Prédica: Marcos 14.12-26
Leituras: Êxodo 24.3-11 e I Coríntios 10.16-17 (18-21)
Autor: Ivo Schoenherr
Data Litúrgica: Quinta-feira da Paixão
Data da Pregação: 27/03/1997
Proclamar Libertação – Volume: XXII
1. Introdução
Marcos 14.12-26 está indicado como texto principal para o anúncio do evangelho na Quinta-Feira da Paixão. Conforme l Co 11.23, foi na noite em que foi traído que Jesus instituiu a Ceia do Senhor. Portanto, na Quinta-Feira da Paixão. Por isso, o tema do texto é a celebração da Ceia do Senhor. O texto motiva-nos para uma reflexão sobre nossa prática e vivência da Ceia. É a boa notícia a ser anunciada e vivida nesta Quinta-Feira Santa.
Êxodo 24.3-11 e l Co 10.16-17(18-21) são os textos indicados para as leituras. Ambos ajudam na reflexão sobre a Ceia do Senhor. Êxodo 24.3-11 fala da aliança que Javé fez com o seu povo de Israel e quer fazer-nos refletir sobre a nova aliança que Deus fez conosco na morte e na ressurreição de Jesus Cristo e que celebramos na Ceia do Senhor (Mc 14.24). l Coríntios 10.16-17(18-21) nos fala da plena, total e real comunhão que experimentamos e vivemos na Ceia com Cristo e seu corpo, que é a comunidade. Jesus disse: isto é o meu corpo e isto é o meu sangue (Mc 14.23-24).
Marcos 14.12-26 já foi trabalhado em Proclamar Libertação, vol. XVI, p. 134-139, e Mc 14.17-26 já foi analisado e refletido no PL VI, p. 156-161. Ambos os textos foram abordados na perspectiva da Quinta-Feira da Paixão. Há muitos e ricos detalhes exegéticos e propostas para pregação nos dois estudos. Sugeri¬mos que sejam consultados.
Podemos dividir o texto de Mc 14.12-26 em três partes: o preparo da festa da páscoa judaica (vv. 12-16), a celebração da festa da páscoa e o anúncio da traição (vv. 17-21) e a celebração da Ceia do Senhor (vv. 22-26). O evangelista Marcos e a sua comunidade destacam diversos aspectos da Ceia do Senhor: bênção e ação de graças (vv. 22-23), partilha (v. 22), presença real de Cristo (vv. 22-24), doação pela vida (v. 24) e antecipação da refeição festiva no reino de Deus (v. 25). Todos os aspectos se inter-relacionam. Mas sugerimos trabalhar neste ano principalmente o aspecto da Ceia como festa, como antecipação da refeição que haverá no futuro reino de Deus. Essa será a boa notícia a ser transmitida e vivida nesta Quinta-Feira da Paixão.
2. Até Aquele Dia… no Reino de Deus
Jesus disse aos seus discípulos: Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus (Mc 14.25.) Que reino é este? Que dia é este?
O reino de Deus é o conteúdo central da pregação, da mensagem e da atuação de Jesus (Mc 1.15). Jesus fala da proximidade, da presença do reino de Deus. E é na mensagem e na atuação de Jesus que o reino de Deus também está presente na vida e na história da humanidade. Reino de Deus é a plena e total concretização do amor de Deus, da vida. É concretização total da libertação, do perdão, da justiça e da vida. É o novo que traz felicidade plena. Este reino já mostrou seus sinais na história da humanidade, mas ainda não se realizou em plenitude. Isso acontecerá no futuro (Ap 21.1-5).
Por isso, Jesus também fala do reino de Deus como realidade futura. Até aquele dia… no reino de Deus aponta para a realidade futura. A esperança de uma refeição festiva no reino de Deus está presente na vida das comunidades primitivas. Conforme Mc 14.25, Jesus anuncia: Beberei do fruto da videira, novo, no reino de Deus. Conforme Lc 14.15, um dos convidados constata: Feliz aquele que comer pão no reino de Deus. Portanto, no futuro reino de Deus haverá uma refeição festiva com a bebida do fruto da videira e com pão que celebrará a plena e total concretização do amor e da vida.
3. A Festa da Páscoa Judaica e até Aquele Dia… no Reino de Deus
Jesus e seus discípulos preparam e festejam a páscoa judaica (Mc 14.12-21). Os israelitas festejam a páscoa. Jesus e seus discípulos também pertencem ao povo de Israel. Por isso, também a festejam. É a festa mais importante para este povo. Eles conhecem e participam da tradição. Mas que lesta é essa? Que rito é esse?
Carlos A. Dreher, numa publicação do CEBI (veja Bibliografia) com artigos sobre as festas bíblicas, analisa esta festa judaica. Nesse artigo ele mostra como duas festas (uma de tradição pastoril e outra de tradição agrícola) se desenvolveram e resultaram numa festa só: a festa dos asmos e da páscoa. Aqui destacamos algumas informações. A festa da páscoa acontecia no dia 14 do mês Nisan. Nesse dia, ao entardecer, o cordeiro pascal era sacrificado no templo de Jerusalém (um cordeiro sem deleito, macho de um ano). O cordeiro assado era consumido em família no templo mesmo ou em casa. No dia 15 do mês Nisan começava-se a comer pão sem fermento. Durante sete dias fazia-se isso. Além disso, preparavam-se e consumiam-se também ervas amargas. Vinho e água acompanhavam a refeição festiva.
Jesus reúne-se com seus discípulos numa sala espaçosa, mobiliada, na cidade de Jerusalém, previamente escolhida por ele mesmo e preparada por dois dos seus discípulos. Escolheu o local e combinou um sinal de encontro com o proprietário: um cântaro de água (Mc 14.13). Carregar água era tarefa de mulher. Assim, os discípulos de Jesus que vão preparar a páscoa facilmente localizam a casa. Eles preparam o local. Ao cair da tarde Jesus dirige-se ao mesmo com os seus doze discípulos, e comem a páscoa.
Na festa da páscoa os israelitas celebram a saída do Egito, evento fundamental paia a fé do povo. Celebram a libertação da opressão e escravidão. Festejam a ação do Deus libertador na vida e na história do povo. Mas esperam também por uma futura realidade messiânica do reinado de Deus. Por isso, a ceia pascal é expressão de alegria, felicidade e festa, pois o futuro reinado do Deus libertador já se fez presente na história de Israel. O futuro reino da vida plena lança sinais na história, na libertação da escravidão. Jesus também festeja esse evento comendo a páscoa.
4. A Ceia do Senhor e até Aquele Dia… no Reino de Deus
Enquanto comem a páscoa Jesus institui a Ceia. Dá-lhe um novo sentido. Amplia e totaliza o sentido da ceia.
Jesus toma a iniciativa na celebração da ceia. Ele age: toma o pão, abençoa-o, reparte-o, dá-o aos discípulos; toma o cálice, dá graças e entrega-o aos discípulos. Ele fala: Tomai, isto é o meu corpo; isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos (todos). A ceia é ação de Jesus em favor de todos. Ela é anúncio de uma boa notícia para todos. E evangelho vivido e anunciado.
Derramado em favor de muitos lembra o sacrifício do cordeiro pascal. Seu sangue foi aspergido nas portas das casas dos israelitas por ocasião da saída do Egito para proteger a vida dos primogénitos. O cordeiro morre para proteger a vida. Morre em favor da vida. Deus fez uma aliança com o seu povo: uma aliança pela tem favor da vida. Jesus também morre na cruz pela e em favor da vida, mas agora de toda a humanidade. Mas ele ressuscita e traz a vida plena e total do futuro para dentro da nossa vida e história. Deus faz uma nova aliança, agora com Ioda a humanidade. Jesus celebra na ceia que realiza com seus discípulos, antecipadamente, essa ação salvífica de Deus na sua morte e na sua ressurreição.
O reinado de Deus é realidade futura. O reinado da vida plena só aconte¬cerá totalmente no futuro. Mas na morte e ressurreição de Jesus esta nova realidade se fez presente na história. Jesus celebra na ceia esta presença do reino de Deus, do reino da vida.
Jesus celebra a ceia com os doze discípulos. Também aquele que o trairá participa dela. O nome do traidor, porém, não é indicado. Jesus apenas fala da traição de um discípulo. Ele permite que o traidor participe da ceia. Não o exclui (Mc 14.17-21). Também não exclui aquele que está para negá-lo nem aqueles que se escandalizam (Mc 14.27-31). Não exclui ninguém. Todos podem participar da festa da vida. Jesus veio e trouxe vida plena para todos. Mas o traidor se exclui da vida plena e chama o juízo para si porque tem consciência do seu pecado. Ele o planejou (Mc 14.10-11). Nada fez para mudar. Mas todos os discípulos falharam em relação a Jesus. Todos pecaram. Mas é em favor de todos os pecadores que Deus em Jesus se fez presente na história da humanidade.
5. A Nossa Celebração da Ceia e até Aquele Dia… no Reino de Deus
Estamos na semana da Páscoa. Vamos lembrar a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a noite em que foi traído e instituiu a Ceia, o seu sofrimento e morte na cruz e a sua ressurreição. Provavelmente acontecerá um culto ou algum encontro na sua comunidade na Quinta-Feira da Paixão. Certamente haverá celebração da Ceia. Se não for na quinta-feira, será no Domingo de Páscoa.
Muitas pessoas participarão dos cultos e também da Ceia. Afirma-se frequentemente que muitos só irão participar por tradição e costume. Será realmente assim? Que mensagem anunciar para essas pessoas? Evidentemente nunca somos nós que participamos por tradição e costume. Sempre são os outros. Não concordamos que elas só participem por tradição e costume. Mas acreditamos que algum sentido a Ceia deve ter também para aqueles que participam esporadicamente. Provavelmente têm uma compreensão diferente da que nós temos. Não adianta criticar a indiferença ou tradicionalismo. Mas precisamos descobrir que significado a Ceia tem para as pessoas e ajudá-las, a partir de suas concepções, a crescer na compreensão e vivência da Ceia.
A Ceia tem muitos e diversos significados para as pessoas. Mas, sem dúvida, a Ceia como oferta de perdão para os pecados é a interpretação c compreensão mais conhecida e aceita. Na Ceia pessoas buscam perdão e Deus em Jesus Cristo também nos oferece o perdão. Mas essa compreensão limitada condiciona para um determinado comportamento. Deus é entendido como um juiz severo e exigente que condena o pecador que não está devidamente preparado e arrependido. Deus, de fato, condena o pecado, mas absolve o pecador arrependido. E isso nos deve alegrar. Mas o perdão é apenas um aspecto da Ceia do Senhor. Na Ceia recebemos muito mais do que só perdão. Mas precisamos anunciar isso. Ora, anunciar o quê?
Precisamos anunciar que a Ceia é uma refeição festiva e alegre onde celebramos a libertação de todo pecado, de qualquer opressão e escravidão, de lodo sofrimento e qualquer injustiça, enfim, libertação da própria morte. O Deus cio amor em Jesus Cristo está presente entre nós na Ceia e nos concede perdão total, libertação total, justiça plena e vida plena. Na Ceia festejamos esta ação de Deus em nosso favor já acontecida na morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Mas nós vivemos ainda num mundo onde acontecem pecado, opressão, escravidão, sofrimento, injustiça e morte; pois ainda esperamos por aquele dia no reino de Deus, em que se concretizará o reinado do amor, da justiça e da vida, enfim, o senhorio absoluto e total de Deus. Mas, quando celebramos a Ceia, já podemos experimentar e viver essa realidade futura do reino de Deus. Na nossa celebração da Ceia o reino de Deus em Jesus Cristo se faz presente na nossa vida e história. Por isso, a celebração só pode acontecer em alegria e felicidade.
6. Sugestões para a Pregação
a) Apresentar o tema para a comunidade reunida e propor uma conversa entre as pessoas. Formar grupos de três ou quatro pessoas, conforme estão sentadas na igreja, e propor que conversem durante três minutos sobre as perguntas: o que significa a Santa Ceia para nós? O que recebemos na Ceia?
b) Solicitar e oportunizar que as pessoas compartilhem algumas das colocações feitas nos grupos, ordenar essas ideias e preparar para a leitura do texto bíblico.
c) Fazer a leitura do texto de Mc 14.12-26.
d) Desenvolver, a partir das concepções levantadas pelos membros da comunidade e com auxílio do texto, uma compreensão de Ceia como refeição festiva em que celebramos a presença e realidade do reino de Deus.
6. Bibliografia
DELORNE, J. Leitura do Evangelho segundo Marcos. São Paulo, Paulinas, 1985. (Cadernos Bíblicos, 11).
DREHER, Carlos A. Por que Esta Noite E Diferente das Outras?; a Festa da Páscoa no Antigo Testamento. Palavra Partilhada; Festas Bíblicas, São Leopoldo, CEBI/SUL, 72(1):5-17, 1993.
SCHNIEWIND, Julius. Das Evangelium nach Markus. Berlin, Evangelische Verlagsanstalt.
VOIGT, Gottfried. Homiletische Auslegung der Predigttexte; Reihe III: Die geliebte Welt. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1980.