Prédica: 1 Timóteo 6.11b-16
Autor: Nelson Kilpp
Data Litúrgica: 2º Domingo de Advento
Data da Pregação: 09/12/1979
Proclamar Libertação – Volume: IV
I — Sempre tive uma certa dificuldade para pregar na época de Advento. Advento é a época de preparação da vinda de Jesus. Mas a que vinda de Jesus nos referimos?
Lembramos, em primeiro lugar, a vinda do Jesus histórico, em uma determinada época no passado. Geralmente pregamos, então, o que os profetas do Antigo Testamento anunciaram a respeito deste que viria salvar o povo de Israel. A comunidade preparar-se-ia, então, para entender que aquele Jesus que, no Natal, nasceu em Belém é o cumprimento das profecias vétero-testamentárias e das expectativas dos povos.
Podemos, também, pregar, dando continuidade às pregações nos últimos domingos do ano eclesiástico, sobre a próxima vinda de Jesus Cristo. Aí, decerto, colocaríamos o acento na esperança dos cristãos e na maneira correta de podermos preparar esta futura vinda do Senhor.
Por último, podemos, também, na época de Advento, pregar sobre a vinda de Jesus, hoje, a nós. Lembro, então, uma frase característica deste tipo de pregação: Não adianta Jesus nascer mil vezes em Belém, se ele não nascer em nosso coração.
Dentro destas três dimensões podemos pregar, no Advento. Nestas três dimensões do Advento estamos vivendo: Jesus já veio, Jesus ainda virá, Jesus promete vir também a nós. A absolutização de qualquer uma destas dimensões encurtaria a mensagem cristã.
1 Tm 6,11b-16 creio ter sido muito pouco usado em prega¬ções na época de Advento. Além de ser segunda opção para o 2o Domingo de Advento — a primeira sugestão da série de perícopes é Rm 15,4-13 – o texto em estudo ganha entrada na época de Advento pela porta dos fundos. Os vv.14b e 15a são o motivo de este texto ter sido incluído na série de perícopes da época de Advento: até a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em suas épocas determinadas, há de ser revelada…
II — Não há variantes de peso que alteram o conteúdo da tradução de Almeida. Há, no entanto, nesta tradução alguns vocábulos e expressões que o pregador deveria tentar substituir por outros. Gostaria de colocar, a partir do texto original, algumas opções à tradução de Almeida.
V.11: Seguir a justiça: o termo grego usado está em contraposição ao fugir do v.11a. Timóteo é instado a fugir para longe da ganância por dinheiro (trecho anterior) e a correr em direção da justiça, etc. Ele é aconselhado a evitar uma coisa e a buscar, empenhar-se por outra.
Piedade não é dó, pena, compaixão, como o entende nosso povo, mas a maneira de viver em conformidade com a fé ou a religião.
Constância: o termo grego quer indicar para a perseveran¬ça e persistência daqueles que não desistem da fé, mesmo nas piores aflições. Nas traduções alemãs é usada a palavra paciên-cia.
Mansidão poderia ser substituído por brandura, suavidade ou até amabilidade, mas dificilmente por humildade, como o faz a Bíblia na Linguagem de Hoje.
V.12: Foste chamado: é usada a forma passiva para designar ação de Deus.
V.13: Exorto-te: exortar ou admoestar são expressões mais apropriadas que ordenar (Bíblia na Linguagem de Hoje).
V.14: Guardar o mandato: geralmente o termo grego usado significa mandamento, mas também pode ser traduzido por tarefa, missão, mandato.
Imaculado e irrepreensível: a Bíblia na Linguagem de Hoje simplifica bastante ao traduzir: puro e perfeito.
V.15: Em suas épocas determinadas: o plural é enfático: na época determinada por Deus ou, como Bíblia na Linguagem de Hoje, no tempo certo.
Rei dos reis, etc: no original está: Rei dos que reinam e Senhor dos que dominam
III — A 1a Epístola a Timóteo é uma das três Cartas Pastorais, endereçadas a pastores, contendo orientações sobre como organizar a vida comunitária. A carta em exame está endereçada a Timóteo, amigo e colaborador de Paulo, que teria sido incumbido por Paulo de orientar a comunidade de Éfeso. A tradição diz que Timóteo foi o primeiro bispo de Éfeso. Mesmo que 1 Tm não tenha sido escrito pessoalmente pelo apóstolo Paulo, podemos afirmar que ele está por trás do pensamento do autor.
O conteúdo da carta reflete uma preocupação das comunidades: elas estão preocupadas em continuar dentro da tradição apostólica. Esta deve ser conservada contra aqueles que tentam modificá-la com ideias que não se enquadram na fé cristã: os hereges da época. Por isto, os cargos na comunidade são importantes. Eles garantem a verdadeira tradição apostólica.
1 Tm 6 tem uma série de admoestações ao pastor Timóteo. A parte principal deste capítulo trata da ganância por dinheiro dos hereges (6,3-10). 1 Tm 6,11-16 quer ser um apeio a Timóteo de permanecer firme em sua fé.
IV — Vv.11 e 12a: O v.11a, excluído da perícope, faz a conexão do trecho com o que é dito anteriormente sobre os falsos mestres e os perigos da riqueza. Timóteo é admoestado a repudiar e evitar os ensinamentos e a vida dos que são considerados hereges.
A atitude de Timóteo deve estar em contraposição à doutrina herética que somente provoca discussões inúteis, que encara a piedade como fonte de lucro, cujo amor ao dinheiro leva a perder a fé.
Somente o v.11b diz positivamente como deve ser esta atitude de Timóteo: segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. Temos aí um catálogo de seis virtudes cristã. Estas virtudes querem ser entendidas como sinais que destacam a fé cristã e a diferenciam das atitudes e do comportamento do grupo herético. Não devem, portanto, ser entendidas como qualidades que podem levar à salvação.
Na ponta da lista está a justiça. O termo justiça é importante no atual contexto brasileiro, onde deparamos, a cada dia, com toda sorte de injustiças. Parece-me que é o termo que está começando a mobilizar o nosso povo, os sindicatos, os políticos e também a Igreja. É inerente à fé que os cristãos, em todo o mundo, sempre se empenharam pela justiça.
O termo justiça tem algo a ver com o batismo (cf. especialmente Rm 6). A justiça é o presente que se recebe no batismo: a justificação, a aceitação, a libertação do campo de força do pecado. Os batizados, libertos da opressão de pecado e morte, podem viver de acordo com a justiça divina.
A piedade é a dádiva da Santa Ceia. Devemos entender, portanto, vida piedosa como sendo, antes de tudo, uma vida que admite e procura a comunhão com Cristo e os irmãos, através do constante perdoar e ser perdoado.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, e o amor (1 Co 13,13). A fé olha para aquele que sofreu por todos nós; o amor olha para o irmão necessitado; a esperança olha para aquele a quem pertence o futuro e que não vai abandonar o povo sofredor. Este trio – fé, amor e esperança – está também presente em nosso texto, com a diferença de que não se fala em esperança, mas em constância. A esperança é atualizada para a situação de Timóteo: mesmo no sofrimento não perdemos a confiança de que o futuro não será dos que fazem sofrer, mas de Jesus Cristo.
Para fechar a lista de atitudes que correspondem à fé cristã é mencionada a mansidão. Bem-aventurados os mansos (Mt 5,5). Os mansos são aqueles que aguentam os pecados e as imperfeições deste século: a injustiça, a fome, o sofrimento, a dor. Não somente aguentam como ainda conseguem dizer uma palavra amiga aos que dela necessitam. É para o pastor Timóteo que vale esta admoestação: segue a mansidão. Não é recomendável pregar à comunidade: aguentem todo o sofrimento, sem se revoltarem.
Desde o tempo dos macabeus dizia-se que a vida do crente é um heróico combate da fé. Naquela época era evidente o significado deste combate: a fé requer luta armada. Na época de Timóteo trata-se de um combate contra a heresia. Certo é que, ainda hoje, a fé nos leva a combater. Quantas vezes somos desafiados a definir¬mos a nossa fé frente a situações que são uma afronta à fé cristã?
A fé cristã sempre é desafiada a definir-se em situações que não se coadunam com esta mesma fé. No texto em apreço trata-se de atitudes e ideias que exigem da comunidade cristã um posicionamento firme e corajoso, através do qual ela possa confessar inconfundivelmente a sua fé e como esta fé se concretiza na vida prática. Podemos, neste sentido, falarem bom combate da fé.
A comunidade, à qual pregamos, pode e deve ser, em sua própria situação, conclamada a confessar a sua fé, na vida prática, de uma maneira concreta e inconfundível.
Vv.12b e 13: Timóteo foi chamado por Deus para a vida eterna. Ele também se confessou a esta vida perante testemunhas. O autor da carta lembra o alcance da confissão que Timóteo fez por ocasião de seu batismo, para animá-lo no cumprimento de sua tarefa. No tempo das perseguições aos cristãos era de extrema importância a boa confissão da fé. Esta confissão podia levá-lo a torturas e à morte.
No v.13 é citada verbalmente uma confissão que talvez também Timóteo tenha confessado. Esta confissão contém dois artigos:
Deus que preserva a vida de todas as coisas
e
Cristo Jesus que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão.
Provavelmente trata-se de uma confissão de batismo. Ela foi introduzida aqui por causa da boa confissão que Jesus fez perante Pilatos. Confessar bem claro a fé vale tanto para Timóteo como valeu para Jesus. A boa confissão de Jesus é o exemplo e o incentivo para o confessar de Timóteo, que pode levar até à morte
Os seguidores de Cristo devem saber que poderão entrar em conflito com os poderosos do mundo, assim como o Senhor também entrou em conflito com o poder romano.
Também em nossa pregação podemos e devemos animar a comunidade, lembrando que todos fomos batizados. Também nós fomos aceitos por Deus e nos tornamos herdeiros de seu Reino (cf. Liturgia do Batismo). Por ocasião de nossa confirmação declaramos a nossa fé. Também nos dias de hoje é necessário, sempre de novo, confirmar o nosso batismo, ou seja, declarar a nossa fé. E isto deve acontecer bem concretamente. E, às vezes, também hoje a nossa boa confissão tem que ser dada aos pôncios pilatos de nossa época. Nesta ocasião a confissão de Jesus Cristo estará sempre em nossa mente.
Vv.14 a 16: Timóteo é exortado a guardar o mandato imaculado e irrepreensível até a vinda de Jesus Cristo. Timóteo tem uma tarefa especial na comunidade. Esta tarefa vale cumprir até que Jesus volte. Neste v. vemos por que o texto 1 Tm 6,11b-16 é aconselhado para ser pregado na época de Advento. O mesmo Jesus que sofreu o martírio sob Pôncio Pilatos virá como Senhor no fim dos tempos. Na sua vida de fé Timóteo deve orientar-se tanto pelo Jesus que sofreu como pelo Cristo exaltado que virá.
A segunda vinda de Cristo acontecerá no futuro. Ele virá no tempo determinado por Deus. O texto finaliza com uma doxologia. A menção da segunda vinda de Cristo faz com que lembremos, sobretudo, o Deus glorioso, Rei e Senhor. Nesta doxologia final há uma crítica ao culto ao imperador e aos que são chamados de reis e senhores. No original lemos que Deus é Rei dos que reinam e Senhor dos que dominam.
No v.16 parece que encontramos uma velada crítica ao pensamento gnóstico. Deus habita em luz inacessível, inatingível. Não podemos alcançar Deus com o nosso pensamento humano.
Todas as admoestações dadas a Timóteo não teriam sentido se Cristo não voltasse. Toda a nossa pregação não teria sentido se Cristo não voltasse. Todas as nossas virtudes e boas confissões não teriam sentido se Cristo não voltasse. Não podemos pregar 1 Tm 6,115-16 sem mencionar que Cristo virá. Correríamos o risco de pregar moralina. Tudo que fazemos e nos é aconselhado fazer é preparação para esta vinda de Jesus.
Toda a nossa atitude cristã e todo o nosso confessar está entre dois pólos: o Jesus que sofreu e o Senhor que virá. A pregação que colocar todo o peso em um só aspecto será, forçosamente, tendenciosa. (Não me senti bem ao pregar este texto fora da época de Advento e deixando, conseqüentemente, fora a parte da segunda vinda de Cristo.)
Para estruturar uma prédica sobre 1 Tm 6,11b-16 poderia ser usada a estrofe 4 do hino 81, que diz:
No tempo em que vivemos
imprescindível é
que sempre confessemos
bem claro a nossa fé.
Ainda que soframos
do mundo no escarcéu
que sempre enalteçamos
o Santo Verbo Teu.
V — Bibliografia
– HOLTZ, Gottfried. Die Pastoralbriefe. In: Theologischer Handkommenrar zum N. T. Vol. 13. Berlim. 1972,
– JEREMIAS, .loachim. Die Briefe an Timotheus und Titus. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 9. Berlim. 1967.