Prédica: Lucas 13.22-30
Leituras: Salmo 117 e Hebreus 12.18-24
Autor: Nilton Giese
Data Litúrgica: 14º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 5/9/2004
Proclamar Libertação – Volume: XXIX
Tema:
Acolhida
Vejam como é bonito quando nos reunimos como irmãos e irmãs de fé. Como é bonito quando se reúnem homens, mulheres e crianças de diferentes lugares e diferentes formas de crer em Deus para amar e adorar a Deus. É o amor de Deus que nos proporciona esse encontro, amor que é intenso e que rompe barreiras.
Que o amor de Deus esteja no meio de nós como uma mãe carinhosa e compreensiva e que a beleza radiante deste dia espalhe sua luz e alegria em nossos corações. Amém.
1. Introdução
Nossos textos bíblicos para este final de semana tratam do tema da salvação. O texto do profeta Isaías (66.18-21) fala da salvação de Israel. A novidade está em que há também alguns de outros povos que serão salvos. Outra novidade é que no meio desses haverá sacerdotes e levitas, que servirão no templo em Jerusalém. Mas tudo isso será conseqüência da salvação de Israel. Mais ou menos como ainda ouvimos hoje em relação à Igreja Católica Romana. Fora desta não há salvação. Mas para quem se colocar sob a autoridade do papa haverá uma chance de ser incluído no plano salvífico. E então nós que somos protestantes temos dificuldade para continuar a conversa.
No entanto, temos aprendido nos últimos anos que um movimento de libertação de estruturas injustas não se faz apenas com uma confissão religiosa. Torna-se necessária uma cooperação intercultural, inter-religiosa. Deus nos tem aberto os olhos nesse sentido, mesmo que ainda achemos difícil esse caminho. Esse chamado à vivência do pluralismo cultural e do ecumenismo religioso coloca novas questões. Até onde podemos aceitar costumes e culturas ou caminhar ao lado delas, sem ferir os nossos próprios princípios confessionais? Até que ponto vai a mútua tolerância? Dorothee Sölle, que faleceu em 27 de abril de 2003, traqüiliza todos dizendo: “Os limites da tolerância se manifestam nas vítimas da sociedade. Onde alguém justifica a vida lesada, onde seres humanos são privados de sua dignidade, destruídos e violados em seus direitos, aí termina toda forma de tolerância intercultural e inter-religiosa” (Strength of the Weak: Toward a Christian Feminist Identity. Philadelphia: Westminster, 1984, p. 66). Martim Lutero dizia a seus estudantes: “Nenhum serviço agrada a Deus, por maior que seja, quando faz sofrer o próximo”. Ou seja, quando determinada confissão religiosa ou cultura agride a dignidade do ser humano, ela deixa de ser aliada.
2. A questão da salvação
A pergunta que alguém dirige a Jesus é: São poucos os que são salvos? Em todas as épocas da humanidade houve preocupações com a salvação, com a vida eterna, por uma outra vida que fosse além da morte física do ser humano. É um pensamento utópico, projetando um mundo melhor do que este que está aí. Religiões e filosofias tratam de dar resposta à pergunta pela salvação. A doutrina espírita afirma que fora da caridade não há salvação. Por isso, o ser humano repete, muitas vezes, sua existência aqui na terra, o que chamam de “reencarnação”, para que tenha muitas oportunidades de fazer caridade e assim desenvolver-se em direção à própria salvação. Outros afirmam que o estrito cumprimento dos deveres religiosos dá garantia para a salvação. Alguns ainda consideram que somente há salvação para os que estiverem no redil de sua confissão religiosa, ou dito de outra forma: fora da igreja não há salvação. Como luteranos dizemos que a salvação é graça de Deus, é presente de Deus, que deve ser aceita por meio da fé. Mas isto não satisfaz a comunidade.
A preocupação pela salvação também formava parte das inquietudes populares no tempo de Jesus. Muitos vinham lhe perguntar pela “receita” para alcançar a salvação. Em nenhum momento, Jesus deixou fórmulas prontas, mas tratou desse assunto com uma pedagogia toda especial.
3. Olhando para dentro da Bíblia
No Antigo e Novo Testamentos, salvação é sempre “salvação de alguma coisa”. Salvação é uma questão relativa. Não adianta perguntar se pode haver salvação, sem especificar em que tipo de salvação se está pensando.
Salvação tem relação com as necessidades básicas das pessoas. Que Deus dê fertilidade aos solos, aos rebanhos, às pessoas. Que a sua bondade assegure prosperidade, saúde, segurança. Que Ele livre da perseguição dos inimigos e que seu agir gracioso traga felicidade, afaste a miséria e a dor. Portanto, salvação visa bem-estar. Mas salvação se limita a isso? Afinal, bem-estar também pode ser resultado do roubo. Tem muita gente desonesta que vive muito bem. O bem-estar dos ímpios faz muitas pessoas duvidarem da justiça de Deus (Sl 73.3). Portanto, visa bem-estar, mas pressupõe uma relação sadia com Deus.
“Dez leprosos foram curados, mas só um foi salvo, porque viu na sua cura a ação divina e soube agradecer (Lc 17.11s). Bem-estar para ser geral e duradouro pressupõe o cumprimento da vontade de Deus. De acordo com o pensamento bíblico, a negação de Deus inevitavelmente acarreta a ruína do ser humano e da sociedade. A transgressão, a revolta contra Deus acarreta juízo divino e prejuízo humano. Assim, salvação é reconciliação com Deus, como perdão dos pecados, justificação. Por isso, o salmista exalta Deus, que a um só tempo perdoa todas as tuas iniqüidades e sara todas as tuas enfermidades, quem redime a tua vida da perdição e te coroa de benignidade e misericórdia (Sl 103.3-4). A justificação por graça e fé (Rm 2.21-22) e a reconciliação com Deus (2 Co 5.21-22) são, de acordo com o apóstolo Paulo, os acontecimentos salvíficos por excelência” (Brakemeier, G. O ser humano em busca da identidade, p. 197).
Na Bíblia não dá para separar salvação do corpo e salvação da alma. Também não dá para isolar o indivíduo de seu meio, de sua comunidade. O ser humano vive numa teia de relações, das quais não pode desprender-se. Ao amor no nível pessoal deve corresponder a justiça no nível social. Esta é a razão do conflito de Jesus com várias leis do judaísmo. Indivíduo salvo em sociedade perversa não é pregação cristã. A salvação de Jesus é oferecida não apenas a indivíduos. A salvação de Jesus deseja o mundo renovado, a nova criação, a nova comunhão.
A salvação que fala da ressurreição dos mortos (Dn 12.1s; 1 Co 15), da vida eterna (Jo 5.24s), de um novo céu e uma nova terra (2 Pe 3.13) é a salvação escatológica. Esta é a salvação de tudo o que ameaça a vida. Esta é a salvação plena, que só pode ser obra de Deus. Para essa salvação escatológica nenhuma pessoa pode contribuir. Ela é obra exclusiva de Deus.
Mas essa perfeição do que está por vir pode ser antecipada pela ação dos cristãos, em pequenos sinais, como Jesus anuncia em Lc 4. 18s: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor”. Jesus não evangelizou todos os pobres, nem curou todos os doentes, tampouco alimentou todos os famintos e restaurou a vista de todos os cegos. Portanto, a missão da igreja e dos cristãos é empenhar-se pela concretização de sinais da salvação. Nossa ação está no campo da provisoriedade, do transitório. Não podemos fazer florir todo o deserto, mas podemos cuidar de uma pequena flor. A nós cabe a tarefa de preparar o caminho para o advento da salvação plena que vem de Deus (Mc 1.3). Esse é o caminho da porta estreita. É por essa brecha que Jesus nos envia e nos aponta a tarefa.
“A realidade nos revela que os flagelos da humanidade não se resumem a doenças físicas, fome, nudez, como são enumeradas em Mt 25.31s. Há males iguais ou piores, como a opressão, a injustiça, a falta de fé. Estão aí os ídolos, criados pelos interesses humanos (Rm 1.18). Há poderes de difícil controle, a exemplo do egoísmo e da vaidade. A pior inimiga do ser humano é a morte. Escraviza o ser humano pela perspectiva da redução ao nada e de sua definitiva aniquilação. Salvação, nessas dimensões, adquire singular profundidade: torna-se sinônimo de libertação de lei, pecado e morte, assim como o desenvolve o apóstolo Paulo em Rm 3-8” (Brakemeier, G. O ser humano em busca de identidade, p. 199).
4. De que tipo de salvação estamos carentes?
A salvação escatológica já nos é garantida pela graça de Deus. Sobre isto não há nenhum mérito nosso. Nenhuma obra ou sofrimento pode nos dar direito à salvação escatológica. Ela é obra exclusiva de Deus em Jesus Cristo. No entanto, Deus pede nossa disposição como conseqüência necessária da aceitação de sua graça e de seu amor. Não podemos ser cristãos preguiçosos e inúteis. A última palavra nos evangelhos não é mais sobre a ressurreição de Jesus, mas sobre o envio dos discípulos. É nesse envio que o Jesus ressurreto, através do Espírito Santo, constrói a sua Igreja.
Mas precisamos estar bem conscientes: toda ação humana será sempre transitória, temporal. Nenhuma proposta social, política ou econômica se compara ao Reino de Deus. Nenhum projeto humano pode ser identificado com o Reino de Deus. Nossa ação no mundo, nossos projetos e sonhos de justiça e paz devem ser entendidos como pequenos e frágeis sinais da grande salvação de Deus. “Somos mendigos, isto é verdade.”
Portanto, ao falarmos da salvação, precisamos ser específicos. Repetimos: Não adianta perguntar se pode haver salvação, sem especificar em que tipo de salvação se está pensando. Daí a necessidade de levantar a pergunta: De que tipo de salvação estamos carentes? Para ir ao encontro desta pergunta, é importante ter olhos e ouvidos abertos para a realidade. De que tipo de salvação tua comunidade está carente? Quais são as ações e projetos que podemos apontar como sinais de libertação em nossa comunidade?
5. Uma porta estreita, mas aberta
Devo agradecer a Deus se ele dá de comer e beber somente a mim? Meu vizinho sofre fome e sede. Como posso então dizer: “Senhor, obrigado pelo alimento”?
Devo louvar a Deus se ele veste somente o meu corpo e dá moradia apenas à minha família? Meu vizinho está nu e dorme ao relento. Devo então dizer: “Louvado seja a bondade de Deus”?
Devo enaltecer a Deus se ele oferece saúde e liberdade somente a mim e meu vizinho está doente e oprimido?
Devo dizer então: “Enaltecida seja a misericórdia de Deus”?
Devo realmente agradecer a Deus por ele ter escolhido logo a mim, enquanto milhares de homens vivem em trevas? Devo orar então: “Graças, ó Senhor, que pertenço aos escolhidos”?
A resposta do Senhor
Meu filho! Não te dou de comer e beber somente para que tu sejas farto e possas ser feliz. Eu te dou para que dividas tua refeição com teu vizinho faminto. Satisfeito por ti, ele reconhecerá o meu cuidado e me agradecerá.
Meu filho! Não te dou vestimenta e moradia para que vivas confortavelmente e orgulhoso disso. Eu te dou para que teu vizinho desabrigado seja protegido do frio por teu agasalho e para que tua casa seja abrigo para pessoas necessitadas. Se tiverem a experiência de minha bondade através de ti, elas me louvarão.
Meu filho! Não te dou saúde e liberdade para que possas gozar tua vida sem queixas. Se tu és são, portanto poderás servir a doentes e velhos e, por seres livre, ajudarás os oprimidos. Se experimentarem minha misericórdia mediante ti, eles me enaltecerão.
Meu filho! Não te escolhi para que te sintas calmo e seguro para o tempo e a eternidade. Antes te escolhi para meu colaborador. Se testemunhares meu amor manifestado através da morte e ressurreição de Cristo, junto a teus semelhantes, eles saberão de minha presença e do meu perdão e suas trevas serão luz e contigo me agradecerão, louvarão e enaltecerão – não apenas nesta vida, mas por toda a eternidade.
Diante de ti há uma porta aberta!
(Johnson Gnanabaranam)
6. Bênção
Que o Senhor te acompanhe ao saíres deste lugar. Que ele vá adiante de ti para iluminar teu caminho. Que ele caminhe a teu lado para que sintas que tens um amigo. Que o Senhor esteja atrás de ti para te proteger de qualquer perigo. Que seus braços carinhosos te envolvam e te sustentem quando o caminho for difícil e quando te sentires bastante cansado. Que o Senhor esteja sobre ti para cuidar de ti e de todos os que tu amas. E sobretudo que ele toque teu coração para te dar a alegria e a paz. Amém.
Bibliografia
BRAKEMEIER, Gottfried. O ser humano em busca de identidade. São Leopoldo: Sinodal/Paulus, 2002.
DOBBERAHN, Friedrich. Bíblia: Cura e Salvação: estudos bíblicos sobre cura e salvação. In: Estudos Teológicos, 1993, nº 3, p. 278-293.
RED de Liturgia y Recursos de Educación Cristiana – Consejo Latinoamericano de Iglesias (CLAI) – Comissión Evangelica Latinoamericana de Educación Cristiana (CELADEC).
Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia