Prédica: 1 Coríntios 15.50-58
Autor: Wilfrid Buchweitz
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/1978
Proclamar Libertação – Volume: III
l – O quadro
O dia conquistou seu lugar em grande número de comunidades da IECLB.
Traz consigo ônibus lotados, gente viajando de carro, carroça, avião, andando a cavalo e a pé, gente carregando flores pelas ruas da cidade e estradas do interior.
Os cemitérios estão limpos, muitos túmulos foram pintados e estão enfeitados com flores. Flores naturais, flores de papel e de plástico, flores de folha de flandres. Aqui e ali há velas queimando. Ao redor das sepulturas há pessoas colocando flores, outras paradas em silêncio, em atitude de oração, com lágrimas nos olhos, simplesmente conversando, conhecidos e amigos se encontrando. Ou há uma comunidade reunida, porque neste dia transferiu o culto da igreja para o cemitério.
II – Um pouco de história
Desde o início de sua história a igreja cristã cultivou o costume de lembrar os seus membros falecidos. Eles tinham sido parte da comunidade, parte de um corpo e por isso eram lembrados com gratidão e saudade.
O costume ganhou força especialmente nas épocas de perseguição aos cristãos. Começou-se a comemorar os dias de martírio dos cristãos como dias de aniversário do nascimento para a vida eterna.
Aos poucos, além dos mártires, também outros cristãos, especialmente quando tinham sido exemplos de alguma forma, começaram a ser lembrados pela comunidade. Acendiam-se velas, levavam-se flores, construíam-se altares, capelas, igrejas junto a seus túmulos.
No quarto século a igreja oriental começa a comemorar a festa de todos os santos. No ocidente esta festa é mencionada somente no sétimo século. No nono século institucionaliza-se o dia l de novembro como dia de todos os santos e no décimo século, próximo ao ano 1000, acrescenta-se ao 1 de novembro o dia 2 de novembro, o dia em memória de todas as almas dos mortos em Cristo, não mais só de todos os santos, mas de todas as almas dos que morreram em Cristo, o dia de finados.
A igreja da Reforma eliminou o dia 2 de novembro, dia de finados, por causa de abusos e distorções havidos. O dia 1 de novembro, dia de todos os santos continuou existindo na igreja evangélica. A própria Confessio Augustana dedica um espaço ao assunto no seu artigo 21, de cultu sanctorum, dizendo que se pode cultivar a memória aos santos, para que a fé deles, as boas obras e a vocação possam representar auxílio para a nossa fé e estímulo para nossas boas obras. O que a Escritura não ensina é que se pudesse invocar os santos e pedir auxílio deles porque há apenas um mediador, propiciador, pontífice e intercessor, Cristo.
Esta prática e concepção continuaram muito tempo na igreja evangélica, até que na época do iluminismo elas não resistiram à mentalidade reinante. Ao mesmo tempo, porém, em que o iluminismo eliminava a memória aos santos, as festas dos santos, surgia a necessidade de lembrar os próprios santos do iluminismo. Aos poucos começaram momentos e cerimônias de lembrança de mortos. Depois de guerras sentia-se a necessidade de lembrar os soldados, os heróis tombados nos campos de batalha. Em 1816 Frederico Guilherme III determinou que na Prússia as duas, igrejas evangélicas, luterana e reformada, comemorassem no último domingo do ano eclesiástico o domingo dos mortos. Posteriormente igrejas evangélicas de outros estados adotaram a mesma praxe.
A questão, no entanto, sempre levantou discussões, até os nossos dias. Houve quem chamasse a adoção do domingo dos mortos de sentimentalismo moderno. Parece preferir e usar-se hoje, na Alemanha, o termo domingo da eternidade para o último domingo do ano eclesiástico. É claro que não está em discussão somente o nome, mas também o conteúdo do dia.
III – A situação no Brasil
Em algumas de nossas comunidades se comemora o dia dos mortos (Totensonntag) ou o domingo da eternidade (Ewigkeitssonntag), parece que este último termo é mais usado. Parece-me que isso acontece principalmente em comunidades do interior, onde os evangélicos são maioria e onde ainda se usa bastante a língua alemã. Mesmo assim isso não vale para todos os lugares.
Infelizmente não disponho de informações amplas e não posso basear-me em levantamentos estatísticos, mas as observações e experiências de que disponho dizem que a maioria de nossas comunidades, principalmente em ambiente urbano, adotou o dia de finados, 2 de novembro, para lembrar os seus mortos. A tradição católica de lembrar os mortos neste dia foi forte ao ponto de ganhar a adesão das comunidades evangélicas. Em muitas comunidades certamente o dia foi adotado por influência indireta da igreja católica. Por haver maior número de católicos no município o dia santo católico foi adotado como feriado municipal. Em casos de população evangélica e católica numericamente equilibrada o dia 2 de novembro fez com que evangélicos, que não queriam o l de novembro, e católicos, que não queriam o 31 de outubro, chegassem a um consenso. Pensando na Confessio Augustana talvez se pudesse chegar à conclusão que o dia l de novembro, dia de todos os santos, possibilita tanto ou mais conteúdo evangélico que o dia de todas as almas dos mortos em Cristo, dia 2.
IV – Consequências da influência católica
Com a adoção do dia de finados em 2 de novembro, ou paralelamente a ela, nossas comunidades estão constantemente sujeitas a adotar outras coisas. A teologia católica tem, geralmente, a concepção da imortalidade da alma. O corpo morre, mas a alma continua existindo. Esta concepção também existe em igrejas evangélicas – ou em grupos nas igrejas evangélicas. Mas a concepção geralmente aceita em nossa igreja, uma espécie de concepção oficial, é que corpo e alma formam inseparavelmente o homem. Este homem morre, morre totalmente, integralmente e Jesus Cristo, somente Jesus Cristo, o ressuscitará, para uma vida total e plena. A renovação por Jesus Cristo, a ressurreição, é total. Acontece morte total e ressurreição total. Há vida eterna, não porque uma parte do homem não morresse, mas porque Jesus Cristo, o Senhor da vida, dá nova vida, agora em toda a plenitude.
Esta, no entanto, não é a concepção da maioria dos membros de nossas comunidades. Também não é a concepção de todos os pastores. No caso dos membros, uma maioria, talvez uma maioria esmagadora, crê na imortalidade da alma, que pode estar com Deus, e então isso é motivo para tranquilidade, ou pode estar separada de Deus, e então é motivo para preocupação, e a gente talvez devesse tentar fazer alguma coisa em benefício dela, por exemplo realizar culto de sétimo ou trigésimo dia.
A partir desta concepção para muitos não é tão longe ir a sessões espíritas, onde dizem que é possível conversar com a alma do falecido. Esta questão está suficientemente divulgada em nossas comunidades, na vizinhança de membros de nossas comunidades, a ponto de serem frequentes os convites e sugestões de membros nossos irem a sessões espíritas para conversar com o falecido. E quantos casos há onde a saudade ou o sentimento de culpa são tão grandes que o caminho acontece ao natural. É a porta pela qual muitos membros de nossas comunidades se tornam espíritas ou espírita-evangélicos ou evangélico-espíritas. Quando junto com isso ainda acontece uma ampla divulgação e propagação da reencarnação, como atualmente acontece nos meios de comunicação no Brasil, então os convites, impulsos e pressões nessa direção vão encaminhar cada vez mais gente para lá e isso significa contornar a cruz e a ressurreição de Jesus Cristo, desvia da cruz e ressurreição de Cristo.
A isso está ligada uma outra questão nesta discussão toda. Em quem ou em que eu concentro minha atenção no dia de finados, no falecido ou no Ressurreto? A quem eu confio os meus entes queridos falecidos? Que é que morte e ressurreição dizem para mim? Que é que morte e ressurreição dizem para minha comunidade e igreja? Igreja de hoje perante o Senhor de hoje? Onde está o centro do dia de finados, em pessoas, mesmo em pessoas queridas, ou no Senhor Jesus Cristo? Esta e outras perguntas eu como pastor tenho que fazer com toda a decisão e clareza.
O assunto está vindo ao nosso encontro ainda por uma outra perspectiva. Estão aumentando ultimamente as publicações de relatos sobre casos em que pessoas foram declaradas clinicamente mortas e que, depois de reavivadas contam histórias na direção de a alma haver se desprendido do corpo, passar por um túnel e ter sido recebida por outros seres almas. Há um livro inteiro publicado sobre isso ultimamente.
V – Os vivos no dia de finados
Mesmo que pessoas não devam ser o centro no dia de finados e mesmo que eu como pastor tenha que ver isso com toda a clareza, mesmo assim eu não posso fechar para as pessoas que comemoram o dia de finados. Quem são as pessoas que viajam longe, levam flores aos túmulos e, talvez, assistem aos cultos? Quem são as pessoas que não vão aos cemitérios, túmulos, cultos? Quem são elas diante dos falecidos, dos túmulos, diante da morte?
Podem ser pessoas cheias de saudade. Entes queridos falecidos podem deixar grande saudade. A pessoa falecida pode ter enchido de sentido a vida de alguém e agora ela não está mais aí. Não podemos subestimar a solidão e o vazio que isso pode causar em alguém. Se neste momento a sua comunidade, pastor e outros membros, não souber estar por perto, não temos o direito de recriminar quando alguém toma o caminho de um centro espírita. Experiências mostram que especialmente o pastor pode ser terrivelmente vítima da rotina a ponto de perder a sensibilidade para com a situação de outras pessoas. É comum pastores confessarem que depois de perderem um membro da própria família novamente começaram a participar de maneira diferente de enterros.
A morte provoca grandes sentimentos de culpa. A culpa não pode mais ser paga, uma carga determinar toda uma vida.
A morte causa medo e insegurança. No livro “Interviews mit Sterbenden Elisabeth Kübler-Ross conta que 9 entre 10 médicos reagiam com mal-estar irritação ou hostilidade velada quando perguntados se concordariam que se conversasse com clientes moribundos sobre a sua verdadeira situação. Escute-se uma vez as conversas entre pessoas presentes a um enterro. É muito difícil haver outra ocasião com tantas palavras óbvias, sem nexo, desajeitadas. Quantas vezes nos faltam palavras a nós pastores num leito de morte! Quantas vezes apelamos ligeiro para a oração ou leitura bíblico, quando deveríamos ficar em silêncio. Quantas vezes não entendemos a linguagem do doente porque temos receio de entrar no assunto que ele aborda! Quantas vezes fugimos de um quarto onde sentimos que a morte está próxima! Inventamos, consciente ou inconscientemente, pretextos para não precisar assistir a um desenlace. Tudo isso contrasta com a aparente segurança ou indiferença com que às vezes agimos profissionalmente em sepultamentos. O homem é desajeitado diante da morte. São poucos os que conseguem maior liberdade diante dela. De várias maneiras a morte é a coisa que mais atrapalha a vida do homem. A atitude do pastor, também da comunidade, diante da morte muitas vezes não é questão de doutrina. Pergunto-me inclusive se às vezes a concepção da imortalidade da alma e de reencarnação não são questões de comportamento diante da morte. Uma doutrina, concepção, não perdem o seu sentido numa situação dessas, mas só elas não ajudam. Ajudam atitudes poimênicas, ou evangelísticas, ou, em muitos casos, sócio-políticas. Na Comissão Teológica surgem consultas sobre a validade de cultos em memória, de participações de falecimento (Nachruf) após um ano de falecimento. Muitas vezes nestes casos a pergunta sobre a validade ou viabilidade teológica é secundária. Não é aqui que está o problema. A pergunta é o que um pastor, uma comunidade pode fazer para que as pessoas possam ganhar maior liberdade diante de morte e mortos.
Também a questão se o dia 2 de novembro é o dia certo para a nossa igreja, ou se o termo dia de finados é teologicamente defensável, é questão secundária. Muito mais do que um sentimentalismo moderno creio que existe um grande conflito do homem diante da morte. Cabe-nos levar a sério isso. Como e quando são questões secundárias.
VI – Uma olhada a nossos cemitérios.
Mesmo que em dia de finados nossos cemitérios estejam limpos e enfeitados isso não pode nos iludir quanto à linguagem que os cemitérios muitas vezes falam.
O que dizem as longas filas de sepulturas de crianças, uma igual à outra, principalmente nos cemitérios municipais. O que elas dizem a uma comunidade cristã?
O que dizem grandes e imponentes mausoléus em outros cemitérios? O que dizem a uma comunidade cristã?
Há cemitérios que contam toda uma história da região. Muitos túmulos de crianças no início da colonização. As crianças foram vítimas da falta de recursos médicos, financeiros, transporte e tempo nos primeiros anos. Depois vem toda uma faixa de túmulos de arenita. A última faixa é de túmulos de granito polido. Que diz isso?
Que dizem cemitérios ajardinados, cemitérios-parque?
Talvez os cemitérios possam ajudar o pastor a preparar o seu culto.
VII – Conclusão
Diante do quadro geral acima e diante das particularidades específicas de cada paróquia ou comunidade, como posso colocar ali dentro o conteúdo que elaboro de l Coríntios 15,50-58?
VIII – Bibliografia
– GLAUE. Artigos Allerseelentag e Totenfest, em Die Religion in Geschichte und Gegenwart, 2a ed. , Tuebingen,I.C.B. Mohr (Paul Siebeck),1927.
– JUNG, Wolfgang. Liturgisches Woerterbuch. Berlin, Verlag Merseburger, 1964.
– KÜBLER-ROSS , Elisabeth. Interviews mit Sterbenden. 1a ed., Berlin, Kreuz-Verlag, Stuttgart, 1971
– KÜBLER-ROSS, Elisabeth.Was konnen wir noch tun? 2a ed,, Berlin, Kreuz-Verlag, Stuttgart, 1975.
– Die Bekenntnisschriften der evangelisch-lutherischen Kirche. – editados no jubileu da Confissão de Augsburgo 1930. 2a edição melhorada, Göttingen, 1952.