Prédica: João 20.19-23
Leituras: Joel 2.28-29 e Atos 2.1-21
Autor: Ari Knebelkamp
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes
Data da Pregação: 15/05/2005
Proclamar Libertação – Volume: XXX
1.Introdução
Pentecoste lembra o aniversário da Igreja de Jesus Cristo. E dia de aniversário é dia de festa. Por isso o culto de Pentecoste há de ser moldado de maneira alegre, coletiva, participativa, com celebração eucarística. O seu conteúdo destacará: a) a alegria de estar reunido em nome de Jesus, celebrando a presença do Espírito Santo; b) que a comunidade é criada e mantida pelo agir do Espírito Santo e que comunidade é lugar de gente perdoada e reconciliada; c) a fé no Espírito Santo que sustenta e encoraja a Igreja de Jesus Cristo a dar um testemunho firme e inabalável do evangelho numa realidade de conflitos, dominada pela violência e pela ausência de paz; d) a fé no Espírito Santo que não convive com o individualismo nem com o consumismo da fé e também não com a busca frenética de felicidade imediata, que não tem olhos para a dor e o sofrimento.
2. Os textos
Joel 2.28-29: Pedro cita este texto em seu discurso em Jerusalém. Nele há a promessa do derramamento de um Espírito universal, global, com olhos para o concreto. Este Espírito desce até os mais fracos.
Atos 2.1-21: O livro de Atos dos Apóstolos mostra a ação poderosa do Espírito na comunidade primitiva. Mostra como o Espírito Santo quebra as divisões entre as pessoas, causadas pelo racismo, sexismo e nacionalismo. E, ao quebrar divisões, o Espírito também gera conflitos. Onde o evangelho é anunciado com fidelidade, o conflito necessariamente aparece. E é nele que as pessoas crescem, fortalecem a fé e o amor.
A Igreja de Jesus Cristo toma forma no dia de Pentecoste. Estavam presentes representantes de muitos povos, falando muitas línguas. Eles não foram excluídos como destinatários do discurso de Pedro e da ação do Espírito Santo. Muito pelo contrário, foram chamados a ouvir a mensagem, cada um na sua própria língua, para que cada um se sentisse em casa com a boa-nova. Nesse dia memorável, o Espírito Santo comunicou à igreja que todos são bem-vindos e que ninguém precisa deixar seu povo, sua língua, sua cultura para ser aceito no povo de Jesus.
João 20.19-23:
v. 19: “Paz seja convosco!”
Por intermédio de Maria Madalena os discípulos sabem que Jesus ressuscitou. Em João, Páscoa e Pentecoste ocorrem quase simultaneamente; eles se fundem no mesmo evento: o ressurreto se apresenta aos seus e ao mesmo tempo envia-os concedendo-lhes o poder do Espírito Santo.
À tardinha da Páscoa, os discípulos estão reunidos numa casa cujas portas estão trancadas. Tudo está muito confuso em suas mentes. Estão angustiados e com medo. Também não podia ser diferente. O contexto em que vivem é de ameaça, de hostilidade e de perseguição a quem aderira ao movimento desencadeado por Jesus de Nazaré.
Nesse clima de medo e angústia, Jesus coloca-se no meio deles e oferece paz, não uma paz qualquer, mas uma paz que elimina o medo, que faz surgir novas esperanças, que abre novas perspectivas e novos horizontes. O reencontro entre Jesus e seus discípulos se dá com o voto da paz.
v. 20: “Alegraram-se ao verem o Senhor”.
Jesus mostra as mãos e o lado. Ele carrega em seu corpo os sinais da violência do mundo. Ao verem as mãos, os discípulos estão certos: É, sim, Jesus de Nazaré, com quem viveram o sonho do estabelecimento de um reino de alegria, bondade, justiça e paz. O primeiro fruto da presença de Jesus e do anúncio da paz é a alegria. Os discípulos alegram-se muito ao ver Jesus.
O Jesus que está com os discípulos e está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso, que não tem mais nada em comum com a vida da gente. O Jesus que está conosco quando estamos reunidos é o Jesus com os sinais da paixão nas mãos e no lado e cujas marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo.
v. 21: “Como o Pai me enviou, eu envio vocês!”
Jesus é o enviado de Deus: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos” (Lc 4.18). Conforme o NT, Jesus não é só o portador do Espírito Santo, mas também aquele que o envia (Lc 24.49; Jo 20.22; At 1.8). E é com esse mandato bem concreto que Jesus também envia os discípulos. E Jesus os envia na paz de Deus. Construir a paz faz parte da missão de Deus, do envio de Jesus Cristo.
v. 22: “Recebei o Espírito Santo!”
O sopro de Jesus remete-nos àquilo que Deus fez quando criou o ser humano (Gn 2.7). É o sopro de criação, sopro de vida, que agora é ratificado por meio da obra de Cristo com os discípulos. “Recebei o Espírito Santo!” Que belo presente! A igreja é comunhão de pessoas, que na força do Espírito Santo crêem em Jesus Cristo. O Espírito Santo é a força que concede alento e vida a essa comunhão. É só mesmo com a ajuda do Espírito de Jesus que seremos capazes de realizar a missão que ele nos dá. E o Espírito Santo é dado preferencialmente não a indivíduos isolados, mas sim a uma comunidade.
O mundo está repleto de obras que não procedem do Espírito Santo. Em Gl 5.19, Paulo menciona várias dessas obras. Hoje, acrescentaríamos os graves problemas de injustiça social no mundo, que tornam impossível uma convivência fraterna e pacífica. A fome de milhões, em contraste com a superabundância de outros. A maneira sofisticada como as nações ricas se servem das mais fracas e as exploram. Nem são obras do Espírito Santo os seqüestros, assaltos, tráfico de drogas, a violência no trânsito. Só para citar alguns exemplos. A igreja tem, pois,
a responsabilidade histórica de trabalhar pela libertação integral do ser humano, realizando ações com a força do Espírito: com o Espírito de Gênesis, que não convive com o caos; com o Espírito da ressurreição, que não convive com a morte. Os que estão cheios desse Espírito são os que andam pelo caminho da libertação. Para transitar por esse caminho da libertação, é preciso caminhar para Damasco: caminho de arrependimento e conversão; caminhar de Jerusalém para Jericó: caminho da solidariedade ativa; caminhar para Emaús: caminho do Ressuscitado (Pentecostais: Libertação e Ecumenismo, p. 16).
v. 23: “Aqueles a quem vocês perdoarem os pecados serão perdoados e aqueles a quem retiverdes serão retidos!”
Tendo todo o poder no céu e na terra, Jesus Cristo comunica aos discípulos o poder de perdoar ou de reter os pecados. Os discípulos podem perdoar pecados, mas devem também reter o perdão quando não há arrependimento sincero e quando a paz e a justiça não se beijarem (Sl 85.10). O ponto central da missão de paz está na reconciliação verdadeira, na tentativa de superar as barreiras que nos separam. Este poder de reconciliar é dado à comunidade de Jesus Cristo.
3. Paz seja convosco
“A paz seja convosco!” Esta saudação é muito comum entre os judeus e na Bíblia. Ela aparece quando surge um mensageiro da parte de Deus. O primeiro encontro entre o Jesus ressuscitado e seus discípulos é marcada por essa saudação feita por Jesus. Quando Jesus saúda seus seguidores com as palavras “a paz seja convosco”, ele quer fazer com que as pessoas sintam um bem-estar interior, mas também que possam usufruir do amparo de Deus e dos bens necessários para uma vida digna.
Por duas vezes, Jesus deseja a paz a seus amigos. Em seguida, Jesus os envia em missão, soprando sobre eles o Espírito Santo. Quando Jesus sopra sobre aqueles a quem ele deseja paz, ele está demonstrando que a paz só é possível com a presença do Espírito de Deus entre nós. Precisamos, em primeiro lugar, do Espírito de Deus, do sopro da vida, para poder acreditar na paz e para resistir a toda e qualquer atitude que leva à violência, à discriminação e à indiferença para com o nosso próximo e para com toda a criação de Deus.
Espírito Santo, missão e paz são inseparáveis. Afinal, construir a paz é a missão dos discípulos e das discípulas de Jesus (Mt 10.13; Lc 10.5). O reino de Deus, pregado e realizado por Jesus e continuado pelas comunidades animadas pelo Espírito, manifesta-se na paz (Lc 1.79; 2.14).
4. Pistas para a prédica
4.1 – Plenitude pela ação do Espírito Santo
Tudo o que possuímos neste mundo é dom gratuito do Criador. Ninguém produziu nem mereceu o ar que respiramos, a água que bebemos, o sol que nos ilumina e aquece. Todo o mundo que nos cerca é obra de Deus. Nenhum ser humano deu alguma contribuição para criá-lo e colocá-lo onde está. Pelo trabalho humano, entretanto, acontece a segunda criação, que faz os benefícios da criação chegarem até nós.
Coisa semelhante ocorre com os dons do Espírito. São dons graciosamente concedidos a todos. Para que se tornem existenciais e úteis à vida de cada um, devem ser acolhidos e zelosamente cultivados. Só com o cumprimento dessa missão, a natureza humana chega à sua plenitude. Pela fidelidade aos desígnios divinos, a criatura humana chega à sua própria e plena realização. “O Espírito do Senhor está sobre mim” – reconheceu Jesus. Nossa vida, como a de Jesus, alcança sua plenitude pela ação do Espírito Santo.
4.2 – Espírito Santo – a mão em meu ombro
O Espírito Santo é a mão no meu ombro, que me dá forças, que me aquece, que às vezes é um pouco pesada e outras vezes nem bem a sinto, mas assim mesmo ela está ali, em meu ombro.
4.3 – Abraço entre paz e justiça
Um dos frutos do Espírito é a paz. Paz significa integridade da pessoa diante de Deus e dos outros. Significa também uma vida plena, feliz, abundante. É preciso confiar, lutar, trabalhar, perseverar no Espírito para que um dia a paz de Deus triunfe. Nesse dia, “amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85.11). Então, como ensina Paulo, o “reino será justiça, paz e alegria como fruto do Espírito Santo” (Rm 14.17).
4.4 – Educação para a paz
Paulo Freire afirmava, pouco antes de morrer, que os jovens que mataram o índio Gaudino aprenderam a matar índios ainda em sua infância, diante dos videogames ou arrancando pescoços de passarinhos. Com que valores e métodos educamos para a paz em nossas famílias e em nossas escolas, em nossas comunidades?
Paz é sinal da presença de Deus, porque o nosso Deus é um “Deus da paz” (Jz 6.24; Rm 15.33). Mas o que fazer com o “Senhor dos Exércitos”? Se queremos continuar buscando forças na Bíblia, inclusive para construir a verdadeira paz, nela encontraremos muitos textos que pregam a paz: “Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos da paz!” (Mt 5.9). Mas também vamos encontrar textos que incentivam a violência e a vingança. Não podemos deixar de lê-los; a Bíblia, no seu conjunto, continua sendo palavra de Deus. Mas precisamos compreender as riquezas e as limitações culturais de cada povo, inclusive do povo que nos legou a Bíblia. Se a nossa percepção de Deus avança para a visão de um Deus que, como um pai e uma mãe, cuida com carinho de cada um e de cada uma de seus filhos e filhas, não nos será mais agradável imaginá-lo como chefe militar. Não somos soldados, somos filhos e filhas, irmãos e irmãs, em busca da paz verdadeira.
4.5 – Uma comunidade cristã sem perdão nem reconciliação não é comunidade cristã. Comunidade é lugar de festa e de perdão, de gente reconciliada.
5. Possibilidades litúrgicas
5.1 – Principalmente no culto de Pentecoste há de se evitar uma comunicação unilateral. Estabelecer uma interação entre a comunidade e o pastor ou a pastora, isto também no tocante à prédica. A dramatização de gestos de paz, de tolerância, de construção de relações ajudaria a tornar a celebração mais plástica.
5.2 – Símbolos para Pentecoste e para a paz há muitos: vento, fogo, pomba etc. Fazer uso dos mesmos. Para João, Páscoa e Pentecoste ocorrem no mesmo dia. Panos brancos sinalizando o túmulo vazio (somente panos brancos havia na sepultura) e vermelhos sinalizando o fogo – Espírito Santo – e o envio poderiam ser usados.
5.3 – O gesto da paz e o envio merecem atenção especial nesse culto.
5.4 – Sugestões de hinos: HPD 2 – nºs 337, 321, 437.
5.5 – Partilhar um bolo de aniversário com café após o culto.
Bibliografia
CEBI. Série: A Palavra na Vida. O Espírito de Jesus rompe as barreiras, nº 158/159. São Leopoldo: Gráfica e Editora Contexto, 2001.
COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos. Coleção Comentário Bíblico. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 2001.
BAEREND, Hartmut. Der Heilige Geist und seine Fruechte. Neukirchen: Aussaat Verlag, 2002.
CASCO, Miguel; CABEZAS, Roger; MANRIQUEZ, Samuel Palma. Pentecostais, Libertação e Ecumenismo. Co-ed. CECA E CEBI, São Leopoldo: Gráfica e Editora Contexto, 1996.