Prédica: Mateus 11.2-11
Leituras: Isaías 35.1-10 e Tiago 5.7-10
Autor: Wilfrid Buchweitz
Data Litúrgica: 3º Domingo de Advento
Data da Pregação: 16/12/2001
Proclamar Libertação – Volume: XXVII
Tema: Advento
1. Observação
Quem tem acesso a volumes de Proclamar Libertação (PL) de anos passados pode encontrar o mesmo grupo de três textos trabalhados, também para o 3º Domingo de Advento, no PL III por Arnoldo Maedche e Reinoldo Schovanke, no PL X por Valdemar Gaede e no PL XXI por Emilio Voigt.
2. Os textos
2.1 . Mateus 11.2-11
Mateus endereça seu evangelho especialmente à comunidade de origem judaica. Para isso, lança mão de passagens do Antigo Testamento, como que dizendo: Vocês conhecem esta palavra de Gênesis, ou de Jó, ou dos Salmos, ou dos profetas, não conhecem? Pois esta palavra está sendo cumprida em Jesus. Jesus é o Messias para o qual os textos do Antigo Testamento apontam. O novo tempo chegou. É tempo do novo Israel. Vejam o que os textos antigos estão dizendo e vejam o que está acontecendo. Nosso Messias chegou.
Vejam aí João Batista. Ele ainda faz parte dos profetas. Mas ele vai muito além dos outros profetas. Ele chega à linha divisória entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento, entre a Antiga Aliança e a Nova Aliança. Por isso, dá para dizer que João Batista é mais do que profeta. Mas da Nova Aliança João Batista só chega a vislumbrar alguns sinais. Ele não chega a fazer parte da Nova Jerusalém. Por isso, ao mesmo tempo em que João Batista é mais do que profeta, ele é menos do que qualquer pessoa batizada em nome de Jesus Cristo no Novo Reino.
Esta situação abala o próprio João Batista. Quando ele é jogado na prisão e sente sua vida ameaçada, ele fica em dúvida. Será que eu estava certo? Será que eu me enganei? Na Nova Aliança, não estava prevista uma nova justiça? Como é que ainda estou sofrendo a força da velha justiça, na realidade da velha injustiça?
Jesus pede aos discípulos de João que olhem e escutem à sua volta e ajudem seu Mestre a perceber o novo que está acontecendo e a recobrar sua fé. Muitas coisas novas estão acontecendo. O novo Reino está aí para valer. Ninguém deveria mais duvidar do novo.
2.2. Isaías 35.1-10
Isaías também aponta para um novo tempo. Israel está no exílio. Está longe de sua terra. Está longe de sua Jerusalém. Está longe de seu templo. Pior do que isso: sua terra está destruída. Israel está em poder de mãos inimigas. O próprio Deus consentiu nisso, guiou o curso da história de maneira que os acontecimentos fossem assim.
Israel vive anos e decênios de indizível derrota e sofrimento. Mas agora Deus encarrega o profeta de dizer a Israel que está por acontecer um novo capítulo na história. Assim como Deus usou o poder de um império estrangeiro para desestabilizar a teimosia da desobediência de Israel e a falta de justiça na vida do país e do povo, assim ele agora vai usar seu poder para resgatar Israel do inimigo que o escravizou.
“Os resgatados do Senhor voltarão, e virão a Sião com cânticos de júbilo; alegria eterna coroará as suas cabeças; gozo e alegria alcançarão, e deles fugirá a tristeza e o gemido” (v. 10). E, no meio disso, acontecerão todas as coisas maravilhosas listadas nos versículos 1 a 9. Deus é o Senhor da história e a orienta sempre para o bem de seu povo. Onde Deus age, a história movimenta-se e a vida renova-se.
Por isso: “Fortalecei as mãos frouxas, e firmai os joelhos vacilantes” (v. 3) e “sede fortes, não temais” (v. 4).
2.3.Tiago 5.7-10
A epístola de Tiago não é bem uma epístola. É muito mais um escrito de orientação e aconselhamento a comunidades e à Igreja de sua época em seus vários aspectos de vida comunitária.
Os capítulos anteriores falam de “cobiça que dá luz ao pecado” (1.15), de fazer distinção entre pessoas (2.4), “vós outros menosprezastes o pobre” (2.6), “a língua é fogo”, “é mundo de iniqüidade” (3.6), “tendes em vosso coração inveja amargurada” (3.14), “as vossas riquezas estão corruptas” (5.2), “tendes condenado e matado o justo” (5.6).
É difícil viver em comunidades onde coisas assim acontecem. Talvez possa ajudar o exemplo do lavrador. Ele espera pacientemente os frutos amadurecerem. Quanta paciência tiveram os profetas, inclusive com sofrimento. E olhem Jó. Depois de muita paciência, o Senhor o acudiu e, acima de tudo, o Senhor é cheio de terna misericórdia e compaixão. O Senhor vem. Ele não está longe. Ele vai transformar a vida e a comunidade e o mundo. Podem fortalecer a partir daí os seus corações.
2.4. O contexto do Advento 2001
Quando prestamos atenção à vida em nossas comunidades, na Igreja, no país e no mundo, quando lemos nossos jornais e olhamos nossa televisão, temos traços fortes daquilo que Mateus, Isaías e Tiago falam, muitas vezes de forma mais intensa, dramática, concentrada e sofisticada do que no tempo deles.
Constatamos todo tipo de poderes, que aprisionam arbitrariamente pessoas, consciências e nações inteiras. Temos impérios que escravizam metade do mundo. Em nossas comunidades, há todo tipo de divisões, discórdias, injustiças, omissões, desamores. Em toda parte, há ausência de valores e vivência do Reino de Deus.
Nesse quadro, é-nos proporcionado, mais uma vez, viver um tempo de Advento.
Advento sugere que Jesus vem. Na verdade, ele não vem, não precisa vir. Ele já está aqui. Está em nosso mundo. Está em nossas igrejas. Sempre esteve. O problema é que, em tantos lugares e em tantos momentos, o mundo não o vê e não lhe dá espaço. Tantas vezes nem as igrejas dão-lhe espaço. Nem pessoas cristãs dão-lhe espaço muitas vezes. Então mais este Advento não quer tanto renovar em nós a mensagem de que Cristo vem, mas que ele está aqui e que nós podemos contar com ele e pautar por ele e seu amor nossa vida, em casa, na Igreja e na sociedade.
Um detalhe que talvez seja importante considerar é que nos três textos em foco a presença do Senhor tem ângulos diferentes. Em Isaías, o Senhor virá para dar um novo rumo à história de Israel. O exílio vai terminar. O povo vai voltar à sua terra. Em Mateus, o Senhor está aí e estão acontecendo coisas novas, milagres, vida nova, Reino de Deus se concretizando-se. Em Tiago, o Senhor já veio. A comunidade experimenta a sua presença. Mas a velha realidade também ainda está presente e traz sofrimento, que é difícil de suportar. Por isso, a exortação para a perseverança e a paciência. O Senhor virá de novo e, desta vez, em toda a plenitude para estabelecer o Reino na totalidade e na eternidade.
3. A pregação
O planejamento põe o texto de Mateus como base para a pregação e Isaías e Tiago como textos complementares. Apesar de termos liberdade para trabalhar a relação dos três textos, conforme nos parece conveniente, vou tomar o de Mateus como eixo para encaminhar a pregação, ao menos como eixo principal.
Jesus está aqui
Jesus é o Emanuel, o Deus presente. É o Salvador do mundo. É o alicerce da Igreja e do Reino de Deus.
Pessoalmente, todos nós experimentamos a vinda de Jesus em nosso Batismo. Jesus nos deu, publicamente, vida, vida nova, vida plena. Fez de nós filhos de Deus. Disse-nos que caminharia conosco pela vida afora, até o fim. E isso ele está cumprindo. Ele está conosco todos os dias. Não precisa vir. Já está conosco.
Também experimentamos Jesus na Palavra que ele nos dirige. Pôs sua Palavra na boca de nossas mães quando elas nos contavam histórias bíblicas. Pôs na boca das tias do Culto Infantil, das professoras nas escolas, de orientadores do Ensino Confirmatório. Imprimiu sua Palavra nas Bíblias e em outros livros. Projetou sua Palavra nas telas de TV. Passa sua Palavra pelo mundo inteiro através de computadores. Traz sua Palavra no testemunho de irmãs e irmãos na fé na vida da Igreja. Faz-nos, em fé, descobrir sua Palavra quando conseguimos abrir nossos olhos para “os órfãos e as viúvas”, os pobres, as crianças famintas e abandonadas.
Experimentamos Jesus na Santa Ceia. No pão e no vinho está Jesus e se transporta pelos séculos e pelo mundo. Está tão concretamente presente, que podemos vê-lo, pegá-lo, ouvi-lo, sentir seu cheiro e gosto. A Santa Ceia é a presença mais concentrada de Jesus que podemos experimentar. Ou não?
Jesus está aqui. Nós é que precisamos permitir que ele esteja conosco.
Onde está Jesus?
De repente, nossa cabeça fica confusa. Nossa fé fica embaralhada. Por que tanto sofrimento? Por que tanta injustiça? Por que tanta exploração? Por que tanta corrupção? Por que tanta exclusão? Por que uma pessoa tão boa tem que sofrer tanto, e outra pessoa muito má está tão bem e progride cada vez mais?
Por quê? Por quê? Por quê?
Onde está Deus?
O noticiário de jornais e TV só estampa violência. E os filmes também. Como é que isso fecha com o anúncio da boa nova de Jesus Cristo, com o Reino de Deus que chegou, com a nova vida, com a nova justiça?
Pessoas na comunidade fazem esse tipo de perguntas, às vezes como pergunta, outras vezes como queixa, ou ainda como protesto para quem anuncia o amor de Deus. Onde está o amor de Deus que vocês tanto anunciam?
A pergunta de João Batista continua entre nós.
Perguntem, mas também olhem e escutem
Jesus alerta os discípulos de João para as coisas novas que estão ocorrendo na volta. Estão acontecendo coisas que não aconteciam. Cegos estão vendo, coxos estão caminhando. Surdos ouvem. Mortos são ressuscitados e os pobres estão ganhando atenção.
Onde Jesus chega acontecem coisas novas. Injustiça, doença e morte perdem sua força. Jesus não se conforma com elas. Elas estão fora da realidade de Deus.
Jesus cita apenas alguns exemplos da nova realidade. Talvez sejam os mais flagrantes ou os mais urgentes. A nova realidade que Jesus traz é muito mais ampla. Abrange toda a vida humana. Abrange toda uma nova relação com o mundo.
E há sinais de Jesus também à nossa volta. Se nós olharmos e escutarmos, também perceberemos coisas novas?
Quem se dá ao trabalho de prestar atenção para isso vai constatar que sim. Já mencionamos acima que a Palavra, o Batismo e a Santa Ceia são sinais vivos da presença de Jesus entre nós. Mas há outros. Onde um homem e uma mulher dão espaço para Jesus, o casamento renova-se constantemente. Onde pais e filhos dão espaço para Jesus, a família é uma bênção dinâmica. Amor, perdão, confissão de pecados, reconciliação, graça, misericórdia e justiça substituem seus antônimos e constroem vidas novas, povos novos e um mundo novo. E dá para identificar sinais disso ao nosso redor. Às vezes, Deus usa para isso pessoas e grupos que não são cristãos. O Espírito de Deus é livre para agir onde quer e precisa. Mas nós, pessoas cristãs, somos convocados e credenciados de forma explícita a dar espaço à ação de Jesus e, mais do que isso, para ser instrumentos dele.
Se à nossa volta não acontecerem sinais da realidade de Jesus, será que estamos nos omitindo? Será que estamos nos esquivando? Será que não estamos entendendo nossa missão? Será que não estamos aceitando nossa missão?
Onde se dá espaço para Jesus, acontecem coisas novas na vida de cada um, na família, na vizinhança, na Igreja, na economia, na política, na ecologia, na saúde, na educação, na sociedade, em todas as dimensões da vida.
Se em nossa vida e em nossas igrejas não acontece vida nova, não acontecem milagres, isso não significa que Jesus não está aí, mas que nós não o consultamos e não permitimos que seu Espírito atue em nós e através de nós.
Não é por acaso que muitos serviços de saúde e hospitais surgiram dentro de igrejas, direta ou indiretamente. Não é por acaso que muitas escolas nasceram dentro de igrejas. Não é por acaso que a questão da justiça social sempre teve espaço nas igrejas e que, de repente, na América Latina temos a Teologia da Libertação, às vezes abusada e outras vezes mal-entendida, mas que trouxe para dentro das igrejas e da sociedade a consciência de que é a vontade de Deus que haja uma justiça em que todas as pessoas têm valor igual.
Em tudo isso, não se pode esquecer que também Herodes continua aí, não o Herodes de Jerusalém, mas outros Herodes. E há vários deles, muitos deles políticos, economistas, religiosos, cientistas. E eles atiram-nos nas cadeias.
Às vezes, o Jesus de nosso Batismo, o Jesus de nossa Santa Ceia, o Jesus da Palavra que ouvimos é barrado pelos Herodes que moram dentro de nós, outras vezes pelos Herodes que moram fora de nós. Mas assim como Jesus está aí, assim os Herodes estão aí. O grande consolo é que o poder de Jesus, e especialmente o amor de Jesus, é muito maior do que o poder e o desamor dos Herodes.
4. Tópicos para a pregação
É claro que cada pregador/a pode elaborar sua própria estrutura, forma, dinâmica de comunicar a mensagem a partir dos textos propostos.
Levando em consideração os textos e a realidade de 2001, eu poderia trabalhar em torno dos três seguintes eixos:
a – Jesus está aqui. Ele não precisa vir, ele está aqui;
b – os Herodes também estão aqui;
c – como ver os sinais da presença de Jesus e como ser instrumento para que aconteçam?
5. O culto
Colocar todo o culto sob o tema “Jesus Cristo está aqui”.
A partir daí acender as três velas do terceiro Domingo de Advento (quem sabe, as crianças do Culto Infantil acendam as velas, ou alguém da comunidade). A luz das velas simboliza Jesus. Mas as velas também simbolizam o Jesus que se gasta. A coroa é a coroa de espinhos, mas é também a coroa do Rei Jesus.
Jesus também está na Bíblia sobre o altar. As flores simbolizam Jesus doando sua vida. Olhar a cruz sobre o altar, mas também as outras cruzes na igreja, na ponta da torre, sobre a porta da entrada. Muitas vezes, as janelas têm uma estrutura que ressalta uma cruz, no púlpito talvez esteja entalhada uma cruz, ou nos bancos, nos vitrais. Há símbolos de Jesus nos antepêndios. Quem sabe, pedir que toda a comunidade passe pela pia batismal, que a olhe, toque e diga: “Eu sou batizado em nome de Jesus”, ou uma pessoa diga à outra: “Você é batizado/a em nome de Jesus”. Celebrar a Santa Ceia no culto ou ter visíveis os utensílios para a Santa Ceia, com o pão e vinho.
Algumas igrejas maiores vão constatar que têm dezenas de símbolos de Jesus, que muita gente nem enxerga quando vai ao culto ou não sabe o que significam e pouco incluem em sua meditação e reflexão antes, durante ou depois do culto.
Igrejas menores e capelas pequenas não têm tantos símbolos, mas bem por isso pode-se valorizar o que têm.
Algumas pessoas talvez tenham uma cruz na lapela ou numa correntinha. Talvez alguém tenha um button com o símbolo da IECLB.
Em meio a isso, precisa haver espaço para os textos do dia. E precisa haver espaço para orações e hinos que cabem no quadro.
Bibliografia
HAUCK, Friedrich. Die Kirchenbriefe. 5. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Rupprecht, 1949. (Das Neue Testament Deutsch, 10).
HERNTRICH, Volkmar. Der Prophet Jesaja. 2. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Rupprecht, 1954. (Das Alte Testament Deutsch, 17).
SCHNIEWIND, Julius. Das Evangelium nach Matthäus. 5. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Rupprecht, 1950. (Das Neue Testament Deutsch, 2).
Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia