Prédica: Êxodo 20.1-3 (4-6) 7-8 (9-11) 12-17
Leituras: Romanos 10.5-13 e João 2.13-22
Autor: Wilfrid Buchweitz
Data Litúrgica: 3º. Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 02/03/1997
Proclamar Libertação – Volume: XXII
1. Traços Exegéticos
É um texto maciço, dos mais conhecidos da Bíblia. O conteúdo é um resumo das exigências básicas no tocante à relação do ser humano com Deus e com o próximo. Impressiona a concisão no que é fundamental e essencial. Vale para todos os tempos e para todas as situações. Não fica condicionado a determinados contextos. Ao mesmo tempo pode ser inserido em todos os tempos e em todas as situações. A formulação é categórica e incondicional. Ao mesmo tempo ela é genérico-básica. Isso lhe dá solidez. Ela pode ser introduzida em qualquer época e situação e ali desdobrada conforme as necessidades específicas. Assim o Decálogo, como se convencionou chamar o texto, acompanha Israel através da história, sustenta sua importância vital nos vários contextos geográficos e sociais do povo, penetra na comunidade cristã e chega a nossos dias com a mesma autoridade e validade. São instruções para a vida na relação com Deus e os semelhantes humanos. Em Israel são as leis mais importantes e básicas. Todas as outras leis são complementares, são desdobramentos. O mesmo vale para a comunidade cristã.
2. O Decálogo como Lei
Nós lemos os Dez Mandamentos como cristãos, e a partir da fé em Jesus Cristo reconhecemos que por nossas forças não os podemos cumprir. Queremos cumpri-los, mas não conseguimos. Cumprimos uma vez, na segunda vez não conseguimos. Cumprimos um mandamento e não cumprimos os outros nove. Sempre ficamos devendo. Sempre ofendemos e machucamos Deus. Quanto mais tentarmos cumprir os mandamentos com nossas próprias forças, tanto mais constataremos que fracassamos. Se continuarmos a insistir, teremos que chegai' ao desespero. Neste sentido, a primeira coisa que o mandamento faz é denunciai nosso pecado. O primeiro serviço que Deus nos presta através do mandamento c desmascarar nosso pecado. Também não vale fazer a conta no sentido de: cumpri dois mandamentos e fiquei devendo oito. Ou: cumpri cinco e fiquei devendo cinco. Ou: cumpri nove e fiquei devendo apenas um, fiquei devendo muito pouco, quase consegui. Deus não faz contas desse tipo. Quando desrespeito um mandamento, por menor que seja, eu desrespeito a Deus, desrespeito a Deus por inteiro e destruo por inteiro minha relação com ele.
E agora os mandamentos, em fé, nos prestam outro serviço vital. Eles nos levam a reconhecer que só Deus, em Jesus Cristo, pode restabelecer a minha comunhão com ele. Eu reconheço o meu pecado, peço perdão e ele restabelece sua comunhão comigo e minha comunhão com ele.
E agora Deus usa os mandamentos para prestar mais um serviço. Ele diz que as verdades contidas nos mandamentos são essenciais para a vida de uma pessoa e de uma sociedade. Quem estiver decidido a pautar sua vida por essas verdades, nortear sua vida, construir sua vida sobre essas verdades, vai experimentar uma vida substanciosa e sadia em sua família, comunidade e sociedade. Quem não se orientar pelas verdades dos mandamentos, quem inventar e viver outras verdades, vai diminuir e estragar sua vida, a de outros e a do mundo. Só o Deus Pai de Jesus Cristo faz bem à vida. Todos os deuses e ídolos fazem mal. Só o reino do Deus de Jesus Cristo é um reino que oferece bem-estar. Todos os outros reinos geram mal-estar.
Por isso o cristão procura viver os mandamentos no âmbito de sua vida pessoal e familiar. Mas ele procura também introduzir as verdades dos mandamentos na vida de sua comunidade e sociedade. Procura testemunhar a verdade dos mandamentos em sua sociedade. Luta para ter uma sociedade com valores sólidos. Participa neste sentido da vida da sociedade. Enxerga nisso uma missão de Deus. Participa da política do mundo em que vive.
Nos mandamentos Deus troca suas grandes verdades em miúdos para nossa vida do dia-a-dia. Troca em miúdos essenciais, mas não despedaça em detalhes demais. Deus cita algumas área essenciais da vida e deixa para nós entendermos e concretizarmos as verdades e os valores dos mandamentos em nossa época e situação específicas, assim como nossos antepassados fizeram em seu mundo e como nossos filhos precisarão fazer no mundo deles.
Então os vários mandamentos são setas indicadoras ao longo do caminho da nossa vida dizendo: vai por aí. Se tu fores por aí, vais bem. Se te perderes, volta para este sinal e ele te fará reencontrar o caminho. Se desprezares esse sinal, é certo que vais te perder e vais chegar a um lugar que não vai ser bom. E hoje em dia é complexo entender e concretizar as verdades dos mandamentos. Em uma sociedade simples era mais fácil entender o mandamento que fala dos filhos e dos pais. Hoje isso é muito mais difícil. Como se administra uma convivência construtiva de filhos e pais? O que significa não matar, não adulterar, não furtar, não cobiçar em nossos dias? As respostas já não são simples e únicas. Já isso é motivo para trabalhar os mandamentos com regularidade e repetidamente. Os mandamentos são instrumentos de acusação e condenação c os mandamentos são instrumentos de santificação e salvação, as duas coisas ao mesmo tempo. São dois lados de uma mesma moeda que a gente precisa distinguir, mas que não pode separar.
3. Prédica
Há várias maneiras de se aproveitar o texto de Êx 20 para a pregação. Pode ser conforme a estrutura acima, tomando-se o texto como bloco e pregando a partir dele como um todo. Em muitas comunidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) a centralidade dos Dez Mandamentos está muito presente. Diz-se que se precisa saber os mandamentos e que quem sabe os mandamentos sabe como viver como cristão. Por isso algumas pessoas não participam mais dos cultos depois da confirmação. Um grande número de pais e mães mandam seus filhos para o ensino confirmatório para que aprendam os Dez Mandamentos a fim de saber o que é certo e errado na vida. Às vezes a opinião é que se consegue viver os Dez Mandamentos de tal maneira que não se cometem mais pecados. Por vezes se encontra alguém que, com peito estufado, diz que não tem pecado. É uma visão muito simplista dos Dez Mandamentos e que tem muito pouco a ver com a visão da Bíblia.
Por aí pode ser muito importante refletir com a comunidade em culto sobre o texto. Muitas vezes pensamos que os conteúdos que os membros das comunidades trabalharam no ensino confirmatório permanecem conhecidos a vida toda. Não é assim. A gente esquece. Além disso, o mundo muda. A compreensão daquela época pode não ser mais adequada hoje. E os conteúdos do Catecismo Menor são básicos para a vida de fé. São a ração básica para a vida de fé no dia-a-dia. São a cesta básica. Não são apenas a cesta básica para os 13, 14 ou 15 anos de idade. São para a vida toda. Por isso é importante que sejam constantemente repetidos e contextualizados em muitas situações de idade e vida.
Às vezes sobrecarregamos, hoje, os membros de nossas comunidades com uma quantidade tão grande de informações que eles ficam confusos e não sabem mais o que é essencial. Oferecemos quantidade que confunde em vez de qualidade que dá segurança. Será que em vez de dispersar não ajuda concentrar? Será que, se ajudássemos aos membros das comunidades a se agarrarem e segurarem ao Batismo, a se agarrarem e segurarem à Santa Ceia, a se agarrarem e segurarem aos mandamentos, ao Credo Apostólico, ao Pai-Nosso, será que isso não lhes daria mais firmeza do que terem de segurar-se em inúmeras informações, inclusive de textos bíblicos? É claro que muitas informações de dentro da Bíblia são importantes, mas quais são os textos que são os básicos e essenciais? Alguns poucos pontos de apoio sólidos de repente dão mais firmeza do que muitos pontos de apoio que podem dispersar.
Neste sentido também pode-se abordar o texto proposto a partir de outras perspectivas. Pode-se dar a principal atenção ao primeiro mandamento e, como decorrência dele, aos outros. Pode-se pregar num culto sobre o primeiro mandamento e noutro culto sobre os demais. Pode-se enfocar primeira uma tábua da lei e depois a outra. Podem ser preparadas dez prédicas, uma série de pregações sobre os Dez Mandamentos. Para isso há literatura preparatória no Livro de Concórdia, na parte que fala sobre os Catecismos Menor e Maior. Também temos um volume especial sobre o Catecismo na série Proclamar Libertação, no Suplemento 1.
4. Texto de Lutero
Transcrevo, por achá-lo importante, um texto de Lutero (Obras Selecionadas, vol. 2, p. 174), que diz:
Não foi sem uma disposição especial de Deus que foi dada ao cristão simples, que não consegue ler a Escritura, a ordem de aprender e conhecer os Dez Mandamentos, o Credo e o Pai-Nosso. Na verdade, nessas três partes está contido, básica e sobejamente, tudo o que consta na Escritura e o que pode ser pregado, bem como tudo o que o cristão necessita saber. E o que ele precisa para a salvação está redigido com tal brevidade e facilidade que ninguém pode se queixar nem se desculpar de que é demais ou muito difícil para guardar. Pois é necessário uma pessoa saber três coisas para poder ser salva: a primeira, que ela saiba o que deve fazer e deixar de fazer. A segunda, que, vendo-se incapaz de fazê-lo e de deixar de fazê-lo por próprias forças, saiba de onde tirar, procurar e encontrar [meios] para poder fazê-lo e deixar de fazê-lo. A terceira, que saiba como procurá-lo e buscá-lo. Como a um doente, é-lhe necessário saber, primeiro, qual é a sua doença, o que pode ou não pode fazer ou deixar de fazer. Em seguida, é necessário que saiba onde se encontra o remédio que lhe ajude a fazê-lo e deixar de fazê-lo, como uma pessoa sadia. Em terceiro lugar, deve desejá-lo, procurar e buscar ou mandar trazê-lo. Dessa forma os mandamentos ensinam a pessoa a reconhecer a sua enfermidade, fazendo-a ver c perceber o que pode fazer ou não, o que pode deixar de fazer ou não, e a reconhecer-se como pecadora e pessoa má. Em seguida, o Credo lhe mostra e ensina onde deve encontrar o medicamento, a graça, que lhe ajude a tornar-se piedosa, para guardar os mandamentos. Indica-lhe Deus e a sua misericórdia, demonstrada e oferecida em Cristo. E, por fim, o Pai-Nosso lhe ensina como deve desejar a graça, como buscá-la e aproximá-la de si, a saber, por meio da oração regular, humilde e consoladora. Então ela lhe é dada, e desse modo a pessoa é salva através do cumprimento dos mandamentos de Deus.
Estas são as três coisas em toda a Escritura. Por isso começamos a aprender primeiro com os mandamentos e a reconhecer o nosso pecado, a nossa maldade, isto é, a nossa doença espiritual, pela qual não fazemos nem deixamos de fazer aquilo que deveríamos.
5. Subsídios Litúrgicos
Confissão de pecados: Querido Deus, confessamos que não conseguimos nos livrar da tentação de querermos tomar em nossas mãos os caminhos e os conteúdos de nossa vida. Achamos que temos sabedoria e força para isso. Não desistimos de querer emancipar-nos de ti. Mas aqui neste culto, em comunidade, colocamo-nos sob a tua palavra, reconhecemos que só em comunhão contigo conseguimos viver uma vida que é boa para nós e para nosso mundo e que é honra e louvor a ti. Por isso pedimos perdão e ajuda para vivermos teus mandamentos. Tem piedade de nós, Senhor.
Oração de coleta: Senhor, após uma semana de trabalho nos reunimos aqui mais uma vez como tua comunidade. Chegamos aqui com as dificuldades que experimentamos, mas também com as alegrias. Colocamos tudo em tuas mãos. Faze que experimentemos, todos e todas que aqui nos encontramos, a tua comunhão e a nossa comunhão. Abençoa-nos este culto. Amém.
Oração de intercessão: Orar por pobres, doentes, injustiçados, por igrejas que se engajam por leis justas, dentro das próprias igrejas e a nível público, que as leis sejam elaboradas e que sejam aplicadas, que não sejam mantidos privilégios de poucos, que a corrupção seja vencida, que cristãos se engajem nessa tarefa.
6. Bibliografia
FORELL, George W. Ética da Decisão. São Leopoldo, Sinodal, 1994.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre, Concórdia, 1989. vol. 2.
NOTH, Martin. Das zweite Buch Mose. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1959. (ATD, 2).
SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo, Sinodal, 1994.