Prédica: 2 Pedro 1.3-11
Autor: Rolf Dübbers
Data Litúrgica: 17º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 17/09/1978
Proclamar Libertação – Volume: III
I – Tradução
V.3: Seu divino poder nos tem dado todas as coisas necessárias para vida e piedade, mediante o conhecimento exato dAquele que nos chamou por sua própria glória e virtude (pelo próprio procedimento glorioso e exemplar) .
V.4 Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas para que vos tornásseis por intermédio destas participantes da natureza divina, escapados da corrupção que há no mundo pela cobiça.
V.5 E por isso mesmo, sim, acrescentando zelo integral, adquiri por meio da vossa fé: a virtude, por meio da virtude: o conhecimento,
V.6 por meio do conhecimento: o autodomínio, por meio do autodomínio: a perseverança, por meio da perseverança: a piedade,
V.7 por meio da piedade: o amor fraternal , por meio do amor fraternal: o amor (que ultrapassa o ambiente eclesial).
V.8 Pois, se estas coisas no vosso meio existem e aumentam, não permaneceis nem inativos nem infrutíferos para o conhecimento exato de nosso Senhor Jesus Cristo.
V . 9 : Aquele, porém, a quem estas coisas não são indispensáveis (quem não as considera necessárias), este é cego pela imperfeição de sua vista, esqueceu-se da purificação dos seus pecados de outrora.
V. 10: Por isso, irmãos, esforçai-vos com mais zelo por consolidar (confirmar) a vossa vocação e eleição; pois agindo assim, não tropeçareis em tempo algum (não chegareis nunca a dar um passo em falso).
V. 11: De fato, desta maneira é que vos será ricamente concedida a entrada no Reino Eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
II – Considerações sobre A Segunda Epístola Simão Pedro
Em geral, as nossas comunidades ignoram que M. Lutero escreveu aos livros bíblicos introduções, para facilitar-lhes a compreensão. Creio não ser tempo perdido se o pregador de hoje disser algo quanto ao documento ao qual o texto escolhido pertence. Umas sóbrias palavras nossas, observando, como é dever, o limite de todo o saber humano, podem fazer muito bem aos nossos ouvintes pouco informados. Talvez possam servir à comunidade as seguintes informações à segunda carta de Pedro:
Esta carta ainda não figura na lista mais antiga dos livros do NT, o chamado cânon Muratori, que é da segunda metade do século II. A carta se apresenta como sendo de Simão Pedro (1.1). Mas houve desde a antiguidade dúvidas quanto à sua autenticidade petrina. Fora de outras dificuldades, o autor da carta fala como se não fizesse parte do grupo apostólico( 3.2). É difícil não dar razão a críticos antigos e modernos que se recusam a atribuir ao apóstolo Pedro esta carta tal qual chegou até nós. Mas desde o ano de 376, na lista dos livros sagrados da cristandade apresentada por Atanásio de Alexandria, esta carta pertence aos livros canônicos da Igreja Cristã. Merece esta honra, apesar da dúvida quanto à sua origem apostólica? Vivem neste texto bíblico mensagens sempre atuais para as cristandades de todas as épocas e de todas as situações? Creio que sim. Também este documento é uma herança preciosa e sóbria dos nossos antepassados cristãos. Para descobrir e experimentar a sua riqueza inesgotável, as convicções, as angústias e as intenções pastorais do autor, devemos meditar o documento inteiro, não a nossa perícope só.
Transcrevemos umas linhas da tradução portuguesa do NT da Bíblia de Jerusalém (Edições Paulinas, 1975, baseada na nova edição francesa, Paris, 1973. Lemos na introdução à nossa carta, entre outras, as seguintes palavras: Se um discípulo posterior se valeu da autoridade de Pedro, pode ser que tivesse algum direito de o fazer, talvez porque pertencia aos círculos que dependiam do apóstolo, ou então porque utilizava um escrito proveniente dele e o adaptou e complementou…
Para concluir: Viveu no desconhecido au¬tor a convicção que ainda hoje é professada – e seguida? – por nossa IECLB, a saber: Cristandade genuína, para não perder a sua identidade e cumprir a sua missão de ser o Sal da Terra e a Luz do Mundo, não tem outra alternativa, em qualquer situação por dentro e por fora de sua esfera, do que pensar, querer e agir a partir do múltiplo testemunho apostólico, o legado de testemunhas oculares do PODER DIVINO NO HOMEM JESUS DE NAZARÉ. Urge, para não agirmos às pressas e como cegos, meditarmos dia e noite (Salmo 1) este legado, anterior e superior a todos os, legados confessionais cristãos.
III – Exegese meditativa
Devemos lembrar que a perícope se dirige a uma parte da cristandade daquela época, e não a sociedade em geral. Não temos nela uma mensagem missionária para os que estão fora da grei cristã, a fim de ganhar novos adeptos à religião cristã, num mundo a-cristão ou anti-cristão, mas nem por isso irreligioso. A perícope é, antes de tudo,uma palavra pastoral aos que receberam uma fé de valor igual a nossa (1.1). Ela não convida a aceitar a chamada divina (v.10) e a abraçar por fé o que o divino poder oferece ao homem para escapar da degeneração que reina no mundo como resultado da cobiça (vv.3ss). A perícope se dirige a pessoas que estão a par das grandes convicções cristãs, que não as ignoravam nem as punham em dúvida. Estas convicções são apontadas num vocabulário bíblico com elementos da religião e da filosofia gregas, como: o divino, a natureza divina, EUSÊBEIA (devoção), ARETÈ (comportamento irrepreensível) – vocabulário, a meu ver, conhecido, compreendido e compreensível aos leitores. Sem lhe mudar ou até esvaziar o conteúdo, o autor da perícope testemunha, adapta e atualiza o Evangelho Apostólico para situação e mentalidade de seus ouvintes de então. Não basta possuir um grande vocabulário, pensar bem e transmitir determinada mensagem. É preciso ter um repertório comum, uma ponte vocabular entre o orador e seu ouvinte (Pedro Bloch). Creio que esta ponte vocabular não faltou entre o autor e os leitores da perícope. Os leitores não estranhavam esta linguagem, nem tiveram problemas em compreender o autor.
Mas creio que teriam estranhado se o autor os tivesse convidado a crer, a entrar em comunhão com nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo mediante a fé no testemunho apostólico, a abraçar as grandíssimas promessas e preciosos valores da Doutrina de Jesus, do Santo Batismo, da Santa Ceia, das orações e das reuniões fraternais em nome de Jesus, Filho Querido, Honrado, Glorificado de Deus Pai (1.16ss) e do dom do Espírito Santo. O autor testemunha realidades e metas da religião cristã (vv. 3,4,10,11). Mas sua intenção não é chamar à fé. Então, qual?
Obviamente, a inquietação pastoral do autor é que haja fé só, somente fé, fé talvez legítima na ação divina no ou do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, mas uma fé adulterada por causa da falta da transformação da natureza humana, a qual continua a viver os seus pecados de outrora”(v.9), fé sem ficarem escapados da degeneração do mundo (v.4), fé sem zelo algum, ou com pouco zelo para consolidar a chamada divina (vv.5.10), fé sem as aquisições por meio da fé (v.5), uma fé talvez ortodoxa, mas inativa e infrutífera (v.8), sem poder missionário sobre o ambiente (v.8), uma fé sem estas coisas indispensáveis (vv.5-7): sem capacidade pessoal qualquer, sem mente esclarecida, sem domínio sobre si me mo, sem procedimento pautado pela reverência para com o Divino e pelo respeito para com o Humano, uma fé sem amor fraternal e sem disposição alguma para bons e nobres engajamentos. Imaginem uma comunidade sem estas coisas ou até – os pecados de outrora! – com as realidades antônimas delas! Com outros termos, talvez se possa dizer: o autor teme que haja dogmática sem ética. E de fato, o NT, como também o AT, rejeita e desconhece uma dedicação ao Divino que não criasse ética, como também desconhece uma ética autônoma que o homem tivesse que encontrar em si mesmo numa solidão sem Deus (A Teologia do NT e a Dogmática, de A.Schlatter,l .909).
Fica um tanto difícil descobrir e perce¬ber a lógica na sequência destas sete coisas(vv. 5-7, Blass e Debrunner: Gramática do NT, 6ª.§493). Fácil é, porém, imaginar o que seria uma fé tão preciosa como a nossa (1.1, na tradução da SBB), sem que existam nem aumentem, por meio desta fé tão preciosa, estas coisas. Não seria qual ópio? Seguramente seria uma religiosidade que jamais pudesse agradar ao Poder Divino no homem Jesus de Nazaré, nem ser aprovada por homem algum. Mas parece-me que – digamos – numa tal dogmática de fé sem ética de fé está uma das angústias pastorais do autor da carta. Houve naquela cristandade, à qual o autor se dirige, pessoas e grupos que contestaram a necessidade de estas coisas existirem e aumentarem na vida cristã (vv.8.9). Houve falsos mestres (2.lss), cheios de cobiça, de conduta leviana, mas de grande influência. Foi por causa deles que já naquela época caiu em descrédito a fé cristã. Para compreender melhor o ambiente – por dentro e por fora – da cristandade primitiva, faremos bem em consultar a obra: Leipoldt/Grundmann:Umwelt des Urchristentums (Ambiente do Cristianismo Primitivo) , 3 volumes, Berlin, 1967, pois a situação das cristandades de hoje não é tão diferente.
Ao pano de fundo da nossa perícope pertence uma perspicaz angústia pastoral. O autor compreendeu que a finalidade da ação divina (vv.3,4 10.11) não é uma fé cômoda, passiva, infrutífera, deixando o presente e o futuro dos que crêem tal qual foi o passado (v.9b). A meta da ação divina no homem Jesus ultrapassa o agradável desejo humano de ter paz com Deus pela remissão dos pecados, pois a purificação dos pecados de outrora é algo mais do que um coração consolado. O poder divino visa uma mudança do pensar e querer, do falar e agir humanos (Verhaltungsaenderung beim Menschen).
A perícope testemunha de maneira exata e compreensível a ação divina era prol do homem e do mundo degenerados pela cobiça. Mas ela o faz para apontar e exortar, como consequência do próprio procedimento glorioso e exemplar divino, à nova ação do homem – agora possível e necessária pelas preciosas e grandíssimas promessas divinas. Mediante as poderosas glória e virtude divinas, acessíveis e oferecidas ao homem pelo convite (chamada, eleição) a entrar em comunhão com nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o homem deve e pode participar das possibilidades da natureza divina e, assim, escapar da escravidão destruidora da cobiça. O mundo tem o seu característico na cobiça, pela qual é levado para a morte (A Teologia dos Apóstolos, de A. Schlatter, l.922). Mas é precisamente a meta da ação divina conceder ao homem escravizado (Rm7 e 8!) as coisas necessarias para vida e piedade (v.3), a fim de que a cobiça degeneradora por dentro e por fora do indivíduo humano não vença, e, sim, seja vencida. Deus fez tudo para convosco: fazei agora o vosso! Isto é o conteúdo dos versículos 3-11 (J. A. Bengel, no Gnomon).
Meditando, a partir das realidades eclesiásticas e gerais nas quais vivemos, a nossa perícope, é óbvio que seria um grave erro exortar ou até exigir do ouvinte de hoje logo o segundo, ou seja: Fazei o vosso!. Devemos levar em conta a possibilidade de faltarem na consciência do ouvinte o conhecimento claro, certo e grato do primeiro, ou seja: Deus fez tudo para convosco! Talvez nem exista hoje ponte vocabular entre o pregador e os ouvintes! Muito falharíamos se pregássemos às pressas e exclusivamente as nobres consequências da fé cristã no poder divino, sem considerar antes e sempre, sobriamente, se os destinatários da nossa mensagem já conhecem e já experimentaram o divino poder salutar. E mais ainda! O diagnóstico apostólico do mundo humano não é nem fatalista nem dualista nem ideológico; pois, eles, os apóstolos, não dizem; Esta corrupção, esta degeneração no mundo é uma desgraça dos deuses, é uma fatalidade à qual não poderemos fugir. Mas também não dizem: Ai desses gregos, desses romanos, desses judeus, desses fulanos, sicranos e beltranos que levam o belo mundo de Deus à degeneração! O autor da nossa perícope está em perfeito acordo com os demais apóstolos, com o próprio Senhor da cristandade e com o Deus do Decálogo, se escreve: A corrupção, a degeneração que prevalece no mundo, é o resultado da cobiça. Cobiça de quem? A de cada um.
E o diagnóstico do mundo de hoje? Lamentavelmente somos viciados, também por dentro da cristandade, pela miopia de diagnósticos ideológicos. Somos informados que a degeneração que leva o mundo à miséria vem – dos outros, da outra raça, da outra classe, do outro sexo, da outra idade, do outro povo, dos vizinhos, etc. Não pretendemos negar elementos certos nestas miopias ideológicas. Elementos certos? Para ser compreendido basta lembrar uma sentença evangélica: Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a trave que está no teu?(Mt 7) A perícope, a par desta fraqueza nossa de julgarmos a outrem apesar de praticarmos as mesmas coisas – até o termo miopia é usado (v. 9)! -, nos leva a uma visão mais imparcial do convívio humano, pois ela não fala da corrupção romana, ou judaica, ou grega, etc. Fala com muita sabedoria pastoral de cobiça. E que indivíduo, que família, que grupo social, que raça e classe, que igreja e nação estão fora do perigo de contribuir com seus desejos desenfreados para o aumento da degeneração moral e material no mundo? E quem não temer e se envergonhar dos resultados nefastos de suas cobiças, dificilmente se abrirá à salutar ação divina no homem Jesus. Creio ser realmente uma necessidade indispensável(v.9) existirem e aumentarem no ambiente familiar, profissional, eclesial, nacional e internacional aquelas maravilhosas sete coisas mencionadas em nossa perícope (vv.5-7), se não queremos, apesar de toda a fé, experimentar depauperamento e auto-destruição da sociedade humana. É a tão importante e tão difícil tarefa de ajustar a dimensões justificáveis os desejos do eu humano, sem, porém, sufocar este misterioso eu, tão querido por seu Criador Divino (Lc 15.20!). Eliminar o precioso eu humano não corresponderia à ação divina. A intenção divina chamando a todos a participarem da natureza divina por intermédio da comunhão com o Filho Querido, não é nunca a eliminação completa de todo o desejo humano. Sem desejo e sem saudade e vontade de ver cumprida esta ou outra aspiração sua, o indivíduo não passa mais de ser um cadáver. Mas como agir de modo poderoso e salutar sobre a cobiça do eu, cobiça que nasce, cresce e vive nas profundezas do próprio eu? É a grata convicção e a experiência viva da nossa perícope que este impossível se torna possível pela participação existencial por fé no divino poder manifestado sobre a terra pela pessoa e pela obra do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A criatura humana degenerada, para desgraça própria e a dos outros, pela cobiça, é convidada a participar por fé da gloriosa natureza divina exemplar mediante a comunhão com o Filho Querido (vv.3-l1).
Mas atenção: Esta participação não é um processo automático, nem mágico, nem simplesmente sacramental, nem é imposta por força divina irresistível. Certo é que a comunhão sacramental não faltou aos leitores da nossa passagem. E longe de nós de diminuir o precioso valor do Santo Batismo e da Santa Ceia! Mas Deus quer a co-responsabilidade humana. Não quer títeres (marionetes). Por isso, a participação oferecida por Deus – oferta universal, sem exceção alguma de pessoa alguma! – exigiu, exige e exigirá sempre uma decisão por fé da parte do homem convidado. Da parte de Deus não existe problema nem perigo, pois o convite é católico (universal). Naturalmente, este convite divino deve chegar aos ouvidos dos homens – uma grande tarefa missionária nossa! Mas são muitos os perigos da parte do homem. Pode aceitar o convite com alegria. Mas depois, no confronto com o mundo por dentro e por fora, diminuem interesse e vontade para lutar e vencer. Em vez de consolidar com zelo a sua vocação (v.10),o homem, apesar de ter obtido uma fé tão preciosa, acaba vencido. Não se pode encontrar nesta perícope toda a parábola do semeador (Mc 4.1ss)? Convém, pois, que o homem, tão facilmente embriagado e contagiado pela cobiça de ser feliz, saciado, poderoso, rico, de viver sem cruz nem lágrimas, durante a breve existência terrena – que este homem, nós mesmos, se lembre continuamente de duas coisas: dos resultados nefastos de seus desejos desenfreados e da maravilhosa oferta do seu Criador Divino: que o homem degenerado seja salvo pelo poder regenerador divino, – que pela participação da natureza divina se torne purificado, ativo, frutífero, enquanto tiver esta sua existência passageira, enriquecendo o seu ambiente por seu próprio procedimento exemplar (aquelas sete coisas!) – a legítima e imprescindível tarefa missionária da cristandade, – que o homem não tropece – que belo alvo! – em tempo algum nem coisa alguma, – que o homem consolide com zelo a sua vocação divina para receber direito completo de entrar no Reino Eterno (v.ll).
IV – Sugestões para a prédica
Uma perícope inesgotável e eminentemente atual! “…é preciso que o Homem enfim desperte de seu sonho milenar para descobrir sua solidão total, sua estranheza radical. Agora, sabe que, como um cigano, está à margem do universo onde deve viver. Universo surdo a sua musica, indiferente às suas esperanças, como a seus sofrimentos ou o seus crimes.. Enfim, o homem sabe que está sozinho na imensidão indiferente do universo, de onde emergiu por acaso (O Acaso e a Necessidade, de Jacques Monod, 4ª. Ed.VOZES, 1976). O autor da nossa perícope, ouvindo estas afirmações do professor francês, talvez diria: Possível é chegarmos a tais conclusões, mas não é necessário, pois há uma chamada divina. Leve-a a sério!
Mas, como já foi salientado, a nossa perícope é essencialmente uma mensagem para a cristandade. Por isso não devemos passar logo às exortações que resultam das consequências e possibilidades da fé cristã, pois ignoramos a medida certa de fé de nossos ouvintes de hoje. Sempre será necessário testemunharmos, também por entre as indispensáveis exortações, com gratidão e louvor, a glória e a virtude do poder divino na pessoa de Jesus para conosco, homens tão difíceis. Deus não quer degeneração, corrupção, ruína de homem algum, pois seu divino poder oferece ainda hoje ao homem todas as coisas necessárias para vida e piedade (v.3). Será sempre uma grande tarefa pastoral testemunhar as intenções divinas no Santo Batismo, na Santa Ceia, na disposição de Jesus de nos receber, de nos ouvir, de nos atender. O universo cósmico e o universo humano talvez sejam indiferentes as nossas esperanças. Mas aquele que nos chama é superior ao acaso e à necessidade. O primeiro passo foi dado por Deus. E que passo! O Divino se tornou misericordioso e poderoso próximo nosso! Mas que não seja esquecida a meta deste nobre passo divino: que nasçam e cresçam no convívio humano vida e piedade (v.3)!
Sendo assim, a perícope nos leva a perguntas bem pessoais, como: Qual é, afinal, a nossa meta principal nesta vida passageira? Que a besta humana se alegre, sem perguntar nem por Deus nem pelos outros, e depois pereça? Mas gostaríamos nós de nascer e de viver num ambiente no qual se pensa e se age assim? Tememos dar passo em falso? Tememos ser inativos, escravos de cobiças (Mc 7.21ss)? Desejamos purificação de inclinações nocivas e disposição e capacidade para enriquecer o nosso ambiente? O pregador pode questionar as realidades e relações humanas de hoje. Mas que seja feito com humildade, sem aspereza! Certo é que a medida da nossa gratidão e da nossa afei¬ção para com a nobre e santa realidade divina no cidadão Jesus de Nazaré muito dependerá do nosso pesar, da nossa angústia e das nossas saudades por causa do poder nefasto das cobiças em todas as camadas da sociedade humana, inclusive na camada individual do nosso próprio coração. Pois sem ter espírito pronto (Mc 14.38), que é também boa dádiva divina (Fp 2.13), dificilmente oraremos e vigiaremos, para vencer, e não ser vencidos.
Finalizando, desejamos lembrar que a perícope usa o termo HE THEIA DYNAMIS (v.3, o poder divino). Pergunto: Por que não usar também na pregação algumas vezes este termo grego de conteúdo tão rico DYNAMIS? Este termo bem compreensível aparece ainda hoje em muitas palavras da nossa linguagem cotidiana!
Aliás, o termo HE DYNAMIS, se usado em sentido absoluto, corresponde na teologia palestinense ao nome de Javé; é, pois, um sinônimo para o ser e o agir da Divindade Verdadeira (conf. A. Schlatter: Der Evangelist Matthaeus, 2-, p.760,e também do mesmo autor: Das Evangelium des Lukas, 2-, p.438). –
Uma disposição para a prédica? Talvez possa servir a seguinte:
Iniciando, podemos confessar que não é possível esgotar a riqueza desta perícope. (Quem quiser diga umas palavras sobre a segunda epístola de Pedro). Pedindo a indispensável colaboração do Espírito Santo, vamos tratar dos seguintes assuntos:
I – Das intenções da preciosa ação divina na pessoa de Jesus de Nazaré
a) a ação divina em Jesus
b) as intenções desta ação
II – Das frustrações e das consumações da ação divina
a) frustrações
(não por fraqueza divina, mas por abuso da liberdade humana, como Mt 23.37, ou por motivos apontados na parábola do Semeador, Mc 4.1ss)
b) consumações
(também apontado em Mc 4.20)
III – Da oração e do zelo para que a ação divina em Cristo fique e cresça em nós e nós nela.