Prédica: João 6.1-15
Autor: Ulrico Sperb
Data Litúrgica: Domingo Laetare
Data da Pregação: 25/04/1979
Proclamar Libertação – Volume: IV
I – Manchetes
(Estas manchetes foram elaboradas por dois grupos de jovens da Paróquia de Lontras. Os jovens leram o texto e fizeram as manchetes como repórteres as fariam para uma notícia de jornal Elas querem chamar a atenção para a grandiosidade desta história.)
– PÃO DISTRIBUÍDO ACABA COM A FOME
– 5 pães terminam com a fome da multidão
– QUANTAS PESSOAS PODEM SE ALIMENTAR COM 5 PÃES E 2 PEIXES?
– Repartir o pão com os mais pobres
– FOME. FOME. QUEREMOS PÃO, GRITOS DO DIA A DIA
– Homem alimenta 5 mil homens com 5 pães e 2 peixes
– O EGOÍSMO DEIXOU DE EXISTIR
– Jesus e os pães milagrosos
– QUE FAZER? MUITAS PESSOAS PARA POUCOS PÃES
– 5 pães sustentam 5 mil homens
– DE 5 PÃES RECOLHERAM 12 CESTOS
– 5 mil desesperados pela fome são nutridos com 5 pães e 2 peixes
– QUEREM PROCLAMAR CRISTO COMO REI
– O milagre da história da humanidade: 5 pães e 2 peixes para 5 mil pessoas, e sobraram ainda 12 cestos
– HOMEM DE NAZARÉ SUSTENTA 5 MIL
– Sabendo que queriam proclamá-lo rei, Jesus se retirou
– SARDINHA PARTICIPA DA FESTA DOS JUDEUS
– Jesus antecipa a festa da Páscoa
– JESUS QUASE É ATROPELADO PELA MULTIDÃO -FOGE ATEMPO
– Pão – a grande procurado povo
– PROFETA NEGA A SUA COROAÇÃO
II — Considerações importantes sobre o texto
A história da multiplicação dos pães é uma das mais contadas nos evangelhos: Jo 6,1-15; Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Lc 9,10-17. Além disso temos ainda uma segunda multiplicação dos pães: Mc 8,1-10 e Mt 15,32-39. Esta segunda deve ser uma repetição da primeira. Portanto, a mesma história nos é transmitida 6 vezes, sempre com acentos diferentes. Para nós interessam as importâncias colocadas por Jo:
– A história toda introduz a afirmação de Jesus: Eu sou o pão da vida (v.35).
– A pergunta de Jesus (v.5) é meramente retórica, pois ele sabe de saída o que quer (v.6). Mas já aí notamos que a iniciativa está com Jesus. A ação parte dele.
– V.7: Os 200 denários significam atualmente CrS 2.000,00 mais ou menos. Para efeitos de cálculo de inflação isto implica em cerca de 110, – USS (dólares). Esta é uma quantia muito elevada para os discípulos. E ainda assim mal dariam para um pedaço de pão para cada um. Dinheiro, no entanto, parece ser a única maneira de arranjar pão.
– V.9: Só em Jo os 2 peixes já estão fritos, prontos para serem servidos (conforme o original em grego). Isto mostra uma preocupação do autor em descrever os pães e peixes como alimentos prontos para uma refeição.
– No fina! sobra muito mais pão do que havia no início (v. 13).
– Só em Jo aparece a reacão do povo após o acontecido: Este é o profeta. Querem fazè-io rei (vv. 14 e 15).
Outras observações importantes:
V.4 – A indicação da época – proximidade da Páscoa -talvez tenha influenciado na escolha da perícope, para o antepenúl¬timo domingo antes da Páscoa. No texto deve significar o seguinte: Jesus relaciona o pão consigo mesmo: vv.35.48 e 51 A distribuição do pão (v.11) indica a entrega do próprio Cristo como sacrifício, em contraposição ao sacrifício pascal dos judeus. A ceia do Senhor dos cristãos é diferente da ceia pascal dos judeus. Os judeus festejam e recordam um acontecimento passado há séculos. Os cristãos recebem o próprio Cristo (v.35b).
Vv.5-7: A pergunta de Jesus, a observação intercalada (v.6) e a resposta de Filipe, mostram a impossibilidade de alimentar o povo todo.
V.9: Só Jo fala em pães de cevada, um pão mais simples. Seu uso era sinal de pobreza. Além disso traçam um paralelo a 2 Rs 4,42-44 (a multiplicação dos pães conforme o VT). Os 5 pães de cevada e os 2 peixes fritos quase nem são dignos de menção para André. Sua pergunta já inclui a resposta: Isto não é nada para tanta gente!
V. 10: A reação de Jesus é surpreendente: o impossível para ele é uma possibilidade. Para ressaltar a grandeza do milagre é preciso esclarecer que havia 5 mil homens presentes, sem contar mulheres e crianças. Estas normalmente não entravam na conta¬gem. Portanto, o total era de muito mais do que 5 mil pessoas (Mt 14,21).
V.11: O milagre propriamente dito não é abordado ou descrito. O próprio título multiplicação dos pães já insinua um processo, o qual não está incluído no texto. Melhor seria dizer: Jesus dá comida para milhares de pessoas de uma maneira maravilhosa. Qualquer tentativa de explicar como Jesus o fez é inútil, errada. Explicar o milagre é o mesmo que desfazê-lo. Procurar por meios naturais que justifiquem o fato é não aceitar Jesus como Filho de Deus. O importante é compreender o acontecido como um sinal exclusivo de Jesus, assim como o compreendeu o povo (v.14). A composição das palavras do v.11 lembra muito a fórmula de instituição da Santa Ceia (cf. vv. 53-56).
V. 13: A sobra dos 12 cestos lembra os 12 discípulos e as 12 tribos de Israel. Isto significa que a benção é universal e não só para os presentes. Os 12 cestos que sobram fazem este acontecimento brilhar para dentro da história.
V.15: O povo imediatamente conclui que este homem deve ser rei: um profeta com tal poder milagroso certamente concretizará todos os seus sonhos messiânicos, com todas as conotações sócio-políticas. Jesus não tem nada a ver com este messianismo. Por isso se retira.
III — Conclusões importantes
– Jesus Cristo é o pão que veio de Deus (vv.33 e 51). Jesus é a consequência do amor que Deus dedica aos homens (Jo 3,16). O milagre da alimentação do povo, da distribuição do pão é a concretização deste amor. É o sinal visível de que Deus está com Jesus e de que o amor de Deus é bem concreto. Não é um amor teórico, de discursos. A multidão segue Jesus por causa dos sinais que fizera nos doentes (v.2). Esta massa popular é surpreendida com um sinal muito maior. Sua fome é saciada, farta de tal forma que ainda sobra muito. O amor de Deus não tem limites.
– A chave do milagre está no v.11: Jo usa a mesma palavra tendo dado graças como Lc 22,19 e Paulo em 1 Co 11,24 usam na instituição da Santa Ceia. A eucaristia (o agradecimento) é costume como oração de mesa entre os judeus. Mas para Jesus este gesto não é só uma tradição. A gratidão a Deus traz como consequência a distribuição (o repartir). E uma vez que Deus estava em Jesus, foi possível saciar a multidão. Este é o grande milagre do amor de Deus.
– Esta história fundamenta por um lado que Jesus é o pão da vida e sacia os seus. Por outro lado também fundamenta que Jesus vem de Deus e que Deus está com ele (cf. vv. 29.38.40.44.46.50.51.57.58). É Deus quem lhe dá o poder para operar o sinal.
IV — Atualização
– Uma das dificuldades no mundo atual é acreditar em milagres. Jo não usa nenhuma vez a palavra milagre, mas pelo menos 15 vezes a palavra sinal. Também este ato de Jesus é compreendido como sinal (v.14). Talvez isto ajude para a compreen¬são: a história não é tanto um milagre, mas mais um sina! de que Jesus é o enviado de Deus.
– Não interessa como Jesus fez este sina!, mas por quê. Foi por amor aos homens. A pesquisa científica pelo modo de procedimento de Jesus para saciar a multidão com 5 pães e 2 peixes é errada por 2 motivos: uma vez não encontramos nenhuma pista para tal no texto. Por outro lado esta não foi a preocupação daquela época. Pode ser uma preocupação do homem de hoje. Toda e qualquer racionalização, no entanto, não aproxima, mas afasta de Jesus.
– Este é um sinal exclusivo do Jesus de Nazaré, do Jesus homem enquanto esteve em carne e osso na terra. Foi realizado para mostrar que Deus estava com ele, que Deus estava nele e que nele o próprio Deus se tornou carne (Jo 1,14).
– Seria errado esperar – ou até querer fazer – um sinal destes hoje. Talvez conforme o slogan para Deus tudo é possível. Portanto, se ele quer acabar com a fome no mundo, ele pode fazê-lo a seu modo.
– Mas hoje Deus fornece outros sinais: as modernas técnicas agrícolas possibilitam a produção de quantidades incríveis de alimentos. Resta saber se sua distribuição é justa e indistinta, assim como Jesus a fez. Jesus simplesmente distribuiu quanto queriam (v.11), até que todos estavam fartos (v.12) e houve sobras (v.13).
– Neste sentido podemos dizer que esta história é fruto do milagre do amor. Um amor que não tem limites e não pergunta por quem o merece (v. 10c). Um amor que não tem interesses próprios (v. 15). Um amor que sabe o que é importante (v.6b). Um amor que age e não hesita (vv.10-12). Um amor que ultrapassa os limites do humanamente possível (v.11). Um amor que só pode se originar em Deus.
– Importante é a passagem onde diz que todos ficaram fartos (v.12a). Jesus é o enviado de Deus ao mundo. Ele traz salvação tanto espiritual como física. Esta história é contada 6 vezes nos evangelhos. Sua importância não pode ser subestimada. Jesus Cristo não é só um salvador de almas. É o salvador do homem todo e de todos os homens.
– Nem só de pão viverá o homem. (Mt 4,4) Mas sem pão também não dá para viver. Jesus é o pão da vida. Mas ele também cuida para que haja pão para o mundo.
– Na Santa Ceia recebemos o pão da vida. Nesta história Jesus distribui algo de si, pois só ele pode com sua força e poder distribuir pão suficiente ao povo. Assim também na Santa Ceia recebemos algo do poder de Cristo. Ele se distribui (reparte) entre nós.
– As pessoas que formam a multidão (v.2) têm uma característica comum: seguem a Jesus, porque viram os sinais que operava nos doentes. Eram movidas por uma esperança. Nesta vida sofrida – a doença é o símbolo do sofrimento – viram alguém que proporcionava uma alternativa ao desespero. Jesus alimenta-os sem perguntar pela situação pessoal de cada um. Atualizando: o amor de Cristo hoje se volta para as multidões sofridas espalhadas pelo mundo.
V – Exemplos
– Não posso ler esta história sem me lembrar imediatamente da multidão de famintos que vegetam pelo mundo todo. Que sinal é preciso hoje?
– A Igreja Evangélica na Alemanha mantém a obra diacônica Pão para o mundo. Aqui no Brasil vi esta obra Pão para o mundo investir mais em pedras (construções) do que em pão (alimentos).
– A multinacional suíça Nestlé espalhou a propaganda na África de que seus diversos tipos de leite em pó são melhores do que o leite materno. A mortandade infantil – já elevada – cresceu mais ainda. Hoje muitas mães colocam as latas de leite da Nestlé sobre a sepultura de seus filhos.
– Muitos sociólogos afirmam que a subalimentação gera a vida subumana.
– Enquanto % da população do mundo morrem de fome, 1/s morre porque come demais.
– A Campanha da alimentação escolar no Brasil, sem dúvida é uma iniciativa válida e boa. Só que em muitos casos já chega tarde. Pois muitas crianças já sofreram lesões cerebrais porque não foram alimentadas corretamente em sua primeira infância. Em Joinville – SC, a prefeitura fez uma pesquisa em escolas de bairros operários para fazer a separação, nas classes, entre atrasados e adiantados. Chegou ao resultado que 10% das crianças estavam beirando o retardamento mental, sem serem excepcionais. Isto devido à má alimentação nos primeiros anos de vida.
VI – Sinais possíveis
– Nossa perícope é um desafio. Cristianismo só de palavra é hipocrisia. Nesta história, conforme Jo, Jesus nenhuma vez dirige a palavra ao povo. Não fala, age. Este texto deve desafiar os ouvintes à ação.
– As pedras devem ser transformadas em pão.
– A Nestlé não substitui o leite materno. Antes de recorrer ao leite em pó. as mães deveriam procurar mulheres em condições de amamentar também seus filhos. As comunidades podem organizar serviços de amamentação.
– Quantos alimentos são jogados em rios ou no mar, porque não alcançam preços desejados! É preciso erguer a voz contra isto.
– Os ouvintes desta história são chamados a distribuírem (repartirem) o que têm. Jesus não foi comprar comida. Ele alimentou as pessoas a partir do que tinha.
– A Igreja deve fazer uma campanha de alimentação global, procurando atingir aqueles que não são alimentados pelo estado A fome no Brasil ainda é o maior problema.
VII – A Prédica
– Apresento a seguir um esboço de prédica, como sugestão para pregar e vivenciar este texto:
– Leitura das manchetes para chamar a atenção dos ouvintes. Podem ser lidas as manchetes colocadas no início. Mas é melhor se elas forem elaboradas por grupos de trabalho (jovens, senhoras, serviço social, etc.).
– Após as manchetes é lida a notícia, ou seja, o texto.
– Deixar o texto falar o que traz de importante. Explicar alguns aspectos abordados nos itens II e III. Ressaltar a importância desta história: Cristo está preocupado com as necessidades primordiais de nossa vida.
– Atualizar da seguinte forma: a história mostra o poder de Cristo. Na Santa Ceia recebemos poder de Cristo. A história é um sinal de Cristo. Nossa fé nos leva a estabelecermos sinais de que Cristo ainda é uma realidade.
– Exemplos de desafios e sinais: podem ser usados os exemplos dos itens V e VI.
– Convidar para um sinal concreto dentro da comunidade: por exemplo, campanha de alimentação. Ensinar a alimentar corretamente, recolher e distribuir alimentos, principalmente para crian¬ças pequenas. Deixar os 12 cestos que sobraram, saírem da história e penetrarem na comunidade.
VIII – Bibliografia
Sobre o texto: STRATHMANN, Hermann. Das Evangelium nach Johannes. Goettingen, 1963.
– Sobre milagre: Evangelischer Erwachsenenkatechismus, o termo Wunder. 2- ed., Guetersloh, 1975.
-Sobre exemplos: FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimida 4a ed., Rio de Janeiro, 1977.
– MIROW, Kurt Rudolf. A Ditadura dos Cartéis. Rio de Janeiro, 1977.