Prédica: João 20.1-9
Leituras: Êxodo 15.1-11 e 1 Coríntios 15.1-11
Autor: Günter Wehrmann
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 15/4/2001
Proclamar Libertação – Volume: XXVI
1. Ponderações sobre o evento e participantes do culto
A grande maioria dos membros nominais da comunidade frequentou um dos cultos da Semana Santa e já tomou a Santa Ceia, na quarta-feira, na Quinta-Feira Santa ou mesmo na Sexta-Feira Santa, embora o último evento, liturgicamente falando, seja o menos apropriado para celebrar a Santa Ceia. Mesmo que ela ofereça o perdão dos pecados, também celebra a comunhão do corpo de Cristo como antecipação do banquete eterno. Esse aspecto alegre da Santa Ceia combina, liturgicamente, muito antes com o conteúdo pascal.
Quem tem o privilégio de poder viajar, aproveita o feriadão para tal. É uma das razões da frequência menor nos cultos da Páscoa. Além disso, muitos ainda pensam que não podem tomar a Santa Ceia já de novo. É recomendável, portanto, ajudar a comunidade para sentir-se livre e motivada para celebrar a Santa Ceia no Domingo da Páscoa, como expressão da antecipação da alegria eterna. Justamente este aspecto combina com a riqueza e exuberância de toda a liturgia, que, neste dia, é reintroduzida, visto que na Quaresma foi reduzida a um mínimo. Não me parece prudente nem poimênico mexer nos costumes que norteiam o culto de Santa Ceia na Sexta-Feira Santa, sem resgatar ao mesmo tempo, ou melhor antes, o culto eucarístico do Domingo da Páscoa.
Justamente nesse sentido, Ronald Baesler compartilha a experiência com a Vigília Pascal (in: PL, vol. 16, p. 146ss.). Mesmo onde não houver possibilidade de optar logo por uma vigília pascal, deve-se investir, criativamente, na preparação e realização do culto pascal. A liturgia deve envolver líderes e a comunidade. O Culto Infantil poderia ter participação, entregando uma lembrancinha com mensagem, confeccionada em seu encontro anterior. A Santa Ceia poderia ser celebrada de maneira cativante, motivando para a participação, já no momento da pregação. Estes seriam alguns estímulos para tornar o culto mais participativo, celebrativo e significativo.
2. Delimitação da perícope
O chamado Lecionário Ecuménico ABC, embora adotado após o Segundo Vaticano pela maioria das igrejas, não é tão ecuménico assim, visto que nem sempre obedece aos ternários indicados pelas leituras veteroeclesiásticas. Esta é a razão principal de a Igreja Evangélica na Alemanha (IEA) não o ter adotado. Penso que o referido lecionário seria melhor denominado de Ordo Lectionis Missae (OLM), nome que faz jus ao objetivo de sua criação. É por isso que a delimitação das perícopes não obedece ao critério da predicabilidade, mas apenas ao da leitura.
Um exemplo disso temos na delimitação de nossa perícope Jo 20.1-9(10-18). Colocar como opcional a inclusão dos versículos 10-18 evidencia o interesse tão-somente na leitura, sem que se pense na pregação. É ignorado que, na verdade, se trata de duas histórias, originalmente separadas e, posteriormente, interligadas na redação do evangelista. Desde Bultmann, isso não mais carece de comprovação. Quem quer pregar sobre o texto todo corre perigo de sobrecarregar a prédica indevidamente. Por isso Nélio Schneider, em PL, vol. 18, se atém somente aos vv. 1-9, enquanto Claudete e Carlos Luiz Ulrich, em PL, vol. 24, p. 230ss., com o objetivo de enfocar Maria Madalena, se atêm aos vv. 1-2,11-18.
A Ordem de Perícopes (OP) da IEA, na série V, delimita o texto de prédica para os vv. 11-18, que tratam do encontro de Maria Madalena junto à sepultura. A série de textos marginais M2 delimita outra perícope pelos vv. 1-10, que enfoca a história de Pedro e do discípulo amado. Embora o v. l tenha a função de estabelecer a ligação entre ambas as histórias e o v. 10o objetivo de concluir a primeira, antes de iniciar a próxima, penso que é recomendável ignorar esse fato e, em função da predicabilidade, optar por uma das duas histórias, a exemplo da OP. Sugiro delimitar a perícope pelos vv. 1-9, a exemplo de Nélio Schneider. Dessa maneira não incorro no perigo de supervalorizar o v. 10. Sobre a perícope dos vv. 11-18 temos um excelente auxílio fornecido por Edson Emílio Streck, em PL, vol. 8, p.166ss.
3. Ligação entre perícope e demais leituras
Arrisco formular uma mensagem provisória da perícope dos vv. 1-9: o discípulo amado viu a sepultura vazia e creu que o crucificado vive. Jesus é Senhor, o Cristo. Testemunho semelhante foi dado por Pedro em Jo 6.68s.: Senhor (kýrios), tu tens palavra da vida eterna; (…) tu és o Santo de Deus.
O texto de Êx 15.1-11 é um cântico de adoração e louvor que Moisés entoa, após a libertação e eliminação do poder escravizador do Egito. O Senhor vence os poderes promotores de morte.
Em l Co, Paulo resume todos os ensinamentos no grande cântico do amor que se doa e reparte (l Co 13). Esse Cristo que veio, repartindo e doando-se em favor de nós, ressuscitou. Ele vive e faz viver apesar e contra todos os poderes de morte. A ressurreição dos mortos decorre da ressurreição de Cristo (as primícias dos que dormem, v. 20). Nisso está contido o primeiro credo da cristandade (vv. 3-4), sendo que os versículos seguintes procuram evidenciar a ressurreição dos mortos, prometida a todos/as os/as que em Cristo tinham crido.
Diante dessa perspectiva somente nos resta cantar, adorar e louvar a Deus – não somente a exemplo de Moisés, mas com muito mais vigor, visto que já temos as primícias da nova vida que não mais está sujeita aos poderes da morte.
4. Meditando no texto à luz da realidade
vv. 1-2 – No primeiro dia da semana, ou seja, após o dia de descanso dos judeus, de madrugada, uma mulher, sozinha, vai ao sepulcro. Estranho! A penumbra que envolve a sepultura não lhe causa medo? O que ela quer lá, visto que o morto já foi embalsamado (19.40), e por que não está preocupada com a pedra que fecha a sepultura? A história não o responde. Quem é essa mulher? … Conforme Mc 16.9, Jesus havia expelido dela sete demônios. Sete aponta para a totalidade. Houve cura total e integral. Junto com outras três mulheres e o discípulo amado, ela ficou embaixo da cruz até o fim (19.25s.). Ela demonstrou amor a Jesus enquanto era tempo! Agora, chegando perto do túmulo, vê removida a pedra que tapava a entrada.
A surpresa faz pensar, imediatamente, naquilo que se temia e que Mateus chegou a externar em Mt 27.64 – poderiam roubar o cadáver para depois inventar a história da ressurreição. Mas quem estaria interessado nisso além dos discípulos? Seja como for, mais adiante vamos ter que retomar o assunto da sepultura vazia. Neste momento, importa registrar que Maria Madalena nem olhou para dentro da sepultura para ver se o corpo fora roubado ou não. O mero fato da pedra removida a fez correr até Pedro e o outro discípulo a quem Jesus amava – assim o evangelista fala humildemente de si mesmo, identificando-se com João, sem mencionar o nome – a fim de avisá-los: Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram. Realmente, Maria Madalena pensa em roubo. Mas por que ela, referindo-se ao falecido Jesus, o trata por Senhor (kýrios)? O evangelista reserva o título para o Cristo ressurreto. Temos aqui mais uma das simultaneidades entre futuro e presente que se mesclam, a exemplo da história sobre a paixão de Jesus, que também aponta para o senhorio de Cristo, o Senhor.
vv. 3-7 – Os dois discípulos vão correndo para a sepultura, sendo que João ultrapassa Pedro e, sem entrar nela, enxerga os lençóis de linho, constatando assim a ausência do morto. Pedro, por sua vez, ao chegar, entra no túmulo.
Sudário de Turim
Nesta mortalha vêem-se os contornos dum corpo humano em negativo. Fotografando-o, obtém-se a imagem em sua face positiva, que nos revela um belo semblante com traços de soberania e majestade. Há controvérsia sobre a idade do pano. Há indícios de que remontam ao século XIII. Conforme a lenda, porém, é esse o pano em que Jesus estava enfaixado (cf. Rothemund, p. 22s.).
Ele também vê os lençóis. Mas, além disso, percebe o pano que tinham posto em volta da cabeça do defunto. Esse pano, porém, não estava junto com os lençóis, mas dobrado ou enrolado num lugar à parte. Ele deu origem a muitas suposições e especulações. Ainda hoje procura-se comprovar cientificamente que aquele pano foi achado e como tal é venerado pela piedade católica.
v. 8 – Com propriedade, Nélio Schneider (p. 122) destaca a descrição do detalhe referente ao sudário que cobria a cabeça do defunto. Esse pano estava num lugar à parte, não jogado às pressas, mas dobrado/ enrolado. Isso descarta a hipótese de que o corpo de Jesus tenha sido roubado. Atesta o fato de que a sepultura não foi violada e dá a impressão de que Jesus Cristo, calmamente, levantou e saiu. Basta o evangelista acrescentar apenas que também o outro discípulo viu e creu. Assim o autor testemunha a ressurreição de Jesus. Isso é explicitado pela referência à Escritura no versículo seguinte.
v. 9 – Não sabemos a que passagem bíblica o evangelista se refere. Será que ele tinha conhecimento dos prenúncios de Jesus sobre a sua morte e ressurreição de que falam os sinóticos (cf. p. ex. Mc 9.31)? Seja como for, a referência à Escritura serve para atestar que o crer não é vago e indefinido, mas é o crer pascal: o crucificado vive! Ele é o Senhor (kýrios)!
A história termina com a informação de que os discípulos voltaram para casa (v. 10). Que significa esse crer para a vida? E estranho que nenhum comissionamento missionário conclua a experiência!
5. Reflexão teológico-sistemática com vistas à prédica
Ao longo da história da Igreja, o sepulcro vazio tem sido frequentemente citado como prova da ressurreição de Jesus. Mas isso teria levado alguém a crer no ressurreto? Maria Madalena ouviu a voz do ressurreto e então o reconheceu como o Senhor (kýrios). Ela anunciou aos discípulos que o viu e ouviu. Mas, aparentemente, isso não os levou a crer no ressurreto. Era preciso eles se reunirem, e ele mesmo entrar em seu meio. Tomé, que não estava junto, precisou voltar a se reunir com os demais para experimentar a presença do ressurreto. E justamente a ele Cristo diz: Bem-aventurados os que não viram, e creram (v. 29b). Nessa afirmação culmina a sequência das cenas do cap. 20, como observa Nélio Schneider (p. 121). Chegar u crer não acontece por causa do túmulo vazio, não por causa de um sudário supostamente original, não por causa do ouvir a voz dele nem por causa do ver. Se isso fosse possível, então o crer seria factível.
Pelo contrário, o Cristo ressurreto mesmo tem que revelar-se. E isso é obra do Espírito Santo, como Lutero explica no terceiro artigo do Credo Apostólico. Mas o Espírito Santo se utiliza de coisas concretas para nos abrir os olhos, os ouvidos e tocar o coração.
Milagre da encarnação de Deus! Por isso, o crer acontece através de e em meio a coisas concretas como o ver, ouvir, falar, reunir-se com a comunidade. Em meio e através de coisas relativas o absoluto se manifesta e evidencia como o kýrios, que ressuscitou, e evoca a confissão de fé: Senhor meu e Deus meu! Tendo-o experimentado, pode-se voltar para casa, mas como outra pessoa. Pessoa que viu, sentiu, ouviu, experimentou que o nosso Salvador vive e faz viver.
Essa fé pascal pode tomar formas diferentes:
– A viúva agora pode confiar o falecido marido aos cuidados de Deus e sentir-se livre para abraçar a vida no cuidado para com os filhos, exercício da profissão e colaboração na comunidade. É verdade que o lugar vazio permanece. Mas a fé pascal abre os olhos para aquela vida que terá a última palavra. Essa esperança faz apostar na vida aqui e agora. Obs.: Aqui convém exemplificar conforme a situação local!
– Onde nós como grupo de Culto Infantil, Juventude, Mulheres, Casais ou outro chegamos a crer no ressurreto, ele nos faz enxergar aqueles irmãos e aquelas irmãs que estão excluídos e marginalizados, tais como: pessoas portadoras do HIV, desempregadas, idosas, doentes, portadoras de deficiência. Abrimos os olhos, ouvidos, corações e grupos para que elas possam sentir-se acolhidas. Com elas repartimos a esperança que não morre. Assim pode acontecer o milagre de nós nos tornarmos um pequeno cristo para outros. Através de nossos gestos concretos de solidariedade tais pessoas também podem chegar a experimentar que o nosso Salvador vive.
– Por causa da esperança na vida que não morre desconfiamos de todos os poderes que, por meio da violência, querem promover a paz. Posto que a morte, o poder mais violento, já foi sentenciada na Páscoa e será eliminada em definitivo no fim dos tempos quando Cristo voltar, rejeitamos todas as armas de morte, como brinquedos de guerra e tudo que promove o armamentismo.
Essas são algumas pistas de como nos podemos tornar canais da comunicação pascal para que muitas pessoas creiam que Jesus é o Messias (Cristo), o Filho de Deus. E para que, crendo, tenham vida por meio dele (v. 31).
A partir disso, empenhamo-nos para facilitar a comunicação do eterno em meio ao passageiro, como p. ex.:
– A nossa própria fala: linguagem simples, frases curtas, entonação e gestos com nexo, etc. (de vez em quando convém relembrar as regras da boa comunicação!).
– A ária I know that my Redeemer lives (Eu sei que o meu Salvador vive) do oratório The Messiah (O Messias), de Georg F. Händel. Conta-se que, durante o ensaio geral, o compositor teria interrompido o canto da soprano e lhe perguntado: Você realmente crê no que está cantando? Após alguns segundos de silêncio constrangedor, a jovem cantora teria respondido com um sim claro e convincente. Ao que o velho compositor teria retrucado: Bem, então cante assim! Então, ela teria cantado de maneira a encantar, cativar e contagiar toda a plateia. E, durante o grande Aleluia, a rainha da Inglaterra, comovida, ter-se-ia levantado em sinal de respeito e adoração – gesto que o povo inglês até hoje cultiva na parte final do espetáculo.
– A visualização do sudário pode ser usada para demonstrar e ilustrar algo da soberania do ressurreto. Contudo, importa explicar que não se trata de uma prova, como alguns nos querem fazer acreditar.
6. Subsídios litúrgicos
Intróito: Sl 118.1-2,13-24 (também pode ser cantado conforme Celebrações do Povo de Deus, p. 119ss.) ou Ap 1.18.
Confissão: Onipotente e bondoso Deus, na Páscoa fizeste tudo que era necessário para termos uma esperança inabalável, uma esperança que não morre. Nós, porém, vivemos, frequentemente, como se a efemeridade e a morte tivessem a última palavra. Luto, injustiça e manifestações de desamor nos relacionamentos na família, na comunidade e no país nos privam da alegria de viver. Perdoa-nos por ter colocado a nossa confiança em coisas passageiras e deixado de praticar o amor que se doa e reparte. Renova-nos e liberta-nos por causa de Jesus Cristo, que vive e faz viver. Ouve-nos quando cantamos: Senhor, tem piedade!
Palavra de absolvição: Assim diz o Senhor para o seu povo arrependido: Ainda que os vossos pecados… (Is 1.18b+c).
Oração do dia: Louvamos e glorificamos o teu nome, misericordioso Deus. Em Jesus Cristo tu ajudas de fato, fazendo jus ao teu santo nome. Vem tu mesmo agora a cada um de nós, de maneira bem pessoal. Em tua palavra faze-nos experimentar o teu poder vivificado r. Na Santa Ceia faze-nos sentir e saborear um antegozo da comunhão em alegria eterna contigo e de uns com os outros, para que nos tornemos testemunhas da esperança que não morre, por causa de Jesus Cristo, que contigo e o Espírito Santo vive e reina eternamente. Amém.
Oração eucarística: Santo e todo-poderoso Deus, tu ouviste o clamor do teu povo. Libertaste-o dos poderes da morte. Na caminhada pelo deserto, em direção à terra prometida, saciaste-o com pão do céu e água da vida. Em Jesus Cristo vieste tu mesmo para saciar a fome e sede de vida de teu povo. Acolheste, de graça, quem não o merecia, curaste quem não tinha mais esperança nenhuma, defendeste o direito da pessoa sem voz e sem vez. Fizeste com que a sua morte na cruz se tornasse nossa salvação e que em sua ressurreição tivéssemos o penhor da nossa Páscoa. Assim fizeste irromper sinais da esperança que não morre. Nela tu nos irmanas, agora, ao redor da tua mesa, como irmãs e irmãos da grande família de Deus. Dessa maneira faze triunfar a esperança viva sobre todos os sinais de não-vida e desamor. Permite que experimentemos, assim, um antegozo da vida eterna até que, no final dos tempos, celebremos a ceia eterna contigo e, junto com todos os santos e anjos, te louvemos infindavelmente. Amém.
Bibliografia
BULTMANN, Rudolf. Das Evangelium des .Johannes. 18. Aufl. Göttingen, 1964. p. 528-534. (Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament).
ROTHEMUND, Herbert J. Alte Portraitikonen. München: Slavisches Institut 1959.
SCHNEIDER, Johannes. Das Evangelium nach Johannes. 2. Aufl. Berlin : Evangelische Verlagsanstalt. 1978. p. 317-321. (Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament, Sonderband)
SCHNEIDER, Nélio. João 20.1-9(10-18). In: STRECK, Edson Edílio, KILPP, Nelson (Coords.). Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal 1992 v. 8, p. 120-124.
TÜNNERMANN, Rosanne e Rudi. João 20.1-18 : a ressurreição de Jesus In: WEINGÄRTNER, Martin, TÜNNERMANN, Rudi, PALM, Airton Härter (Coords.). Sopro do Espírito. Curitiba : Encontrão, 1993 v l p 173-180.