Prédica: Mateus 11.2-11
Leituras: Isaías 35.1-10 e Tiago 5.7-10 (11)
Autor: Emílio Voigt
Data Litúrgica: 3º Domingo de Advento
Data da Pregação: 17/12/1995
Proclamar Libertação – Volume: XXI
1. Observações
O texto previsto para o 3a Domingo de Advento já foi abordado em Proclamar Libertação III, p. 215-217, e PL X, p. 170-174. Tomo como pressuposto a leitura dos referidos auxílios.
O estudo do texto, as leituras, as reflexões sobre o hoje e as dicas para uma prédica ou estudo bíblico estão misturados no corpo do presente auxílio.
2. Advento É Tempo de Pular do Muro
É tempo de Advento: tempo de se preparar para ouvir aquela história tão romântica da manjedoura de Belém? Ou tempo de refletir e assumir as consequências do lugar do nascimento de Jesus? O lugar do nascimento já determina o tipo de atividade do Messias. Jesus assume uma parcialidade ao nascer na estrebaria. Posiciona-se de um dos lados do muro que divide os seres humanos. Um lado do muro quer mantê-lo a todo custo. Do outro lado, há pressão para derrubá-lo. Jesus está de um lado. Não está em cima, porque quem está em cima do muro não o consegue destruir. Para acabar com o muro, é preciso estar posicionado em um lado determinado. Desde o seu nascimento está bem claro de qual lado é possível surgir a mudança.
3. Mas É Preciso Pular no Lado Certo…
E se Jesus tivesse nascido rico e poderoso em termos econômicos? Será que iria agir da mesma forma? Imaginei Jesus nascido em berço de ouro, assim como gostariam muitas pessoas da sua época e também de hoje, inclusive muitos de nossos membros. Não consegui, contudo, imaginar sua atuação semelhante àquela que encontramos nos evangelhos e no texto previsto para o 3a Domingo de Advento. Vamos ver o que aconteceria com Cristo, se ele estivesse do outro lado do muro:
Jesus Cristo costumava passear pela cidade em sua linda carruagem, revestida de finos tecidos e ouro. Quando não andava de carruagem, tinha uma equipe de carregadores, formada por 12 pessoas, que se revezavam carregando-o nas costas. Sua riqueza era grande, pois o comércio de cereais e produtos importados ia de vento em popa. Além disso, ele era responsável pelo recolhimento de impostos na região. Seus funcionários cobravam os impostos e sempre cobravam mais do que o estipulado. O excedente ficava para o caixa dois da empresa de Jesus. Sua mansão era muito bonita, e frequentemente ele realizava festas para os nobres da cidade. Com isso, conseguia muitos favores de autoridades como a polícia, os políticos e juizes.
Certo dia Jesus resolveu fazer uma grande festa. Todas as pessoas mais importantes do país foram convidadas. A segurança na cidade foi reforçada. Toda a redondeza onde Jesus morava foi isolada para que pessoas não-convidadas permanecessem distantes. Existiam muitos pobres na região, e o medo era que eles pudessem estragar a festa. Nem Jesus nem os seus convidados gostavam do convívio com essa gente. Além disso, era preciso ficar longe de alguns encrenqueiros, que instigavam o povo contra os poderosos. Por isso, o melhor mesmo era isolar a área. A polícia mais uma vez deu conta do recado: com a violência costumeira prendeu alguns rebeldes que tentaram se aproximar para protestar. Dessa forma, a festa poderia acontecer dentro da normalidade.
João Batista, que era parente e também sócio de Jesus nos negócios, foi o primeiro a chegar. Aliás, essa era a marca registrada de João: era o primeiro a chegar e o último a sair. Gostava muito de festas. Era quase tão rico como Jesus. Havia estudado no exterior e sabia se vestir com muita elegância. Também era muito exigente com a comida. Jesus teve que contratar dois cozinheiros internacionais para fazer seu prato favorito. Nos negócios, João era bem mais agressivo do que Jesus. Como tinham o mesmo ideal — expandir os negócios e sufocar a concorrência —, essa diferença não atrapalhava e a sociedade ia muito bem.
Pouco a pouco os demais convidados começaram a chegar. Um verdadeiro desfile de carros e roupas finas: muita pompa, muito luxo. Durante o jantar, muita comida e bebida. O serviço de cozinha, organizado por Marta e Maria, estava impecável.
Após o jantar, Jesus explicou o motivo daquele encontro. Ele estava preocupado com os rumos da província. Como a miséria aumentava cada vez mais, muitas pessoas estavam se negando a pagar os impostos. Havia muitas manifestações e protestos dos pobres, exigindo terra e melhores condições de vida. Os movimentos estavam crescendo e ameaçavam a ordem. Por isso, ele e João Batista queriam a indicação para o cargo de governador da província, que estava vago desde o recente assassinato do governador. O apoio das autoridades presentes seria decisivo. Jesus e João Batista estavam dispostos a ser generosos com quem lhes desse apoio. Um pouco de negociação e tudo foi acertado: Jesus seria o governador e João Batista, o vice. Em seguida, uma rodada de bom vinho importado e os convidados foram se retirando. Na semana seguinte, chegou a notícia: Jesus e João podiam providenciar a mudança para a capital, pois seriam instalados no cargo dentro de cinco dias.
Quando assumiram, Jesus e João promoveram muitas mudanças. Os impostos foram aumentados e agora eram cobrados à força pelo exército. Muitas propriedades foram confiscadas. Houve uma verdadeira caçada aos líderes dos movimentos messiânicos e populares. Muitas pessoas foram presas e mortas. Depois de muita perseguição e sangue, a paz e a ordem voltaram a reinar na província. Jesus e João Batista expandiram as fronteiras, dominando povos vizinhos. Logo conseguiram dobrar suas riquezas e se tornaram os homens mais poderosos e temidos da região.
4. Advento É Tempo de Indignar-se
O Jesus que nasce em berço de ouro não é dado nem mesmo à esmola e caridade esporádicas. Certamente este Jesus não seria bem aceito hoje em nossas igrejas. Um Jesus poderoso e violento causaria indignação até naqueles mais conservadores, que costumam ficar em cima do muro. Se este Jesus pode chocar, por que ficamos apáticos com sua situação real, com seu nascimento, vida e morte? Por que não nos causa indignação a situação que Deus nos revelou com sua encarnação, lembrada nesta época de Advento? Por que não nos causa indignação a violência que o povo sofria, e sob a qual João Batista e Jesus também sofreram? A narrativa de Mt 11.2-11 não inicia em nenhum hotel, mas na prisão. Precisamos ainda esperar denúncia mais clara da violência a que estavam sujeitas as pessoas que se posicionavam do outro lado do muro da Pax Romana?
O que precisamos esperar para nos indignar com a situação que encontramos hoje ao nosso redor? Será preciso esperar mais chacinas para acordarmos para a questão do menor abandonado? Será preciso esperar mais assassinatos de líderes de movimentos para acordarmos para o problema da terra, do desemprego, da miséria? Ou será preciso uma revolução armada para percebermos que vivemos num mundo dividido?
Mateus 11.2-11 fala de um regime rico, autoritário e violento. João Batista é um crítico, está do outro lado do muro. Está na periferia, no deserto. Por causa do Reino do Messias, do qual é uma espécie de precursor direto, João ataca o sistema. Seus ataques culminam com sua prisão. No cap. 14, Mateus relata que o motivo da prisão seriam as aventuras amorosas de Herodes, criticadas por João. Seria apenas uma questão familiar ou sexual? É difícil acreditar que sua prisão seja consequência apenas da acusação de adultério feita ao tetrarca. Conforme Milton Schwantes, no auxílio elaborado para Proclamar Libertação X (a respeito da morte de João Batista), a cabeça de João Batista rola por causa do sistema político! (PL X, p. 79.) Esse sistema de dominação, de cima para baixo, é denunciado e desprezado pelo próprio Jesus no nosso texto: os que usam roupas finas estão nas casas dos reis (Mt 11.8). Os adeptos dos palácios estão longe de João Batista, em oposição a ele. Mais especificamente, estão contra o projeto do Messias, que é o motivo de toda a atuação de João Batista.
5. Advento E Tempo de Dúvida
Mateus 11.2-11 também acentua a questão da dúvida. Fala de pessoas que esperam e, porque esperam, também têm dúvidas. A espera é pelo Messias e seu reinado. A dúvida é se o tempo da espera está acabado, se já chegou o Messias. Como ter certeza de que esse tal de Jesus de Nazaré é aquele anunciado pelos profetas?
Essa espera e essa dúvida fazem parte desta época do ano eclesiástico. O que esperamos hoje? Como esperamos? Vale a pena esperar?
Da prisão, João ouve falar dos feitos de Jesus. O evangelista Mateus não deixa dúvida: obras do Messias (11.2). Se o Messias está agindo, então o tempo já chegou. A espera acabou. Mesmo assim, João envia mensageiros a Jesus com uma pergunta bem direta: É você aquele que estava para vir, ou temos que esperar um outro? (11.3.) João não duvida sozinho. A formulação no plural indica que há um grupo com ele. Certamente seus adeptos, muitos daqueles que tinham ouvido a respeito da proximidade do reino dos céus e recebido seu batismo (Mt 3.1ss.). João não espera na passividade. Sua espera é um trabalhar para preparar (Mt 3.3), ou melhor, para facilitar a vinda do Reino. A espera também não é solitária. Há um grupo que compartilha os mesmos sentimentos, a mesma luta. Um grupo que anuncia a esperança de um novo tempo e conspira contra as forças da morte que se opõem ao Messias.
Soa esquisito essa ideia de facilitar a chegada do reino de Deus. Por acaso o Reino não é exclusivamente obra divina? João Batista está preso por causa de sua atuação. E a sua atuação mostra que precisamos preparar o caminho do Reino, produzir os frutos do arrependimento (Mt 3). Ao usar a figura do lavrador, a leitura bíblica de Tg 5.7-10 também aponta para um esperar trabalhando. O/a lavrador/a, enquanto espera as chuvas e a colheita, vai trabalhando: aduba um pouco aqui, tira o inço ali. É claro que a consumação do Reino será realizada somente por Deus. Mas não a podemos esperar se não apressarmos sua vinda (cf. 2 Pe 3.12s.).
João espera porque o Messias fora prometido pelos profetas. Por isso, a resposta de Jesus se vale da mesma promessa: escutem e olhem o que está acontecendo (11.4)! Não foi a promessa do profeta? Escutem e olhem: cegos vêem, paralíticos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e pobres recebem a boa notícia (11.5). Estes acontecimentos são os mesmos anunciados pelo profeta Isaías como sinal dos tempos messiânicos (Is 35.5s.). A lista de milagres de Is 35 foi inclusive ampliada com a referência à cura de leprosos e ressurreição de mortos. De sua resposta, Jesus não faz nenhuma afirmação dogmática. Lembra os profetas e aponta para os fatos. Os acontecimentos comprovam sua messianidade. E novamente precisamos lembrar-nos do lugar social dos acontecimentos. Cegos, paralíticos, leprosos, surdos, pobres têm um lugar social. Estão todos de um mesmo lado do muro. O fato de Jesus estar com eles vai promovendo rachaduras nos muros.
Advento é tempo de espera, tempo de gestos caridosos. Nesta época, muitos lembram-se dos pobres. Compram e distribuem brinquedos às crianças carentes. Será este o esperar correio, o esperar do qual fala João?
João sente no próprio corpo as consequências de sua espera. O deserto, a denúncia, o anúncio, a prisão. Será que ele espera agora que o Messias o liberte da prisão? João Batista anuncia a chegada do Messias como o juízo de Deus, como uma intervenção divina, causando uma reviravolta total na história. As obras do Messias Jesus, apesar de lembrarem a promessa dos profetas, não apontam para uma ruptura da história. A situação aparentemente continua a mesma. Por isso João pergunta: será este o Messias? Ou temos que esperar um outro?
Arrisco pensar que João na verdade não tinha essa dúvida. A dúvida na boca de João não é nada mais do que a expressão da incompreensão do povo diante da atividade de Jesus. Quer dizer, o texto coloca na boca de João uma pergunta que está na garganta de todo o povo. A favor deste pensamento temos pelo menos duas indicações neste texto e uma no contexto:
1) Depois da resposta de Jesus não há mais notícia de João. Não há qualquer relato dando conta de que os discípulos comunicaram a João o que viram e ouviram, tampouco se ele se convenceu com a resposta.
2) Os vv. 7ss. falam sobre o reino de Deus, usando João Batista como paradigma. A pergunta o que esperar de João Batista? não quer simplesmente falar a respeito de João, mas sobre o Reino que ele anuncia (veja a conclusão do v. 11!).
3) O v. 12 continua falando no reino dos céus e os versículos seguintes (vv. 13-24) apontam para a incompreensão que a proposta do Reino sofre. Nem João nem Jesus são compreendidos e aceitos.
A expectativa messiânica proclamada pelos profetas parece ter-se prostituído com os valores da sociedade. Por isso não é aceito um Messias que nasce pobre e não elimina espetacularmente o inimigo, seja ele a cúpula judaica ou o Império Romano. Conhecendo as demonstrações de poder económico e militar do Império, como acreditar que um homem do deserto e um filho de carpinteiro possam oferecer alternativas e mudanças?
6. Advento É Tempo de Correção
Mateus 11.2-11 propõe uma correção da concepção triunfalista do Messias e uma mudança nos valores sociais. A pergunta será este o Messias? é reformulada. Para o texto, a pergunta-chave não é quem é o Messias?, mas o que esperar do Messias e do seu Reino? É precisamente para isto que a resposta de Jesus aponta. Ela tem dois destinatários: os discípulos de João e o povo.
1) Os discípulos de João querem apenas saber: Jesus é o Messias esperado? Jesus não responde com sim ou não. Em sua resposta, aponta para as obras do Messias, conforme anunciado pelos profetas (v. 5). Com isso, está reformulando e devolvendo a pergunta para que eles mesmos a respondam. O Messias viria para curar e evangelizar os pobres? Se é para isso, então ouçam, olhem e tirem suas conclusões.
2) Ao indagar o povo a respeito de João Batista, Jesus procura corrigir a expectativa messiânica e as relações sociais. Onde surge o anúncio do Reino? Quem anuncia? Quais suas propostas? Ao mesmo tempo que formula, Jesus responde:
— O Reino vem do deserto, da margem.
— Não é um movimento qualquer (cana sacudida pelo vento).
— O Reino está em oposição aos palácios (nos palácios estão as pessoas bem vestidas).
— O Reino traz cura e reintegração dos pobres.
— O Reino não segue os padrões de grandes e pequenos da sociedade. Na verdade, decreta o seu fim. Quando o menor é elevado à categoria de maior, todos são igualados.
7. Sugestões para o Trabalho com o Texto
Acima já apareceram reflexões que visavam o estudo do texto com a comunidade. Penso que o ponto central para a época de Advento é a correção da visão que temos daquele que estava para vir. Entre um Advento e outro o tempo vai passando sem que se assuma a consequência do posicionamento de Cristo. Entra ano, sai ano e nossas comunidades estão bem acomodadas em cima do muro. A correção da concepção de Messias quer levar ao compromisso de acabar com os muros, deixando transparecer sinais do Reino que Cristo veio inaugurar (Mt 12.28).
Acabar com os muros, no caso do nosso texto, representa cura, purificação, ressurreição, anúncio de boas notícias aos pobres. Qual (ou quais) seria o muro que divide as pessoas hoje e como destrui-lo? Por que não amontoar alguns tijolos em forma de muro e pedir que se apontem os muros que existem hoje?
Como se solidarizar e se posicionar do lado daqueles que estão impedidos de ter vida digna, saúde, emprego, lazer, habitação?
A história do Jesus que nasce em berço de ouro pode ser contada ou dramatizada. Por que Jesus assume um lado determinado?
A coroa de Advento também poderia ser usada. Em vez de acender as velas logo no início do culto, acender somente após a meditação. A situação em que vivia o povo, a prisão de João, a divisão social são como as trevas. Jesus, ao destruir os muros, veio trazer luz. Como podemos iluminar nosso mundo hoje?
8. Bibliografia
GAEDE, Valdemar. Meditação sobre Mateus 11.2-11. In: KIRST, N. et al., coords. Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1984. vol. VI, p. 170-174.
MAEDCHE, Arnoldo & SCHOWANKE, Reinoldo. Meditação sobre Mateus 11.2-11. In: KAICK, Baldur van, coord. Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1981. vol. III, p. 215-217.
SCHWANTES, Milton. João Batista: por que Rolou Sua Cabeça?; Meditação sobre Marcos 6.14-29. In: KIRST, N. et al., coords. Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1984. vol. VI, p. 74-83.