Prédica: Efésios 5.9-14
Autor: Huberto Kirchheim
Data Litúrgica: 6º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 02/07/1978
Proclamar Libertação – Volume: III
l – Texto da vida; Nossa realidade
a) Dogmas e teses doutrinárias emitidas pelas igrejas para o mundo já não têm mais o mesmo peso e autoridade como outrora. Isto é consequência do esvaziamento da instituição. Os homens, em média, se opõem a todas as instituições demasiado estruturadas, rígidas e burocráticas. Um dos acontecimentos culturais mais marcantes de nossa época é o declínio do poder e da autoridade da instituição. A tendência ê dar prioridade ã pessoa humana e não a instituições;
– à formação de pequenos grupos, informais, não hierárquicos;
– humanizar a própria instituição, agindo dentro dela, simplesmente sem levar em conta regulamentos que não tenham sentido.
b) Como se opera isto na IECLB?
Na IECLB, há uma grande distância entre cúpula e comunidade. Os membros se ressentem de definições mais objetivas e claras em termos de fé e vivência evangélica. Comunidades começam a revoltar-se, ainda timidamente, contra decisões tomadas, distantes da comunidade, sem sua participação.
Há colocação de objetivos e metas prioritárias que questionam fortemente as estruturas tradicionais, concepções e práticas de culto, de batismo e vivência cristã.
c) Nas comunidades
– Em muitas comunidades (principalmente no meio rural) existe uma grande tendência em resistir aos sopros de renovação, que, aqui e ali, se fazem sentir. Não raras vezes os próprios pastores motivam esta resistência.
– Em média se observa uma passividade e indiferença dos membros em relação à vida e à ação da comunidade. Apelam ao batismo como garantia de salvação.
– Permanece a estrutura da comunidade de atendimento, da comunidade de consumo.
A partir desta estrutura e concepção, a vida e existência da comunidade se restringe quase que só ao culto dominical sem expressão maior para dentro da realidade de vida no contexto social, político e econômico do pais. A maioria das comunidades se assemelham a guetos dentro do mundo: grupos típicos, homogêneos, étnicos, separados .
No entanto, principalmente entre a geração mais nova, surgem vozes de protesto e insatisfação. Sempre mais pessoas nestas faixas etárias estão insatisfeitas com a sua Igreja. Não participam mais dos seus cultos tradicionais e fechados. Criticam a apatia e ausência desta Igreja do palco dos acontecimentos importantes da vila, cidade, estado, país e mundo. Eles querem participar
– querem ter vez, não só serem objeto, bonecos mudos, passivos e manipuláveis. Querem que a Igreja seja vida – manifestação vivencial – e não só palavra, não só pregação acadêmica, dogma, lei e documento escrito.
A partir da própria Bíblia constatamos que a Igreja, que o povo de Deus, que o cristianismo sempre se caracteriza pela sua dinamicidade, pela sua expressão concreta de vida.
O Povo de Deus no Antigo Testamento é caracterizado como um povo em marcha, em movimento, na jornada, a caminho da escravidão para a libertação. O povo é forte enquanto está a caminho – o povo decai quando se fixa, se estrutura. No Novo Testamento, a partir de Cristo, vemos um povo tentando, no meio dos conflitos, viver a libertação em Cristo. A sua força de convicção está na sua qualidade de vida (Atos 2).
Parece-me que, a partir disso, nós temos que refletir sobre a nossa maneira de pregarmos o Evangelho hoje, sobre o verdadeiro sentido de culto como participação de todos, sobre o significado do batismo, e, principalmente, sobre a maneira prática e concreta da vivência evangélica. Nesta problemática e nesta tensão se localiza a reflexão sobre o culto da comunidade e, especificamente, sobre o centro deste culto: o testemunho, a pregação do Evangelho hoje.
II – O texto da Bíblia
O tema central da carta aos Efésios é,sem dúvida, a comunidade de Jesus Cristo. O próprio intróito da carta (1.1-2) caracteriza os destinatários como uma comunidade composta por pessoas libertadas pelo Evangelho de Cristo. Trata-se, provavelmente, de pessoas que vivem o seu batismo — ou então, que são admoestadas a assumirem e a viverem o que j ã são pelo batismo, a saber, filhos de Deus. Consequentemente o acento recai, em toda a epístola, na vivência e na prática da fé em Jesus Cristo no contexto social da comunidade.
A partir disso, poder-se-ia dizer que o tema central desta epístola é a Igreja na sua totalidade, na sua dimensão universal, que se concretiza no mundo na medida em que ela realiza a sua tarefa missionária. Chama a atenção a ênfase colocada no viver a fé, no viver consequente a própria manifestação de Deus em Cristo na vida das pessoas.
III – A nossa perícope
Quanto ao aspecto literal e teológico, o nosso texto, 5.9-14, faz parte de um contexto maior. Parece que nos caps 1-3 a comunidade é conscientizada da ação salvadora e libertadora de Deus realizada em seu favor.
Praticamente com o cap. 4, mais especificamente a partir do v.25, até o cap. 6.20, o apóstolo chama e convoca a comunidade à vivência concreta da fé no dia a dia da vida. Este complexo denomina-se parênese, admoestação. De acordo com a opinião de Voigt, toda parênese neotestamentária é parênese batismal. Neste sentido podemos opinar que em nossa perícope a comunidade, os membros desta comunidade são admoestados a viverem responsavelmente a sua fé no mundo a partir da nova realidade acontecida no batismo. Logo, o nosso texto quer conscientizar o cristão batizado da sua responsabilidade e do seu compromisso a partir do próprio batismo. Em consequência disso, sugiro que se inclua na perícope também o verso anterior, o verso 8, uma vez que aqui esta realidade é determinada claramente pelo apóstolo em categorias de tempo: antes” e “agora”.
IV – Conteúdo teológico
Neste texto o apóstolo fala concretamente do ser cristão, mas Efésios, em sentido coletivo. O membro não vive isoladamente, mas sempre em comunidade, em igreja. Não é possível ser cristão sozinho, mas junto e ao lado de outros. O ser cristão, ou, a vida de fé é caracterizada como uma atitude de vida, uma maneira de viver. Isto podemos concluir do dualismo ético: treva – luz”. O apóstolo aqui faz uso de um simbolismo gnóstico conhecido dos membros da comunidade dos Efésios. Também o antes e agora se refere a uma situação existencial da comunidade cristã. O aceitar a Cristo como Senhor da sua vida representava uma total transformação na vida da primeira geração cristã. Neste sentido o apóstolo provavelmente está se referindo ao ato do batismo como a total ruptura em suas vidas. É evidente que a nossa atitude de vida, que o ser cristão não é consequência automática de um simples ato sacramental, mas do batismo como manifestação da graça e do amor incondicionais de Deus em Cristo. Deus assumiu na Sexta-feira Santa, através de seu Filho, o pecado do mundo, e ressuscitou no terceiro dia aquele que fora condenado em nosso lugar. Pelo batismo nós somos ligados tão intimamente a Cristo que a sua morte se torna a nossa morte e a sua ressurreição a nossa ressurreição. E como batizados vivemos a nossa realidade em Cristo. Agora sois luz no Senhor. Deus nos aceitou gratuitamente, no entanto, esta realidade extra nos ha de manifestar-se na vivência concreta. A partir da ação salvadora de Deus se justifica o imperativo. Consequentemente a vivência cristã só pode ser um sinal do Reino de Deus na medida em que for resposta a uma dádiva gratuita.
– O ser cristão, simbolizado no texto pelo ser luz no Senhor, revela-se fundamentalmente na vivência concreta, como um andar na luz”.
O ser aceito por Deus, através do batismo, nos compromete a vivermos o que já somos: filhos de Deus, no dia a dia da vida. O discipulado cristão se concretiza na simultaneidade do receber e do dar. Subentende-se com isso que o proprium da comunidade é o movimento, é o estar a caminho, o estar em marcha.
Para o ouvinte de então isto representava a concretização do compromisso ligado ao batismo, e a diferenciação entre bem e mal (luz e trevas), o desistir de obras infrutíferas e o trazer frutos da luz não significavam obra humana do batizado, mas a consequência da vivência em Cristo e, neste sentido, a vivência do batismo. Desta maneira, na caminhada do povo de Deus, da comunidade crista, se concretizam as virtudes humanas e cristãs de bondade, justiça e verdade (v. 9). São dádivas da luz que receberam pelo batismo e que devem conservar numa vivência responsável. Em termos deste andar na luz não existe orientação fixa, nem código preestabelecido de como se comportar cristãmente. Cristo nos libertou de toda a lei para uma vivência responsável, A fé quer que sejamos pessoas livres que pensam e agem responsavelmente. O homem é responsável diante de Deus pelo que faz. O único critério de avaliação da sua atitude e vivência é o próprio Cristo. Ê claro que, a partir deste critério, devemos aprender a criticidade diante da nossa própria atitude, para assim provarmos o que seja agradável ao Senhor (v.10).
Karl Barth, neste contexto, disse que o grande sim de Deus requer o pequeno sim do homem. E este constante sim do homem, como realização do seu batismo na vivência diária, exclui uma vivencia em categorias moralistas e casuísticas, para se realizar numa vida em favor de outros como a tualização da fé.
O símbolo para a vida cristã, conforme o nosso texto (v.14) , é o amanhecer, o acordar, o estar presente, o ser ativo.
Nós somos filhos da luz, imitadores de Deus (5,1). Cristo mesmo, como a luz que veio para o mundo, é fonte e orientação constante para a nossa vivência e atuação no mundo. Diante da sua atitude perante os homens e na sua vivência concreta em amor devemos avaliar e provar constantemente a nossa própria vivência cristã. E, a partir dele, o nosso andar na luz terá sempre consequências sociais, políticas e econômicas. Por isso a caminhada do cristão na luz, na verdade, bondade e justiça leva-o a um posicionamento crítico diante da realidade do mundo. Não podemos compactuar com as injustiças e crueldades que são cometidas contra outras pessoas pelos poderosos deste mundo; não podemos silenciar diante da exploração e da opressão dos mais fracos pelos mais fortes. Como cristãos não podemos ignorar e fugir desta realidade, muito menos, silenciar diante dela. Como filhos da luz somos desafiados a trazermos à luz a verdade e a realidade ao nosso redor. O nosso texto diz que compete ao cristão reprovar as obras infrutíferas das trevas. O Evangelho é sempre anúncio dos novos valores do Reino, mas, ao mesmo tempo, denúncia de pecados, de injustiças sociais, de ações humanas que oprimem o homem, de atos e atitudes que ferem a dignidade do homem e o tolhem na sua liberdade de participação justa e no seu processo de desenvolvimento pleno.
Finalmente, o nosso texto representa uma motivação para nós, que somos a sua Igreja, no sentido de assumirmos de fato o que já somos pela batismo, a saber, filhos de Deus. Ao mesmo tempo também nos pode ser um consolo sabermos, a exemplo dos batizados da comunidade primitiva, que sempre de novo temos que ser alertados para a vivência concreta de filhos de Deus.
V – Sugestão para a prédica
Parece que a própria estrutura do trabalho pode servir de orientação prática para a elaboração da prédica.
1 – Poder-se-ia iniciar com a situação dos membros que estão no culto: suas perguntas, dúvidas, sua concepção de batismo, a realidade das comunidades (ver Texto da Vida).
2 – Esta nossa realidade deverá ser confrontada com o texto.
Conscientização da nova realidade acontecida através do batismo. Aceitação de Deus em Jesus Cristo. Batismo como presente que nos liga a Jesus Cristo. E nele podemos ver o que significa o andar na luz. O nosso andar na luz, no entanto, não será obra e mérito humano, mas seu presente.
3 – Atualização do batismo na realidade da nossa vida.
O ser cristão como sinal transparente do amor de Deus no mundo. A vivência do Evangelho como anúncio e denúncia.
VI – Bibliografia
– BULTMANN, Rudolf. Theologie des Neuen Testaments.3a. ed. J.C.B Mohr, Tübingen, 1958.
– RIENECKER, Fritz.Der Brief des Paulus an die Epheser. R.Brockhaus Wuppertal, 1961.
– SCHLIER, Heinrich.Der Brief an die Epheser.1a. ed., Patmos, Düsseldorf, 1957.
– VOIGT, Gottfried. Die Neue Kreatur. Série VI. Parte II. Vandenhoeck e Ruprecht, Göttingen, 1966.
– LOTZ, Martin. Worte am_Sonntag heute gesagt. Série II. Volume 3. Gütersloher Verlagshaus Gerd Mohn,Gütersloh, 1974.
– DIENSA, Karl. Predigtstudien.Ano 1971/1972. 1a.ed.,Kreuz-Verlag, Stuttgart/Berlin, 1972.