Prédica: 2 Tessalonicenses 3.6-13
Autor: Nelson Kilpp
Data: Dia do Trabalhador
Proclamar Libertação – Volume: V
Em Adão fomos todos condenados ao trabalho. (Lutero, Sermão sobre as boas obras)
Através do mandato divino do trabalho, deve surgir um mundo que – conscientemente ou não – espera por Cristo e está caminhando em sua direção: um mundo que está aberto para Cristo, servindo a ele e o glorificando. (Bonhoeffer. Ética)
Time is money (Tempo é dinheiro). (Benjamin Franklin)
...e foi assim que o operário / do edifício em construção que sempre dizia sim. começou a dizer não. / E aprendeu a notar coisas que antes não dava atenção: / notou que sua marmita era o prato do patrão / que sua cerveja preta / era o uísque do patrão / que o casebre onde morava / era a mansão do patrão / que a dureza do seu dia / era a noite do patrão / que sua imensa fadiga / era a amiga do patrão •' E o operário disse: não. (Vinícius de Moraes. Operário em construção)
I – O texto
1 Sugestão de tradução
V.6: Em nome do Senhor Jesus Cristo vos ordenamos, irmãos, que vos afasteis de todo irmão que vive desordenadamente e não conforme a tradição que de nós receberam;
V.7: pois vós mesmos sabeis como é necessário imitar-nos, porque nunca vivemos desordenadamente entre vós,
V.8: nem, tampouco, comemos, de graça, pão de outro. Pelo contrário, trabalhamos, com esforço e em canseira, noite e dia, a fim de não sermos pesados a ninguém de vós.
V.9: Não por não termos o direito, mas para que déssemos, em nós mesmos, um exemplo a ser imitado.
V.10: Além disso, quando estávamos convosco, isto vos ordenamos: se alguém não quiser trabalhar, que também não coma.
V.11: Ouvimos, agora, que alguns entre vós vivem desordenadamente e não trabalham; antes fazem coisas inúteis.
V.12: A estes, porém, ordenamos, e os conclamamos, no Senhor Jesus Cristo, a que trabalhem em tranquilidade e ganhem o seu próprio sustento.
V.13: Mas vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem.
2. Variantes. No v.6 há uma variante de relativo peso. Alguns manuscritos apresentam: conforme a tradição que de nós recebe¬ram, enquanto que o texto de Nestle opta por: que de nós recebestes (sustentada, igualmente, por somente alguns manuscritos). Esta última deve ter sido uma tentativa de harmonizar a forma verbal com o restante do texto, que usa quase sempre a segunda pessoa do plural. Prefira-se, portanto, aqui, a forma mais difícil, ou seja, a terceira pessoa do plural.
3. Delimitação. Para o 159 Domingo após Trindade, da quarta série de perícopes, está previsto 2Ts 3.6-13. Os vv.14-16, no entanto, pertencem ao mesmo bloco, isto é, continuam o pensamento do v.13. Incluindo os vv.14-16 dá-se uma ênfase maior no tema da disciplina comunitária. Permanecendo a perícope como está, somente até o v. 13, o tema central fica delimitado praticamente ao assunto trabalho. Se o pregador optar pela não inclusão dos vv.14-16, deve, pelo menos, tê-los em mente.
II – Considerações preliminares
1. O problema literário. Se 2Ts for considerada uma carta do apóstolo Paulo, iremos encontrar muitas dificuldades literárias insolúveis. Não cabe aqui, no entanto, analisar a situação literária complicada de 2Ts. Quando, a seguir, falamos do apóstolo Paulo como autor, subentenda-se que pode ter sido tanto o apóstolo dos gentios, quanto alguém de sua escola que, anos mais tarde, valeu-se da autoridade do apóstolo para dar mais ênfase a suas exortações.
2. Situação e contexto. 2Ts foi escrita a uma comunidade que vivia numa situação histórica específica, com problemas característicos. Devemos, portanto, cuidar para não absolutizar normas de conduta sugeridas e exigidas no trecho bíblico a seguir tratado. É preciso estender um pouco mais esta parte, porque, de outra maneira, facilmente o pregador poderia cair na tentação de pregar uma ética de trabalho (luterana?) não condizente com a intenção do autor de 2Ts.
A comunidade de Tessalônica estava enfrentando um sério problema. De alguns de seus membros é dito que: vivem desordenadamente e não trabalham; antes fazem coisas inúteis (v.11). Quem são estes membros? Que significa viver desordenadamente? Quais são as coisas consideradas inúteis? Alguns membros da comunidade, não muitos, viviam fora da ordem, ou seja , em nosso caso, eram pessoas preguiçosas que não se preocupavam em trabalhar para conseguir seu sustento e viviam, portanto, às custas da comunidade e de seus membros. Através de um jogo de palavras, no v.11 (ERGAZOMAI – trabalhar; PERIERGAZOMAI – estar por aí muito ocupado), o autor dá a entender que essas pessoas estão sempre muito ocupadas, mas o que fazem são coisas inúteis, que não levam a nada, senão à miséria e ao viver de esmolas. O termo grego, na sua forma adjetivada (PERÍERGOS), pode significar que esses preguiçosos se intrometiam em coisas que não lhes diziam respeito (cf. 1Tm 5.13). Mais adiante, veremos detalhes sobre essas coisas inúteis. Antes, cabe perguntar pelo porquê dessa preguiça de alguns.
O contexto de toda 2Ts nos dá uma explicação sobre a situação da comunidade e os motivos da preguiça de alguns de seus membros. Em 2.1-12, Paulo argumenta que, antes de chegar o dia do Senhor, ainda há de acontecer muita coisa. Provavelmente, algumas pessoa supunham que já tivesse chegado o dia do Senhor. Devemos, portanto, entender a preguiça de alguns como uma consequência ética da convicção de que o dia do Senhor já veio (2Ts 2.2). Trata-se, então, em 2Ts, de um entusiasmo apocalíptico pela iminente vinda de Cristo ou pelo já iniciado reino da perfeição Certa gente acha que o importante, agora, é preparar esta chegada de Cristo (ou viver de acordo com o novo reino). Anunciavam a (iminente) parusia, dela faziam propaganda pública para angariar adeptos, dedicavam-se à oração e meditação. Não é difícil de entender que, para estes, não fazia muito sentido trabalhar, a fim de conseguir o seu sustento corporal. Já que Cristo está às portas, ou o dia do Senhor até já veio, não há mais tempo nem necessidade de trabalhar. Membros da comunidade perdiam a motivação pelo trabalho, ante tal pregação. A consequência foi o rápido empobreci¬mento de um pequeno grupo da comunidade. Este grupo passou, então, a ser sustentado pelo resto da comunidade. É claro que esta atitude de alguns requeria um posicionamento da comunidade toda.
A questão era: uma comunidade cristã admite a preguiça, mesmo que seja uma santa preguiça? E as pessoas não pertencentes à comunidade, o que pensariam elas desse entusiasmo e da ética dele resultante? A atitude de alguns membros podia desacreditar toda a comunidade cristã e o próprio evangelho de Jesus Cristo.
Ao ser informado dessa situação, Paulo teve que fazer uma advertência enérgica. Já em 1Ts advertiu os preguiçosos (4.11$ e 5.14). Mas parece que os seus conselhos não foram seguidos. Agora, em 2Ts, Paulo volta, com mais vigor, a exortar aqueles que andam desordenadamente, ou seja, os que vivem sem importar-se com a ordem divina.
III – O que quer o texto transmitir?
1. A carta é destinada à comunidade de Tessalônica. A maioria da comunidade continua fiel ao apóstolo, ou seja, não se deixou desnortear pela pregação entusiástica de que o dia do Senhor já veio e de que, portanto, não há mais necessidade de ganhar o pão com o suor do rosto (Gn 3.19). A maioria da comunidade não é desordenada. A comunidade toda é chamada a tentar corrigir os que caíram fora da ordem. A primeira atitude neste sentido é a de a comunidade afastar-se dos irmãos preguiçosos. Paulo não quer a expulsão destes, da comunidade. Provavelmente está sugerindo que os preguiçosos sejam temporariamente afastados da Ceia do Senhor e das assembleias da comunidade. Paulo não nega aos preguiçosos a condição de membros da comunidade. Eles ainda recebem o tratamento irmão (v.6).
A comunidade cristã não conhecia, ao contrário de outras associações religiosas da época, o castigo corporal ou a multa em dinheiro. Toda a disciplina comunitária tencionava reconquistar o irmão desviado. Nos w. 13-16, vemos mais claramente que deve ser esta a intenção da disciplina: se alguém não quiser acatar a palavra do apóstolo, deve ser anotado, para que não fique no anonimato, a fim de que se envergonhe e, quem sabe, volte. Ainda assim, deve ser tratado como irmão e não como inimigo (v.15).
2. Quem não quer trabalhar, que não coma. Os que pensavam que o dia do Senhor já havia chegado, desprezavam o trabalho por ser ele algo mundano e, na situação, totalmente desnecessário. A consequência foi que estes, depois de terem esgotado suas próprias fontes, começavam a viver às custas da comunidade. E isto Pauto não aprova. Repete em sua carta o que já havia ensinado quando estava na comunidade: se alguém não quiser trabalhar, que também não coma (v.10). Paulo não fala de pessoas que não podem trabalhar (velhos, doentes, desempregados que não encon¬tram serviço), mas de gente que não quer trabalhar.
Paulo combate toda a atitude decorrente do entusiasmo escatológico, valorizando a ordem natural dada pela criação: no suor do teu rosto comerás o teu pão (Gn 3.19). Isto não está ultrapassado enquanto vivermos neste mundo. Isto não foi deixado de lado depois de Jesus Cristo. É uma ordem da criação de Deus e, portanto, algo bom, que deve ser mantido também pelos cristãos que esperam pela parusia. Se alguém não quer trabalhar, que não coma – isto até faz parte do ensinamento cristão. Paulo ensinou isto aos tessalonicenses (parte de um antigo catecismo?). O apóstolo valoriza a ordem natural da criação divina, e a contrapõe ao entusiasmo apocalíptico, para haver um certo equilíbrio na ética cristã.
3. Além de ter ensinado aos tessalonicenses que o trabalho é algo necessário e bom, o apóstolo deu o bom exemplo. Também ele, quando em Tessalônica, alojado na casa de Jasom (At 17.5), não viveu preguiçosamente, mas trabalhou duro para pagar seu sustento. Diversas vezes (1Co 9.3-14; 2Co 11.7-10) Paulo afirmou que o apóstolo tem o direito de receber o seu sustento, pois também trabalha, mesmo que não braçalmente. Mas, na comunidade de Tessalônica, fez questão de abdicar desse seu direito e ganhar seu próprio sustento. O motivo também está claro, além de querer dar um exemplo, Paulo não quis ser pesado a ninguém.
O exemplo deve confirmar o ensinamento. Quantas vezes a comunidade se fixa bem mais no exemplo externo e concreto, do que em um ensinamento mais ou menos teórico. Quantas vezes um bom ensinamento pode ser esvaziado pelo mau exemplo.
4 Paulo contrapõe à ética decorrente de um entusiasmo escatológico a ética decorrente da realidade das ordens divinas da criação. (Bonhoeffer pp. 70ss, fala em mandatos.) Estas diversas ordens naturais servem para preservar a vida da humanidade. Também o cristão deve viver dentro delas. Ele não pode se arrogar o direito de não mais precisar delas e, por isso, desprezá-las. Os cristãos ainda vivem neste mundo criado por Deus. E Jesus Cristo quer que esperemos por ele dentro das ordens deste mundo. Uma destas ordens é o trabalho, válida tanto no paraíso (Gn 2.15) como dentro do mundo caído (Gn 3.19).
Importante para entendermos a motivação de todas estas exortações de Paulo contra a preguiça, a meu ver, é o termo tranquilidade (HËSYCHÍA) do v.12. O termo também significa sossego, paz. Trabalho não tem nada a ver com afobação, pelo contrário, os preguiçosos é que estão constantemente afobados. A tranquilidade tem algo a ver com Jesus Cristo. Dentro das ordens da criação de Deus, o cristão pode viver e labutar tranquilamente, consciente de que toda a sua obra repousa e está guardada na grande obra de Jesus Cristo: a sua cruz e ressurreição. Talvez esteja fazendo uma super-exegese do termo, mas creio que podemos encontrar nele o elemento especificamente cristão de todo o trecho. Os cristãos vivem e trabalham neste mundo, como todas as outras pessoas, mas com uma diferença: eles .não precisam amarrar-se às ordens e sacrificar-se a elas. Dentro das ordens, esperamos por aquele que delas nos libertou.
IV — Confronto com a nossa situação
1. A nossa situação parece ser totalmente inversa à de 2Ts. Na época de 2Ts, o trabalho era considerado algo secundário pela comunidade cristã. Hoje o trabalho é algo determinante, ao qual sacrificamos a maior parte da vida. Não penso tanto na vida espiritual, mas na vida familiar que é sacrificada ao deus trabalho.
Há um outro ponto: em nosso atual sistema capitalista, o trabalho tornou-se um mero fator de produção, ao lado de outros fatores tão ou até mais importantes. Não dá mais para dizer quem trabalha, tem o que comer, porque o trabalho está tão desvalorizado que muitos não conseguem, através dele, ganhar seu sustento Deveríamos falar em sub-trabalho. E há, por outro lado, aqueles que não precisam trabalhar, porque deixam seu capital e seus empregados trabalharem por eles.
Não é só isso. Sabemos, também, que existem milhares de trabalhadores que querem trabalhar e não têm oportunidade de trabalho. O desemprego é um fantasma que se torna cada vez maior no atua) sistema. Que vamos pregar em tal situação? Seria evangélico pregar uma ética de trabalho? Não seria perigoso pregar uma teologia das ordens, sabendo que as ordens ora vigentes no mundo do trabalho não podem ser consideradas ordens divinas nem cristãs?
2. Lutero valorizou muito o trabalho simples e comum. Conforme o reformador, através de todo o trabalho podemos servir ao nosso próximo. O trabalho é uma maneira de amar o semelhante. Quanto trabalhamos, estamos cumprindo a vontade de Deus. Posteriormente, esta doutrina luterana levou a uma glorificação tão grande do trabalho, que se chegou a pensar que a única coisa que realmente importavam e salvava era ser honesto e trabalhador.
O pietismo, por outro lado, acentuou a oração, a meditação, o culto, a comunhão dos cristãos e o trabalho missionário. A tendência era a de menosprezar o trabalho profissional. O verdadeiro culto inicia depôs da fadiga do dia, nas horas de folga, que podem ser dedicadas à vida religiosa. Ainda hoje existem, em nossas comunidades, essas duas tradições (às vezes mais, na maioria das vezes menos, definidas e caracterizadas): por um lado, dá-se um grande valor ao trabalho realizado para ganhar o pão de cada dia, considerando-o mandamento de Deus; por outro, acha-se que a profissão é um mal necessário e coloca-se o valor na vida espiritual.
Se queremos ser fiéis ao evangelho de Jesus Cristo, não podemos colocar o peso unilateralmente, nem em uma, nem em outra tradição. Creio que o nosso texto, apesar de colocar um determinado peso, por causa da situação específica da comunidade, nos ensina que não devemos encurtar a mensagem evangélica a favor de nenhuma tendência.
A história da Igreja nos mostra como o pêndulo tem ido do espiritualismo, de um lado, à instituição, de outro lado; do entusiasmo à teologia da ordem. E a história também nos ensina que o evangelho de Jesus Cristo não pode ser restrito a determinados graus deste movimento pendular. A pregação do evangelho pode, no entanto, em determinadas situações, ressaltar um ou outro aspecto que julgar necessário ou oportuno. Talvez devamos falar, hoje, em face do desemprego e da falta de oportunidade de trabalho, sobre o direito que todos têm ao trabalho. Talvez seja oportuno pregar e engajar-nos por uma remuneração mais justa e mais digna ao que trabalha. Ou, talvez, devamos recordar que o trabalho cristão sempre quer ser serviço ao próximo.
3. O texto 2Ts 3.6-13 está previsto para ser pregado no Dia do Trabalhador Para quem vamos pregar neste dia? Parece-me que, em um culto regular, os ouvintes estarão reduzidos a um pouco mais do que o núcleo da comunidade, devido a inúmeras outras programações no 1o de Maio. Ou trata-se de um culto especial? Talvez, dentro de uma programação festiva da cooperativa, da indústria ou da firma, para homenagear os seus empregados e funcionários? Aí vale estar alerta e perguntar com que finalidade são feitas essas programações festivas de 1o de Maio. Nelas, geralmente, se glorifica tanto o trabalho e os trabalhadores, mormente os humildes, que dá para desconfiar. Na maioria das vezes, essas programações são patrocinadas pelos patrões, para esconder a exploração e o salário de fome. E os pregadores eclesiásticos serão sempre bem-vindos a essas programações, porque, com sua presença e palavra, sancionam essa exploração. Também deve ser feita a pergunta, se é válido realizar um culto, regular ou festivo, no 1o de Maio, quando existe um movimento legítimo de trabalhadores que se reúnem, neste seu dia, com programação própria. O Dia é do Trabalhador, e não da Igreja. Não caberia, aqui, uma concorrência. No último 1o de Maio, os trabalhadores de São Paulo boicotaram a programação oficial do governo, marcada, com culto ecumênico e jogo de futebol, para o Estádio do Pacaembu. Eles fizeram seu próprio dia em Vila Euclides. A esse respeito disse Luís Inácio da Silva (Lula): Ontem à noite, no sindicato de Osasco, quando discutíamos a festa oficial feita pelo governo no Pacaembu, eu dizia aos trabalhadores presentes que, para cada jogador de futebol famoso que tivesse servido de palhaço no Pacaembu, nós traríamos um dirigente sindical aqui. E para cada inconsciente do Pacaembu, nós traríamos dez trabalhadores conscientes em Vila Euclides. Parece que a coisa aconteceu.
4. A situação em que vivemos é bem diferente daquela que existia na comunidade de Tessalônica. Por isso, devemos ter muito cuidado ao pregar sobre 2Ts 3.6-13. Se não podemos enfatizar, hoje, o mesmo aspecto que o autor tentou enfatizar, podemos, no entanto, descobrir, a partir do texto e do seu pano de fundo, toda a mentalidade e a vivência cristã que levou à exortação de 2Ts 3.6-13.
Os cristãos, como qualquer ateu, vivem na realidade deste mundo, com suas ordens, instituições, falhas. Mas, ao mesmo tempo, os cristãos vivem na esperança da segunda vinda de Jesus e de seu reino. Vivemos, por assim dizer, em duas realidades: a do presente e a do futuro. Devemos, como cristãos, viver na observância das ordens da criação e, ao mesmo tempo, na liberdade do reino vindouro. E este viver entre o fascínio do novo céu e da nova terra e o poder da realidade presente, cria inúmeras tensões. Não podemos evitá-las, nem devemos fugir delas através de um atalho, como ocorreu com os entusiastas de Tessalônica. Estes escolheram fugir da realidade deste mundo para viver num pretenso mundo perfeito. Ainda hoje, cristãos escolhem esse atalho e se refugiam em seu quarto sossegado, numa piedade individualista.
Há, ainda, outros atalhos possíveis. Frente às tensões inerentes à vida cristã, muitos desistem de crer na parusia. Ainda outros perdem a paciência, e tentam construir o Reino de Deus por seus próprios meios, tomando em suas mãos o que é de Deus.
A comunidade cristã, na realidade concreta do trabalho suado e sofrido, deve testemunhar que a sua vida está sendo medida por uma outra realidade: Cristo voltará. Em obediência ao Senhor, que virá em glória, vivemos e realizamos o nosso trabalho de tal forma que o nosso labutar e obrar torna-se expressão e forma de nosso esperar pela parusia. Estamos de volta à expressão trabalhar em tranquilidade (v.12). A tranquilidade reside também no fato de que o Cristo, que morreu por nós, certamente virá, no tempo determinado. Nele está guardada a nossa vida, o nosso trabalho.
5. Na prédica, o tema trabalho pode ser ventilado em muitas direções:
a) Creio que a luta dos trabalhadores em prol de salário mais justo e por melhores condições de trabalho é uma tentativa de reconquistar, para o trabalho, o valor que lhe é conferido pela própria criação divina. Não podemos, portanto, afirmar que greves feitas com essa intenção devam enquadrar-se no dito: se alguém não quiser trabalhar, que também não coma.
b) Nossa pregação deve ter em mente que o texto subentende que todos tenham o direito de trabalhar, ou seja, o direito a um lugar de trabalho onde possam ganhar seu sustento. Também os velhos e doentes têm um lugar em nossa sociedade, mesmo que não sejam fatores de produção. (O v.10 entrou na constituição da União Soviética, mas no sentido de: quem não produz, não tem direito à vida.)
c) O sentido cristão do trabalho é o de servir ao próximo. Quando o cristão nota que os próximos, a quem ele serve através de seu trabalho, são somente os donos das firmas, alguma coisa está errada.
d) Parece-me que o texto fala contra aqueles que deixam outros trabalharem em seu lugar. Creio que a pessoa que deixa o seu capital trabalhando em seu lugar não é muito diferente.
e) A comunidade cristã, em todo caso, não pode afastar-se da problemática do trabalho, em nossos dias. Isso fica bem claro na admoestação do autor de 2Ts 3.6-13, onde a comunidade é conclamada a preocupar-se com os que vivem desordenadamente.
f) Os dirigentes da Igreja (apóstolos?) devem estar conscientes de que, às vezes, ser sustentado pelos que trabalham pode ser um peso adicional para muitos.
6. Para a leitura bíblica, sugiro Mt 6.24-34: a ansiosa solicitude pela vida. Este texto poderia dar um relativo equilíbrio para o tema trabalho. A agenda da IECLB (Dia do Trabalho) recomenda João 9.1-5: a cura de um cego. Sugerido, nesta mesma agenda, é o hino 190 do hinário da IECLB, que trata sobre o tema. Sobre o mesmo tema, cf. também o hino 217. Podemos cantar, também, outros cânticos do capítulo Confiança em Deus.
V – Bibliografia
– VON DOBSCHUETZ, E. Die Tessalonicher – Briefe. In. Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. 7a ed., Goettingen, 1909.
– SE, N. H. Christliche Ethik. 3a ed., Muenchen, 1965.
– BONHOEFFER, D. Ethik. 3a ed., Muenchen, 1958.
– LOEWE. R. Meditação sobre 2 Tessalonicenses 3.6-13. In: Hoeren und fragen. Vol 42. Neukirchen – Vluyn, 1976.