Prédica: 2 Coríntios 4.7-18
Autor: Nelson Kilpp
Data Litúrgica: Domingo Exaudi
Data da Pregação: 07/05/1978
Proclamar Libertação – Volume: III
I – O Domingo Exaudi
Exaudi é o domingo entre Ascensão e Pentecostes. A comunidade cristã viu seu líder e Senhor desaparecer de seu meio, mas ainda não conhece o outro Consolador (Jo 14.16). Em Exaudi, a comunidade cristã órfã (Jo 14.18) experimenta o desamparo, o abandono, a morte de Deus. Sozinha no mundo, ela se apercebe de toda a sua fraqueza e miséria. E, nesta situação, ela ora a Deus: Exaudi, Domine, vocem meam… (Ouve, Senhor, a minha voz; eu clamo; compadece-te de mim e responde-me (Sl 27.7).
As leituras bíblicas previstas para o domingo Exaudi, 1 Pe 4.7-11 e Jo 15.26-16,4, somente parte indicam para o conteúdo do texto de pregação. O servir ao irmão deve ser alimentado pela força que vem de Deus, para que Deus (e não o que serve) seja glorificado (l Pe 4.11); e o seguir a Cristo implica também em sofrimento pela causa de Jesus (Jo 16.2).
O domingo Exaudi esta dentro da Semana de Oração Mundial pela Unidade dos Cristãos. A unidade da Igreja de Jesus Cristo no mundo é algo que somente o Espírito Santo poderá alcançar. Não devemos impedi-lo nesta sua atuação. Temos, neste domingo, uma boa oportunidade para orar por comunidades cristãs de outras denominações que, em nossa cidade ou município, enfrentam dificuldades no seu testemunho e, quem sabe, estão sofrendo por causa de Jesus Cristo.
Algumas sugestões de hinos. No início poderia ser cantado o hino 74, estrofes l a 3, ou 79,principalmente estrofes 3 a 6. Para antes e depois da prédica poderiam ser cantados hinos do capítulo Confiança em Deus, de nosso hinário, especialmente 186, 189 ou 181.
II – O texto
V. 7: Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para mostrar que o incomparável poder vem de Deus e não de nós.
V.8: Por todos os lados somos apertados, mas não esmagados; ficamos indecisos, mas não desesperados;
V. 9: somos perseguidos, mas não abandonados; somos derrubados no chão, mas não destruídos.
V.10: Sempre trazemos em nosso corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se mostre em nosso corpo.
V.11: Com efeito, durante a nossa vida estamos sempre sendo entregues à morte, por causa de Jesus, a fim de que também a vida de Jesus seja manifestada em nossa carne mortal.
V. 12: Deste modo, a morte age em nós, a vida, porém, em vós.
V. 13: Já que temos o mesmo espirito de fé, como está escrito: Acreditei, por isto falei, também nós cremos e, por isto, falamos.
V. 14: Pois sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também ressuscitará a nós, com Jesus, e nos levará ã sua presença, juntamente convosco.
V.15: E tudo isto se realiza em vosso favor, para que a graça, multiplicando-se entra muitos, faça abundantes as ações de graças, para glória de Deus.
V.16: Por isto não nos deixamos desanimar. Pelo contrário: ainda que o homem exterior vã caminhando para sua ruína, o homem interior se renova, dia a dia.
V. 17: As nossas aflições momentâneas são leves em comparação com o enorme peso eterno de glória, que elas vão trazer para nós.
V.18: Não olhamos para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem; pois o que se vê é passageiro, mas o que não se vê e eterno.
III – A situação e o contexto
A atual segunda epístola de Paulo aos coríntios não é somente uma carta, mas uma coleção de cartas enviadas de Éfeso à comunidade de Corinto, por volta do ano 55.
A comunidade de Corinto foi fundada pelo apóstolo Paulo em sua segunda viagem missionária, provavelmente no ano 50. Depois de ter tido uma controvérsia com elementos gnósticos na comunidade de Corinto, expressa em 1 Co, surgem, na comunidade, pregadores cristãos vindos de fora, com cartas de recomendação de outras comunidades (2 Co 3.1), afirmando ser apóstolos e ministros de Cristo (12.11; 11.23). Estes missionários gabam-se de sua descendência israelita, (11.22). Desprezam Paulo e a sua pregação e até colocam em cheque o seu ministério apostólico. Afirmam que Paulo não é verdadeiro apóstolo, porque não teve visões divinas, não tem poder de fazer milagres, e não há nele manifestações poderosas do Espírito (12.lss), mas, pelo contrário, fala mal, é fraco e humilde, é corajoso somente quando au¬sente, em suas cartas (10.1; 11.6).
Paulo escreve, então, aos coríntios a primeira carta da coleção 2 Co, a parte 2 Co 2.14-6.3 e 7.2-7.4, defendendo o seu ministério apostólico e combatendo os falsos apóstolos, na fime esperança de que a comunidade irá ouvir os seus conselhos e permanecer fiel â sua pregação. Paulo afirma não ser um mercador da palavra de Deus (2.17) que precise recomendar-se a si mesmo (3.1). Tudo o que ele é provém de Deus (3,5), inclusive o seu ministério apostólico (3.6; 4.11), o qual exerce com sinceridade (4.,2) . Nesse contexto está a nossa perícope, 2 Co 4.7-18.
IV – Análise do texto
V. 7: O tesouro é o que foi dito no versículo anterior: conhecimento da glória de Deus na face de Cristo, ou seja, o Evangelho de Jesus Cristo. Os vasos de barro são todas as pessoas aquém é dado este conhecimento. Paulo pensa aqui nos que transmitem a boa nova, e, bem especialmente, em si mesmo. O tesouro precioso está escondido em vasos de barro. E acentuada a contradição que existe entre o recipiente e o seu conteúdo. Vasos de barro são frágeis, feios e têm pouco valor. Eles não deixam entrever a preciosidade de seu conteúdo. Esta situação Paulo experimenta em sua própria vida de apóstolo.
Não há uma contradição entre o glorioso ministério do apóstolo (3.4-11), que leva a mensagem da salvação aos povos, e a sua vida, caracterizada por sofrimento, fraqueza, dor, tribulação, perseguição e desprezo (l Co 4.11-13; 2 Co 11.23-27)? Não é de se esperar que um verdadeiro enviado de Deus saiba impor-se perante o povo por meio de sinais milagrosos e argumentos convincentes? Aos que esperavam que Deus se manifestasse poderosamente na pessoa de seu enviado, Paulo contrapõe a mensagem da cruz (l Co 1.22).
O tesouro esta em frágeis vasos de barro, nem um pouco apresentáveis. Há um motivo para isto: para que fique evidente que o poder vem de Deus e não do apóstolo ou dos que anunciam a Cristo. A fraqueza e o sofrimento impedem a vanglória do apóstolo. Deus escolhe pessoas fracas como recipientes de sua graça. Desta maneira o poder é reconhecido como sendo poder de Deus e não é confundido com poder, habilidade, qualificação humana (l Co l.26ss).
Nos vv. 8 e 9 encontramos quatro pares de temos que mostram como, na fraqueza e impotência do apóstolo, Deus manifesta o seu poder. Apesar de toda a tribulação, desorientação e perseguição, o apóstolo é conservado em vida.
Vv. 10s: No corpo do apóstolo estão os sinais da morte de Jesus: sofrimento, dor, fraqueza, doença, feridas, exaustão. Paulo entende o seu sofrimento como continuação da paixão de Jesus. Existe uma comunhão de sofrimentos (1.5; 13.4;; Rm 8.17; Fp 3.10). O sofrimento tem um sentido: é o processo do morrer necessário para demonstrar a vida do Cristo ressurreto. Assim como a glória de Deus tomou o atalho pela cruz de Jesus Cristo para revelar-se ao mundo, também o Cristo vivo se manifesta nas tribulações de seus seguidores. Paulo sente e vive o que está dizendo nestes versículos. O apóstolo fala aqui do sofrer por causa de Jesus, do sofrer que acompanha t£ do aquele que se confessa a ele. Não se fala do sofrimento que advém, por exemplo, de uma doença.
V.12: Enquanto que o constante deparar-se com a morte deixa suas marcas no apóstolo, o Jesus vivo se manifesta na comunidade, no corpo de Cristo. A vida encerrada no sofrimento, Paulo não a tem para si , mas como vida para a comunidade. O sofrer e morrer do apóstolo traz a edificação da comunidade (v. 15).
V.13: Com este versículo inicia um novo pensamento. Talvez para rebater acusações de seus adversários, Paulo afirma que a sua pregação não é pregação de ideais humanos, mas pregação que nasce da fé: nós cremos e, por isto, falamos. Paulo cita o Salmo 116.10, conforme a tradução grega. O espírito da fé, o espírito que cria a fé nas pessoas é o mesmo que motiva os crentes a transmitir e testemunhar esta fé. A fé levou Paulo a assumir o ministério apostólico.
Vv. 14s: O conteúdo da fé é a certeza de que, no futuro, está a ressurreição dos mortos. O sofrer e morrer do crente está em estreita relação como o sofrer e morrer de Jesus. Também o nosso ressuscitar está em íntima relação com a ressurreição dos que nele creem (l Co 15.22s). Deus está agindo entre as pessoas – de modo incompreensível para o mundo, é certo -através do sofrimento e do morrer dos crentes, para benefício da comunidade. Mas também a comunidade não é o objetivo último a ser alcançado. Também ela vive para glorificar a Deus. A graça (CHARIS) de Deus atinge cada vez mais pessoas (através de carismas =dons = pedaços da graça divina) , de modo que cada vez mais pessoas se juntem ao grande coro dos que agradecem (EUCHARISTEIN) e louvam a Deus.
Vv.16 a 18: Paulo retoma o assunto dos vv. 10s, usando desta vez terminologia helenística. Enquanto que o homem exterior, antigo, sob o domínio do pecado, está morrendo, ele cede lugar ao homem interior, ao novo homem, à nova criatura, na qual Cristo toma forma (Gl 2.20; Cl 3.10). Na certeza de que Cristo cria a nova criatura que já agora participa, em parte, do novo mundo que está vindo, o apóstolo ergue a sua cabeça sofrida e segue adiante no seu ministério de sofrimento. Em um jogo de palavras Paulo expressa a sua fé na ressurreição: o glorioso mundo novo que espera por os que crêem é tão pesado, que a realidade do sofrimento presente pode ser considerada leve (v.17). O que se vê, a realidade da tribulação, deve ser interpretada a partir do que não se vê, do futuro que nos aguarda (v.18). É morrendo que se vive para a vida eterna.
V – Caminhando para a prédica
O pregador provavelmente vai encontrar dificuldades para iniciar a sua pregação. Uma possibilidade é escolher um versículo-chave como ponto de partida e orientação, ao qual sempre de novo se pode recorrer. Poderia ser o v.7 (“tesouro” “poder de Deus”), o v.10, 11 ou 12 (morte e vida), ou o v.13 (fé e pregação). A partir do versículo escolhido deveríamos apontar, na prédica, para três direções, não importando a ordem: 1o.)fraqueza e sofrimento (morrer) é o caminho escolhido por Deus, para 2º.)manifestar o seu poder, a vida verdadeira, 3º.)em conformidade com a morte e ressurreição de Jesus Cristo.
1º.) Deus usa, em princípio, um determinado caminho em tudo que fez e faz com as pessoas: o caminho dos vasos de barro. Desde o início do Novo Testamento podemos observar este caminho. O Filho de Deus nasce na estrebaria, toma aspecto de escravo (Fp 2.7), não tem onde reclinar a cabeça (Lc 9.58), de modo que carne e sangue não sabem quem, de fato, ele é (Mt 16.17). Deus age às escondidas no mundo. O mundo, sua inteligência e técnica, não consegue descobri-lo (l Co 2.7ss) .
Esta observação creio ser importante para a comunidade a quem vamos dirigir-nos e para nós, os pregadores. De fato, quem poderia afirmar que a palavra que pregamos é palavra de Deus, se ela é ouvida da boca de pessoas? Como podemos ver na Bíblia algo mais do que antigas palavras humanas? As vezes até nós nos escandalizamos com o fato de que o tesouro não está em recipientes condignos. Quantas vezes não gostaríamos de que Deus interferisse na história através de um grandioso milagre que dissipasse todas as dúvidas de uma vez? Seria omitir o nosso ato de fé. Mas quem ainda quer correr o risco de ter fé?
A comunidade e a Igreja também estão neste esquema de atuação de Deus. Elas são vasos de barro que têm um tesouro oculto dentro de s i . Mas a Igreja muitas vezes se envergonha de ser vaso de barro. As muitas construções bonitas, o poder político adquirido, podem ser sinais desta vergonha. Será que a Igreja (ou a comunidade) que não traz o morrer de Je-sus em seu corpo pode cumpri r a sua missão no mundo? Não é condição de sua sobrevivência a de morrer em favor do mundo?
Um jovem de um grupo de Juventude Evangélica disse: No nosso grupo geralmente participam os que são tímidos, os que têm dificuldades, os que não têm amigos, os que não têm vez. E no grupo eles mudam: são valorizados, ganham coragem, se encontram. Mas depois muitos deles saem do grupo. Será que não ê condição de sobrevivência de um grupo de JE, morrer para dar vida? Em cada comunidade, ou mesmo fora dela, há pessoas que sofrem por causa de Jesus Cristo. Devemos estar com os olhos da fé bem abertos para podermos ver a atuação de Deus nestas pessoas que estão sofrendo.
2º.) O sofrimento, o morrer, tem sentido. Através dele, e não apesar dele, a vida de Jesus, a nova vida da ressurreição, torna-se conhecida, manifesta. O sofrimento, a dor, a fraqueza, enfim, os sinais de morte, são sinais da glória do ministério apostólico. Na fraqueza torna-se claro que o poder não é humano, mas provém de Deus. Apesar de todos os sinais de exaustão, destruição e morte (vv.8s), o apóstolo não demonstra nenhuma resignação ou capitulação. Obra de Deus. O morrer do apóstolo é manifestação da vida de Jesus: a comunidade é fundada, conservada e edificada (v.15). A existência do apóstolo se desgasta em benefício da comunidade.
As coisas loucas e fracas que Deus escolhe (l Co 1.27ss) são eficientes, isto também vale para a Igreja e para a sua menor unidade orgânica, a comunidade. A situação do apóstolo é, em princípio, a situação da igreja e de todos as que nela atuam. A igreja tem pouca atração a oferecer em comparação com o que oferece o mundo moderno. A comunidade tem poucas possibilidades de fazer-se valer dentro da sociedade. Os seus mem-bros tem falhas vergonhosas. Mesmo assim a Igreja esta no plano de Deus. Ela quer ser usada para manifestar vida – através de seu morrer.
Quantas vezes nós, pastores e pregadores, perdemos o ânimo, porque pouco notamos os resultados da eficiência do fraco. Pode ser que ainda não tenhamos encontrado o trilho por onde o Cristo caminha.
3º.) Em diversas ocasiões Paulo fala de morrer com Jesus e ressuscitar com ele (Rm 6.3s; Cl 3.3)- Paulo entende sua tribulação e sofrimento como morrer com Jesus (v. 10: o morrer de Jesus). A este morrer corresponde um ressurgir com Jesus (v. 14). Poderíamos dizer que o sofrimento dos discípulos e seguidores de Cristo estão em analogia com a história da paixão de Jesus. Temos comunhão de sofrimento com ele. Cremos no Senhor crucificado. Cremos também no Jesus ressurreto. Por isto podemos ver a nossa vida também sob a perspectiva da ressurreição futura. A fé consegue ver a borboleta no casulo. A destruição corresponde uma nova criação do homem interior (v.16). O futuro à nossa frente tão glorioso que não vale a pena lamentar sobre o que dói agora.
Talvez seja esta mais uma maneira escolhida por Deus de agir em sua comunidade e no mundo: em conformidade com Cristo. A manifestação do poder e da glória de Deus pega o atalho da cruz de Cristo e do sofrimento de seus seguidores. A comunidade reunida era Exaudi não precisa ter vergonha de sua miséria e fraqueza, pois sabe que Deus a ressuscitara, assim como fez ressurgir dos mortos a seu Filho.
Lembrete: A predica não deves ocupar todo o culto. Deve sobrar tempo suficiente para a oração .