Prédica: Filipenses 1.20c-27
Leituras: Isaías 55.6-9 e Mateus 20.1-16a
Autor: Marcos Bechert
Data Litúrgica: 18º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 26/09/1999
Proclamar Libertação – Volume: XXIV
Tema:
1. A Epístola aos Filipenses
A epístola é de cunho pessoal, sendo que seu objeto é o evangelho. Paulo coloca critérios para auxiliar a identificar a autenticidade desse evangelho, distinguindo-o dos falsos evangelhos. Ele próprio é o portador desse evangelho, o que ele testemunha por sua vida apostólica e também pela trajetória de sua vida pessoal. A verdade do evangelho está em seguir o caminho da cruz. É o caminho que ele próprio está vivendo, com suas prisões e perseguições. Desse modo o evangelho da cruz se torna presente e visível na missão do apóstolo.
Há um confronto com outros apóstolos. Não se trata de rivalidades pessoais, mas sim do confronto entre várias maneiras de conceber a missão dos apóstolos. Temos uma contraposição de várias concepções sobre o conteúdo da mensagem missionária: várias maneiras de organizar a ação cristã, várias estratégias missionárias perante o mundo.
Paulo está brigando com os mensageiros que não põem a cruz no centro de sua mensagem, os quais são denunciados por ele. Ao mesmo tempo se defende dos que também pregam a cruz (são autênticos) e até acusam Paulo de ser infiel à cruz, pois estaria recusando o martírio, optando viver mais tempo aqui (tema de nossa perícope).
O evangelho da cruz contém aqui quatro elementos:
1. Não existe outro meio de salvação a não ser a cruz de Cristo (negando assim a lei dos judeus, a circuncisão…).
2. A cruz é o caminho da liberdade: Jesus renunciou a todos os privilégios, escolheu o esvaziamento de todo valor e poder, assumindo a condição de servo que é condenado injustamente. Ser apóstolo da cruz é ficar sem garantia.
3. O evangelho da cruz esvazia o valor da perseguição, prisão e morte e aceita essa morte por Cristo.
4. A cruz de Cristo significa também o serviço às pessoas. Cristo foi obediente servindo aos outros, não trabalhando pelo seu próprio bem. Essa é a condição que também o apóstolo assume.
2. Filipos
Filipos é uma cidade importante da Macedônia, sendo um centro comercial e militar como colônia romana. Situa se numa estrada muito movimentada, a Via Egnatia, que liga a Itália com a Ásia. Estimas-se que Paulo lenha visitado Filipos pela primeira vez entre 49 e 52, e, com essa visita, iniciou a evangelização na Europa (foi a primeira cidade européia que Paulo visitou: At 16.11-40). Paulo foi recebido por Lídia em sua casa, nascendo ali o primeiro núcleo da comunidade cristã da cidade. O apóstolo criou laços muito fortes com a comunidade que se tornou consolo e até motivo de glória e alegria para ele, sendo que voltou a ela mais duas vezes (2 Co 8.1-6 e At 20.6).
3. A perícope ponto por ponto
Paulo já fez sua escolha. Mas quer se justificar, pois seus adversários estão dizendo que ele está dando mole. Entre morte e vida, escolheu vivei mar, um pouco. Não por motivos pessoais, e sim por causa da evangelização. Antecipa-se às críticas e prepara um novo encontro com a comunidade, quando completará sua obra de evangelização entre eles.
V. 20: Paulo vai a julgamento. Ao que tudo indica, sua condição de cidadão romano não é conhecida. Por isso ele pode escolher entre ocultar o fato e ser condenado à morte, morrendo como mártir da fé no Senhor, ou então livrar-se da pena e da prisão, revelando sua cidadania, pois, neste caso, o juiz local não poderá assumir uma condenação. Por isso ele se prepara para o julgamento, em que espera ser vitorioso. De qualquer maneira, a sua vitória não é medida pela vida ou pela morte, mas sim pela possibilidade de uma confissão pública de lê diante dos juizes. Ele quer o que todos os mártires da época quiseram: que sua confissão confunda os acusadores, defendendo a causa de Cristo e entusiasmando vários ouvintes com o evangelho.
V. 21: (…) para mim indica uma oposição àquilo que outros adiam Outros têm outra opinião. Por isso Paulo se defende. Melhor teria sido a morte imediata. Teria significado a alegria de estar com Cristo e o fim de todos os seus sofrimentos. O fato de que o apóstolo continua em vida não significa uma vantagem pessoal para ele. Ao continuar em vida, não o faz para si mesmo, mas para estar a serviço de Cristo.
Vv. 22 e 23: Paulo está num dilema: ele preferiria morrer e estar com Cristo. Mas se viver, poderá ainda produzir frutos. De qualquer maneira, a escolha não exclui Cristo em nenhuma das duas hipóteses. Trata-se de duas maneiras diferentes de servir a Cristo. Nesse viver na carne estará a serviço do evangelho. No entanto, seu interesse é estar logo com Cristo na vida nova após o seu martírio.
O que significa esse estar com Cristo? Toda a vivência do sofrimento e do martírio levou à certeza de que o martírio conduziria a uma comunhão imediata com o Senhor. De qualquer maneira, Paulo não conhece a ideia de que a alma sobrevive à morte do corpo, ideia incorporada ao cristianismo a partir dos filósofos gregos no fim do séc. l e no início do séc. 2. O que está muito claro que ele tem uma convicção muito precisa de estar com Cristo depois da morte.
V. 24: Os filipenses e as comunidades são a causa de sua opção de lutar pela vida. Ele ainda se sente necessário para confirmar a fé daqueles que levou a Cristo Paulo sabe que as comunidades, e especialmente os filipenses, ainda precisam dele.
Vv. 25 e 26: Paulo, portanto, vai usar seu trunfo para continuar em vida e ajudar a comunidade a progredir para que tenham alegria na fé. É assim que os visitará. A alegria de se rever não se deverá a motivos humanos, mas ocorrera por causa de Cristo. Pois desse jeito o evangelho vai crescer e Cristo também vai crescer no meio deles.
V. 27: Depois de falar de sua vida pessoal e de explicar-se, Paulo volta-se para os acontecimentos que afetam a vida da comunidade de Filipos, dando-lhes recomendações de como quer encontrá-los quando for ao seu encontro ou mesmo estando longe deles. Ele quer que construam uma comunidade exemplar, numa vida comunitária digna do evangelho, fundada na cruz de Cristo, que não recuse a cruz, a perseguição. Ficar firme é resistir à sedução dos falsos evangelhos. Paulo quer vê-los lutando em unidade, firmes em um só espírito, como uma só alma: a comunidade que ele conheceu quando esteve com eles.
4. Para começar o culto
Estamos iniciando a grande reunião da comunidade com o nosso Senhor vivo. Juntos vamos celebrar a fé, crendo que, para nós, o viver é Cristo e o morrer representa um lucro (texto da prédica). Mas ninguém de nós precisa correr loucamente ao encontro da morte, e menos ainda permitir que ela continue ceifando vidas inocentes.
No culto aprendemos juntos, comunidades e pregadores, a buscar o Senhor, sua palavra, sua vontade e seu projeto de vida (Isaías), diminuindo a distância que existe entre nossos planos e o projeto de Deus, que é de liberdade e vida para todos, sobretudo para os que são considerados últimos em nossa sociedade (evangelho). Aprendemos, pois, a conhecer e a praticar sempre mais a justiça do Reino. Ao redor de nossas igrejas, nas praças das cidades, nas sombras à beira das lavouras, estão muitas pessoas nos perguntando: é essa a justiça que vocês aprenderam de Deus?
É esse o tipo de sociedade que vocês captaram do Mestre da Justiça? No dia de hoje vamos ouvir e meditar sobre a justiça de Deus e vamos também celebrar o tempo de vida que ainda temos.
5. Meditando: que sentido tem a vida?
O martírio de hoje continua ceifando vidas, só que naturalmente, de forma diferente. Na maioria das vezes fazemos de conta que a coisa não é com a gente. Temos uma dificuldade enorme de enfrentar os conflitos do dia-a-dia. Parece mais fácil achar um refúgio, recolher-se, ficar em cima do muro. E, nas situações em que de fato não escapamos, buscamos outras soluções procurando esquivar-nos do caminho da cruz. Vejam o que diz Evaldo L. Pauly:
Vamos imaginar que a Igreja seja um shopping. O povão, no fundo todos nós, fazemos da religião um mercado. Entramos no supermercado da fé e vamos enchendo o carrinho. Na prateleira da Igreja Luterana o cara pega uns ofícios e dois ou três aconselhamentos. No setor do espiritismo, compra meio quilo do consolo imediato para a dor da morte. Na Universal do Reino de Deus compra umas emoções assim mais fortes e duzentas gramas de saúde fatiada. Da Assembléia pega um pouquinho de oração em línguas e um CD com música countrv religiosa. Da Igreja Católica pega aí uma meia dúzia de festas populares, algumas procissões e abre um crediário para pagar promessas com juros baixos.
De sobremesa um pouquinho de astrologia e de ufologia transcendental com o Fantástico, cheirando a fumaça de varinha de incenso dos hare-krishna.
Esse povo se contenta com qualquer bugiganga fabricada numa Taiwan qualquer. Ao invés de se empenhar por cura de verdade (onde a fé é fundamental), fica feliz com os truques psicológicos e as manipulações da Universal. Como cidadão do mundo, luto pela saúde pública; como cidadão do Reino de Deus, oro pedindo que Jesus cure! A gente sabe que é difícil chorar nossos mortos, muito especialmente chorar os jovens que morrem estupidamente. Parece mais fácil aceitar a ilusão da reencarnação, que foi só uma passagem, que dá para conversar com o morto numa mesa mediúnica… É difícil encarar de frente o Evangelho, pois ele nos diz: enfrente as durezas da vida, sem essa de pensamento positivo. ( Fé?! Qual é?!, p. 40s.)
Sinto-me chamado pela comunidade que sirvo e comprometido com ela. Da mesma forma o sinto em relação à minha família. Sei que ainda tenho muitas coisas a fazer. Acho que é bom dizer isto às pessoas. Por isso procuro ajudar a construir uma comunidade bonita, alegre, onde seja agradável a gente estar, que ajude a responder às contradições, aos conflitos, às perguntas. Por isso mesmo não vai ser necessário procurar no supermercado das religiões um esconderijo ou uma explicação fácil. Como cidadão do Reino vou orar, celebrar, ouvir e meditar na Palavra, aprender da justiça de Deus, ter comunhão com Deus e os irmãos e as irmãs. Como cidadão do mundo vou tentar a justiça de Deus que Jesus nos ensinou.
Concluo com uma poesia de Jorge Luís Borges:
Voltar a viver
Se pudesse voltar a viver a minha vida,
na próxima, trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, viveria mais solto.
Seria mais ingênuo do que fui.
De fato, levaria a serio só umas poucas coisas.
Teria menos cuidados.
Correria mais riscos, faria mais viagens,
contemplaria mais crepúsculos, escalaria mais montanhas,
nadaria em muitos rios.
Iria a mais lugares desconhecidos,
comeria mais sorvetes e menos vagens,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Fui uma pessoa dessas que viveu sensata e pacificamente
cada minuto da sua vida.
É claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar atrás,
trataria de ter somente bons momentos.
Pois, caso não saibam, disto está feita a vida, só de momentos.
Não percam o agora.
Eu era desses que nunca vão a lugar algum sem ter um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas.
Se pudesse voltar a viver, viajaria com menos peso.
Andaria de carrocinha, contemplaria mais alvoradas,
e brincaria mais com as crianças.
Se pudesse voltai' a viver a minha vida, andaria descalço
desde o começo da primavera ale o fim do outono.
6. Sugestão
Motivar os confirmandos ou a juventude a distribuir, durante o canto final do culto, um folheto evangelístico da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) a cada participante do culto (na seguinte ordem de preferência: o folheto sobre o tema do ano, ou então A força que brota da fé em Jesus, ou qualquer um). Cada um/a recebe a tarefa de entregar esse folheto a uma pessoa (vizinho, vizinha ou outra que não esteve neste culto e que fez falta). Ressaltar que isso é uma resposta prática minha ao amor que Jesus manifestou na sua doação na cruz. O meu encontro com um/a irmão/ã fora da Igreja c também uma contribuição minha para a construção de laços de amizade e solidariedade dentro da sociedade.
Bibliografia
COMBLIN, José. Epístola aos Filipenses. Petrópolis : Vozes; São Leopoldo : Sinodal; São Bernardo do Campo : Metodista, 1985.
PAULY, Evaldo L. Fé?! Qual é?! : o jovem e a fé cristã. São Leopoldo : Sinodal, 1998.
Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia