Prédica: Mateus 25.1-13
Autor: Huberto Kirchheim
Data litúrgica: Último Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 25/11/1979
Proclamar Libertação – Volume: IV
I — A comunidade e o texto
Este texto já é bastante conhecido na comunidade cristã. Os membros já ouviram muitas prédicas e interpretações em estudos bíblicos sobre esta parábola. Além disso, as parábolas são de fácil assimilação, devido à sua simplicidade e riqueza de imagens e simbolismos tirados do cotidiano. Em vista disso, dificilmente haverá alguém no culto que não conheça a parábola das dez virgens. Na maioria das vezes ela também tem sido usada como base e motivação para a pregação no último domingo do ano eclesiástico.
Em consequência disso tudo, há, a priori, uma certa expectativa da comunidade diante deste texto. Qual seria esta expectativa? Qual a compreensão que a comunidade tem diante desta parábola?
Com o objetivo de tornar mais real a compreensão da comunidade diante deste texto e com isso possibilitar para o pregador um confronto mais crítico da intenção do mesmo, transcrevo a opinião de algumas pessoas da comunidade.
1 – Na comunidade existem bons cristãos e maus cristãos. Os bons cristãos são aceitos por Deus (vão para o céu) e os maus vão para o inferno.
2 – Parece que aqui se fala muito (pelo menos é o que sempre aprendi) do fim do mundo e do juízo final, quando todos serão finalmente julgados de acordo com a sua vida aqui na terra. Então os ruins vão pagar o mal que fizeram!
3 – Xingando com o fim do mundo e o juízo final, que vem de repente, se quer meter medo nas pessoas para que busquem mais a fé e se voltem para as igrejas.
4 – Aqui se diz que prudentes são as pessoas que dão valor a Deus em sua vida, que têm tempo para ele: vão aos cultos, procuram levar a sério os mandamentos, assumem responsabilidades na comunidade, participam de campanhas… Mas estes, muitas vezes, são chamados pelo outros de bobos, estúpidos, puxa-sacos do pastor!
5 – Acho que todo o texto fala da esperança. Pessoas esperam! No texto as dez virgens esperam pelo noivo. Mas como esperar por algo tão abstrato, se o povo está esperando por tantas coisas necessárias para a sua vida agora e aqui?
Parece estar certo afirmar que a mentalidade da comunidade (a maneira de pensar dos membros) é condicionada por fatores externos, como por exemplo: o ensino, a pregação, e, a rigor, pelo próprio texto, como também pela ideologia dominante. Neste sentido creio ser importante, no caminho da exegese à prédica, avaliar criticamente os condicionamentos tradicionais dos membros, bem como o do próprio pregador, e confrontá-los diante da mais autêntica intenção do texto.
II -Avaliação crítica das expectativas da comunidade
Nota-se de maneira positiva a percepção da comunidade em relação ao nosso texto. Juízo final, julgamento, esperança, são palavras vivenciais na comunidade, a partir de toda uma experiência de culto e de vida. Para o pregador é importante levar a sério esta realidade em termos de diálogo com a comunidade e o texto.
No entanto, também transparece nestas manifestações uma compreensão legalista e moralista da parábola. De fato, aparentemente, a parábola dá muita margem à pregação de um Deus justiceiro, condenador, diante do qual importa labutar por uma vida digna e eticamente correia. Parece que certas condições devem ser realizadas pelo homem ou pela comunidade (ter óleo suficiente) para ser aceito no juízo final. Será que esta interpretação corresponde à intenção real do texto?
A comunidade sabe o que é esperar, pois ela aprendeu a esperar. O que ela espera? A vinda do noivo, a volta de Cristo, o juízo final, a morte? Os membros geralmente correlacionam juízo final e julgamento com a morte natural. Mas, não por último, os membros esperam por melhores salários, uma casinha própria, feijão e arroz na mesa, não ficar doente, um bom tempo para a plantação…
Tenho a impressão de que o pregador não poderá fugir, de maneira compensatória, desta realidade da esperança concreta para a esperança escatológica da vida eterna..Dentro desta tensão de texto e realidade se realiza pregação Conseqüentemente temos que perguntar agora pela intenção, pela mensagem real desta parábola para a comunidade.
III — Qual a situação original?
Há uma certa unanimidade entre os exegetas em torno da opinião de que nas parábolas se tenha a palavra mais original de Jesus Cristo. No entanto, o mesmo não vale exatamente para a nossa parábola. Ela é controvertida na discussão teológica. Não nos interessa aqui, entrar neste debate. Todavia, parece ser importante em vista da mensagem à comunidade de hoje, perguntar pela intenção original da palavra. Isto significa que temos que perguntar: Quem contou esta parábola? Qual a mensagem? Para quem?
IV — De quem é a parábola?
Carlos Mesters, na sua análise das parábolas, diz: Os elementos da vida cotidiana são as coisas da vida que o povo conhecia e que serviam a Ele como cabide para nelas pendurar a mensagem do Reino. No entanto, em relação à nossa parábola, afirma-se que uma tal praxe de casamento (no caso, o cabide) não era conhecida pelo povo da época. Em vista disso, a parábola, conforme o relato de Mateus, não pode provir diretamente do Mestre. Aparentemente Jesus deve ter contado uma parábola sobre casamento e a vinda do noivo, referindo-se com ela à sua própria vinda e à decisão diante de sua mensagem da vinda do Reino de Deus. O evangelista Mateus, por sua vez, reinterpretou a parábola e a colocou no contexto teológico da sua época, referindo-se com ela à segunda vinda de Cristo, à parusia do Senhor. Isto também é confirmado pelo contexto no qual Mateus colocou o nosso texto. Mt 25.1-13 está localizado no grande contexto das parábolas da parusia, que vai de Mt 24.32 até 25.46.
V — Situação concreta original
A comunidade primitiva vivia, após Páscoa, numa espera ansiosa pela volta de Cristo à terra para se reunir com os seus na grande alegria das bodas. Todavia, os anos passavam, sem que Cristo retornasse. Evidentemente isto gerava na comunidade primitiva apreensão, dúvidas e dificuldades de ordem teológica. O noivo estava demorando. Fazia-se necessário, nesta situação, uma palavra orientadora e admoestadora. As dez virgens, simbolizando a comu-nidade de então, estavam esperando pela vinda de Cristo, o noivo. No entanto, conforme o v.5, o noivo demorava.' Neste contexto o v.5 é, sem dúvida, elemento constitutivo da própria parábola, uma vez que coloca a ênfase na demora do noivo, na sua tardança.
Diante desta colocação e ainda diante do fato de que todas as dez virgens adormeceram, o v.13 parece estar deslocado do sentido teológico original desta parábola. Considerando que este adendo parenético combina muito bem com Mt 24.42, pode-se concluir que ele tenha pertencido originalmente à parábola do servo vigilante.
Conseqüentemente este trecho, ou melhor, esta perícope, pode muito bem ser uma criação da comunidade cristã primitiva. O Sitz im Leben da parábola é a esperança escatológica da comunidade cristã primitiva. E neste sentido Mateus traz a parábola com a intenção de exortar a comunidade a contar com uma possível demora do seu Senhor, usando para tanto elementos conhecidos da comunidade, de maneira alegórica.
VI — Paráfrase do texto
A parábola das dez virgens é uma parábola do Reino de Deus. Parece ser lógico que Mateus não compara o Reino de Deus com dez virgens, mas antes com as bodas, das quais não poderá participar o que não estiver devidamente preparado.
Dez virgens esperam pela vinda festiva do noivo. Cinco dentre elas eram tolas e cinco eram prudentes. Tanto a estultícia como a prudência de maneira nenhuma podem ser caracterizadas como uma qualidade natural ou defeito inato. A própria parábola explica a estultícia e a prudência como uma maneira específica de agir e de ser. Cinco são néscias, porque não contam com a possibilidade de terem que esperar mais tempo. Sua fé, de certa maneira, depende da realização imediata das promessas de Deus. Em contraposição as cinco prudentes são previdentes e levam uma reserva de óleo para reabastecerem as suas lâmpadas na hipótese da demora do noivo.
De fato, o noivo se atrasa. As moças, acometidas de sono, adormecem. Em última análise a vinda do Reino de Deus não depende da atividade e do fazer humano. À meia-noite elas são acordadas por um grito: O noivo vem! Todas arrumam rapidamente as suas lâmpadas para irem de encontro ao noivo. Porém, as tolas notam que as suas lâmpadas estão se apagando e que elas não têm mais óleo. Diante do momento de decisão se revela a sua estultícia, pois não estão preparadas para este momento. No diálogo que agora se desenvolve entre as tolas e as prudentes (v.8-9), poder-se-ia interpretar a negação das prudentes como falta de amor ao próximo, ou ainda, como uma certa justificativa para uma fé individualista e para uma pureza espiritual individual, como normas para a aceitação. É evidente que a fé deve ser compartilhada e que o ser atingido pelo evangelho tem dimensões de engajamento concreto neste mundo. No entanto, diante de Cristo, cada um é responsável pela sua própria atitude de vida e, consequentemente, cada um deve arcar com as consequências de sua tolice.
O óleo não é suficiente para todas e, enquanto vão à busca, o noivo vem, a porta é fechada e tem início a festa de casamento. As tolas, por não saberem esperar, perdem o momento mais importante da sua vida: a alegria da festa.
Mais tarde também vieram as tolas e imploraram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta! Mas era tarde, pois a festa já tinha começado e o noivo respondeu: Eu não conheço vocês, vão embora!
Aqui a analogia do v.12 com Mt 7.23 reforça a opinião de que esta parábola fala realmente do juízo escatológico. E neste sentido a fórmula não vos conheço!, que era conhecida entre os rabinos, pois através dela excluíam por algum tempo os seus discípulos do seu meio, representava para a comunidade primitiva o banimento e a maldição por parte do juiz escatológico.
VII — Conteúdo teológico
A parábola das dez virgens é uma parábola de parusia. Diante da expectativa da vinda iminente de Cristo por pariu da comunidade primitiva, ela quer alertar a comunidade para a eventualidade da sua demora.
Comparando-se a nossa parábola com a anterior, a do servo mau, vê-se que nesta o caráter repentino da vinda do Senhor e a despreocupação do servo são a causa da catástrofe Na parábola das dez virgens, porém, a demora do Senhor e a falta de esperança persistente, determinam a catástrofe para as tolas. Elas são tolas porque não estão precavidas diante da eventual demora do Senhor.
A partir desta colocação, a vigilância se justifica como uma maneira concreta de contar sempre com a vinda do Senhor. Logo, o discipulado cristão, para o qual somos chamados e convocados pelo batismo, concretiza-se pela prudência dos que aqui e agora contam, de maneira ativa, tanto com a demora como com a repentina vinda do Senhor e cuja fé não depende da realização imediata das promessas de Deus.
O discípulo de Cristo sabe da próxima vinda do Reino messiânico e também confia nele, mas, de maneira especial, revela em sua vida diária uma prudência e vigilância prática. Mesmo que o nosso texto fale de uma certa despreocupação diante da vinda do Senhor para a consumação dos séculos, como uma característica marcante do autêntico discipulado cristão (dormir), que sabe que a vinda do Reino de Deus, em última análise, não depende dos homens, mesmo assim e por causa disso, o texto enfatiza a necessidade da constante preparação do cristão como uma manifestação da fé e da obediência ativas na realidade da vida. Em virtude disso o esperar do cristão como um estado de constante preparação para o alegre encontro com o seu Senhor, não tem nada de acomodante e passivo, mas é tremendamente dinâmico, ativo e criativo.
Neste sentido, a consciência do dia do Senhor, como um dia de festa e de alegria, deve ser para o cristão a motivação para ensaiar verdadeiro culto a Deus no mundo. Conforme o nosso texto, três elementos são constitutivos deste autêntico culto a Deus no mundo:
1 – O saber e o confiar incondicionais nas promessas do Senhor, que nos advêm do ouvir e do estudar da sua palavra.
2 – A prudência dos que sabem esperar paciente e confiantemente e estão precavidos tanto diante do caráter repentino da vinda do Senhor, como diante da sua eventual demora.
3 – A vigilância ativa dos que sabem e assimilaram vivencialmente o Evangelho como dádiva de libertação, solidariedade humana e paz integral para todos os homens e que, por isso mesmo, perguntam pelas causas da marginalização de vastas camadas do povo, denunciam-nas e planejam a vida abundante para si e para os outros.
VIII — Reflexões para a prédica
O texto fala da esperança. As moças esperam pela vinda do noivo. Será que a comunidade espera de fato? O que ela espera? Será que eu espero? De acordo com algumas pessoas da comunidade, ela sabe da vinda de Cristo. Ela fala de juízo final, de julgamento. Mas como fala disso? Parece-me que de maneira moralista e legalista. Aparentemente as pessoas têm mais facilidade em falar de Deus como juiz, vingador e condenador que finalmente vai recompensar a minha má sorte, meus sofrimentos e esforços aqui na terra com a promessa da vida eterna. Em compensação vai condenar, rechaçar todos os que agora vivem na abastança, em festas e alegrias e não dão bola para as cousas de Deus e da Igreja. Nisso tudo também transparece uma certa tendência de muitas pessoas na comunidade em assumirem uma atitude julgadora.
Será que isso tudo tem a ver com a nossa maneira de pregar sobre este e outros textos da Bíblia? Creio ser importante destacar na pregação a realidade da vinda de Cristo para este mundo como um ato supremo do amor de Deus. Deus em Cristo vai ao encontro do homem. Acima de tudo a vinda de Cristo representou, representa e representará alegria e festa preparada por Deus para os homens Interessante que a Bíblia usa a metáfora das bodas para falar da vinda e da consumação finai. Será que em nossas pregações destacamos suficientemente este aspecto da alegria e da festa? Ou será que realmente incutimos medo e terror nas pessoas? Será que está certo, quando um membro diz: Xingando com o fim do mundo e o juízo final se quer meter medo nas pessoas, para que busquem mais a fé e se voltem para as igrejas!?
Importa colocar de maneira clara o Evangelho de Jesus Cristo para o homem – o Evangelho que, antes de tudo, é o agir de Deus, o Pai, que em seu Filho vai ao encontro do homem decaído. No nosso texto isto se evidencia concretamente na vinda do noivo para a festa de casamento. Somente porque o noivo vem, a comunidade (no caso, as dez moças) está à espera, está em atividade festiva. Neste contexto, deve ser destacado que o'noivo não vem primeiramente para o juízo, para a condenação, mas sim para a festa de alegria. Desta maneira, o juízo final, simbolizado pela figura das bodas, é expressão de festa e de alegria. Ao mesmo tempo, porém, por parte dos homens pode ser transformado, por culpa própria, em tristeza e desespero total.
Mas o que então é importante na perspectiva da comunidade? O que fazer? Qual o nosso compromisso?
Ë claro e totalmente evangélico conscientizar a comunidade de que o amor de Deus para conosco nos compromete a urna vivência total em amor; de que o fato de sermos aceitos de maneira incondicional e imerecida, nos compromete a uma vida que, num mundo predominantemente de consumo e competição, manifeste em palavra e ação a graça de Deus; de que as promessas de sua volta nos desafiam para uma vida de esperança e confiança persistente. A autêntica esperança cristã é determinada pela maneira como se vive no tempo de espera, que representa o espaço natural da nossa vida aqui e agora.
Neste sentido, o estar preparado para a eventualidade da demora do noivo (como resposta à ação de Deus), não tem nada a ver com uma fé estática, com uma vivência individualista e legalista de fé cristã e nem com uma maneira auto-suficiente de realizar culto a Deus, distante e longe do mundo, num recanto seguro e isolado. Bem pelo contrário, o estar preparado, o ter óleo suficiente, representa a atitude criativa, ativa e até crítica da esperança cristã, que se manifesta na realização de um autêntico culto a Deus neste mundo.
A partir da confiança absoluta na ação de Deus em nosso favor e nas promessas de Deus para nós e para o mundo, o cristão há de perguntar: Como devemos trabalhar para o futuro do mundo? Como podemos ser instrumentos verdadeiros do amor e da justiça de Deus para todos os homens? O que fazer para que todos os homens usufruam de igual maneira das riquezas de Deus nesta terra?
Neste sentido deve ser compreendida a vigilância como uma característica marcante do discipulado cristão. Isto significa que também é inerente ao ser cristão, perguntar pelas razões que impedem uma vida plena e abundante para grande parcela do nosso povo e, ao mesmo tempo, ajudar pessoas para que, como comunidade cristã, protestem contra esta realidade e planejem vida abundante para todos. Somente assim o futuro poderá ser um futuro conforme a vontade de Deus, e a comunidade pode esperar despreocupadamente pelo dia do Senhor.
IX – Bibliografia
– BARRETO, A. D. O anúncio do Reino de Deus. Reflexões sobre as parábolas. 2a ed.. Petrópolis, 1969. – DOERNE. M. Er kommt auch noch heute. 6a ed.. Göttingen. 1972.
– FENTON. J. C. The Gospel of Saint Matthew. London. 1963.
– JEREMIAS. J. Die Gleichnisse Jesu. 5a ed., Göttingen. 1958.
– MESTERS. C. As parábolas. In: Círculos Bíblicos. Vol. 6. Petrópolis, 1973.