Prédica: Mateus 18.21-35
Leituras: Gênesis 50.15-21; Romanos 14.1-12
Autor: Dari Jair Appelt
Data Litúrgica: 18º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 14/09/2008
Proclamar Libertação – Volume: XXXII
1 Introdução
O perdão liberta! Este pode ser o tema do culto. Com base nos textos sugeridos, constatamos que a misericórdia de Deus, quando reconhecida, traduz-se em gestos de amor, desperta solidariedade e esperança.
Além de nos oferecer seu perdão, Deus quer cuidar da gente e orientar-nos na vida, para que possamos respeitar o próximo, o diferente e partilhar as dádivas de sua criação.
A mudança de mentalidade e um coração sensível à necessidade e situação de outra pessoa não se dão por decreto, mas quando reconhecemos nossa condição de devedores e devedoras diante de Deus e a dimensão de seu amor revelado na cruz.
Saber perdoar é uma arte que se aprende quando nos livramos de coisas e idéias que o sistema econômico tem ensinado e imposto: tirar proveito da situação, levar vantagem em tudo. Gênesis 50.15-21 lembra-nos de que, quando se retribui maldade com perdão, consegue-se tocar o coração. A ação de Deus neutraliza a maldade e devolve esperança. Romanos 14.1-12 contém conselhos para não julgar outros irmãos na fé e sim respeitar sua opinião. Não podemos impor conceitos e valores porque há hábitos e costumes próprios de determinadas culturas e de opções pessoais. O respeito ao diferente é o que o apóstolo Paulo recomenda.
Os textos apontam para atitudes coerentes por parte de quem descobriu que a graça de Deus não tem preço e que retribuir o perdão da dívida com gratidão e amor ao igualmente necessitado de perdão e oportunidade de viver liberto da culpa agrada a Deus. A sua palavra capacita-nos a ser e agir conscientes de que a graça transforma e liberta, promove reconciliação, inclusão e comunhão.
2 Exegese
A parábola do empregado “safado” é um recurso pedagógico usado por Jesus para esclarecer seus discípulos a respeito do jeito divino de ser, jeito esse que seus amigos (filhos e filhas de Deus) podem aprender. O cap.
18 traz-nos a pergunta sobre “quem é o mais importante no reino dos céus”. Os discípulos ainda têm muitas dúvidas, mas Jesus lhes dá a liberdade para externá-las e então, com habilidade de mestre, responde com um exemplo. Ele apresenta uma criança para que aprendam a lição: humildade e sinceridade são essenciais para quem deseja integrar o reino dos céus; a mudança de vida é necessária porque a natureza do ser humano foi contaminada. As pessoas adultas já se deixaram corromper por ofertas e valores que não correspondem ao sonho do Criador!
O acolhimento e o cuidado, a proteção dos pequeninos, a prevenção e a resistência diante do que pode gerar culpa devem ser uma preocupação constante da comunidade. As tendências para o pecado devem ser reprimidas com medidas radicais, para que não dominem quem anseia pela vida eterna. Mas esse Deus que alerta é também o que cuida, vai em busca do pecador. O seu jeito de ser traduz-se na parábola da ovelha perdida.
Jesus orienta seus discípulos a respeito de formas para reconciliar pessoas, como aconselhar, agir e encaminhar o assunto. Ele lhes concede poder para avaliar (permitir ou não) e interceder, promete sua companhia. É nesse contexto que Pedro se manifesta a respeito de quantas vezes se deve perdoar. Ou seja, onde estão os limites e como fazer uso do poder concedido de perdoar pecados. É mais fácil administrar deveres quando há regras. Com base numa prática conhecida entre judeus, Pedro quer saber qual a nova regra e até sugere perdoar sete vezes. Jesus, que já havia ensinado a respeito do assunto em outra oportunidade, recomendando inclusive amar inimigos e pedir perdão porque há o compromisso de perdoar devedores (petição da oração sacerdotal), multiplica as vezes sugeridas por Pedro, para que ele se toque de que “perdão” não é algo que se possa regular. Para exemplificar e produzir a consciência do que o amor é capaz, conta a parábola do empregado mau e finaliza deixando um alerta: Deus não vai deixar passar batido ou simplesmente relevar a safadeza. Quem não tem um coração grato e consideração por seu semelhante vai ter que enfrentar sua ira e as conseqüências de sua maldade.
O perdão abre portas para um novo relacionamento, mas, no sistema em que vivemos, quando falamos em números, temos que ter o cuidado de não confundi-los com a graça de Deus (que não se pode calcular em valores monetários, apenas acolher com humildade e compartilhar por conta da gratidão e respeito à vida).
3 Meditação
Como falar de Deus, seu perdão e bondade num sistema sem coração?
A comunidade é integrada por gente de diversas etnias e classes sociais, com uma grande diversidade de dons, mas também de profissões e ocupações distintas. Ali se encontram patrões e empregados, empresários e funcionários, pessoas com um bom emprego e também sem emprego, donas de casa e domésticas, educadores e alunos, profissionais das mais diferentes áreas, pessoas de todas as idades, gente em busca do pão de cada dia, gente sofrida e também gente numa situação confortável, aposentados, carentes e abandonados… Na sociedade não é diferente. Vivemos numa economia de mercado em que poucos acumulam e para muitos falta até o essencial para uma vida digna.
A parábola do credor pode até gerar certo constrangimento nessa realidade em que crescem a inadimplência e a corrupção. Por isso não convém aprofundar a reflexão sobre valores monetários, na tentativa de calcular o tamanho da dívida de um ou outro empregado ou iniciar uma discussão sobre quem tem mais ou menos direitos. Importa reconhecer que todos, indistintamente de nossa condição econômica, somos devedores junto de Deus, porque o sangue derramado por Cristo na cruz é de incalculável valor. Todos carecemos da graça de Deus para nos recuperar de constantes fracassos. É o jeito de Deus, sua misericórdia, que deve sensibilizar a gente e ensinar-nos como tratar o irmão ou a irmã “em dívida” conosco. O perdão liberta e resulta em gratidão e alegria. A intransigência, o ódio e o egoísmo atraem repreensões, sentimentos de culpa e sofrimento para todos os envolvidos na questão.
Se na ótica do mercado o perdão não existe, porque o sistema não seria mantido, no reino de Deus a economia tem outros princípios. O perdão é um dos fundamentos dessa nova economia. O perdão cria uma nova relação humana (Ilo Utech no PL XVIII, p. 233).
Perdão gera mais vida porque promove reconciliação e comunhão, gratidão e compromisso diaconal.
A cultura de sonegação e de exploração “campeiam juntas pelos pagos deste país”, gerando revolta e sofrimento, indignação e frustração. Pequenas dívidas são cobradas à força. Pessoas são mortas por alguns trocados, por um celular e até um par de tênis. Enquanto corruptos e sonegadores de impostos investem em grandes áreas de terras, mansões, carros importados, jatinhos e enviam dinheiro para paraísos fiscais, temos brasileiros e brasileiras sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde, sem chances de vida, sem esperança. Temos uma classe política preocupada em usar o poder para garantir seu futuro e seus interesses e não está nem aí para quem recebe um salário mínimo ou nem isso, é indiferente aos sofridos que essa sociedade faz e ao povo que está com a morte decretada. Diante de tudo isso, constatamos que a vontade de Deus, o reino dos céus e as lições de dignidade e solidariedade ensinadas por Jesus só conseguem encontrar eco entre aqueles que clamam por compaixão e oportunidades para trabalhar e viver com dignidade.
Como igreja, sentimo-nos impotentes diante dos problemas sociais e do sofrimento do povo. Conformamo-nos com alguns gestos solidários de pessoas de boa vontade que se deixam atingir pela palavra e envolver na graça de Deus. Acomodamo-nos em nossas comunidades, fazendo do evangelho um analgésico e tentando agradar a todos com a prestação de serviços religiosos, falando do amor de Deus como Pai e Mãe, como se o compromisso com a verdade e a vida fosse coisa do passado. Penso que, por amor à verdade e à boa-nova de que o perdão liberta, precisamos arriscar mais. Viver sob a graça de Deus é também cuidar de sua criação e encontrar meios de resgatar esperança, investindo em mais sinais de vida.
Devemos lembrar que o perdão liberta, promove reconciliação, mas também compromete com ações coerentes e com uma resposta grata e alegre.
4 Imagens
“A importância do perdão” é uma mensagem interessante para ilustrar as conseqüências na vida de quem não quer ou não sabe perdoar. Até se poderia usar uma dinâmica com a comunidade. A cena pode ser representada usando o carvão como simbolismo para o pecado e a água para representar a graça de Deus, que liberta da “sujeira”. Um outro texto apropriado seria “Jogue a primeira flor”. Pode-se usar pedras para simbolizar o pecado e flores para o perdão. A comunidade tem a oportunidade de escolher o que quer fazer com ambos.
5 Subsídios litúrgicos
Na chegada, todos recebem um pedaço de carvão ou pedras (de acordo com o que foi combinado).
Acolhida:
Lema da semana ou leitura do Salmo 25. 4-10.
Confissão de pecados:
Inicialmente, o oficiante lembra que todos nós somos pecadores e carecemos da graça de Deus, que estamos em dívida com ele, porque não conseguimos colocar em prática os ensinamentos de Cristo. Convida para identificar culpa e outros sentimentos que podem entristecer Deus e afastar-nos da comunhão com ele e o próximo. Num segundo momento, pode-se cantar o hino 408 do HPD 2: Tem misericórdia de mim. O terceiro momento é dinâmico. Mexe com a comunidade ao ser convidada a andar e depositar o carvão ou a pedra sobre o altar ou sob a cruz e receber em seu lugar, das mãos das crianças do Culto Infantil que vão entrando durante o hino, uma flor em troca e como sinal da graça e do amor de Deus, simbolizando a vida. Ao entregarem as flores, as crianças dizem aos adultos: Paz seja contigo!
Anúncio da graça:
“A pessoa nunca é tão bonita como é ao pedir perdão ou ao perdoar alguém” (Jean Paul). Também se pode usar uma palavra bíblica.
A comunidade agraciada canta Glória.
Kyrie:
A comunidade é lembrada do sofrimento gerado por ódio, injustiças, violência, miséria, intransigência, corrupção e outros sinais de morte; reconhece limitações na busca por soluções e instalação da justiça e da paz, cantando: Tem piedade, Senhor.
Oração do dia:
A comunidade une-se em oração, pedindo que a palavra sensibilize e oriente na missão, fortaleça a fé e encoraje a pedir e oferecer perdão, motive a ir e qualificar relações com base no diálogo e testemunho da graça de Deus.
Leituras bíblicas:
Gênesis 50.15-21 – Quando se retribui maldade com perdão, consegue-se tocar o coração.
Romanos 14.1-12 – Quando respeitamos a opinião dos outros, abrimos as portas para o diálogo, para dar e receber conselhos e para evitar julgamentos.
Mateus 18.21-35 – A palavra do Senhor dá o que pensar, questiona e desafia para uma prática coerente.
Confissão de fé:
HPD 1, n. 221 – Confiança.
Oração de intercessão:
Convidar a comunidade para verbalizar motivos de gratidão e depois cantar: Graças, Senhor, graças, Senhor, por tua bondade, teu poder, teu amor, graças, Senhor! Num segundo momento, as pessoas podem apresentar seus pedidos a Deus, seja em voz alta ou em pensamentos, e depois cantam: Inclina, Senhor, teu ouvido, escuta o nosso clamor. O oficiante conclui intercedendo pela paz entre as nações, pelo diálogo na família, por reconciliação, amizade e concórdia entre as pessoas, por gestos de solidariedade, consideração e respeito pela vida; louva a Deus por sua paciência e bondade e pelos ensinamentos de Cristo e conclui convidando para a oração sacerdotal: Pai-Nosso.
Santa Ceia:
Se houver celebração do sacramento, sugiro que, após a oração do Pai-Nosso, num gesto de paz e fraternidade, os membros troquem as flores e abraços, desejando-se a paz.
Bênção:
Após pronunciar a bênção, tendo lembrado o escopo da mensagem, o oficiante convida os presentes para a troca das flores ou então para cantar do HPD 2, n. 368 ou 377, motivando para a prática do perdão.
Envio:
Vão em paz e sirvam ao Senhor com gratidão e alegria. A