Prédica: Lucas 12.35-40
Autor: Heinz Ehlert
Data Litúrgica: Fim de Ano
Data da Pregação: 31/12/1978
Proclamar Libertação – Volume: III
l – Considerações exegéticas
1. O trecho no seu contexto
O trecho pertence a um contexto que poderíamos delimitar da seguinte forma: Lc 12.1-59, que contém instruções para a comunidade dos discípulos referentes à sua posição e atuação no mundo entre os adventos de seu senhor. Os versículos anteriores (vv.22-34) falam contra a ansiosa solicitude pela vida, e os posteriores (vv. 41-48) reforçam o pensamento do trecho em estudo, acentuando a fidelidade do servo que espera. Talvez o nosso trecho represente um contraste intencional a parábola do rico camponês (vv.16-21). Ao rico que confia em posses e bens e que é surpreendido pela morte são contrapostos os servos fieis que vigilantes esperam a volta de seu senhor.
2 . E s t r u t u r a
Brado de alerta – v.35.
Parábola dos servos vigilantes e do senhor que serve – vv. 36-38.
Parábola do pai de família (dono de casa) – v.39.
Brado de alerta a comunidade dos discípulos – v.40.
3. Aparelho crítico do texto original
As variantes apresentadas em Nestle,16ª. edição, não representam uma modificação no conteúdo essencial do trecho. Em parte trazem maior semelhança com Mt 24.43 por exemplo.
4. Exegese em pormenores
V.35: Os discípulos recebem um brado de alerta: devem estar em prontidão. Como alguém que a cada momento pode receber o sinal para entrar em ação: partir para uma caminhada (Ex 12.11), ou para a luta (Ef 6.14), ou, simplesmente, como os servos que aguardam seu senhor, para servir imediatamente. O traje longo dos orientais não se presta muito bem para todas estas atividades, a não ser que seja segurado com um cinto no lombo.
As candeias ou limpadas lembram que a par tida pode ser no meio da noite. Aí é preciso luz para reconhecer o senhor e dirigi-lo ao portão de entrada. Esta última lembra Mt 25.lss. Numa linguagem figurativa expressa um brado de alerta a qualquer pessoa que vive neste mundo que ameaça com muitos perigos a existência.
Vv.36-38: Na parábola que segue o alerta é caracterizado: homens ou servos (v.37) que esperam pelo seu senhor, devem estar de prontidão. Os discípulos de Cristo devem ser semelhantes tais homens em vista do segundo advento de senhor.
A para bola menciona que o senhor volta das festas de casamento (v.36). De um lado seria apenas um motivo de ausência, onde o horário da volta é incerto, numa hora que não pode ser precalculada. De outro lado poderia ser a indicação de uma figura conhecida para significar tempo de alegria pela presença do messias. No sentido que no céu, donde Jesus voltará, há festa em andamento. Os primeiros cristãos ficaram marcados pela espera do senhor que bate a porta (Ap 3.20). Convém não perder este anúncio de sua chegada. Isto será possível somente se houver constante vigilância, onde o pensamento está inteiramente voltado para o senhor que vem. Por isso os servos vigilantes são chamados de bem-aventurados (v.37a). Isto em contraposição ao louco que buscava sua felicidade em si mesmo, na sua inteligência, posse e labor (vv. 16-21).
Bem-aventurados devem ser chamados porque o senhor com eles estabelece nova comunhão, aliás completamente fora do comum: em vez de ser servido, serve (v.37b). Não é incomum para Jesus, que não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mc 10.45; Lc 22.27; Jo 13.1-11).
Aqui, pois, para quem conhece o ministé¬rio terreno de Jesus, se encerra a mensagem que o mesmo acontecerá na sua vinda, aos que o aguardam ansiosamente, vigiando: a comunhão bem-aventurada com o senhor, para sempre (Ap 3.20; l Ts 4.17).
O evangelista parece admitir três vigílias, quando p. ex. Mt 14.25 fala em quatro. Havia diferença nisto pelo sistema romano, de um lado, e do judeu, do outro. De qualquer maneira esta menção aqui parece indicar que o senhor poderá tardar (v.38). Talvez o senhor demore muito. Isto, porém, não invalida a promessa. É uma advertência contra a impaciência e o cansaço. A esperança do cristão se baseia na promessa de Cristo e não em cálculos apocalípticos.
V. 39: Outra parábola para corroborar a anterior: o ladrão que poderá sobrevir (cf. Mt 24.43ss). O ponto de comparação é o imprevisível do acontecimento. A ameaça existe – como a experiência ensina. O que urge é a vigilância. Estar pronto a qualquer momento para enfrentar o que ocorrer. A hora é imprevisível. O termo DIOYCHTHËNAI no grego dá ideia de fazer uma cavação através de alguma coisa. No caso se imagina que o ladrão pudesse cavar um tipo de túnel no chão de barro, sobre o qual a casa esta construída, que da rua daria acesso ao interior da casa. Naturalmente isto só poderia acontecer de noite. Daí a necessidade da vigilância. Dois pensamentos cabem a partir deste versículo: A parusia ou volta de Cristo na verdade será um dia de alegria para os discípulos vigilantes. Mas a advertência seéria do dia da ira, do dia do juízo não está afastada. O redentor do mundo é também o juiz. Ao discípulo que se deixa dominar pela cobiça do poder e da luxúria (lembro mais uma vez os vv.16-21), era vez de viver na alegria do senhor, a volta do senhor significa juízo, ou seja, perdição. O outro pensamento é a responsabilidade que cabe aos discípulos-líderes de cuidar do povo de Deus (pai de família ou dono de casa), da comunidade de Jesus. Ou lembrando Mt 25.31ss: os pequeninos irmãos. Isto será ainda mais acentuado no trecho imediatamente seguinte (a partir do v.42). A figura do ladrão que pode sobrevir causou impacto nos primeiros cristãos (veja l Ts 5.2; 2 Pe 3.10).
V.40: Mais uma vez, como para sublinha, o alerta do v.35. Gostei da tradução ficai também vós apercebidos (GINESTHE HETOIMOI). O vigilante se apercebe dos sinais dos tempos. Não se deixa levar a falsa segurança, sob pena de perder o que a vinda de Cristo promete aos seus.
II – Meditação
l . Reflexão meditativa sobre o texto
Desde que Cristo ressurgiu dos mortos e voltou ao Pai, é tempo de espera para a comunidade cristã, para a Igreja de Cristo. Espera pela segunda vinda que ele prometeu. As mensagens a respeito, nos Evangelhos e em todo Novo Testamento, testemunham claramente este fato. O trecho em estudo é uma destas mensagens que contém ao mesmo tempo promessa e advertência. Jesus considerou necessário fazer, mesmo antes de se ausentar, tais exortações e advertências. Certamente porque conhecia muito bem a raça humana. Nós precisamos disto. Facilmente nos impacientamos e cansamos. Outra coisa: Procuramos garantias e segurança para basear nossa vida e ação. É compreensível que as coisas imediatas do dia a dia atraiam o nosso interesse e prendam a nossa atenção. O contexto do trecho mostra que Jesus, contando com tal atitude ou inclinação do homem, fez as advertências do nosso trecho. Esta não nos pode tranquilizar no sentido de dizer: Bem, Jesus sabia que a gente e assim mesmo! Não dá para ficar alerta por muito tempo, sem ficar cansado. Ou: Não dá para conservar uma expectativa interminavelmente se nada acontece. O senhor também prometeu: Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século (Mt 28.20).
Está conosco justamente através de sua palavra, o testemunho tanto escrito (Bíblia) como verbal (seja na proclamação pública ou seja no testemunho pessoal).
Hoje em dia se acentua bastante – e parece que há razões para isso – a atuação presente, a comprovação da nossa fé no momento atual. A contribuição do cristão na situação socio-política da atualidade. A fé em Cristo deve ter valor e ser uma ajuda na realidade presente com seus problemas e desafios. Uma pregação que fala muito no além, no futuro, no transcendente, é denunciada como não realista, e que propicia uma atitude de fuga, que não se presta para uma transformação da situação atual de sofrimento e opressão, porque consola com a salvação eterna. Parece-me, no entanto, que o testemunho bíblico é mais equilibrado do que a mensagem de seus pregadores. Aqui cabe então penitência. Divorciando um aspecto do outro, adulteramos a mensagem de Cristo.
O conjunto de comparações do nosso trecho quer levar justamente a uma vigilância para que o gente não seja acomodado de nenhum jeito. O compromisso com o senhor vindouro conduz a uma atuação crista mais consciente. Leva a serio o papel que me cabe: não sou dono, mas servo. Não posso fazer o que bem entendo, mas estou sujeito ao senhor, que tem intenções e instruções bem concretas quanto ao tratamento a ser dado aos irmãos na fé, ao povo, ao mundo. Resumindo, isto significa: testemunhar o amor de Cristo por palavras e ações. Ele não só me pede contas a respeito disso, mas também me assiste com sua presença e sua promessa. Ele me abre os olhos para minha própria miséria diante de Deus e para a miséria dos outros. Indicando tão enfaticamente para a sua volta (e a incerteza quanto à hora), ele me quer apontar o alvo que dá sentido a toda esta lida. A perspectiva que no meio de tanto fracasso e experiência deprimente desta vida inspira coragem e alento. O tempo que se esgota tão depressa não termina no nada, mas se consuma no dia de Jesus Cristo. Com esta perspectiva vale a pena remir o tem pó (Ef 5.15-l6). Aproveitar o tempo precioso que resta até… até o dia de Jesus Cristo, ou até o dia da própria morte.
Aproveitá-lo a servir a Cristo no próximo. Nunca, pois, a mensagem de sua vinda poderá ser motivo para negligenciar as minhas tarefas e atribuições, a missão que ele me confiou, a mim e aos irmãos na fé. Pelo contrário: será um grande estímulo para não desfalecer ou desanimar. Leva-me a esperar muito do senhor agora e coisa melhor ainda na eternidade. Assim posso ir em frente, confiante e em alegre esperança.
2. Escopo homilético
Levando a sério a segunda v i n da do senhor, tornamo-nos vigilantes quanto ao sentido que nos sã vida tem, quanto aos perigos que ameaçam nossa fé, quanto à missão e ao serviço que nos foram confiados, quanto a esperança que nos anima.
3. Indicações para a prédica
O fim de um ano leva muitos a reflexão. Outros, querendo fugir disso, metem-se em festas. Outros ainda querem fazer as duas coisas: refletir e festejar.
A nossa prédica deve fazer jus a disposição dos ouvintes para uma reflexão mais profunda, ajudando-os a uma meditação frutífera.
Podemos começar constatando que o ano que se finda lembra o tempo que se esgota, meu tempo que está se esgotando. Talvez ilustrando isso com os antigos relógios de areia. Que perspectivas se oferecem ao homem diante desta realidade? Isto vai depender da orientação que a sua vida vem tendo. Orientar-se significa situar-se: Onde estou, para onde vou. Nisto a mensagem de Cristo pode prestar um serviço sem igual. Hoje a mensagem de sua segunda vinda nos seja orientação!
Caberia então uma reflexão sobre a segunda vinda, a importância que teve na pregação de Cristo, a importância que cada um dos presentes deu a ela no tempo passado – motivo provável de penitência.
Poderíamos, a seguir, concentrar-nos no trecho base da prédica, salientando a ênfase que Jesus deu à vigilância em cada uma das comparações.
Atualizar para os ouvintes o que poderia significar de maneira concreta a vigilância que Jesus espera dos seus. Podemos falar do papel que o próprio senhor Jesus tem para nós, que novo sentido a fé no redentor deu e dá ã nossa vi-da.
Devemos mencionar os perigos pelos quais os discípulos estão ameaçados, querendo abalar a fé no senhor vindouro e na vida futura. Citar, se possível, exemplos da própria experiência ou de outros que concretizem isto.
Nesta altura caberia uma exposição de como a perspectiva da vinda do senhor ilumina e estimula a nossa ação de discípulos no mundo. A responsabilidade que nos cabe pela confiança que o senhor depositou em nos como sal da terra e luz do mundo.
Terminar falando da aleqria que a esperança em Cristo proporciona em vista do passar do tempo, da aproximação da nossa própria morte, da consumação do século.
III – Roteiro para uma prédica
Tema: O filho do home virá, ficai apercebidos
Partes : Introdução
I. O vindouro (Jesus que volta)
a) Na mensagem da Bíblia
b) No tempo que vivemos (passado e presente)
II – A espera vigilante
a) As ilustrações do trecho
b) Vale a pena esperar: O que Cristo oferece
c) É necessário vigiar: Há perigos
d) É tempo de servir: Cumprir a missão confiada
III – A alegre esperança
a) Os meus dias estão na mão do Senhor
b) Ele me destinou para a vida
c) Posso estar com ele para sempre.
V – Bibliografia
– RENGSTORF, Karl Heinrich. Das Evangelium nach Lukas. In: Das Neue Testame n t Deutsch. Vol. 3, Vandenhoeck & Ruprecht, Gottingen,1949, 43 edição.
– GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Lukas. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testamen t. Vol. 3, Evangelische Verlagsanstalt, Berlin, 1964, 3a edição.
– SCHLATTER, Adolf. Das Evangelium des Lukas, aus seinen Quellen erklärt. Calwer Verlag, Stuttgart, 1960, 2a edição.
– HOFFMANN, Georg. Meditação sobre Lucas 12,35-40. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 7, Calwer Verlag, Stuttgart, 1968.
– BREZGER, Rudolf. Meditação sobre Lucas 12,35-40. In: Gepredigt den Völkern. Vol. 1. Christian Jensen Verlag, Breklum, 1960.