso que Paulo consegue transmitir toda a profundidade destas palavras.
Partindo de nossas situações de muita prisão também, de perseguição, de penúria, de crise, conseguiremos entender o relacionamento bonito de Paulo com Filipos, comunidade também perseguida. As dicas que Paulo dá para a vida bem cotidiana da comunidade podem ser seguidas, porque ele oferece junto com elas a vitamina necessária, uma vacina eficaz, um combustível inesgotável: o exemplo de Jesus Cristo. O hino cristológico tem essa função fantástica neste momento. Assim como o canto reanima as comunidades, mesmo em meio às crises, ou justamente em meio às crises, do mesmo modo este hino que Paulo aqui lembra deve ter animado a comunidade de Filipos.
A pregação poderia ser interrompida com um hino, um hino cristológico dos nossos dias. Sugiro a canção O Exemplo de Cristo (Cancioneiro da PPL, 1990, p. 13). Se a canção não for conhecida, pode ser declamada. Fica muito bem por causa da rima.
O Exemplo de Cristo
(letra e música de Rodolfo Gaede)
1. O Evangelho nos ensina com clareza
Que o Verbo carne humana se tornou
Este é o Cristo que optou pela pobreza
Entre os humildes deste mundo habitou
2. Nosso Senhor como um coitado se humilhou
E assumiu forma de servo sofredor
O ser igual a Deus ele não usurpou
Esvaziou-se pra mostrar o seu amor
3. Sua caminhada o levou até a cruz
Sofreu tortura, desrespeito e muita dor
Sem vacilar sua opção ele conduz
Até a morte pra tornar-se o Senhor
4. Quem segue a Cristo tem o mesmo sentimento
Esvaziando-se em favor do seu irmão
Não é orgulhoso e não tem constrangimento
De ser pequeno e ter humilde coração
5. Compartilhar é a vivência do cristão
O dar de si é sua forma de amar
Por isso prega a justa distribuição
Dos bens de todos para o mundo transformar.
A emoção de encontrar em uma criação artística um fortalecimento em meio ao sofrimento precisa ser cultivada. A comunidade, vivenciando o que a comunidade de Filipos na certa vivenciou ao receber a carta de Paulo e cantando um hino, criará um momento forte de comunhão. Carlos Mesters sugere em um estudo (Círculos Bíblicos 88, 1995, p. 22) que alguém tente criar uma melodia para o texto de Fp 2.6-11. Que tal?
Quem mais canta nas comunidades, conforme a minha experiência, são as mulheres. A comunidade de Filipos tem sua origem em um grupo de mulheres. Marli Lutz pergunta (PL 20, p. 87), e eu faço minhas suas perguntas: Por que 11:10 ouvir no hino cristológico a voz de mulheres assim como cantaram Ana, Maria? Por que não seriam também mulheres que cantam este hino (Fp 2.5-11) na comunidade de Filipos? Um forte momento litúrgico pode ser criado com um grupo de mulheres cantando, ou então todas as mulheres presentes. Poderiam ser chamadas de Evódia e Sindique (Fp 4.2), ou de Lídia (At 16.11-15).
6. Subsídios Litúrgicos
Kyrie:
L.: Pelo fortalecimento de nossa fé, em meio a um relacionamento carinhoso com irmãos e irmãs na fé, oremos ao Senhor:
C.: Tem piedade, Senhor!
L.: Pela bondade e misericórdia que ainda existem entre nós, que possam crescer mais e mais, oremos ao Senhor:
C.: Tem piedade, Senhor!
L.: Pelo nosso estar unidos com Cristo Jesus nos dando força e ânimo, participando, assim, do seu Espírito, oremos ao Senhor:
C.: Tem piedade, Senhor!
L.: Pelo nosso empenho na união, buscando sempre mais o mesmo modo de pensar'', o ' 'mesmo amor'' e unindo-nos de alma e mente, oremos ao Senhor:
C.: Tem piedade, Senhor!
L.: Por graça, socorre-nos, Senhor!
C.: Amém!
Intercessões gerais da Igreja:
L.: Oramos, querido Deus, por toda a Igreja de Jesus Cristo, que enfrenta sempre mais dificuldades para testemunhar o seu evangelho, pedindo em comunidade:
C.: Senhor, escuta nossa oração!
L.: Oramos, querido Deus, pelas lideranças do nosso país, que saibam exercer sua missão com humildade, que os interesses pessoais não norteiem sua prática em detrimento da grande maioria do povo, pedindo em comunidade:
C.: Senhor, escuta a nossa oração!
L.: Oramos, querido Deus, pela grande maioria do povo brasileiro, que está marginalizada em consequência de interesses de nossas elites governantes, pedindo em conjunto:
C.: Senhor, escuta a nossa oração!
L.: Tudo isso e muito mais nós te suplicamos, e finalizamos orando com toda a cristandade, buscando o mesmo modo de pensar, de amar e se unir de alma e mente, dizendo assim:
T.: Pai nosso…
7. Bibliografia
COMBLIN, José. A Composição Sociológica da Comunidade de Filipos. Estudos Bíblicos, na 25, Petrópolis, 1990.
—. Epístola aos Filipenses. Petrópolis, Vozes; São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista; São Leopoldo, Sinodal, 1985. (Série Comentários Bíblicos NT).
KUNERT, Augusto E. 7o. Domingo Após Trindade. In: Proclamar Libertação VII, 1981.
LUTZ, Marli. 2- Domingo da Quaresma. In: Proclamar Libertação XX, 1994.
MESTERS, Carlos. Paulo Apóstolo, um Trabalhador que Anuncia o Evangelho. CEBI, 1991. (Série A Palavra na Vida).
ZANINI, Ovídio. Opção pelas Categorias Marginalizadas em Paulo, Estudos Bíblicos, n 21, Petrópolis, 1989.