Prédica: Marcos 13.33-37
Leituras: Isaías 63.15-17, 19; 64. (1-2) 3-7 e I Coríntios 1.3-9
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: 1º Domingo de Advento
Data da Pregação: 28/11/1999
Proclamar Libertação – Volume: XXV
Tema: Advento
1. Introdução
O texto indicado para o 1° Domingo do Advento faz parte do sermão apocalíptico que Jesus proferiu antes de sua morte (13.3-37). Neste auxílio homilético quero olhar primeiro para o texto, em seguida perguntar pelo sentimento que existe atrás de um texto apocalíptico e refletir finalmente sobre a prédica no 1° Domingo do Advento.
2. Observações exegéticas
V. 33: Vigiai
No sermão apocalíptico, Jesus anuncia a quatro de seus discípulos (v. 3) os acontecimentos finais. Ele prediz que haverá guerras (v. 7) e fome (v. 8), que os discípulos serão odiados (v. 13) e que no final o sol escurecerá (v. 24) e passarão o céu e a terra (v. 31). Então virá o Filho do homem para reunir os seus escolhidos (vv. 26-27). Depois de ter mencionado todos esses eventos, Jesus exorta, no v. 33, os discípulos a vigiar. Eles devem organizar sua vida de acordo com o saber de que o Filho do homem voltará. O Filho do homem não é outro do que o próprio Jesus. Como o Filho do homem, contudo, poderá voltar a qualquer hora (cf. o v. 32), os discípulos devem estar sempre atentos. Eduard Schweizer destaca que com a ação de vigiar (a cada momento!) o evento da vinda de Cristo passa a ser um acontecimento que determina a vida presente dos discípulos (cf. Schweizer, p. 163).
V. 34: é como se um homem...
Ao chamamento para vigiar, Jesus acrescenta a parábola de um homem que empreende uma viagem. Antes da viagem, ele dá poder aos servos, indica a cada um o serviço que deve realizar durante sua ausência e incumbe o porteiro da tarefa de vigiar. O verbo vigiar tem aqui o significado de manter os olhos abertos. O servo que tem a tarefa de abrir a porta para aqueles que chegam tem a responsabilidade de estar vigilante para perceber o momento do regresso do senhor, a fim de abrir-lhe nessa oportunidade a porta. Chama a atenção que o proprietário prescreve a cada servo a tarefa que deve fazer durante sua ausência e dá a autoridade para desempenhá-la. Como os servos representam os discípulos, Jesus está indicando aqui que o período de sua ausência é tempo de intensa atividade. Quando voltar, ele quer encontrar os seus servos tendo feito as suas obrigações. A parábola põe a ênfase, contudo, na conduta do porteiro de vigiar.
Vv. 35-36: não sabeis quando virá o dono da casa
Mais uma vez é ressaltada a importância de vigiar. A noite, no mundo romano, era dividida em quatro vigílias. O senhor poderá regressar tarde (depois das 9 horas da noite), à meia-noite, ao cantar do galo (na terceira vigília da noite, até as 3 horas da manhã), ou ao amanhecer (no final da quarta vigília, que vai das 3 às 6 horas da manhã). Para avistar o senhor que regressa é preciso estar realmente atento. É necessário ver mais do que a noite.
V. 37: o que, porém, vos digo, digo a todos: vigiai
Uma última vez Jesus conclama os discípulos a manter os olhos bem abertos. Agora, contudo, o chamamento se dirige a todos os cristãos, não apenas aos quatro discípulos. Faz parte da vida de cada cristão/de cada cristã manter vivo o saber de que o Senhor voltará e deixar que esse saber (que é felicitante, para a pessoa cristã!) determine de maneira positiva sua vida e ação.
Acrescento que o sermão de Jesus em Mc 13 foi exaustivamente analisado por muitos exegetas e há os que opinam que atrás do texto se encontra um apocalipse judaico que foi absorvido pela comunidade cristã quando esta compôs o sermão de Jesus. O sermão apocalíptico seria, então, uma produção literária da comunidade, com acréscimos de Marcos. Se isto for correio, então é a fé da comunidade cristã que se expressa neste texto. Contudo, vale recordar que se trata então da fé que nasceu do encontro da comunidade com o seu Senhor e que tem no seu Senhor a sua fonte e seu conteúdo. A comunidade testemunha com este texto quem é o seu Senhor. Ele é o Senhor que voltará para a salvação. Temos motivos de sobra, portanto, para ouvir com atenção o que a comunidade revela a respeito do seu Senhor neste texto. Mas é bom observar que Jesus mesmo fez uso de concepções apocalípticas.
É importante observar ainda que o sermão de Jesus é proferido antes de sua morte na cruz. Trata-se de um sermão de despedida. Nele Jesus — que em breve não estará mais com os discípulos — aponta para a sua parúsia para a salvação dos seus.
3. Observações sobre a visão apocalíptica do texto
Para a a compreensão do texto é importante ler uma noção do significado de textos apocalípticos na literatura bíblica, fim 13.2, Jesus afirma: Não ficará pedia sobre pedra. Em 13.31, acrescenta: Passarão o céu e a terra… Conforme Jesus, o mundo caminha para o seu ocaso. Essa é a visão de todos os textos apocalípticos. É uma visão pessimista do mundo. O mundo, na visão apocalíptica, não tem futuro. E a visão apocalíptica diz que ele não tem futuro porque é oposto ao reino de Deus. Esta é também a razão por que o mundo tem que desaparecer. Não há nada que justifique a sua continuação. Sim, os apocalípticos desejam que o mundo chegue ao fim o mais depressa possível, para dar lugar ao reino de Deus.
Nós só vamos entender o significado central dessa visão pessimista do mundo, se compreendermos a experiência que se expressa através dela. A visão apocalíptica manifesta o pânico que sente o ser humano num mundo que oprime e destrói. Ela interpreta a realidade — em seu todo — como desesperadora. Na visão apocalíptica, a história cotidiana não pode mais ser sentida como lugar da revelação de Deus. A história transcorre contrariamente à vontade de Deus. E conforme a experiência atrás dos textos apocalípticos, a vida neste mundo só pode ser suportada através do olhar para Deus. Só Deus dá aos que sofrem a confiança de que necessitam para viver neste mundo. Deus é única fonte de esperança. Sim, Deus porá um fim a este mundo contrário ao reino e trará, em Jesus, o reino de Deus. Essa certeza é a fonte de alegria num mundo desesperador!
É para Jesus que aponta, portanto, a visão apocalíptica. E é por recordarem o desespero de inúmeras criaturas de Deus — também hoje — e por apontarem para a salvação que vem com Jesus (ele quer que vivamos!), que os textos apocalípticos do NT são os que melhor falam ao coração humano em tempos de sofrimento.
4. Considerações homiléticas
A partir do texto e deixando-me inspirar pelo exposto no item anterior, proponho que na pregação se vá em primeiro lugar ao encontro da experiência que muitas pessoas estão fazendo com o mundo. Podemos recordar as afirmações de Jesus de que não ficará pedra sobre pedra. Parece que a crucificação de Jesus fortaleceu os discípulos nesta visão. Se o próprio Filho de Deus pôde sei eliminado, então este mundo é contrário a Deus. É isso que muitos cristãos sentiram também no decorrer de suas vidas.
Podemos dialogar com a comunidade sobre essa experiência. Poderemos detectar, inclusive, em nós uma resistência contra essa visão, pois parece ser pessimista demais. Mas talvez aconteça que, dialogando sobre essa resistência, vamos descobrir que muitas pessoas experimentam o mundo da mesma maneira hoje. Como um mundo contrário a Deus, que não está em ordem. As grandes desigualdades, as injustiças, a realidade de que milhares de pessoas não têm o que comer durante dias, o fato de que seres humanos estão se tornando obsoletos na sociedade globalizada de hoje (não servem como consumidores nem são necessários para produzir) — tudo isso faz com que muitas pessoas experimentem o mundo como um mundo de desamor. Este mundo, assim como é, não é o reino de Deus. E conforme a vontade de Deus, ele deve desmoronar para dar lugar ao reino de Deus.
A visão apocalíptica do texto nos liberta, como pregadores e pregadoras, para olhar para dentro da realidade de sofrimento em nossos dias.
A prédica no 1° Domingo do Advento só pode ser, contudo, boa nova. Por isso cabe, na segunda parte, apontar para a parúsia de Cristo. E esta segunda parte deve ser a principal. Podemos introduzir esta parte lembrando que quando Jesus fala do dono da casa que empreende uma viagem, está falando de si mesmo. Ele partiu. E do mesmo modo como partiu, voltará para a salvação. Jesus chama, portanto, a sua comunidade para vigiai: Pede que a sua comunidade não se esqueça de que ele voltará, que ela o aguarde, como porteiros aguardam o dono da casa que voltará. Jesus foi da opinião de que não devemos ver somente as trevas (as dificuldades!) ou o pânico, mas que devemos ter uma sensibilidade para ele. É deste Advento que Jesus fala no texto. O que importa é confiar nele e deixar que ele seja a fonte de nossa esperança. Assim, ele vencerá o nosso pânico. Através do olhar para ele, recebemos forças para superar os desesperos.
O texto de prédica também convida para apontar para as consequências práticas do Advento de Jesus. Se Jesus diz que o mundo contrário ao reino de Deus desmoronará, então nós devemos já agora deixar desmoronar muita coisa em nossa vida que está errada. Aqui pode ser o momento de falar das enormes diferenças sociais em nosso mundo e do sofrimento que elas geram. Pode ser o momento de lembrar o que o texto de Isaías diz: que Deus é um Deus que vai ao encontro daqueles que com alegria praticam a justiça. Como o dono da casa deu atribuições aos seus servos, assim Jesus quer que vivamos em fé, esperança e amor. Somos chamados para viver uma vida alternativa num mundo em que muitos são excluídos. Sob a palavra de Jesus vai desmoronando todo um mundo de desamor e nascendo um mundo de justiça.
Acredito que Mc 13, com o potencial extraordinário que vem de um texto apocalíptico, é um excelente texto para que nós mesmos, pregadores e pregadoras, possamos ser levados da experiência desesperadora com um mundo que desmorona para a certeza de que Deus quer a nossa vida e para dentro de atitudes de uma vida alternativa.
As leituras complementares enriquecem a reflexão.
Isaías 63.15-17, 19; 64. (1-2) 3-7) expressa o clamor do povo de Deus. Ele pede que Deus deixe falar a ternura de seu coração e não detenha mais as suas misericórdias E um povo angustiado com a ausência de Deus e assustado com a própria dureza de coração que se expressa no texto. Mas é um povo cheio de esperança em Deus e que sabe que Deus é Pai e Redentor e sempre trabalha para aqueles que esperam nele e sempre sai ao encontro daqueles que com alegria praticam a justiça. O sentimento atrás de Is 63/64 é o mesmo que existe em Mc 13.
No texto de l Co l .3-9 o apóstolo agradece a Deus porque os cristãos em Corinto foram em tudo enriquecidos. Eles estão em Cristo. Este estar em Cristo é algo que Mc 13 ainda não conhece. Em Mc 13 o tempo entre a partida e a volta de Jesus é tempo da ausência dele. l Coríntios 13 acrescenta um elemento novo à reflexão. Mas também os cristãos em Corinto, que estão em Cristo, aguardam a vinda de Cristo, e é Cristo mesmo quem os confirma para que eles sejam irrepreensíveis no dia de sua vinda.
5. Subsídios litúrgicos
Oração inicial: Eterno Deus e Pai: nós te agradecemos por este dia. Pela nossa vida. Porque tu nos guardaste até aqui de perigos e de todo o mal. Nós te agradecemos por estarmos iniciando hoje o tempo do Advento e podermos ouvir novamente as promessas de vida que estão no evangelho. Para podermos celebrar este culto com lábios puros, pedimos, Pai, que nos concedas o teu perdão. Repetidamente constatamos que nos falta muito para assimilar o caminho do evangelho. Custa-nos seguir os passos de Jesus. As coisas deste mundo limitam a nossa visão e fazem desfalecer o amor em nossa vida. Tu podes levar para uma vida alternativa. Por isso, vem com o teu poder e faze com que este culto de Advento seja um acontecimento importante em nossas vidas. Transforma o nosso ser. Tem compaixão de teu povo e aceita a nossa adoração. Amém.
Oração de coleta: (antes da leitura de Isaías): Senhor, o teu povo sempre lê confessou como seu Pai e Redentor. Mas por vezes estava angustiado e sentia li necessidade de experimentar mais de perto a tua ternura. Assim há também pessoas entre nós que gostariam de sentir a tua ternura mais de perto. Olha lambem hoje para o teu povo e deixa a tua ternura falar a ele. Não detenhas, por mais tempo, as tuas misericórdias, e faze de nós pessoas que esperam em ti e que com alegria praticam a justiça. Surpreende-nos com a tua presença neste Advento que põe fim a todo o pranto. Dá que ouçamos agora com atenção a tua palavra. Amém.
Oração de intercessão: Na intercessão podemos agradecer pelo tempo de Advento. Muitas vezes o mundo, com suas dificuldades e injustiças, parece ser o único real. Podemos mostrar que com Jesus aprendemos a olhar através do pânico que existe muitas vezes em nossa vida para a salvação. Sim, cada um c cada uma de nós deve saber em seu coração que Deus quer que nós vivamos. Cada um e cada uma deve esperar sempre em Deus. Podemos lembrar na oração final que Jesus nos convida para viver em fé, esperança e amor, para abandonar o ódio, a inveja, a ganância, para praticar com alegria a justiça, para deixar as atitudes contrárias ao evangelho. Tudo que olhamos, muitas vezes, é apenas com a pergunta sobre o lucro que podemos tirar daquilo que vemos. Cabe confessar que é Jesus quem nos guia para dentro de uma vida alternativa, e, na oração, pedimos que ele o faça: que ele mesmo nos afaste de atitudes erradas e nos guie para atitudes de justiça.
Podemos então fazer as intercessões: para que não haja tantas desigualdades no mundo, pelos desempregados, por aqueles que formulam as políticas econômicas, que formulem políticas que não excluam pessoas da vida. Pela Igreja, que anuncie o Advento de Jesus. Terminar com a afirmação de que é a Deus que queremos servir com as nossas vidas, e somente a ele.
Bibliografia
DREWERMANN, Eugen. Tiefenpsychologie und Exegese. Olten/Freiburg im Breisgau : Walter, 1990. vol. II.
JOSUTTIS, Manfred. Gesetz und Evangelium in der Sprache des Mythos. In: ID. Homiletische Studien. Gütersloh : Chr. Kaiser/Gerd Mohn, 1995. vol. 2.
SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Markus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967.
Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia