Prédica: Mateus 13.24-30, 36-43
Leituras: Isaías 44.6-8; Romanos 8.12-25
Autor: Cristina Scherer
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 20/07/2008
Proclamar Libertação – Volume: XXXII
… Cremos no Espírito da Unidade,
na religião da solidariedade,
na ressurreição dos corpos oprimidos,
na comunhão universal de todos os povos,
no Eterno Reino da Paz e da Justiça,
na Vida Eterna. Amém.
Credo Ecumênico
1 Introdução
Estamos no tempo de Pentecostes. Tempo de lembrar a ação do Espírito Santo, que vivifica, transforma, mexe e ilumina. Esse Espírito divino acende em nós o fogo da luta pela justiça e sacode como o vento toda pretensão e orgulho humanos. Orgulho e prepotência que fazem pessoas e grupos se sentirem melhores do que outras, orgulho que fere, mata, menospreza e humilha.
Na igreja e na sociedade, sempre houve a tentação de julgamentos rápidos e impiedosos de uns sobre outros. Quantas vezes afirmamos que “julgar não compete a nós” e sempre caímos na armadilha perversa, na audaciosa tentação de agir como o dono da colheita: Deus, o Criador.
Mas o evangelho é palavra de libertação, é luz que clareia nossos pensamentos e atos e que nos convida a pensar e agir de forma distinta do mundo impiedoso. Assim, Jesus nos ensina com sua forma simples de falar por parábolas como o reino de Deus se concretiza pela justiça no tempo oportuno. Deus manifestará sua decisão de quem é joio e quem é trigo. Por enquanto, nossa missão é semear, pois o Senhor saberá quando colher e quem arrancar. Enquanto aguardamos a vinda completa do reino dos céus, jubilemos como o salmista: “Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e cheio
2 Aspectos exegéticos
A comunidade à qual se destina o Evangelho de Mateus provavelmente tinha raízes judeu-cristãs e vivia no norte da Galiléia e sul da Síria. O livro foi escrito por volta de 85-90 d.C., após a destruição de Jesrusalém (70 d.C.) pelos romanos. A “igreja” de Mateus vivia uma forte crise política, cultural e religiosa. A comunidade tinha uma certa organização e era composta por judeu-cristãos, judeus observantes da Lei, judeus helenísticos e não-judeus. O Evangelho de Mateus surge para que as pessoas que seguiram Jesus permanecessem firmes e não esmorecessem frente às pressões dos fariseus, um dos grupos que sobreviveu após a derrota de Jerusalém, juntamente com o grupo dos seguidores de Jesus. Diante disso tudo, afirma-se que Jesus é o Messias que vem instaurar a justiça e o reino, temas centrais do evangelho.
O capítulo 13 tematiza o reino de Deus, que revela seu mistério na história por meio de parábolas.
O primeiro anúncio é dirigido às multidões, proclamando de forma universal a vinda do reino de Deus (Mt 13.1-9). Aqui se comunica a certeza de que o reino de Deus vem. A próxima cena do capítulo acontece com os discípulos (10-17). A realidade do reino exige a compreensão da fé. Aos discípulos foi dado conhecer esse mistério. Em seguida, a alegoria do semeador (18-23) ensina como a missão da palavra semeada transforma a vida daqueles que a acolhem.
A parábola do joio e do trigo (24-30) é uma parábola exclusiva de Mateus e mostra que o “reino dos céus” acontece numa realidade pluralista e refere-se ao presente, ao já e à escatologia, ao ainda não, à colheita. Nesse reino há bons e maus, assim como a comunidade de Mateus se percebia em meio ao mundo. Um inimigo (exthros), conforme 13.25, semeou o joio1 no meio do trigo, enquanto o proprietário dormia. Os servos (douloi) foram avisá-lo. Em 13.28, fica claro que tipo de inimigo contaminou o trigo com a má semente; é um anthropos exthros, um inimigo ou adversário humano, contrapondo a idéia da ação do maligno e ressaltando a influência de atos humanos e concretos. Assim como no capítulo 18, Mateus aconselha prudência na questão do julgamento de pessoas na comunidade. Na “igreja” de Mateus, havia observadores da Lei, pessoas que não seguiam nenhum preceito e judeus que aderiram à fé cristã. Era comum haver intrigas e conflitos naquela situação de convivência de grupos diferentes. Antes de processos demorados e perda de tempo, Mateus convida para o perdão no grupo e, se possível, adiar a ânsia por julgar para o eschaton, o tempo final.
O capítulo 13 reúne sete parábolas do reino dos céus. Somente três são explicadas posteriormente: a do semeador, a do joio e do trigo e a da rede.
Como na parábola do semeador, são os discípulos que se dirigem a Jesus que está em “casa” (13.36), em Cafarnaum, e pedem que ele explique a parábola em 13.36-43.
Como na parábola do semeador, a explicação ocorre por meio de uma alegoria, na qual os filhos do reino (trigo) são contrapostos aos filhos do maligno (joio). Esses últimos são sementes do maligno, humanos que agem promovendo a iniqüidade. Assim “o Filho do Homem enviará seus anjos e eles apanharão do seu reino os escândalos e os que praticam iniqüidade” (anomia – 13.41). Anomia, também traduzida como pecado, expressa a ação ou o comportamento contrário ao ensinamento de Jesus. Assim fica evidente que pessoas iníquas ingressaram na comunidade de Mateus e influenciaram as boas sementes, porém ele incentiva a não julgar prontamente quem são essas pessoas hipócritas e iníquas (cf. 23.27-28). Convém esperar até a “consumação dos séculos” (syntéleia aônios), quando o bem será separado do mal.
Antes de explicar a parábola, há a inserção de outras duas parábolas de crescimento – o grão de mostarda e o fermento –, mostrando a presença sutil e surpreendente do reino dos céus.
Considerando que o tema central do Evangelho de Mateus é a “justiça”, pois esse termo aparece em oito versículos e o adjetivo “justo” aparece dezessete vezes, a parábola do joio e do trigo convida para ações mais justas no convívio entre as pessoas, confiando o tempo do eschaton às mãos de Deus, que é justo, paciente e compassivo (cf. Sl 85).
3 Meditação
O texto aponta para a realidade que se vive neste mundo criado por Deus. Já vivemos sinais do reino de Deus entre nós, mas ainda não por completo. O dono da plantação não chegou para iniciar a colheita. Por enquanto, trigo e joio (inço) crescem juntos. Mas há trabalhadores que se inquietam e se incomodam com a presença do inço, querem arrancá-lo prontamente e jogá-lo fora. Julgam que o mesmo não presta, é mato mau, contamina a planta boa.
A parábola do joio e do trigo aborda duas atitudes contrárias ao evangelho de Jesus Cristo. A primeira, conhecida de todos nós e de nossas comunidades, é a vontade de querer arrancar o joio, eliminar tudo o que é contrário, diferente, dentro e fora da igreja, pois alguns julgam ter razão e possuir a “verdade” do evangelho. Aí se evidenciam dominação, exclusão, fechamento e imposição de barreiras para outras pessoas.
A outra atitude é o desânimo. Já que não é possível arrancar o joio, eliminar erros e injustiças deste mundo, também é inútil semear o trigo, fazer o bem. Então é melhor deixar tudo como está, acomodando-se e deixando de espalhar a semente da boa-nova do evangelho de amor, perdão e justiça.
A realidade do reino de Deus que o texto aponta é que Jesus Cristo veio semear no mundo graça e verdade. A igreja também deve abraçar com seus discípulos e discípulas essa missão. Mas sabemos que também existe o inimigo, que nem tudo neste mundo é bom. Se tudo fosse bom, não haveria necessidade de salvação, graça e verdade, pois já estaríamos vivendo no reino de Deus.
A comunidade cristã tem a tendência a julgar prontamente. Esse texto quer lembrar-nos que não somos como Deus, mas somos seus filhos e filhas, pessoas fracas e falhas na fé. Portanto também nós tropeçamos, caímos, machucamo-nos e somos machucados.
Quando alguém cai, é fácil emitir julgamentos. Caiu porque não soube andar direito, foi muito rápido, não tinha calçado apropriado, caminhou no escuro […] Sempre quando julgamos, semeamos dor, divisão, afastamento de pessoas que passam por dificuldades, dores, crises. Convém que semeemos a semente boa, a da ajuda, do crescimento comunitário, da solidariedade, da verdade e da graça, tal como Jesus. Essa pergunta nos faz pensar: Quando você estiver passando por uma crise, o julgamento de outros irá te ajudar? Lembremos dos amigos de Jó, que o colocaram mais e mais no fundo do poço.
Comunidade cristã deve alegrar-se com a possibilidade de uma colheita na presença do dono da plantação, quando haverá alegria, júbilo, partilha. Somente ele poderá separar o bom fruto do mau.
Mas agora, diz Jesus, enquanto aqui estamos (cf. 13.30), “deixem que o joio e o trigo cresçam juntos, até o fim […] até a colheita”. Quando Deus de fato governar o mundo em seu reino, ele poderá emitir julgamentos. Ou seja, na comunidade, na vida, não há perfeição, não há somente justos. Deixem que as pessoas justas e pecadoras vivam juntas, acolham os que sofrem por suas dores (separação, envolvimento político, com drogas, agentes e vítimas de violência e tantas outras situações). Assim como na “igreja” de Mateus, lembremos que antes de ser rotulados por pertencer a esse ou àquele grupo, as pessoas são seres humanos, amados por Deus, o dono da plantação, que age com paciência, misericórdia, amor.
Enquanto o dono da colheita não vem, nossa preocupação é espalhar a semente boa, não o inço, que se expressa na maldade, egoísmo, julgamento fácil, individualismo, falta de amor e misericórdia, discórdia, divisão, hipocrisia, desavença. Frente ao inço não cabe o ditado “olho por olho, dente por dente”, pois a ação da vingança faz o trigo se igualar ao joio. Temos a tarefa de denunciar o joio e reforçar o trigo, confiando que, no momento oportuno, serão separados.
A colheita acontecerá sim, mas não sabemos quando. A realidade do juízo é real. Cabe a nós vigiar, orar e trabalhar para que a semente boa seja mais abundante, confiar que o inço poderá ser transformado pelo dono da plantação em boa semente. Essa é nossa esperança.
A parábola mostra, de um lado, a misericórdia de um Deus paciente, que deixa viver lado a lado nessa vida os bons e os maus, pois ele aposta todas as fichas que pessoas iníquas mudarão de conduta. De outro lado, por conta de nossa impaciência, vemo-nos como os empregados que tinham o desejo de arrancar o joio: ficar livres de certas pessoas maldosas, tirá-las de nosso convívio, proibir sua entrada ou participação em nosso grupo parece ser sempre a solução mais fácil. Pois, assim como o trigo bom, não queremos misturar-nos com o joio.
Mas, ontem como hoje, o reino de Deus vai trabalhando devagar e com muita paciência, sem alarde, como o grão de mostrada e o fermento.
Essa visão nova do mundo e das pessoas, que faz brotar a esperança, somente é possível porque “o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza, intercedendo a Deus a nosso favor, penetrando o mais íntimo dos corações” – conforme a Carta aos Romanos.
Somente Deus sabe quem é joio e quem é trigo. Nesse Deus que acompanha seu povo em todos os tempos, “que é o primeiro, o último, e além dele não há outro” (cf. Is 44.6), confiamos pacientemente que destruirá todo mal que está dentro das pessoas. Eis a nossa esperança!
4 Imagens para prédica
A velhinha e as sementes
Um homem morava numa cidade grande e trabalhava numa fábrica. Todos os dias ele viajava cinqüenta minutos, de ônibus, para ir ao trabalho. No ponto seguinte ao dele entrava uma senhora, que procurava sempre sentar na janela. Ela abria a bolsa, tirava um pacotinho e passava a viagem toda jogando alguma coisa para fora do ônibus. A cena sempre se repetia. Um dia, curioso, o homem perguntou-lhe o que ela jogava pela janela.
– Jogo sementes! – respondeu ela.
– Sementes? Sementes de quê?
– De flores. É que eu olho para fora, e a estrada é tão vazia… Gostaria de poder viajar vendo flores coloridas por todo o caminho. Imagine como seria bom!
– Mas as sementes caem no asfalto, são esmagadas pelos pneus dos carros, devoradas pelos passarinhos… A senhora acha mesmo que essas flores vão nascer aí, na beira da estrada?
– Acho, meu filho. Mesmo que muitas se percam, algumas acabam caindo na terra e com o tempo vão brotar.
– Mesmo assim… demoram para crescer, precisam de água…
– Ah, eu faço a minha parte. Sempre há dias de chuva. E se eu não jogar as sementes, aí mesmo é que as flores nunca vão nascer.
Dizendo isso, a velhinha virou-se para a janela aberta e recomeçou seu “trabalho”. O homem desceu logo adiante, achando que a senhora já estava meio “caduca”.
O tempo passou…Um dia, no mesmo ônibus, sentado à janela, o homem levou um susto ao olhar para fora e ver flores na beira da estrada… Muitas flores… A paisagem estava colorida, perfumada, linda. O homem lembrou-se da velhinha, procurou-a no ônibus e acabou perguntando para o cobrador, que conhecia todo mundo.
– A velhinha das sementes? Pois é… Morreu de pneumonia no mês passado.
O homem voltou para seu lugar e continuou olhando a paisagem florida pela janela. “Quem diria, as flores brotaram mesmo”, pensou. “Mas de que adiantou o trabalho da velhinha? A coitada morreu e não pode ver essa beleza toda.”
Nesse instante, o homem escutou uma risada de criança. No banco da frente, uma garotinha apontava pela janela, entusiasmada:
– Olha, papai! Que lindo! Quanta flor pela estrada… Como se chamam aquelas flores?
Então o homem entendeu o que a velhinha tinha feito. Mesmo não estando ali para contemplar as flores que tinha plantado, a velhinha deveria estar feliz. Afinal, ela tinha dado um presente maravilhoso para as pessoas.
No dia seguinte, o homem entrou no ônibus, sentou-se numa janela e tirou um pacotinho de sementes do bolso…
Autor(a) desconhecido(a)
5 Subsídios litúrgicos
Na confissão de pecados, devemos lembrar de situações que ferem e machucam as pessoas pelo julgamento que emitimos de forma verbal ou em pensamentos. Na oração final, interceder por justiça nas relações humanas, na comunidade e na sociedade civil.
Sugestão de hinos: HPD 1 – 197, 184, 85, 165, 176, 130.
Segue uma poesia que poderá ser usada na absolvição dos pecados:
Sentir primeiro, pensar depois; perdoar primeiro, julgar depois.
Amar primeiro, educar depois; esquecer primeiro, aprender depois.
Libertar primeiro, ensinar depois; alimentar primeiro, cantar depois.
Possuir primeiro, contemplar depois; agir primeiro, julgar depois.
Navegar primeiro, aportar depois; viver primeiro, morrer depois.
Autor(a) desconhecido(a)
Bênção:
Que a justiça corra como um rio,
Que a verdade brote em nossa terra,
Que haja esperança do que é novo.
Que o Senhor nos fale enfim da paz!
(Simei Monteiro – O Povo Canta, p. 12)
Bibliografia
OVERMAN, J. Andrew. Igreja e Comunidade em Crise. O Evangelho segundo Mateus. São Paulo: Paulinas, 1999.
LANCELOTTI, Ângelo. Comentários ao Evangelho de Mateus. Petrópolis: Vozes, 1980.
CEBI-GO. Convém que se cumpra toda a justiça. Evangelho de Mateus. Série Encontros Bíblicos, n. 133. São Leopoldo: CEBI, 1999.
Nota
1 O joio (em grego zizanion, especificamente cizânia, Lolium Temulentum, da família das salináceas) era uma gramínea anual que se parecia muito com o trigo antes de amadurecer. Conhecido como