Prédica: 2 Coríntios 4.13-18
Leituras: Gênesis 3.9-15 e Marcos 3.20-35
Autor: Teobaldo Witter
Data Litúrgica: 3º.Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 25/06/2006
Proclamar Libertação – Volume: XXXI
1. Introdução
O texto para a pregação neste 3º Domingo após Pentecostes é 2 Co 4.13-18. Os outros dois são textos de leitura, que fazem parte da liturgia do culto. A sua leitura é necessária, pois o presente auxílio contempla-os de forma implícita e explícita.
Junho é um mês significativo. Comemoram-se o dia dos namorados, o dia do pastor, São João, o dia mais curto do ano, o inverno, com prováveis geadas no Sul e seca no Norte, com início da chuva nas regiões do país ao norte da linha do Equador. As demais regiões seriam intermediárias entre um e outro clima. Nessa época do ano, nas regiões litorâneas do Nordeste brasileiro, as festas de São João são bem coloridas e fazem parte do calendário turístico. Em todo esse país da diversidade e dos contrastes, comemoram-se as festas juninas nessa época.
Pentecostes é uma das datas importantíssimas no calendário cristão. Somos lembrados de maneira especial da ação renovadora e consoladora do Espírito Santo. Nesse terceiro domingo após Pentecostes, estamos ainda bem próximos do próprio Dia de Pentecostes. É claro que o Espírito Santo age e atua em qualquer tempo ou época, quando Deus quer. Queremos, no entanto, lembrar de Pentecostes, pois Paulo entendeu que o Espírito Santo sustentou seu apostolado fundamentado na cruz de Jesus Cristo e mantido pela graça e fidelidade de Deus.
Neste ano, cruzam-se as festas populares como as festas juninas e a festa cristã de Pentecostes. As comemorações civil e religiosa cristã encontram-se na vida do povo. Na vida do povo, a palavra do Senhor quer encarnar-se, isto é, seu amor e as obras da graça ganham contornos palpáveis.
2. Contexto
A cidade de Corinto era muito movimentada, com pessoas disputando espaços, criando possibilidades, excluindo, incluindo gente e modelando um jeito de vida. Havia um intenso comércio, as mais variadas profissões, categorias sociais, expressões sociais, culturais e religiosas. Para que alguém participasse de alguma religião, tinha que ter um bom motivo. As possibilidades eram amplas e diversificadas. Não havia muita segurança para ser pastor ou pastora, evangelista, catequista ou missionário.
Paulo diferenciou-se do modelo convencional. Ele não entrou em Corinto através da sinagoga, nem da praça pública, mas pelo caminho dos trabalhadores. Concordamos com Comblin:
É importante que Paulo tenha entrado na cidade pela rua dos trabalhadores, não pela sinagoga, nem pela praça pública em que se exibiam os oradores e vendedores de doutrinas. Paulo queria, desse modo, criar um modelo de apóstolo e evangelizador, modelo que ia diferenciá-lo de outros apóstolos e dar origem a terríveis controvérsias (Comblin, 1991, p. 12).
Nas discussões, a controvérsia acentua-se em quase toda a segunda carta de Paulo aos Coríntios. Em especial, em 2 Co 2.14-4 e 10.1-13.10 (isso é quase toda a carta), Paulo denuncia que a comunidade está sendo atacada por opositores que lhe fazem concorrência, contestam a sua autoridade apostólica e haviam conseguido levar fiéis a terem dúvidas sobre a graça e fidelidade de Deus, que lhes havia presenteado com a fé e confiança em Jesus Cristo. Paulo compara esses opositores a maus filósofos, personalistas, gloriam-se a si mesmos (5.12). Retomam a tradição da lei de Moisés e do Deus oculto pelo véu (3.4-18). Dominada por essa pressão dos opositores de Paulo, “a Igreja terminava por ser um rebanho dominado por chefes autoritários e tirânicos, pois, apresentavam-se como agentes sobre-humanamente transfigurados…” (Barbaglio, 1980, p. 391).
Nesse contexto, Paulo trata a questão com sobriedade, vigor apostólico e humildade. Sua pregação não se fundamenta na teologia da glória, mas da cruz. Ele está identificado dia e noite, na saúde e na doença, no sol e na chuva, no verão e no inverno da vida com a teologia da cruz. Desse caminho ele não desiste. Diz que o evangelho é o tesouro trazido também por ele, que se compara a um “vaso de barro” (4.7), sendo o sofrimento de Cristo, e não a sua vanglória, a marca de seu ministério (4.8-11). Para Paulo, diálogo e reconciliação sempre estão fundamentados na fidelidade de Deus (1.18a ) e no sacrifício reconciliador (5.18-19) da obra de vida e salvação, definitivamente realizada por Jesus Cristo, sendo que ele se entende como um encarregado por Deus para a prática do ministério da reconciliação.
3.Texto anterior
No texto anterior ao indicado para pregação, isto é, 4.7-12, Paulo escreve a respeito do sofrimento vivido por ele e seus companheiros missionários. Menciona que o tesouro está em vasos de barro para que não fique dúvida nenhum de que o poder é de Deus que salva por graça e fé. Está livre, a partir daí, para falar da realidade vivida no apostolado: atribulação, perplexidade, perseguição, levando no corpo a morte de Jesus. Humanamente falando, ele tinha motivo para desistir. Mas, por outro lado, está o compromisso libertador da vida de fé: não está angustiado, não está desanimado, não se percebe desamparado, não se sente destruído, sendo que a vida de Jesus se manifesta em seu corpo mortal. A ação de Deus faz com que a vida se manifeste na comunidade. Ensina que Deus deu o Espírito Santo como penhor (5.5b); por isso tem vigor para o exercício do apostolado.
4.Texto da prédica
Em relação ao texto propriamente dito, vejamos:
v. 13: A tensão é real e concreta: cruz ou glória? O apóstolo tem a fé que Deus dá. Ele procura viver e falar do que crê.
v. 14: Nem mesmo a morte tem poder para fazer desistir, pois na fé e na graça há vida agora e haverá vida depois. O poder de Deus tornou-se forte na morte. Ele ressuscitou o Senhor Jesus. Nele confiamos, pois nos ressuscitará com o Senhor.
v. 15: Por amor se multiplicam as obras da graça de Deus e para a glória de Deus. Quem se percebe atingido pelo amor não pergunta por obras da lei. Mas entra numa dimensão de vida diferente daquela em que se espera retribuição ou se desiste ou se desanima se não houver, pelo menos, um bom elogio da comunidade. Sua vida de fé concretiza-se na participação amorosa na construção de novas relações e de sentido de vida, que está sendo construída por Jesus Cristo morto e ressuscitado, na liberdade e no amor. v. 16: A fé e o amor não são “fogo de palha”. Vêm de Deus e vão para Deus. Por isso não desanimamos. Mas vivemos a vida na terra, com limites que são colocados pela vida daqui, pela sociedade, por nós mesmos, por nossa condição humana, pelo tempo. Mas nada se perde, pois nosso ser mortal
é absorvido pela nova vida.
v. 17: É um paradoxo: sofrimento e esperança, morte e vida, cruz e ressurreição. Há uma relação profunda “entre o ressuscitado (v. 14), as ações de graças (v. 15) e as tribulações (v. 17)” (Martini, 1993, p. 175).
v. 18: A vida é mais do que aquilo que se vê. A comunidade é mais do que seus membros. Eles facilmente podem ser enganados por bajuladores, conforme a comunidade de Corinto. Na pregação de um frágil apóstolo Paulo, por trás de um vaso de barro ou “um saco de vermes” (Lutero) está muito mais do que aquilo que apenas os membros querem ouvir. Estão o evangelho da paz, a palavra do Senhor, que é “vida e eficaz,… e apta para discernir os pensamentos e os propósitos do coração” (Hb 4.12). Paulo é perseverante no ensino e na consolação a partir do Cristo da cruz, que foi ressuscitado por Deus.
5. Gênesis 3.9-15
Penso que Gn 3.9-15 é bem atual. Menciona que lá, antigamente, em algum tempo e lugar, o ser humano desistiu de ouvir Deus e o desobedeceu. Não quis mais aquele caminho. Queria seguir seu próprio nariz, sua própria cabeça. Deu-se mal. “Onde tu estás, homem?”, pergunta Deus. “Eu tive medo e me escondi”, responde o homem. “A causa do problema é a mulher que tu criaste para mim”, adianta-se o infeliz humano. Ninguém assume a responsabilidade. Um joga a culpa no outro. E a realidade é maquiada. No entanto, apesar das dores, Deus retoma o diálogo (v. 15). As dores na comunidade de Corinto têm ligação com as dores de Gn 3. A mensagem da cruz de Corinto está em sintonia com o sofrimento e a esperança de Gn 3.15ss e Rm 16.20.
Uma comunidade do sul do Pará discutia o preenchimento da vaga pastoral. A situação estava difícil, pois não havia obreiro ou obreira disponível para aquela região. Em meio à reunião, uma mulher se manifesta: “Aqui a gente sempre faz oferta para a formação de pastores na igreja. Onde estão esses pastores?”. Ou, em outras palavras, obreiros e obreiras, onde estais? Somos obreiros porque a igreja nos dá segurança ou somos obreiros porque amamos e nos percebemos carregados e encarregados pelo Senhor crucificado e ressuscitado, que sustenta o ministério com seu Espírito Santo?
6. Marcos 3.20-35
Mc 3.20-35 traz vários pontos importantes. Gostaria, no entanto, de fazer duas referências. Jesus perdoa pecados e cura pessoas. Os escribas estão com inveja e, por se sentir responsáveis pelo bom comportamento legalista do povo, decidem espalhar boatos a respeito de Jesus. Dizem que ele estaria possesso do maioral dos demônios. Jesus explica que isso nem é possível, pois o demônio não seria tão ingênuo para dividir-se contra si mesmo. Penso que a inveja e o orgulho estão presentes na comunidade de Corinto também. A segunda referência é em relação à família de Jesus. Ele diz que “qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (v. 35). Penso que aqui não se trata de ter Jesus apenas num canto do coração, mas sim de todo o coração, toda a vida estar “mergulhada” no evangelho de Jesus. Tudo o que se faz ou se deixa de fazer bem concretamente na vida cotidiana, como as prioridades, as possibilidades, as dificuldades, a alegria e a tristeza, tem a ver com a fé e a confiança em Deus. A nossa comunidade foi criada pelo Espírito do Senhor. Ela é família de Deus. Como consegui- mos viver as obras do amor, as ações de graças (2 Co 4.15) nessa e a partir dessa família de Jesus?
7. Pregação
Todo o texto acima é uma reflexão a partir das leituras bíblicas indicadas. Vários temas e pontos são abordados. A pregação, no entanto, precisa estar em sintonia com os anseios da comunidade. Por isso a pessoa que prepara a pregação precisa verificar quais pontos estão mais adequados à realidade da comunidade e então elaborar a mensagem. Numa pregação em uma comunidade de cidade de porte médio, fiz a referência que escrevo resumidamente.
1 – A comunidade é criação de Deus. É Deus quem cria e sustenta a sua comunidade. É ele quem nos convidou e preparou esse lugar por intermédio de mãos humanas, para falar conosco. Este lugar e este encontro que aqui estamos fazendo, neste momento, são diferentes do que qualquer outro. “O Senhor está neste lugar” (Gn 28.16) e nos pergunta: “Onde estás? (Gn 3.90). A ele queremos responder: “Estamos aqui, Senhor. Fala, porque queremos ouvir ”.
2 – A comunidade de Corinto estava com problemas (mencionar alguns). Esses problemas traziam muitas dores e sofrimentos. Paulo ensina que a comunidade precisa se dar conta de que está se deixando enganar por gente que prega somente glórias. Ela está sendo desviada do evangelho da cruz de Jesus Cristo. A comunidade está doente e precisa de tratamento.
3 – A cruz lembra-nos dos sofrimentos e das dores das pessoas. Vejamos sofrimentos e dores em nosso meio, aqui no lugar onde vivemos (mencionar alguns).
4 – As obras do amor e da graça são nosso compromisso de fé e confiança em Deus. Jesus vai realizando as obras de Deus e convida-nos para colaborar (mencionar situações onde colaborar).
5 – Como é bom viver em comunidade. Ela foi criada por Deus. Aqui a gente não precisa desanimar, pois Deus é fiel e realiza a sua promessa de vida e salvação. Podemos falar e tratar dos problemas. Não precisamos maquiar a realidade nem nos esconder de Deus ou dos irmãos e irmãs. Pedimos ao Senhor que ele nos inclua no seu mundo e seu governo de verdade, amor e liberdade.
8. Uma parábola do século XVI
No século XVI, as pinguelas eram muito valorizadas. Martim Lutero usou o exemplo da pinguela para explicar o comportamento cristão. Não havia grandes pontes como hoje. As pinguelas eram muito usadas na traves- sia dos rios. Eram estreitas. Davam passagem para uma só pessoa ou animal pequeno de cada vez. Não dava para encontrar-se no meio da pinguela. Alguns animais também usavam pinguelas para atravessar os rios. Observava- se que, quando duas cabras se encontravam sobre a pinguela, elas tinham um comportamento significativo. O que faziam? Ir para trás? Elas não conseguem ir para trás. Virar-se e voltar? Elas não podem se virar. Passar lado a lado? Não podem passar lado a lado, pois a pinguela é muito estreita. Lutar uma contra a outra? Se elas lutarem e derem cabeçadas uma na outra, ambas podem cair no rio e afogar. O que elas fazem então? O que a natureza lhes ensinou? Uma se abaixava, e a outra pulava por cima. Assim, as duas podiam seguir tranqüilamente seu caminho. Dizia-se então que assim deveria ser o comportamento de uma pessoa diante da outra. O orgulho e a arrogância trazem solidão e morte, mas a humildade edifica bons relacionamentos e amizades. Antes de arrogantemente se enfrentar, guerrear e se destruir, as pessoas deveriam dialogar, clarear as diferenças e seguir o fundamento da vida e vida de fé. No caso da 2ª Carta aos Coríntios, Paulo buscou o diálogo e nunca desistiu dele. Mas ele não concordou em derrubar a ponte, isto é, pregar outro Senhor que não seja o Senhor Jesus Cristo. Ele diz: “Não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor a Jesus” (2 Co 4.5). Então vamos dialogar a respeito dessa pinguela, entender como ela é, o que ela significa e como viver com dignidade a fé e confiança sob o senhorio dessa pinguela (Jesus Cristo).
Bibliografia
BARRAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1980.
COMBLIN, José. Segunda Epístola aos Coríntios. Série: Comentário bíblico NT. Petrópolis: Vozes, 1991.
MARTINI, R. R. Meditação sobre 2 Coríntios 4.13-18. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, 1993, vol. XIX, pp. 173-177.