Prédica: Isaías 2.1-5
Leituras: Mateus 24.37-44 e Romanos 13.11-14
Autor: Norberto Garin
Data Litúrgica: 1º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 28 de novembro de 2004
Proclamar Libertação – Volume: XXX
Tema: Advento
1. Considerações preliminares
No ano passado, cheguei bem cedo ao templo e comecei a saudar as pessoas com a expressão: “Bom ano novo!”. Elas me olharam e começaram a perguntar: “Mas, pastor, estamos recém em 30 de novembro!”. Tive a oportunidade de explicar individualmente que para nós, cristãos e cristãs, o ano inicia com o primeiro domingo do Advento.
O ciclo foi fechado com o último domingo do ano cristão. Agora um novo começo reinicia o ciclo de mensagens e reflexões. Como a criação, somos a terra fértil, grávida da semente do novo tempo. É um período de espera/preparação. O menino-Deus será celebrado dentro de poucos dias. Ele rompe com as antigas concepções azedas do passado e introduz o “Tempo da Graça”. A igreja precisa ser preparada para isso. Mãos à obra!
O texto previsto para a prédica do primeiro domingo do Advento encontra-se no profeta Isaías. Sua mensagem é um anúncio e uma denúncia para os tempos modernos. Aquilo que sempre foi exaltado como instrumento de poder (e de morte) necessita ser convertido em instrumento de produção e saciedade. Quem possuir o PL VI poderá examinar as contribuições de Nelson Kirst, que apresenta uma importante contribuição (8º Domingo após a Trindade) para a compreensão do texto. Também no PL 18, Hans Alfred Trein ajuda a aprofundar a compreensão desse mesmo texto.
2. Isaías
Isaías foi um profeta que provavelmente sempre viveu em Jerusalém. Pertencia a uma classe privilegiada e dialogava com o pessoal da corte de igual para igual (Amsler, 1992, p. 96). Supõe-se que era sobrinho do rei Amazias (2 Rs 14.1-22). Era um profeta de fé, que não cessava de estimular seus compatriotas nesse sentido. Acreditava que, mesmo no meio das dificuldades, todos deveriam confiar em Deus (Amsler, 1992, p. 106).
Seu ministério profético desenvolveu-se entre 740 e 701 a.C. O livro em si pode ser dividido em três partes: 1-39; 40-55 e 56-65. Entretanto, redações diversas determinaram diferentes camadas, de tal sorte que os temas se sobrepõem em alguns momentos.
3. Considerações sobre o texto
É possível deduzir, a partir de sua teologia, que esse texto é um acréscimo posterior. Ele se refere a um momento da vida de Israel vivido pelo segundo e terceiro Isaías – o tempo de retorno do exílio (Gottwald, 1988, p. 360). Entretanto, é impossível localizar com exatidão a cronologia desse texto, considerando a atuação de Isaías. Contudo, ele projeta a esperança sobre todas as catástrofes sofridas pelo povo. Lá adiante está a luz para a qual todos/as estão sendo chamados/as.
O v. 1 constitui um título para o oráculo que vem a seguir (2-4).
Os v. 2-4 constituem um texto que aparece, com algumas variantes, em outros momentos. Com poucas diferenças o encontramos em Ez 4.1-4 e também em Is 60.1-7. O perfil teológico e de linguagem aponta para o final do exílio. Representa ser uma mensagem de esperança, dirigida à comunidade do “retorno”. Há quem acredite que esse texto é parte da “propaganda” judaica exílica e pós-exílica (Croato, 1989, p. 40).
A origem desse texto é discutível, mas os indícios mais confiáveis apontam para Isaías (Bíblia de Jerusalém, 1985, p. 1361). Mesmo que pairem dúvidas sobre quem seriam “as nações” e os “muitos povos” que virão a Jerusalém (Croato, 1989, p. 40), parece tratar-se dos israelitas espalhados pelo mundo conhecido. Nesse grupo incluem-se também os repatriados que vêm da Babilônia. Tem-se uma visão mais clara desse movimento com o apelo para resgatar “aquilo que restar na Assíria e no Egito, em Patros, em Cuch e no Elam, em Senaar, em Emat, nas ilhas do mar” (Is 11.10-11).
O v. 2 destaca a “casa de Javé” sobre o mais alto monte. É a expressão de visibilidade de Jerusalém como cidade canalizadora dos judeus espalhados pelo mundo. Jerusalém resplandecerá de tal sorte que todas as nações correrão em sua direção. O projeto centralizador da monarquia é enaltecido como possibilidade de salvação. A maneira como o versículo inicia denota o fim de um tempo, que aponta para uma nova era: a nova era de Javé.
É importante lembrar como o monte, no contexto bíblico, é considerado o local do poder. Aparece como lugar da revelação de Javé. No período pós-exílico, os samaritanos chegaram a construir um templo no monte Gerizim (Dt 11.29; 27.12; Js 8.33; Jz 9.7; Jo 4.20).
No v. 3, o monte Sião é o novo Sinai, que emanará a luz e a instrução para os povos que vêm ao Deus de Jacó. Não se trata da velha Torá, mas de uma nova lei futura. É recomendável comparar com Jr 31.31-34; 32.37-38; Ez 34.25-26 e 37.20-21, que também se referem a uma nova aliança, não mais baseada nas leis escritas no Sinai, mas gravadas na mente e no coração; será uma aliança que não será mais necessário ser ensinada. Ela terá como base o perdão das iniqüidades.
É importante notar que Isaías se refere a termos sapienciais, tais como “caminhos”, “veredas”, marcando sua experiência e vocação.
O v. 4 salienta a figura de Javé como juiz. Não se trata da questão de julgamento em si, mas da capacidade de Javé governar, ser o cabeça da nação, não para condenar, mas para salvar. É a instauração de uma nova ordem de coisas, que resulta da transformação dos instrumentos de guerra e dominação em instrumentos de produção e trabalho. Preconiza o fim da guerra, que tanta tristeza trouxe ao povo. O desarmamento é geral e irrestrito. A força agora será empregada na construção de um mundo de paz.
Quem sabe, mais significativo do que o final do texto de Isaías é o de Miquéias, que salienta um novo tempo para o povo: “Cada qual se sentará debaixo de sua vinha e debaixo de sua figueira, e ninguém o inquietará” (Mq 4.4a).
No v. 5, Isaías prefere encerrar o texto, salientando a luz de Javé, que deverá guiar a casa de Jacó. É uma forma de fechar a perícope, que se abre com a proeminência do monte de Sião como casa de Javé. O tempo de paz é também resultado da luz de Javé sobre as nações.
4. Considerações para a prédica
Dentro da concepção de Israel da época do retorno e influenciado pela ideologia deuteronomística, Jerusalém é o “lugar” da habitação de Javé. Sem emitir juízo de valor sobre essa visão, é possível considerar a necessidade desse procedimento. Em contrapartida, hoje se vive num mundo de diferenças, tanto de denominações e religiões como de matizes religiosos dentro das próprias comunidades. É possível perceber distinções entre visões doutrinárias tanto dentro de uma comunidade particular, como diferenças acentuadas entre uma e outra comunidade numa mesma denominação. Por vezes, esses diferentes matizes doutrinários atingem níveis exagerados, de tal sorte que se torna necessário “chamar” a comunidade às raízes doutrinárias tradicionais. Do contrário, pode-se perder o fio que caracteriza a denominação. Quando se perde a identidade, já não se têm mais condições de cooperar com a “diversidade”, visto que a fluidez doutrinária acabou por “engolir” a contribuição de cada segmento denominacional/religioso.
A centralidade do culto, na perspectiva deuteronomista, é tanto geográfica como teológica. Javé é o único Deus que deve ser adorado em Jerusalém e pelos judeus de toda a terra. É possível observar-se hoje, mesmo entre os membros das comunidades, uma diversidade de “deuses”. Por um lado, as divindades estão dissimuladas nas superstições, que se imiscuem por intermédio de processos de inculturação. Por outro, estão os “novos deuses” da sociedade de mercado, impondo às pessoas e famílias pesados “tributos” e “oferendas”. Chamar a comunidade de volta ao Deus eterno, com seus valores e bênçãos, não constitui uma distorção nem ameaça o diálogo ecumênico ou inter-religioso. É tempo de recomeçar. Que seja um recomeço voltado para o Deus eterno, libertador, salvador, cujas promessas têm se cumprido na vida da comunidade e das pessoas em particular.
Por último, é chegado o Advento. O novo tempo já se anuncia, pelo menos na dimensão da celebração do nascimento de Cristo. Esse novo tempo tem que ser marcado por mudanças na forma de ser e de agir das comunidades e das pessoas. Num tempo em que ainda se utilizam as prerrogativas da guerra para firmar hegemonias, é necessário anunciar um “novo tempo” diferente, em que a tecnologia da guerra tem que ser “convertida” para a tecnologia da paz. Os instrumentos da destruição precisam ser derretidos e transformados em instrumentos de trabalho. É necessário que dessas máquinas de horror nasçam oportunidades de emprego, de produção de alimentos, de condições para a paz. Mesmo que a comunidade e as pessoas não tenham condições imediatas de “derreter” os instrumentos de guerra, devem começar a orar para que isso aconteça. Quem sabe não nasce dessa atitude um movimento pela mudança de atitudes a partir de indivíduos e grupos? A luz de Deus, a nova luz refletida em Jesus Cristo, necessita iluminar os novos caminhos de agora.
5. Considerações litúrgicas
Antes de oferecer algumas alternativas para o desenvolvimento do culto, quem possui o PL 29 pode dar uma olhada na contribuição de Roberto E. Zwetsch, que apresenta um testemunho sobre o Advento, celebrado em dezembro de 2002, no encerramento do ano acadêmico da EST. É muito interessante e poderia ser utilizado em diferentes comunidades.
a)Litania de Acolhida
D: Nós te saudamos, Senhor.
T: E nos alegramos em te ver.
D: Apertamos tua mão na mão da irmã e do irmão.
T: E sentimos a tua acolhida no olhar daquele que nos recebe.
D: Te agradecemos pelo teu convite.
T: Hoje e toda as vezes que já fomos acolhidos.
D: Desde a primeira vez, quando nos enviaste a mensagem por teu próprio Filho.
T: A quem tanto mal fizemos por não crer nele.
D: Deixa-nos pedir perdão de novo por essas coisas…
T: E escutar o que nos dizes: já passou!
D: Sentir que renovas em nós a vida.
T: E nos confirmas tua amizade.
D: Graças pelo espaço que nos ofereces.
T: Porque gostamos de sentar e conversar contigo.
D: Falar diante de ti, como irmãs e irmãos, das coisas que te interessam.
T: Especialmente do mundo que criaste e de nós que nele vivemos.
D: Fala-nos, Senhor, da voz da irmã e do irmão.
T: Fala-nos suavemente. Nós queremos te escutar. Amém!
(Caderno de Auxílio Litúrgico, IMS/UNIMEP/Imprensa Metodista, São Bernardo do Campo, 1988, p. 9)
b) Chamado à Adoração
D: O nosso Deus caminha conosco e Ele está no meio de nós.
T: Bendito seja nosso Deus!
D: Desde os tempos mais antigos e até agora Ele tem guiado os nossos passos e nos trouxe a este santo lugar.
T: Bendito seja nosso Deus!
D: Reunimo-nos como seu povo para celebrar a esperança e a partilha.
T: Em Deus não estamos sós!
c)Oração
“Deus, Todo-poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo. Nós te glorificamos e te rendemos graças porque, neste mundo de morte, nos deste teu reino pelo qual a tua palavra é anunciada a teu povo reunido. Dá à tua igreja, pelo socorro de tua graça, a coragem de professar sua fé, sem temor, e de dar um testemunho de reconhecimento de teu amor sem limites. Conserva-nos no bom caminho, para que, no meio de tantas hostilidades, não caiamos no desespero, nem na exaltação. Por Jesus Cristo, nosso único Salvador. Amém.” (Caderno de Auxílios Litúrgicos – XV Concílio Geral da Igreja Metodista, Juiz de Fora, 5 – 13 de julho de 1991, p. 16)
d) Oração de Confissão
Senhor Deus, nós confessamos que temos pecado contra ti; muitas vezes temos negligenciado o ministério que nos deste. Não temos sido, na verdade, um só corpo em Cristo, cumprindo com fidelidade a função que nos foi dada, colocando a serviço do teu povo os dons que nos concedeste. Nem sempre temos exercido, com integridade, o ministério de embaixadores no mundo por meio da palavra da reconciliação. Não temos atendido, de todo o coração e mente, as palavras daqueles que visam a nossa edificação, a nossa unidade e o conhecimento de Cristo. Reconhecemos que temos pecado e, sinceramente, nos arrependemos. Perdoa-nos e concede-nos a luz do teu Espírito, para que acolhamos a tua palavra por meio dos teus servos e servas. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.
Bibliografia
AMSLER, S.; ASURMENDI, J.; AUNEAU, J.; MARTIN-ACHARD, R. Os profetas e os livros proféticos. São Paulo: Paulinas, 1992.
CROATO, Severino. Isaías – a palavra profética e sua releitura hermenêutica – vol. I: 1-39 – O profeta da justiça e da fidelidade. Petrópolis, São Paulo e São Leopoldo: Vozes, Imprensa Metodista e Editora Sinodal, 1989.
GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas, 1988.
Proclamar Libertação 30
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia